11/09/2009

FATOR PREVIDENCIÁRIO: ACORDO DAS CENTRAIS COM O GOVERNO NÃO PASSA DE UM SIMULACRO

Renato Nucci Junior (Militante e dirigente do PCB-São Paulo)

Em todos os países onde se aplicaram as políticas neoliberais, a previdência social foi um dos alvos preferidos de ataque. Como o programa neoliberal aponta para um desmonte dos serviços públicos e dos direitos dos trabalhadores através de um conjunto de reformas de caráter regressivo, a justificativa usada para atacar a previdência foi a de acusá-la de ser causadora de um grave pecado aos olhos dos neoliberais: o de alimentar o déficit público. Reformas de caráter regressivo foram empreendidas no sentido de retirar direitos e tornar mais difícil o acesso aos benefícios previdenciários, entre eles a aposentadoria.
No Brasil não foi diferente. A partir do governo Collor, mas especialmente no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso e mesmo no governo Lula, a previdência pública brasileira sofreu drásticas alterações e mudanças de caráter regressivo. Dentre estas, duas se destacam. A primeira é a desvinculação do reajuste das aposentadorias e pensões em relação ao índice aplicado ao salário mínimo, diminuindo o valor dos benefícios pagos para quem ganha mais de um salário mínimo. A outra é o fator previdenciário, fórmula utilizada pela Previdência Social para calcular o valor da aposentadoria, cuja regra atual estabelece que um trabalhador precisa ter 35 anos de contribuição e 63 anos e 4 meses de idade para se aposentar com 100% do benefício. Para as mulheres as regras exigem 30 anos de contribuição e 58 anos e 4 meses de idade.
O resultado dessas mudanças tem causado, por um lado, uma diminuição no poder aquisitivo das aposentadorias e pensões e, por outro, uma dificuldade para os trabalhadores se aposentarem recebendo 100% do benefício. Os que optam por se aposentar fora da regra do fator previdenciário, pagam um “pedágio” que reduz o valor do benefício. A pressão de setores do movimento sindical e das associações de aposentados e pensionistas, levou alguns congressistas a apresentarem propostas no sentido de corrigir essas regras. As mais importantes são o PL 3.299/08 que põem fim ao fator previdenciário e a emenda ao PL 1/07 que garante às aposentadorias o mesmo índice de reajuste aplicado ao salário mínimo. Ambas são de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS).
O governo Lula, percebendo que a pressão das organizações sindicais e de aposentados poderia levar a uma aprovação de ambos os projetos na Câmara dos Deputados, pois já tinham sido aprovados no Senado, se movimentou no sentido de esvaziá-la. Através do Deputado Pepe Vargas (PT/RS), relator do PL 3.299/08 que acaba com o fator previdenciário, convocou as centrais sindicais e associações de aposentados para uma reunião e fechou com algumas delas (CUT, Força Sindical, UGT e CGTB), um protocolo de intenções que aponta para uma flexibilização do fator previdenciário através da adoção de um novo fator, o chamado “85/95”, bem como define novos critérios de reajustes para as aposentadorias. A “única” condição imposta pelo governo Lula para selar o acordo é o de exigir da parte das centrais o fim das pressões sobre o Congresso visando a aprovação dos dois projetos.
As duas principais centrais partícipes do acordo, CUT e Força Sindical, divulgaram em suas páginas eletrônicas notas alardeando suas vantagens e benefícios para os trabalhadores e aposentados. A CUT, através da nota “Aumento e mudanças nas aposentadorias”, chega a afirmar que a proposta negociada por ela e as demais centrais com o governo “melhora e muito a situação atual”. A verdade, porém, é que as novas regras pouco mudam a situação dos trabalhadores e aposentados. No caso da substituição do fator previdenciário pelo fator “85/95”, ele não trás qualquer mudança significativa. O documento acima da CUT apresenta uma simulação irreal para os padrões brasileiros, ao sugerir que com a nova regra um trabalhador, se atingir o fator 95, somando o tempo de contribuição com a idade poderia se aposentar com 100% do benefício. No caso das trabalhadoras a soma deveria dar 85 para ter direito ao benefício integral. A simulação é irreal, pois a situação do mercado de trabalho brasileiro, marcado pela grande rotatividade e informalidade, torna impossível um trabalhador combinar idade com um longo tempo de contribuição ininterrupto à Previdência.
No caso do reajuste das aposentadorias acima do salário mínimo, o acordo propõe um aumento para 2010 e 2011 que leva em conta a inflação medida pelo INPC do IBGE e metade do crescimento do PIB dos dois anos anteriores. Essa forma de cálculo para o reajuste dos benefícios previdenciários não atende às reivindicações dos trabalhadores, pois mantém sua desvinculação em relação ao salário mínimo. De acordo com a nova regra, uma simulação feita no documento da CUT ao qual já nos referimos, aponta para 2010 um aumento de 6,65% nas aposentadorias, índice inferior ao reajuste do salário mínimo previsto para o próximo ano, de cerca de 9%. Enfim, mantém-se a política de rebaixamento dos valores das aposentadorias e pensões acima de um salário mínimo. Enquanto este, de 1995 a 2008, sofreu reajuste da ordem de 104,20%, os benefícios para quem ganha acima do mínimo ficaram em módicos 20%. É clara a intenção do governo Lula, através de um acordão com as cúpulas das centrais, em não alterar o rumo neoliberal dado à previdência social. Com a desvinculação do reajuste dos benefícios e pensões do salário mínimo, se pretende a médio e longo prazo reduzir os valores pagos aproximando-os o máximo possível do salário mínimo. E a direção da Central Única dos Trabalhadores ainda tem a cara de pau de afirmar que o acordo “melhora e muito a situação atual”.
Um aspecto a ser considerado no acordo é o papel jogado pelas duas principais centrais sindicais brasileiras: CUT e Força Sindical. Ante a possibilidade da Câmara dos Deputados dar seu voto favorável aos projetos, por pressão do movimento sindical e das associações de aposentados, o que inevitavelmente levaria o governo Lula a vetá-los, expondo-o a um profundo desgaste frente a uma medida ansiada pelos trabalhadores, anteciparam-se aos fatos. Negociaram com o deputado Pepe Vargas (PT/RS) mudanças em seu relatório e finalizaram com uma proposta que não atende aos interesses dos trabalhadores na ativa e aposentados. Mas além dessas centrais agirem no sentido de mais uma vez blindarem o governo Lula, as novas regras por elas negociadas são uma admissão implícita do rumo neoliberal dado à Previdência Social no Brasil, pois aceitam sem qualquer questionamento o discurso falacioso sobre o déficit das contas da previdência pública.
Contrários aos rumos neoliberais dados à Previdência Social, o movimento sindical classista, combativo e não-governista aponta um caminho diferente. Este busca reformular o papel da Previdência Social no sentido de ampliar as garantias e conquistas dos trabalhadores. Nesse sentido, é preciso defender o fim do fator previdenciário e a adoção de um critério para aposentadoria favorável aos interesses dos trabalhadores, cuja vida laboral se inicia muito cedo. Do mesmo modo, é preciso por fim à desvinculação do reajuste dos benefícios do salário mínimo, bem como às perdas sofridas pelas aposentadorias e pensões ao longo do tempo, com a adoção de uma política que mantenha seu poder aquisitivo. Tais mudanças são apenas o começo de outras que visam alterar radicalmente o perfil neoliberal atualmente dominante na condução da Previdência Social, no sentido de ampliar e não retirar direitos dos trabalhadores. Enfim, a Previdência Social precisa ser mudada de fato e não através de simulacros que deixam as coisas como estão.

Campinas, setembro de 2009.

09/09/2009

Ateus divulgam Carta Aberta ao presidente Lula

A ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) divulgou a partir de seu site na internet ( http://atea.org.br ) uma Carta Aberta ao presidente Lula criticando recentes declarações dele sobre a questão religiosa. Na carta, os ateus defendem que "somente um estado verdadeiramente laico pode trazer liberdade religiosa verdadeira, através da igualdade plena entre religiosos de todos os matizes, assim como entre religiosos e não-religiosos de todos os tipos, incluindo ateus e agnósticos".
Veja abaixo a íntegra do documento:
Carta aberta dos ateus ao presidente Lula
Caro presidenteo senhor chegou ao poder carregado pela bandeira de uma sociedade mais justa e mais inclusiva. O uso da palavra "excluídos" no vocabulário das políticas públicas tem o mérito de nos lembrar que as conquistas de nossa sociedade devem ser estendidas a todos, sem exceção. Sim, devemos incluir os negros, incluir as mulheres, incluir os miseráveis, incluir os homossexuais. Mas, presidente, também é preciso incluir ateus e agnósticos, e todos os demais indivíduos que não têm religião.Infelizmente, diversas declarações pessoais suas, assim como políticas do seu governo, têm deposto em contrário. Ontem mesmo o senhor afirmou que há "muitos" ateus que falam sobre a divindade da mitologia cristã quando estão em perigo. Ora, quando alguém diz "viche", é difícil imaginar que esteja pensando em uma mulher palestina que se alega ter concebido há mais de dois mil anos sem pai biológico. Com o tempo, algumas expressões se cristalizam na língua e perdem toda a referência ao seu significado estrito. Esse é o caso das interjeições que são religiosas em sua raiz, mas há muito estão secularizadas. Se valesse apenas a etimologia, não poderíamos nem falar "caramba" sem tirar as crianças da sala.Sua afirmação é a de quem vê “muitos” ateus como hipócritas ou autocontraditórios, pessoas sem força de convicção que no íntimo não são descrentes. Nós, membros da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, não temos conhecimento desses ateus, e consideramos que essa referência a tantos de nós é ofensiva e preconceituosa. Todos os credos e convicções têm sua generosa parcela de canalhas e incoerentes; utilizar os ateus como exemplo particular dessas características negativas, como se fôssemos mais canalhas e mais incoerentes, é uma acusação grave que afronta a nossa dignidade. E os ateus, presidente, também têm dignidade.Duas semanas atrás, o senhor afirmou que a religião pode manter os jovens longe da violência e delinqüência e que “com mais religião, o mundo seria menos violento e com muito mais paz”. Mas dizer que as pessoas religiosas são menos violentas e conduzem mais à paz é exatamente o mesmo que dizer que as pessoas menos religiosas são mais violentas e conduzem mais à guerra. Então, presidente, segundo o senhor, além de incoerentes e hipócritas, os ateus são criminosos e violentos? Não lhe parece estranho que tantos países tão violentos estejam tão cheios de religião, e tantos países com frações tão altas de ateus tenham baixíssimos índices de criminalidade? Não é curioso que as cadeias brasileiras estejam repletas de cristãos, assim como as páginas dos escândalos políticos? Algumas das pessoas com convicções religiosas mais fortes de que se tem notícia morreram ao lançar aviões contra arranha-céus e se comprazeram ao negar o direito mais básico do divórcio a centenas de milhões de pessoas. Durante séculos.O mundo realmente tinha mais paz e menos violência quando havia mais religião? O despotismo dos soberanos católicos na Europa medieval e a crueldade dos feitores e senhores de escravos no Brasil-colônia vieram de pessoas religiosas em um mundo amplamente religioso que violentava povos e mentes em nome da religião. O mundo não tinha mais paz nem menos violência naquela época, como o sabem muito bem os negros e índios.Não eram católicos os generais da ditadura contra a qual o senhor lutou, e o seu exército de torturadores? Não haveria um crucifixo nas paredes do DOPS onde o senhor foi preso? A base dos direitos individuais invioláveis pela qual o senhor tanto lutou são as democracias modernas, seculares e laicas, e não os regimes religiosos. Tanto a geografia como a história dão exemplos claros de que mais religião não traz mais paz nem menos violência.A prática de diminuir, ofender, desumanizar, descaracterizar e humilhar grupos sociais é antiga e foi utilizada desde sempre para justificar guerras, perseguição e, em uma palavra, exclusão. Presidente, por que é que o senhor exclui a nós, ateus, do rol de indivíduos com moralidade, integridade e valores democráticos? No Brasil, os ateus não têm sequer o direito de saberem quantos são. O Estado do qual eles são cidadãos plenos designa recenseadores para ir até suas casas e lhes perguntar qual é sua religião. Mas se dizem que são ateus ou agnósticos, seus números específicos lhes são negados. Presidente, através de pesquisas particulares sabemos que há milhões de ateus no país, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que publica os números de grupos religiosos que têm apenas algumas dezenas de membros, não nos concede essa mesma deferência. Onde está a inclusão se nos é negado até o direito de auto-conhecimento? Esse profundo desrespeito é um fruto evidente da noção, que o senhor vem pormenorizando com todas as letras, de que os ateus não merecem ser cidadãos plenos. Presidente, queremos aqui dizer para todos: somos cidadãos, e temos direitos. Incluindo o de não sermos vilipendiados em praça pública pelo chefe do nosso Estado, eleito com o voto, também, de muitos ateus, que agora se sentem traídos.Presidente, não podemos deixar de apontar que somente um estado verdadeiramente laico pode trazer liberdade religiosa verdadeira, através da igualdade plena entre religiosos de todos os matizes, assim como entre religiosos e não-religiosos de todos os tipos, incluindo ateus e agnósticos. Infelizmente, seu governo não apenas tem sido leniente com violações históricas da laicidade do Estado brasileiro, como agora espontaneamente introduziu o maior retrocesso imaginável nessa área que foi a assinatura do acordo com a Sé de Roma, escorado na chamada lei geral das religiões.Ambos os documentos constituem atentado flagrante ao art. 19 da Constituição Federal, que veda “relações de dependência ou aliança com cultos religiosos ou igrejas”. E acordos, tanto na linguagem comum como no jargão jurídico, são precisamente isso: relações de aliança. Laicidade, senhor presidente, não é ecumenismo. O acordo com Roma já era grave; estender suas benesses indevidas a outros grupos não diminui a desigualdade, apenas a aumenta. Nós não queremos privilégios: queremos igualdade e o cumprimento estrito da lei, e muitos setores da sociedade, religiosos e laicos, têm exatamente esse mesmo entendimento. Além de violar nossa lei maior, a própria idéia da lei geral das religiões reforça a política estatal de preterir os ateus sempre e em tudo que lhes diz respeito como ateus. Com que direito o Estado que também é nosso pode ser seqüestrado para promover qualquer religião em particular, ou mesmo as religiões em geral? Com que direito os religiosos se apossam do dinheiro dos nossos impostos e do Estado que também é nosso para promover suas crenças particulares? Religião não é, e não pode jamais ser política pública: é opção privada. O Estado pertence a todos os cidadãos, sem distinção de raça, cor, idade, sexo, ideologia ou credo. Nenhum grupo social pode ser discriminado ou privilegiado. Esse é um princípio fundamental da democracia. Isso é um reflexo das leis mais elementares de administração pública, como o princípio da impessoalidade. Caso aquelas leis venham de fato integrar-se ao nosso ordenamento jurídico, os ateus se juntarão a tantos outros grupos que irão ao judiciário para que nossa realidade não volte ao que era antes do século retrasado.Presidente, por tudo isso será que os ateus não merecem inclusão sequer em um pedido de desculpas?

08/09/2009

1822: A Independência escravizada


Por Mário Maestri, de Porto Alegre
Em janeiro de 1821, no Rio Grande do Sul, Auguste de Saint-Hilaire anotava em seu diário que o Brasil perigava ser “perdido pela casa de Bragança” e que “suas províncias” podiam explodir em nações independentes, “como as colônias espanholas”, considerando-se a tamanha diferença entre elas. Escrevia enfaticamente o arguto naturalista: “Sem falar do Pará e de Pernambuco, a capitania de Minas e do Rio Grande, já menos distanciadas, diferem mais entre si que a França da Inglaterra.” Desde sua origem, a América portuguesa foi mosaico de regiões semiautônomas, de frente para a Europa e África, de costas umas para as outras. As diversas colônias exportavam seus produtos e importavam os manufaturados e cativos, que consumiam pelos portos da costa. Eram muito frágeis os contatos entre as capitanias e, mais tarde, entre as províncias, inexistindo o que hoje definimos como mercado nacional. Nas diversas regiões, os grandes proprietários controlavam o poder local e viviam em associação subordinada às classes dominantes portuguesas metropolitanas. Os proprietários luso-brasileiros sentiam-se membros do império lusitano, possuíam laços de identidade regional e desconheciam sentimentos ‘nacionais’, impensáveis devido à inexistência de entidade nacional . Quando do projeto recolonizador da Revolução do Porto, em 1820, as classes dominantes provinciais mobilizaram-se por independência restrita aos limites das regiões que controlavam. O Brasil seguia sendo entidade sobretudo administrativa, sem laços econômicos e sociais objetivos e subjetivos. A construção do Estado-nação brasileiro esboçou-se no II Império e foi sobretudo produto do ciclo nacional-industrialista dos anos 1930. Nas províncias atuavam as mesmas forças centrífugas que explodiram a América espanhola em constelação de repúblicas independentes, mesmo tendo, ao menos as classes exploradoras, o espanhol como a mesma língua; o catolicismo como a mesma religião; a Espanha como a mesma metrópole. Porém, todas as províncias do Brasil emergiram da Independência coeridas por monarquia centralizadora e autoritária. Quando da crise de 1820, as classes dominantes provinciais desejavam pôr fim ao governo absolutista lusitano, nacionalizar o comércio português, resistir às pressões abolicionistas do tráfico inglesas, imperar plenamente sobre suas províncias. No relativo à ordem política, dividiam-se em monarquistas e republicanos; quando à conformação nacional, eram federalistas ou separatistas. No Norte, Nordeste, Centro-Sul e Sul, eram fortíssimas as tendências republicanas e independentistas. Como assinalado, tudo levava a crer que o Reino do Brasil explodiria em repúblicas, como as possessões espanholas, que sequer mantiveram os laços dos antigos vice-reinados – Nova Espanha, Nova Granada, Peru e Prata. Um grande problema angustiava os grandes proprietários de todo o Brasil. Realizar a independência e não comprometer a escravidão, base da produção e da sociedade de todas as províncias. Fortes choques militares entre as classes proprietárias provinciais e as tropas metropolitanas, na luta pela independência, e entre as primeiras, na luta pelas novas fronteiras, colocariam em perigo a submissão dos cativos e a manutenção do tráfico. As classes proprietárias do Brasil sabiam que a guerra levaria ao alistamento e à fuga de cativos, como ocorrera durante a guerra anti-holandeses, em 1630-1654, e em diversas outras ocasiões. Tinham em mente o exemplo aterrorizador da grande sublevação dos cativos, vitoriosa no Haiti, em 1804. Os Estados luso-brasileiros que abolissem a escravidão, por não dependerem da instituição, acolheriam cativos fujões. As pequenas nações negreiras vergariam-se ao abolicionismo britânico do tráfico. O comerciante inglês John Armitage, que chegou ao Brasil, com 21 anos, em 1828, registrou em sua perspicaz História do Brasil os temores das classes proprietárias do Brasil: "Quaisquer tentativas prematuras para o estabelecimento da república teriam sido seguidas de uma guerra sanguinolenta e duradoura, na qual a parte escrava da população teria pegado em armas, e a desordem e a destruição teriam assolado a mais bela porção da América Meridional." O Estado monárquico, autoritário e centralizador brasileiro foi partejado e embalado pelos interesses negreiros. A independência deu-se sob a batuta conservadora dos grandes escravistas. Os ideários republicano, separatista e federalista provinciais foram reprimidos. A independência do Brasil foi a mais conservadora das Américas. Os proprietários brasileiros romperam com o Estado e o absolutismo português e entronizavam o autoritário herdeiro do reino lusitano. Cortavam as amarras com a ex-metrópole e transigiram com os seus interesses mercantis e de sua casa real. Mantiveram-se unidos para garantir, por mais seis décadas, a exploração escravista.
7/9/2009
Fonte: ViaPolítica
O autor Mário Maestri é professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Passo Fundo (UPF), no Rio Grande do Sul.