31/05/2008

Projeto Kirchner em perigo


Escrito por Luiz Eça
30-Mai-2008

Apesar de as forças de esquerda ganharem a maioria das eleições na América Latina, nem sempre isso se traduz em mudanças estruturais nos países. Grande parte dos eleitos segue fielmente os preceitos neoliberais. Promovem algumas medidas sociais compensatórias, mas os grandes interesses continuam intocados. Aqueles governos que ousam adotar soluções heterodoxas, intervindo na economia para garantir o desenvolvimento e reduzir as desigualdades, têm de comer o pão que o diabo amassou.

Foi o que aconteceu com Chávez, na Venezuela, alvo de um golpe de Estado; com Morales na Bolívia, onde os cinco estados mais ricos empenham-se numa autêntica rebelião separatista; com Rafael Corrêa, no Equador, em permanente luta com uma assembléia hostil.

Agora, chegou a vez de Cristina Kirchner, na Argentina. Tendo assumido a presidência no início do ano, ela é uma continuadora do projeto de desenvolvimento do Estado argentino de Nestor Kirchner, seu antecessor e marido.

Quando Kirchner assumiu, em 2003, a Argentina estava na bancarrota, com um PIB de 20% negativo. Nos 5 anos do seu governo, este quadro mudou radicalmente. A taxa média de crescimento da Argentina alcançou 8,7% - a mais alta do hemisfério ocidental, três vezes maior do que a média da América Latina. A pobreza foi reduzida de 54% para 23% da população. E o desemprego caiu de 21%, em 2002, para 8,5%, em 2007.

Para conseguir esses resultados, Kirchner rompeu com o FMI e contrariou os mais caros princípios dessa instituição. Forçou a renegociação de 75% da dívida externa de 178 bilhões de dólares para 1/3 do seu valor. Baixou os juros para menos de 10% ao ano – estimulando a indústria - e criou um imposto sobre as exportações de grãos que indiretamente atingia também a carne. Isso forçou a desvalorização do peso e a apreciação do dólar, tornando as exportações mais competitivas. No caso da soja, mesmo com o imposto de 35%, os lucros eram muito compensadores, pois rapidamente o cultivo desse cereal alcançou 50% da área plantada no país.

Claro,o projeto Kirchner teve de enfrentar forte oposição interna e externa. Mas o ataque principal veio agora. Com a grande elevação do preço internacional da soja, Cristina Kirchner decidiu elevar também a taxa de exportação para 42%. Além de contribuir para manter o dólar apreciado e o peso desvalorizado, buscava-se aumentar os recursos para programas sociais e impedir uma exagerada escalada da exportação do cereal e o seu conseqüente desaparecimento do mercado interno.

Os agricultores, aliados aos pecuaristas, reagiram com um "lock-out", seguido pelo bloqueio de centenas de estradas da Argentina, impedindo o abastecimento de Buenos Aires e outras cidades, não só de cereais, mas também de carne. O que é muito grave, pois como diz o jornal inglês The Independen: "privar os argentinos de bifes deixa-os na pior das disposições; seria o mesmo que privar os italianos de massa e os franceses de queijo".

Essa situação durou 21 dias e, juntamente com a escassez, trouxe um aumento da inflação, já alta no início do governo de Cristina Kirchner. Estima-se que passe de 20%.

O governo reagiu, fazendo concessões. Os 62 mil pequenos produtores foram beneficiados com a devolução automática do imposto de exportação e a oferta de créditos em condições facilitadas no banco estatal.

Por sua vez, os agricultores concordaram em suspender temporariamente suas ações enquanto se procurava um entendimento com as autoridades. Mas não se chegou a um acordo. E o "lock-out" foi reiniciado.

O governo está em situação difícil. Mesmo que os pequenos agricultores saiam do movimento, os grandes são suficientes para deixarem as prateleiras dos supermercados vazias. Há uma extrema concentração da propriedade agrícola na Argentina. No caso da soja, por exemplo, 20% dos fazendeiros detêm 80% da produção, sendo que 2,2% respondem por 46%.

Por enquanto, a indústria, o comércio e as empresas de serviços estão fora, limitando-se a fazerem apelos pela concórdia. Estes setores parecem conscientes de que seu grande crescimento deve-se à política econômica dos Kirchner.

Agora, porém, as associações agropecuárias fizeram um apelo para que a indústria e o comércio do interior também adiram ao "lock-out". E têm chance de serem atendidos, pois dominam a política local.

O governo encontra-se fragilizado. O povo responsabiliza-o pela inflação e a escassez de alimentos. Haja vista a fulminante queda de popularidade de Cristina Kirchner, cuja aprovação despencou de 56% em fins de dezembro para 26% em maio.

Para a deputada Patricia Vaca Narvaja, vice-presidente do Legislativo, a revolta do campo não é uma "reivindicação pontual", de redução da taxa de exportação, mas um confronto com o modelo econômico da era Kirchner.

Tudo indica que ela deve ter razão.

Novas concessões feitas por Cristina em 29 de maio foram repelidas pelas lideranças rurais que sequer as examinaram. Com o apoio popular, sentem-se fortes para exigir o que mais lhes interessa que é a revogação total do imposto sobre exportações de "commodities", visando aumentar seus lucros. A sobrevivência de um projeto que tirou a Argentina do buraco depende da capacidade do governo resistir.

Luiz Eça é jornalista.

30/05/2008

Cuba passa por algumas transformações

Cuba passa por algumas transformações. É claro, tudo se transforma, nada é parado, nos ensina a dialética. Até os EUA passam por transformações, que, no caso, envolvem uma crise econômica e moral profunda. Mas as transformações em Cuba nada têm a ver com um retorno ao capitalismo (para a frustração dos mafiosos de Miami). Pelo contrário, a superação de grandes dificuldades econômicas provocadas pelo bloqueio imposto pelo governo “americano” e pelo fim do apoio recebido do bloco socialista é a superação de uma fase, conhecida como “período especial”. Para isso contribuíram alguns apoios externos, como da Venezuela, da China e até do Brasil, com o envio de petróleo e turistas a um preço camarada. É mais barato passar uma férias em Cuba do que em um hotel médio de Salvador, por exemplo. E a questão energética está sendo resolvida, não só com petróleo venezuelano, mas com produção própria – é verdade que ainda pequena mas crescente e com grande potencial, com auxílio, inclusive, da Petrobras – e com sistemas de economia de energia. A substituição de lâmpadas incandescentes por lâmpadas a gás, por exemplo, resultou em uma economia substancial, de forma que agora é possível, ao cubano comum, ter novos eletrodomésticos, como geladeiras mais eficientes. Até telefones celulares estão se tornando populares, não por estar havendo alguma abertura para o capitalismo, mas simplesmente pelo crescimento econômico. E computadores, se os cubanos não os têm mais é pela dificuldade de acesso, controlado pelos “americanos”. O crescimento do PIB cubano foi um dos maiores da América Latina, nos últimos anos (da ordem de 12%), mas o PIB não significa muita coisa: apenas o tamanho geral da economia (envolvendo até o tamanho dos desperdícios e ações anti-sociais, comuns nos países de grande PIB), mas não a qualidade dessa economia. E é na qualidade que Cuba mais se destaca. A qualidade de vida, que envolve a igualdade de oportunidades, a saúde, a educação, a cultura, os esportes, tem em Cuba um máximo se compararmos com quase todos os países do mundo. O IDH – Índice de Desenvolvimento Humano de Cuba também é um dos maiores da América Latina, mas também não reflete, como o PIB, a qualidade de vida. O IDH calculado pela CEPAL / ONU é baseado em três variáveis: saúde, educação e renda per capita. Ora, essa última variável apresenta problemas. Primeiro, como é uma média, não reflete a igualdade da distribuição da renda. Segundo, num país em que o Estado fornece educação e saúde de boa qualidade sem que o cidadão tenha que pagar com sua renda individual; onde a moradia (aluguel) representa parcela muito pequena da renda; onde as atividades culturais, esportivas e de lazer são abertas a todos, em geral de graça, a renda per capita não tem o mesmo sentido que tem em países onde o cidadão tem que pagar por tudo com o seu salário. Assim, se expurgarmos do cálculo do IDH essa variável da renda, não há dúvida de que Cuba teria um dos maiores IDH não só da América Latina, mas do mundo.
Se adotarmos o conceito de qualidade de vida dominante nas sociedades capitalistas, de que o importante é ter coisas, consumir luxo, ostentar riqueza, desperdiçar recursos, então é certo que Cuba não tem essa qualidade. É um país pobre, sabotado pelo Império, e não pode ter esse tipo de qualidade. E nem quer, pois se orgulha de ter uma racionalidade econômica voltada para o social, para um desenvolvimento pleno do indivíduo dentro do social.
Existe, ainda, a crítica de que esse desenvolvimento exigiu características capitalistas da economia: empresas estrangeiras controlam hotéis turísticos, por exemplo; admite-se que algumas pessoas tenham lucro; o investimento externo é bem vindo e, é claro, está associado a uma remessa de lucros; o turismo e os dólares vindos dos cubanos residindo nos EUA são um ingresso significativo. Algumas características capitalistas não constituem um capitalismo. No socialismo em estágio inicial, de implantação, é necessária uma fase de adaptação. Não vamos aqui analisar o socialismo de mercado dos chineses, ou a Nova Política Econômica de Lênin, pois são coisas distintas. O que importa, é que são adaptações sob controle de um Estado com planejamento central que libera ações descentralizadas, empresariais, porém sob controle democrático.
Aqui entramos em outra questão: a da democracia. Acusam Cuba de estar conseguindo esse grande desenvolvimento, assim como a China, à custa de um sacrifício da democracia. Nada mais falso. A democracia cubana é simplesmente de qualidade diferente da democracia burguesa, onde o poder econômico de uma classe dominante minoritária dita os resultados das eleições, os conteúdos da cultura, da educação, do pensamento, pela manipulação dos mecanismos de formação das opiniões, pelo estímulo ao individualismo egoísta, pela alienação e enganação. Em Cuba as eleições são mais democráticas: não sofrem influência de qualquer partido; vota-se em pessoas conhecidas, que trabalham ou vivem com os eleitores, que não têm interesse em tirar vantagem pessoal. Destas, as eleitas reúnem-se em Assembléias do Poder Popular que escolhem, entre os eleitos pelo povo, os representantes nos níveis superiores de direção, até chegar à direção máxima, que naturalmente cabe aos grandes líderes. Dizem que há repressão aos opositores. Também isso é falso. Certamente há repressão a ações de sabotagem, a articulações comandadas e subvencionadas pelo Império, pois a revolução democrática tem que ser protegida. São inúmeros os atos de sabotagem, de terrorismo, de assassinatos e tentativas comandados pelo Império, além de todos os bloqueios que este exerce, econômicos, comerciais, culturais e de informação. Assim, cabe ao povo cubano manter a guarda. Quanto à liberdade de manifestar opinião, esta é total, desde que não articulada com as ações desestabilizadoras. E a opinião pública cubana é muito bem informada. A televisão e o rádio colocam todas as notícias e problemas políticos em discussão. O cubano tem sempre uma opinião a dar, um discurso a fazer, um texto a comentar. Certamente há os insatisfeitos. Por exemplo, em uma de minhas idas a Cuba, nas décadas de 80 e 90, sempre a serviço da ONU (ONUDI), encontrei no passeio da orla (o Malecón), um jovem muito insatisfeito, querendo emigrar. Reclamava que seu salário era muito baixo, e eu perguntei qual era seu trabalho. Ele me disse que era estudante, e eu tive que explicar que nos países capitalistas, em geral, o estudante paga para estudar, e não recebe um salário para isso. Enfim, existem alguns problemas de informação, ou de formação política, causados por uma descrença estimulada de fora, por uma ilusão de que lá fora tudo é melhor, veja as novelas brasileiras, que lindo, é tudo rico... Nós sabemos como é isso.

Ernesto
abril 2008

Violência acompanha crescimento econômico

Pedro Carranode Curitiba (PR)
Uma das regiões de maior conflito entre o capital, movimentos sociais e povos originários é a faixa de expansão do agronegócio que abarca os Estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia. De acordo com dados da entidade, 54% do total dos conflitos de terra no Brasil aconteceram nessa faixa da Amazônia. Esse modelo foi implantado na região desde a expansão da fronteira agrícola, realizada durante a ditadura militar, nas décadas de 1970 e 1980. Também é a área com maior índice de trabalho escravo. “A incidência de trabalho escravo está concentrada nas regiões de expansão agropecuária da Amazônia e do Cerrado”, descreve Leonardo Sakamoto, da agência de notícias Repórter Brasil. Os municípios ao redor dos projetos econômicos contam com um grande inchaço populacional. Atualmente, os interesses econômicos, de acordo com José Batista Afonso, da CPT, estão no crescimento do negócio da pecuária, do minério de ferro e da soja no mercado mundial (o Brasil tornou-se o maior exportador mundial do grão), expandindo a produção sobre a floresta amazônica e causando a repressão dos trabalhadores assentados na região. “Com o aquecimento do valor de commodities internacionais e créditos, a violência contra pessoas e florestas aumenta”, argumenta Batista. Segundo dados da própria entidade, em 2007, foram registrados 905 manifestações contra as arbitrariedades das empresas e departamentos governamentais.

Lógica financeira permeia a venda da Nossa Caixa, último banco público de SP


Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader
28-Mai-2008

Com o avanço cada vez maior das tratativas em se vender a Nossa Caixa, provavelmente para o Banco do Brasil, o Correio da Cidadania volta a conversar com Dirceu Travesso – demitido há poucos dias da Nossa Caixa e ainda não reintegrado – a respeito do que representa a negociação e os prejuízos a serem sofridos pela população de São Paulo.

Para o sindicalista e dirigente do PSTU, os trabalhadores e todo o conjunto da população têm urgência em se unir no debate para que se mantenha um banco público de fomento dentro do estado. No entanto, este deveria seguir a lógica de atender aos interesses da maioria, deixando em segundo plano a disputa de mercado e priorizando áreas como saúde, educação e saneamento básico.

Confira, a seguir, a entrevista completa.

Correio da Cidadania: Primeiramente, o que significa para São Paulo e o Brasil a negociação para a venda da Nossa Caixa?

Dirceu Travesso: Creio ser algo que pode aparecer com um outro conteúdo, deve-se olhar com atenção. Na verdade, segue o curso do processo de privatização do Brasil, que desmonta todo o patrimônio público construído nas últimas décadas. Esse processo começou lá atrás, no governo Collor, e avançou no governo Fernando Henrique. No final deste, acabou sendo momentaneamente bloqueado, pelo menos na forma como estava sendo feito, com a entrega completa do patrimônio público. No passado, aqui em São Paulo, isso envolveu a Eletropaulo, Banespa etc. Depois, com a experiência da população e o significado dessas privatizações, acabou virando tema de campanha do Lula, inclusive.

A aparência desse processo é a de que um banco estatal comprando outro estatal deixaria tudo da mesma forma. Na nossa opinião, não é assim. Na medida em que se acaba com o último banco público de São Paulo, de uma forma ou outra, o estado, com toda sua importância política e econômica, a partir de agora deixa de possuir um banco público. Tinha dois, a Nossa Caixa e o Banespa. Caso a venda se consume, deixamos de ter banco estatal em São Paulo.

O ponto é que o processo de compra conduzido pelo Banco do Brasil em relação à Nossa Caixa não segue uma lógica de fortalecimento do espaço do banco público. É uma resposta do BB dentro da lógica de disputa de mercado, com o mesmo conteúdo que a iniciativa privada carrega, seja Bradesco, Itaú, Santander...

Ainda por cima usam mesmo esse argumento da disputa. Dizem ser uma resposta ao espaço ocupado pelos bancos privados no mercado.

Em São Paulo, é essa a política. O Serra foi derrotado na tentativa de privatizar a CESP, pois, a partir da resistência (infelizmente sem grandes mobilizações, mas combinada com alguma iniciativa de sindicatos, a luta jurídica e as próprias contradições que estavam colocadas entre os setores que a disputavam), não se permitiu ir adiante com a venda. O próprio governo deu uma declaração nesse sentido. Quando perguntado por que não faria o leilão, respondeu que encontraria resistência, seria questionado pela sociedade, a Assembléia Legislativa não aprovaria... Enfim, não conseguiu vender.

Portanto, quando ele olha para o Banco do Brasil, acredita que, ao fazer um acordo com o governo federal, consegue desbloquear a oposição e vender a Nossa Caixa, como queria fazer com a CESP. Evidentemente, há uma diferença, pois nesse momento não está sendo entregue diretamente ao capital privado, mas essa é a lógica. Infelizmente, não temos dúvida quanto a isso. Nessa lógica, além do prejuízo que representará para a população o fechamento do último banco público de São Paulo, também vão pagar os trabalhadores dos dois bancos, pois, com o passar do tempo, haverá o problema de agências que se sobrepõem, número de funcionários que se torna excessivo, entre outras coisas. O termo correto, de acordo com o que eles falam, é gerar sinergia na grande empresa para a disputa de mercado. Essa sinergia é alimentada inevitavelmente por corte de custos. Essa sempre é a lógica.

CC: Qual seria o grande interesse do governo de São Paulo na venda do banco?

DT: O certo é que o governo de São Paulo leva muito dinheiro. O plano do Serra era esse. Ele necessitava fazer cortes e levantar dinheiro com a venda das estatais para que se mantenha o calendário do pagamento de dívidas e seus projetos eleitorais, que estão por trás do problema. Fora isso, quanto ao possível andamento de outras negociações, fica uma grande dúvida. Sendo assim, no atual momento, o PSDB e o PT - que se dizem oposições, mas se aproximam de forma acentuada - deixam dúvidas em São Paulo sobre o que mais estaria sendo negociado.

Acho que na esteira dessa negociação pode até aparecer a resolução, por parte do governo federal, dos problemas que o governo estadual teve em torno da venda da CESP, relativos à discussão dos contratos, à prorrogação da autorização para exploração e ao debate em torno de barreiras legais, coisas que naquele momento dificultaram a venda e geraram reclamações de setores do capital.

Eis a minha dúvida, se daqui a pouco não aparece uma resolução por parte do governo federal para todos os problemas jurídicos existentes na questão.

CC: Com tudo isso posto à mesa, poderíamos considerar a negociação com o Banco do Brasil uma mera privatização disfarçada?

DT: Não temos dúvidas de que, infelizmente, o que está contido nesse processo é o fortalecimento da lógica privada do sistema financeiro, ainda que o coloquem como uma negociação entre dois bancos públicos. É uma disputa na qual os bancos perdem cada vez mais o caráter social e passam a ser o que são os grandes bancos privados.

Os bancos públicos não conseguem mais cumprir seu verdadeiro papel, que deveria ser um espaço para fomentar o desenvolvimento, conceder crédito barato à população, de forma que as parcelas de baixa renda pudessem ter oportunidades de suprir suas necessidades.

Agora, funcionam na mesma lógica dos grandes bancos privados, a de gerar grandes lucros ao Estado para investimento no déficit orçamentário e no pagamento de dívidas.

É uma venda entre bancos estatais, mas que segue a mesma lógica das privatizações. Não posso dizer que é privatização, pois é um banco estatal quem está comprando, mas posso dizer que a venda se enquadra na lógica de fortalecimento dessa idéia privada de gerar lucros para especuladores, não para a maioria da população.

CC: Com a venda da Nossa Caixa, São Paulo não perde ademais um banco de fomento?

DT: Trata-se de um banco estatal que pode ser transformado exatamente num banco de fomento, de investimento, voltado aos setores mais pauperizados da população. Hoje, a Nossa Caixa cumpre um papel nesse sentido, porém, muito mais secundário do que antes, o que também tem a ver com a política implementada dentro do banco. No entanto, essa não é uma justificativa para deixarmos de defender a Nossa Caixa. Pelo contrário, temos de lutar pela manutenção do banco público e lutar para transformá-lo, com políticas de financiamento, de saneamento, educação, moradia e outras questões que os bancos não contemplam, ou então o fazem sob a lógica do capital. Enfim, lutar para que ele cumpra seu papel de fomento ao desenvolvimento e atendimento às necessidades da população do estado.

Entretanto, precisaríamos de outro debate para chegar a isso, que é a discussão sobre o controle das instituições públicas por parte dos trabalhadores e da sociedade realmente interessada na sua utilização, pois da forma como funcionam hoje apenas cumprem um papel semelhante ao da iniciativa privada.

É evidente que a venda ao Banco do Brasil elimina qualquer possibilidade de no futuro termos um banco público em São Paulo. Independentemente dos problemas das políticas de gestão, havendo outro tipo de administração, pode existir o cumprimento do papel de fomento. Não existindo mais o banco, no entanto, São Paulo perde a última chance de possuir dentro do estado um banco público de incentivo a várias áreas.

CC: Você faria alguma comparação entre a privatização do Banespa e o que está em jogo agora?

DT: Lá atrás, quando houve a privatização do Banespa, a negociação ficou pendurada por um tempo até que pudesse ser feita. Enquanto os banqueiros nacionais - Bradesco, Itaú e Unibanco fundamentalmente - não chegaram a um acordo, que na verdade era parte do projeto de privatizações daquele momento, enquanto não tiveram a certeza de que ganhavam peso não só no sistema financeiro, mas também com aquisições como a da Vale e tantas outras, o governo Fernando Henrique não conseguiu executar a venda do Banespa, independentemente de todas as resistências, mobilizações e greves.

Houve uma negociação, além da mobilização do funcionalismo do Banespa (forte e importante), e nela havia setores dos banqueiros privados que ajudaram a alimentar uma guerra jurídica que foi travando a privatização do Banespa.

Imagino que os senhores do capital já estejam negociando outras vantagens para permitir a venda ao Banco do Brasil. E essas outras vantagens vão aparecer logo na seqüência, quando ordenarem a venda da CESP, do Metrô – cuja privatização o governo pretende avançar -, da Sabesp.

Além do mais, há outro problema: o governo Lula topar comprar uma estatal do Serra, de uma forma ou outra, legitima o próximo movimento do governador, que é a venda de todas as estatais. Afinal, se pode vender a Nossa Caixa, por que não vender todo o resto da chepa da feira? Pois é nisso que o Serra vai tentar transformar as demais empresas públicas do estado de São Paulo, entre elas CDHU, IPT, Sabesp, Cetesb, Metrô, CESP.

CC: E caso a negociação seja levada adiante, como deverá ser, qual a melhor saída para a Nossa Caixa?

DT: Aqui, a única possibilidade seria uma mobilização dos funcionários, chamando o sindicato para cumprir outro papel, pois até agora só exigem uma cláusula que garanta estabilidade aos funcionários. Não tenho dúvida de que os bancos podem mesmo colocar isso na negociação, uma cláusula que dure um ou dois anos no máximo.

Pela experiência que temos no sistema financeiro, quando se dão essas privatizações de incorporação, o comprador precisa de um prazo para absorver toda a massa que ele está adquirindo e, a partir daí, se adaptar, entender as lógicas de funcionamento interno. Passado um determinado período, conforme já tenham assimilado as mudanças, começam as demissões. Acredito ser isso o que vai acontecer na Nossa Caixa.

Qual a saída? Uma campanha forte do conjunto da população do estado, discutindo que está em jogo o último banco público de São Paulo. Não é uma negociação entre Lula e Serra. Aqui se está discutindo o patrimônio público do povo do estado. E a venda de uma estatal, sem dúvida, precisaria da aprovação de seu povo.

O BB é um banco brasileiro, mas está em outro patamar. O estado e o povo de São Paulo perdem seu último banco público, a última oportunidade de ter um banco de fomento que pudesse cumprir outro papel, de investimento com lógica social, seja através de saneamento, vias públicas, iluminação ou habitação. Não pela lógica do grande capital privado, dos Bradescos e Itaús da vida.

CC: Entre as opções de venda, via leilão no mercado ou para o BB, tem havido uma acomodação com a idéia da última como a melhor, não?

DT: Esse é o problema. Tal opção não se coloca para nós, pois acreditamos que, com qualquer uma dessas opções, quem vai perder é a classe trabalhadora, o povo do estado de São Paulo. Podemos dizer que, no limite, se vai para o BB é melhor, como argumentam por aí. Esse pensamento de que ‘já que vai vender, que seja para o Banco do Brasil’ aceita a lógica neoliberal, na qual não são necessários o banco e a empresa pública. Aceitar isso corrobora e legitima todas essas privatizações, mesmo que a venda seja para o BB. É como as PPPs (Parceria Público-Privada) do Lula no Planalto. Ao fazer as PPPs, o governo Lula legitima o movimento dos tucanos e dos setores neoliberais. Afinal, se o Lula faz, por que eles não podem praticar o mesmo em São Paulo? Essa é a lógica, e nós nos negamos a aceitar o cardápio no qual temos de escolher entre o ruim e o péssimo.

Queremos debater outra lógica. O papel dos trabalhadores e suas representações é discutir outro projeto, não apenas aceitar a lógica do mercado, que inevitavelmente vai levar à discussão de outras privatizações das empresas de outros segmentos em São Paulo. Nós achamos que essa não é a lógica da classe trabalhadora, que deve discutir outro modelo, outro projeto.

De toda forma, esse processo revela uma lógica de se render ao mercado, fortalecendo o pensamento da banca nacional. A lucratividade dos bancos nacionais, inclusive estatais, é escandalosa e segue a lógica de gerar dinheiro não para o estado, propiciando benefícios à população, mas para suprir o déficit orçamentário e o pagamento de dívidas, a partir do superávit primário. E, por outro lado, para gerar lucro aos que já investem também nesses bancos e têm ações no mercado.

CC: Mas será essa a posição do sindicato perante a venda?

DT: Nós, da oposição, achamos que deveria ser, mas infelizmente a diretoria do Sindicato dos Bancários de São Paulo defende uma lógica de que esse processo é positivo, de que é melhor vender para o Banco do Brasil do que para o Itaú ou Bradesco, e no momento não promovem essa discussão que proponho aqui, a do significado da perda do último banco estatal. A única coisa que discutem é a estabilidade dos funcionários.

É preciso debater a defesa do banco público, uma necessidade muito importante para os trabalhadores paulistas. Um banco público que fosse econômico, que pudesse investir em saúde, educação, moradia, saneamento, enfim, um banco de fomento.

CC: O que os atuais funcionários do banco podem esperar para o futuro?

DT: Acho que não podem esperar, devem começar desde já a exigir de seu sindicato uma campanha que discuta o que vai acontecer com o banco, que defenda a Nossa Caixa como banco público de São Paulo, que exija que não seja extinto e siga existindo como banco de interesse da maioria da população. Ao invés de esperar, devemos exigir imediatamente que os sindicatos convoquem plenárias e assembléias, um encontro do funcionalismo, chamar os setores sociais do estado, de todos os segmentos, pois a perda do último banco de São Paulo é um prejuízo para toda população.
Fonte: Correio da Cidadania

29/05/2008

Corrupção no governo do Rio Grande do Sul

Por Paulo Henrique Amorim
O Ministério Público Federal, no Rio Grande do Sul, pediu indiciamento dos acusados de fraudar o sistema de concessão de carteira de habilitação no Rio Grande do Sul. (clique aqui para ler na Folha (*).
A pequena nota da Folha ignora dois fatos importantes: o esquema estava indissoluvelmente ligado à caixa do PSDB no Rio Grande do Sul. . Era uma ligação tão íntima quanto a de Ricardo Sérgio de Oliveira com as campanhas de Fernando Henrique Cardoso e José Serra.
A segunda circunstância que a Folha ignora é que há uma acusação grave de que a Governadora Yeda Crusius não tomou as providências que deveria tomar, quando soube que herdara de Germano Rigotto aquela “usina de roubalheira”.
Se o escândalo tivesse estourado no colo do Governador Olívio Dutra, a fúria do PiG e da Folha teria tido de intensidade diferente.
(*) Instigado pelo Azenha – clique aqui para ir ao Viomundo – acabei de ler o excelente livro “Cães de Guarda – jornalistas e censores do AI-5 à Constituição de 1989”, de Beatriz Kushnir, Boitempo Editorial, que trata das relações especiais da Folha (e a Folha da Tarde) com a repressão dos anos militares. Octavio Frias Filho, publisher da Folha (da Tarde), não quis dar entrevista a Kushnir.
Fonte: site de notícias Conversa Afiada, www.conversaafiada.com.br

Nota do Comitê Central do PCB

Às
FARC - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
Prezados Camaradas:
O Partido Comunista Brasileiro (PCB), rende sua homenagem a um dos mais importantes revolucionários da América Latina, o Comandante Manuel Marulanda, cuja vida servirá de exemplo para as atuais e as futuras gerações latino-americanas e de todas as partes do mundo, na luta anti-imperialista e por um mundo socialista.
Nosso Partido tem se dedicado, aqui no Brasil, a dar solidariedade à luta do povo colombiano contra o estado terrorista que a burguesia mantém há décadas em seu país e a fazer um contraponto à campanha midiática que procura desconhecer o caráter político das FARC, como força beligerante e insurgente.
Um abraço internacionalista.
A luta continua e a vitória é certa!
Camarada Marulanda, presente!

Comitê Central do PCB
Ivan Pinheiro
Secretário Geral

28/05/2008

“A CULPA É DOS MIGRANTES”

Paulo Henrique Amorim
A Folha (da Tarde (*) de S. Paulo não considerou tão relevante que merecesse a primeira página uma informação impressionante: das 4.830 escolas de São Paulo avaliadas pelo Enem no ano passado, a melhor escola da rede ESTADUAL, quer dizer, do Governo do "presidente eleito" José Serra, não passa de 913ª. posição.

913ª. posição !

Que beleza !

É a comprovação de que São Paulo é a Chuíça brasileira: crescimento econômico da China e IDH da Suíça.

Quando candidato a governador de São Paulo, depois de assinar na Folha documento em que se comprometia a ser prefeito de São Paulo até o fim do mandato, o "presidente eleito" deu entrevista a Chico Pinheiro, na Globo de São Paulo:

Chico perguntou como ele explicava as notas baixas das escolas públicas de São Paulo – estado que os tucanos controlavam, então, há doze anos.

A resposta de Serra foi taxativa: a culpa é dos migrantes.

Quer dizer, dos nordestinos.

O portal UOL colocou essa resposta numa manchete e Serra recorreu ao velho hábito de praticar a liberdade de imprensa: pediu a cabeça do responsável por aquela barbaridade: reproduzir por escrito uma declaração que ele tinha acabado de dar à Rede Globo ...

A reportagem que a Folha escondeu da primeira página e é primeira página no jornal Agora, do Grupo Folha.
De quem será a culpa agora ?
Provavelmente dos funcionários da Nossa Caixa, que não querem que Serra venda o banco sem licitação.

O Conversa Afiada já demonstrou que Serra não está interessado em vender bem a Nossa Caixa, mas vender rápido. (clique aqui para ler)

É o que demonstra reportagem – aí, sim, na primeira página da Folha – de hoje: Serra já entregou os dados da Nossa Caixa ao Banco do Brasil. (clique aqui para ler)
Rapidinho.

Do jeito que ele gosta: se colar, colou.

(*) Instigado pelo Azenha – clique aqui para ir ao Viomundo – acabei de ler o excelente livro “Cães de Guarda – jornalistas e censores do AI-5 à Constituição de 1989”, de Beatriz Kushnir, Boitempo Editorial, que trata das relações especiais da Folha (e a Folha da Tarde) com a repressão dos anos militares. Octavio Frias Filho, publisher da Folha (da Tarde), não quis dar entrevista a Kushnir.

27/05/2008

Homenaje a Manuel Marulanda

Traducido para Cubadebate, Rebelión y Tlaxcala por Manuel Talens.
Dibujo de José Mercader.

Pedro Antonio Marín Marín, más conocido como Manuel Marulanda Vélez y “Tirofijo”, era el líder máximo de las Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC). Fue, sin duda alguna, el campesino revolucionario más grande de la historia del continente americano. Durante sesenta años organizó movimientos campesinos y comunidades rurales y, cuando todas las vías democráticas legales se le cerraron de forma brutal, creó el ejército guerrillero más poderoso de América Latina y las milicias clandestinas que lo sustentaban. En su época de mayor apogeo, entre 1999 y 2005, las FARC contaban con casi 20.000 combatientes, varios cientos de miles de campesinos activistas y cientos de unidades de milicias comunales y urbanas. Incluso hoy, a pesar del desplazamiento forzoso de tres millones de campesinos como resultado de las políticas de tierra quemada y las masacres del gobierno, las FARC tienen entre 10.000 y 15.000 guerrilleros en sus numerosos frentes distribuidos por todo el país.
Lo que hace tan importantes los logros de Marulanda son sus habilidades organizativas, su agudeza estratégica y sus intransigentes posiciones programáticas, basadas en el apoyo a las exigencias populares. Más que cualquier otro líder guerrillero, Marulanda, tenía una compenetración sin par con los pobres de las zonas campesinas, los sin tierra, los cultivadores indigentes y los refugiados rurales durante tres generaciones.
Tras empezar en 1964 con dos docenas de campesinos que habían huido de pueblos devastados por una ofensiva militar dirigida por USA, Marulanda construyó metódicamente un ejército guerrillero revolucionario sin contribuciones económicas o materiales extranjeras. Más que cualquier otro líder guerrillero, Marulanda fue un gran maestro político rural. Las extraordinarias dotes organizativas de Marulanda se fueron refinando a través de su íntima vinculación con el campesinado. Como había crecido en una familia de campesinos pobres, vivió entre ellos cultivando y organizándolos: hablaba su mismo lenguaje, se ocupaba de sus necesidades diarias más básicas y de sus esperanzas de futuro. De manera conceptual, pero también a través de la experiencia cotidiana, Marulanda realizó una serie de operaciones políticas y militares estratégicas basadas en su brillante conocimiento del terreno geográfico y humano. Desde 1964 hasta su muerte, Marulanda derrotó o eludió al menos siete importantes ofensivas militares financiadas con más de siete mil millones de dólares de ayuda militar usamericana, que incluía miles de “boinas verdes”, cuerpos especiales, mercenarios, más de 250.000 militares colombianos y 35.000 paramilitares integrados en escuadrones de la muerte.
A diferencia de Cuba o Nicarangua, Marulanda construyó una base masiva organizada y entrenó una dirigencia en gran parte rural; declaró abiertamente su programa socialista y nunca recibió apoyo político o material de los denominados “capitalistas progresistas”. A diferencia de los corruptos y codiciosos gánsteres de Batista y Somoza, que saqueaban y se retiraban bajo presión, el ejército de Colombia era un formidable aparato represor, altamente entrenado y disciplinado, reforzado además por homicidas escuadrones de la muerte. A diferencia de otros muchos famosos guerrilleros “de afiche”, Marulanda fue un auténtico desconocido entre los elegantes editores izquierdistas de Londres, los nostálgicos sesentaiochistas parisinos y los socialistas eruditos de Nueva York. Marulanda pasó su tiempo exclusivamente en la “Colombia profunda”; prefería conversar y enseñar a los campesinos y enterarse de sus quejas a conceder entrevistas a periodistas occidentales ávidos de aventura. En lugar de escribir manifiestos grandilocuentes y adoptar poses fotogénicas prefería la pedagogía popular de los desheredados, estable y poco romántica pero sumamente eficaz. Marulanda viajó desde valles prácticamente inaccesibles a cordilleras, desde selvas a llanuras, siempre organizando, luchando... reclutando y entrenando a nuevos líderes. Evitó presentarse en los “foros de debate del mundo” o seguir la ruta de los turistas izquierdistas internacionales. Nunca visitó una capital extranjera y cuentan que jamás puso los pies en Bogotá, la capital de la nación. Pero tenía un amplio y profundo conocimiento de las exigencias de los afrocolombianos costeños; de los indiocolombianos de las montañas y la selva; de las ansias de tierra de millones de campesinos desplazados; de los nombres y direcciones de los terratenientes maltratadores que brutalizaban y violaban a los campesinos y a sus familiares.
Durante las décadas de los sesenta, los setenta y los ochenta, numerosos movimientos guerrilleros se levantaron en armas, lucharon con mayor o menor capacidad y, luego, desaparecieron asesinados, derrotados (algunos incluso se convirtieron en colaboradores) o se integraron en los partos y repartos electorales. Poco numerosos, luchaban en nombre de inexistentes “ejércitos populares”; la mayoría eran intelectuales, más familiarizados con los discursos europeos que con la microhistoria, la cultura popular y las leyendas de los pueblos a los que trataban de organizar. Fueron aislados, rodeados y arrasados; dejaron quizá una herencia bien publicitada de sacrificio ejemplar, pero no cambiaron nada sobre el terreno.
Por el contrario, Marulanda encajó los mejores golpes de los presidentes contrainsurgentes de Washington y Bogotá y se los devolvió al cien por cien. Por cada pueblo arrasado, Marulanda reclutó a docenas de campesinos luchadores, enfurecidos y desamparados, y los entrenó con suma paciencia para que fuesen cuadros y comandantes. Más que cualquier ejército guerrillero, las FARC llegaron a ser un ejército de todo el pueblo: un tercio de los comandantes eran mujeres, más del setenta por ciento eran campesinos, si bien se les asociaron intelectuales y profesionales, que fueron entrenados por cuadros del movimiento. Marulanda fue un hombre venerado por su estilo de vida excepcionalmente sencillo: compartió la lluvia torrencial bajo cubiertas de plástico. Millones de campesinos lo respetaban profundamente, pero nunca practicó el culto a la personalidad: era demasiado irreverente y modesto, prefería delegar las tareas importantes a una dirigencia colectiva, con mucha autonomía regional y flexibilidad táctica. Aceptó un amplio abanico de opiniones sobre tácticas, incluso si discrepaba profundamente de ellas. A principios de los ochenta, muchos cuadros y líderes decidieron probar la vía electoral, firmaron un “acuerdo de paz” con el presidente colombiano, crearon un partido –la Unión Patriótica– e hicieron elegir a numerosos alcaldes y diputados. Incluso obtuvieron cuantiosos votos en las elecciones presidenciales. Marulanda no se opuso públicamente al acuerdo, pero no abandonó las armas ni “bajó desde las montañas a la ciudad”. Mucho más lúcido que los profesionales y los sindicalistas que se postulaban en las elecciones, Marulanda comprendía al carácter extremadamente autoritario y brutal de la oligarquía y sus políticos. Sabía que los gobernantes de Colombia no aceptarían nunca una reforma agraria justa sólo porque unos “pocos campesinos analfabetos los derrotasen en las urnas”. En 1987, más de 5.000 miembros de la Unión Patriótica habían sido asesinados por los escuadrones de la muerte de la oligarquía, entre ellos tres candidatos a la presidencia, una docena de congresistas y mujeres y alcaldes y concejales. Los supervivientes huyeron a la selva y se reincorporaron a la lucha armada o se marcharon al exilio.
Marulanda era un maestro a la hora de romper los cercos y evitar las campañas de aniquilación, sobre todo las que diseñaron los mejores y más brillantes estrategas del centro de contrainsurgencia de los Cuerpos Especiales del US Fort Bragg y de la Escuela de las Américas. A finales de los noventa, las FARC habían ampliado su control a más de la mitad del país y bloqueaban autopistas y atacaban bases militares situadas a sólo 65 kilómetros de la capital. Muy debilitado, el entonces presidente Pastrana terminó por aceptar negociaciones serias de paz, en las que las FARC exigieron una zona desmilitarizada y un programa que incluía cambios estructurales básicos en el Estado, la economía y la sociedad.
A diferencia de las guerrillas centroamericanas, que cambiaron las armas por cargos electorales, antes de deponer las suyas Marulanda insistió en la redistribución de la tierra, en el desmantelamiento de los escuadrones de la muerte y en la destitución de los generales colombianos implicados en las masacres, en una economía mixta basada en buena medida en la nacionalización de los sectores económicos estratégicos y en la financiación a gran escala de los campesinos para el desarrollo de cosechas alternativas a la coca.
En Washington, el presidente Clinton asistía histérico a aquel espectáculo y se opuso a las negociaciones de paz, en especial al programa de reformas, así como a los debates públicos abiertos y a los foros de debate organizados por las FARC en la zona desmilitarizada, a los que asistía numerosa la sociedad civil colombiana. La aceptación por parte de Marulanda del debate democrático, la desmilitarización y los cambios estructurales desenmascara la mentira de los socialdemócratas occidentales y latinoamericanos y de los universitarios de centroizquierda, que lo acusaron de “militarista”. Washington trató de repetir el proceso de paz centroamericano engatusando a los jefes de FARC con la promesa de cargos electorales y privilegios a cambio de que vendiesen a los campesinos y a los colombianos pobres. Al mismo tiempo Clinton, con el apoyo de los dos partidos del Congreso, hizo aprobar un proyecto de ley de apropiación de dos mil millones de dólares para financiar el mayor y más sangriento programa de contrainsurgencia desde la guerra de Indochina, denominado “Plan Colombia”. El presidente Pastrana dio por terminado de forma abrupta el proceso de paz y envió soldados a la zona desmilitarizada para que capturasen a la cúpula de las FARC, pero cuando éstos llegaron, Marulanda y sus compañeros ya se habían ido de allí.
Desde el 2002 hasta ahora, las FARC han alternado los ataques ofensivos y las retiradas defensivas, en especial desde finales de 2006. Con una financiación sin precedentes y un apoyo tecnológico ultramoderno de USA, el nuevo presidente Álvaro Uribe –socio de narcotraficantes y organizador de escuadrones de la muerte– adoptó una política de tierra quemada para ensañarse con el campo colombiano. Entre su elección en 2002 y su reelección en 2006, más de 15.000 campesinos, sindicalistas, trabajadores de derechos humanos, periodistas y otros críticos fueron asesinados. Regiones enteras del campo fueron vaciadas: de la misma manera que en la Operación Phoenix usamericana en Vietnam, se contaminó la tierra de cultivo con herbicidas tóxicos. Más de 250.000 soldados y sus compinches paramilitares de los escuadrones de la muerte diezmaron amplias zonas del campo colombiano controladas por las FARC. Helicópteros proporcionados por Washington bombardearon la selva en misiones de búsqueda y destrucción (que no tenían nada que ver con la producción de coca o con el envío de cocaína a USA). Al destruir toda la oposición popular y las organizaciones campesinas y al desplazar a millones de colombianos, Uribe logró empujar a las FARC hacia regiones más remotas. Al igual que había hecho en el pasado, Marulanda asumió una estrategia de retirada táctica defensiva, abandonando territorio para proteger la capacidad de lucha de los guerrilleros en el futuro.
A diferencia de otros movimientos guerrilleros, las FARC no recibieron ningún apoyo material del exterior: Fidel Castro repudió públicamente la lucha armada y buscó lazos diplomáticos y comerciales con gobiernos de centroizquierda e incluso mejores relaciones con el brutal Uribe. Después de 2001, la Casa Blanca de Bush etiquetó a las FARC de “organización terrorista”, presionando a Ecuador y Venezuela para que restringiesen los movimientos fronterizos de las FARC en busca de abastecimientos. El “centroderecha” de Colombia se dividió entre los que prestaban un “apoyo crítico” a la guerra total de Uribe contra las FARC y los que protestaban infructuosamente contra la represión.
Es difícil imaginar que un movimiento guerrillero pueda sobrevivir frente a una financiación tan masiva de la contrainsurgencia, un cuarto de millón de soldados armados por el imperio, millones de desplazados de sus tierras y un presidente psicópata vinculado directamente con una cadena de 35.000 miembros de escuadrones de la muerte. Sin embargo, sereno y resuelto, Marulanda dirigió la retirada táctica; la idea de negociar una capitulación nunca se le pasó por la mente, ni a él ni a la cúpula de las FARC.
Las FARC no tienen frontera contigua con un país que lo apoye, como Vietnam la tenía con China; tampoco goza, como Vietnam, del suministro de armas de la URSS ni del apoyo masivo internacional de los grupos occidentales de solidaridad, como los sadinistas. Vivimos en una época en la que apoyar a los movimientos campesinos de liberación nacional no está “de moda”; en la que reconocer que el genio de líderes campesinos revolucionarios que construyen y mantienen la auténtica masa de los ejércitos populares es tabú en los pretenciosos, locuaces e impotentes Foros Sociales Mundiales, cuyo “mundo” excluye regularmente a los campesinos militantes y para los que “social” significa el constante intercambio de mensajes electrónicos entre fundaciones financiadas por ONG.
Es en este ambiente tan poco prometedor frente a las pírricas victorias de los presidentes de USA y Colombia donde podemos apreciar el genio político y la integridad personal de Manuel Marulanda, el más grande campesino revolucionario de América Latina. Su muerte no generará afiches o camisetas para estudiantes universitarios de clase media, pero vivirá eternamente en los corazones y las mentes de millones de campesinos de Colombia. Se le recordará siempre como “Tirofijo”, un ser de leyenda al que mataron una docena de veces y, a pesar de ello, regresó a los pueblos para compartir con los campesinos sus vidas sencillas. Tirofijo fue el único líder que era realmente “uno de ellos”, que durante medio siglo se enfrentó al aparato militar y mercenario yanqui y nunca fue capturado o derrotado.
Los desafió a todos en sus mansiones, sus palacios presidenciales, sus bases militares, sus cámaras de tortura y sus burguesas salas de redacción. Murió de muerte natural, después de sesenta años de lucha, en los brazos de sus queridos compañeros campesinos.

¡Tirofijo, presente!

26/05/2008

La guerrilla colombiana entra en una nueva era

Confirmada la muerte por causas naturales del máximo líder de las Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC), Manuel Marulanda, que se une a las de otros dos miembros de su dirección, Raúl Reyes e Iván Ríos, es momento de que las partes inicien una nueva senda que deje atrás la violencia y la sangre en Colombia.
Si bien es verdad que la guerrilla, como le dijera a su secretaría general el pasado 12 de abril Hugo Chávez, debe ver lo que está sucediendo en América Latina donde la izquierda está avanzando a fuerza de votos y no de armas, el Gobierno colombiano debe comprender que la muerte física de una dirección político-militar no terminará con un movimiento armado si persisten las causas de pobreza y persecución contra la izquierda pacífica.
Sin embargo, mientras que el comunicado de las FARC ha señalado que “nuestras propuestas alrededor de los acuerdos humanitarios y la salida política continúan vigentes”, la reacción del ministro de Defensa, Juan Manuel Santos, ha sido que “los bombardeos van a continuar contra todos los miembros del secretariado de las FARC y contra la guerrilla en general. Nuestra política de Seguridad Democrática se sigue fortaleciendo y seguirá con igual o más intensidad”.
Solución al conflicto
Al mismo tiempo, el presidente Uribe, a través de la fiscalía, ha iniciado una razia contra líderes políticos y sociales de la izquierda del país, periodistas de contrastada independencia y mediadores de un posible acuerdo humanitario con la guerrilla, entre ellos la senadora Piedad Córdoba cuya intervención permitió liberar a algunos retenidos en poder de las FARC hace pocas fechas.
La solución al laberinto político colombiano no podrá ser militar por muchos éxitos que en ese campo quiera presentar el Gobierno conservador de Álvaro Uribe. El recambio generacional que están afrontando las FARC es un momento histórico para comprender que, independiente de la consideración ética que se tenga de sus acciones armadas, persisten las razones por las que hace más de 40 años un grupo de campesinos comunistas y liberales decidieran echarse a la selva para combatir con las armas la injusticia terrateniente.
La triste realidad es que si Manuel Marulanda no se hubiera hecho guerrillero, como líder campesino desarmado no hubiera llegado vivo a los 78 años. Muchos de los de su generación hace años que fueron asesinados.
La pobreza, la injusticia y la criminalización de la izquierda colombiana sigue siendo el mejor caldo de cultivo para que las filas de la guerrilla sigan nutriéndose. Las FARC no han dejado de hacer llamamientos al diálogo y a la sustitución de los cultivos de coca, pero son muchos los intereses geoestratégicos que existen para mantener a Colombia como avanzada militar en una región demasiado escorada a la izquierda para el gusto de Washington.
Por eso, mientras el único discurso político del Ejecutivo colombiano sea el de calificar de “narcoterroristas” a las FARC; mientras su única política sea la de bombardear la selva y mientras los sindicalistas y líderes campesinos sigan haciéndose guerrilleros para llegar a viejos, no habrá paz en Colombia.
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PASCUAL SERRANO