08/05/2010

O Paraguai numa hora decisiva: pacto de elites ou avanço no processo de mudanças?

Ivan Pinheiro (*)

Estive em 20 de abril, em Assunção, representando o PCB, como convidado do Partido Comunista Paraguaio, num ato público em comemoração ao segundo aniversário da vitória eleitoral de Fernando Lugo, que pôs fim a sessenta anos de governo do Partido Colorado, a principal expressão política da oligarquia paraguaia.

Lugo foi eleito por um “voto castigo” às oligarquias, que mantiveram a mais longa ditadura da América Latina e construíram um dos Estados mais corruptos. injustos e excludentes da região. O povo o elegeu para promover as mudanças profundas que anunciava na campanha. Havia uma grande expectativa da esquerda paraguaia e latino-americana com o governo Lugo, graças ao programa avançado que apresentou e ao momento político em que vivemos na região.

Tendo comparecido à posse de Lugo, há dois anos, publiquei na volta um artigo sob o título “Paraguai, um país em disputa”, em que levantava as dificuldades para a implementação das mudanças prometidas:

“a frente que elegeu Lugo é heterogênea; o Vice-Presidente é do Partido Liberal. É o partido mais forte dos que apoiaram Lugo e o único deles que elegeu representantes: quase um terço dos Deputados e Senadores, além de alguns governadores e prefeitos; a oposição de direita tem dois terços das duas casas legislativas”;

“os partidos de esquerda estão em reconstrução; a classe operária é reduzida e os sindicatos têm pouco peso político”;

“Lugo terá que conviver com uma cúpula burocrática corrupta e reacionária: os colorados ocupam os principais cargos na Justiça, no Corpo Diplomático, nas Forças Armadas, nos Ministérios, no Congresso Nacional e até na Presidência da República e no Palácio de Governo; todos os jornais diários e canais de televisão são burgueses”;

“se resolver ser fiel às promessas de mudanças, Lugo terá que adotar no curto prazo ações emergenciais destinadas a mitigar alguns problemas sociais, para não perder a credibilidade popular, criando condições para uma governabilidade social, já que não disporá de governabilidade institucional, salvo se trair seu programa. Essas ações servem também para evitar um golpe da direita, que começou a ser costurado alguns dias após a posse”;

“isso dependerá de uma melhor remuneração do excedente de energia elétrica que o país vende ao Brasil; daí a necessidade de renegociar o acordo de Itaipu Binacional.”

“a convocação de uma Assembléia Constituinte específica, com composição distinta do Congresso Nacional e aberta a candidaturas de partidos e movimentos sociais,pode ser uma alternativa para mudar a correlação de forças, desde que precedida de medidas sociais efetivas e de grandes mobilizações populares”;

De lá para cá, alguns fatores problematizaram o avanço do processo de mudanças. O principal deles é o próprio Lugo, cuja posição política, em verdade, não é o que se poderia chamar de esquerda. Não superou os limites do reformismo da igreja progressista. É um homem de bem, que acha sinceramente que um outro Paraguai é possível, com a humanização e a restauração moral do capitalismo.

A burguesia paraguaia é tão conservadora e ciosa do poder que não admite qualquer mudança. Lugo segue asfixiado pela maioria esmagadora do parlamento e pela mídia hegemônica. Está sob uma Espada de Dâmocles: a ameaça de seu impedimento constitucional, a pretexto de ingovernabilidade.

O recente ato público em Assunção, em torno de Lugo, contou com a presença de mais de 50.000 pessoas - uma multidão para os padrões paraguaios -, a grande maioria das camadas proletárias, além de setores das camadas médias. O que mais chamou atenção é que Lugo deu uma grande demonstração de força, mas não com o objetivo de aprofundar as mudanças, como era a expectativa da esquerda. Pelo contrário, limitou a continuidade das mudanças aos marcos da luta contra a corrupção e por inserção social aos chamados “excluídos”.

O Presidente fez um discurso mais para os seus inimigos ausentes do que para seus amigos presentes. Numa postura ecumênica, acima das classes e dos partidos, se disse o Presidente de todo o Paraguai, “o Presidente de todos”. Citou um a um os partidos da oposição de direita, para dizer que, apesar de algumas divergências, não os considera adversários.

Tudo leva a crer que Lugo se valeu da mobilização das massas para sinalizar um pacto por cima. Resta ver agora como se comportará o núcleo duro da direita, que dirige o parlamento, a justiça, as forças armadas e a mídia, ou seja, os poderes fáticos.

Há duas alternativas para a direita. Uma delas é, apesar do recuo, dar curso ao golpe “constitucional”, para botar na presidência o Vice-Presidente, um burguês com pedigree, e tentar retroceder o avanço atual das forças populares. Este golpe seria à moda hondurenha, talvez sem necessidade de remover o Presidente do país, até pelo seu pacifismo. O golpe seria apresentado como uma solução “democrática e constitucional”, por decisão tomada “legitimamente” pelo Congresso Nacional e “legalmente” respaldada pelo poder judiciário. Por ironia, o partido que elegeu Zelaya em Honduras, e cuja maioria depois ajudou a destituí-lo, também se chama Liberal, com a mesma natureza do PMDB.

Outra hipótese, menos traumática e, portanto, mais provável, é a direita aproveitar as debilidades do Presidente e aceitar seu convite ao pacto, cujo resumo concretamente é o seguinte: vocês não me cassam o mandato e eu não avanço nas mudanças. Seria uma espécie de “autogolpe”, para se manter mais três anos no governo.

Foi sintomático um fato, guardado a sete chaves, de que os partidos de esquerda e a massa presente ao ato público só tiveram conhecimento após o seu término. O discurso de Lugo foi de uma pontualidade britânica: começou exatamente às 21 horas e terminou às 21:15. A mais poderosa e conservadora rede de televisão privada paraguaia havia combinado com ele o horário de seu discurso, em função da grade de programação da emissora. Pela primeira vez, um discurso de Lugo, na íntegra, foi transmitido ao vivo por uma espécie de “TV Globo paraguaia”.

Outro sinal de pacto é que, antes de Lugo, só falaram no ato cinco oradores, todos de organizações de centro, dentre eles os dois principais parlamentares do Partido Liberal que apóiam o Presidente. Esse partido - uma espécie de PMDB, que apoiou Lugo em 2008 e elegeu o Vice-Presidente, hoje líder da direita golpista - rachou desde o início do atual governo. Sua hegemonia está em disputa entre grupos pró e contra Lugo.

Como todos os oradores se referiram enfaticamente à próxima eleição presidencial (2013), e a constituição não admite a reeleição do Presidente, o ato também pareceu uma sinalização de que o candidato de Lugo à sua sucessão virá de parte do Partido Liberal, numa aliança de centro, e não da esquerda, que não teve voz no ato. O candidato poderá ser um dos oradores, alguns dos quais levaram cartazes e bandeiras com seus nomes e uma grande claque para aclamá-los.

Dias depois do ato público, Lugo deu mais uma demonstração de que pode ter optado pelo pacto de elites. A pretexto de combater um suposto grupo guerrilheiro chamado EPP (Exército Popular Paraguaio), totalmente desconhecido da esquerda paraguaia, por pressão da direita e da embaixada norte-americana, Lugo decretou “estado de exceção” em cinco Estados paraguaios, inclusive na fronteira com o Brasil, uma região em que 300 mil “brasilguaios” dominam 80% da produção de soja e enfrentam um emergente movimento sem terra. O decreto suspende todas as garantias constitucionais na região e permite a prisão de cidadãos, sem ordem judicial. Para justificar o decreto, a mídia acusa o alegado grupo guerrilheiro de ser financiado e treinado pelas FARC, como se a insurgência colombiana, acossada como nunca pelo Estado terrorista colombiano, se desse ao luxo de “exportar” sua forma de luta.

O que revela mais indícios de manipulação é que estão tentando vincular pistoleiros brasileiros do PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo, com o tal EPP e, “portanto”, com as FARC. Há fortes suspeitas na esquerda paraguaia de que o suposto grupo guerrilheiro não exista ou não tenha qualquer importância, constituindo-se numa criatura midiática para justificar um retrocesso político que pode se dar, como aqui suponho, na forma de golpe ou de “autogolpe”, cujos efeitos serão semelhantes. Em verdade, além da soja, aquela é a região da plantação da maconha que abastece parte do mercado brasileiro e, segundo algumas fontes, o caminho da cocaína que seria produzida na Bolívia. Transformam um caso policial em político!

Para dar credibilidade à existência do EPP, a mídia o mitifica, chamando-o de “o exército invisível”, para justificar o fato de que até agora não houve a prisão de um só guerrilheiro, mas apenas de membros do crime organizado paulista. Por isso, Lugo pede a extradição de três paraguaios que seqüestraram Abílio Diniz há mais de dez anos, para mostrá-los no Paraguai como guerrilheiros do EPP, seguindo o exemplo de Berlusconi, que exige a extradição de Césare Battisti para tirar do armário o “terrorismo”.

A parte da região sob “estado de exceção”, fronteiriça ao Brasil, é onde o Exército brasileiro fez há um ano e meio um exercício com mais de 10.000 soldados, usando tiro real, denominado “Presença e Persuasão”, e instalou recentemente dezenas de tanques comprados da Alemanha.

Tudo indica que o atentado ao Senador paraguaio e alguns assassinatos e seqüestros recentes na região façam parte da disputa entre quadrilhas brasileiras e paraguaias pela produção e distribuição da maconha ao mercado brasileiro. A imprensa brasileira tem informado que mais de cem membros do PCC já estão nas cercanias de Pedro Juan Caballero, cidade fronteiriça com Ponta Porá. O EPP pode estar sendo usado como bandeira falsa.

Lugo pode ter decretado o estado de exceção e pedido ao Brasil para reforçar o policiamento nas fronteiras para lutar contra o PCC e não contra o “invisível” EPP. O risco de o crime organizado brasileiro dominar o tráfico de drogas no Paraguai, além do problema econômico e social que gera, é uma questão política, na medida em que ameaça e desestabiliza um monopólio rentável dirigido por setores influentes da oligarquia local, um negócio jamais reprimido pelo Estado paraguaio, como o contrabando e a legalização e venda de carros roubados no Brasil.

O decreto mereceu o repúdio unânime de toda a esquerda e das entidades de direitos humanos paraguaias. Este novo gesto de Lugo é funcional para se mostrar confiável às oligarquias paraguaias e ao imperialismo, que as sustenta e dirige.

Só um fator pode mudar essa tendência ao pacto de elites: a esquerda e os movimentos populares se fortalecem a olhos vistos e têm avançado muito na unidade de ação na luta, principalmente com a formação de uma frente de esquerda permanente, com programa comum e participação de organizações políticas e sociais, o ESPAÇO UNITÁRIO – CONGRESSO POPULAR (EU-CP), do qual o PCParaguaio é uma das principais referências. As massas amadureceram e estão fazendo a sua experiência com a limitação da luta institucional para a promoção de mudanças profundas.

Mas o jogo continua. A história não para. Só as massas podem conduzir o pendular Lugo para a retomada do processo de mudanças ou, caso contrário, assumir o destino em suas próprias mãos, de forma independente. O jogo da democracia burguesa tem uma cláusula pétrea: o proletariado pode até fazer uns gols e vencer umas partidas: mas não pode ganhar o campeonato!

* Ivan Pinheiro é Secretário Geral do PCB – maio de 2010

07/05/2010

Comunicado do Partido Comunista da Grécia (KKE)

07.Mai.10
Aos Partidos Comunistas e Operários
O capital e os governos que o representam levaram a cabo em todo o espaço do continente europeu, uma nova ofensiva, em plena crise económica capitalista. A redução substancial nos salários e nas reformas, a implementação de novos impostos, o desmantelamento gradual dos diferentes sistemas de segurança social, e os ataques sistemáticos contra o Código do Trabalho, encontram-se na vanguarda desta ofensiva comum. Estas medidas foram tomadas com a crise como pretexto e não se trata de decisões cujos efeitos irão ser temporários, mas sim permanentes pois foram encomendadas há muitos anos atrás, apoiando-se nos tratados da União Europeia, sendo o primeiros dos quais a inspirar tais políticas o Tratado de Maastricht, e até, posteriormente, à mais recente Estratégia de Lisboa.
Com estes condicionalismos, há diversas forças que optaram por uma solução de compromisso contra o mundo do trabalho ou seja parte do movimento sindical que defende junto dos trabalhadores a concertação social e a colaboração eivada do seu espírito de classe, encenando hipocritamente a oposição a todos estes ataques e o aparente combate às medidas daí resultantes. Essas forças são a CES e a CSI, assim como as confederações que optam pelo tal compromisso e que são a GSEE, ou seja a Confederação dos Trabalhadores do sector privado na Grécia e a ADEDY, a Confederação dos Trabalhadores do sector público, que participaram todos e oficialmente nas conversações com a União Europeia e com as outras organizações imperialistas e ao longo de décadas, traduzindo-se essa proximidade em colaborações e decisões tomadas ao lado dos grandes monopólios e para se ir aferindo em conjunto, a melhor forma de se aplicar estas medidas anti-populares em cada um dos países visados. Para se transformar esses esforços em letra de lei, inúmeras fundações, como por exemplo a Fundação Ebert social-democrata, contribuíram com o financiamento necessário, actuando igualmente através de tentativas de coacção dos sindicatos, procurando-se desse modo obter um consenso geral.
Todas estas partes interessadas puseram-se do lado da plutocracia europeia, deixando todo este poder fazer tudo o que era possível para desmontar o movimento social e para atacar os direitos dos trabalhadores. Ao longo de anos a fio, assinaram com os capitalistas acordos cujas consequências foram a redução dos salários e das reformas, a eliminação de programas sociais, e a concessão de inúmeras facilidades fiscais para o patronato. Semearam ilusões deixando o povo acreditar que um capitalismo de rosto humano pudesse ser possível, que a economia de mercado conseguisse ser regulada e controlada, e que seria eficaz um combate à especulação, que por sua vez, consiste numa questão imanente e a regra do jogo seguida neste sistema político de exploração. Propuseram reivindicações que favorecem os interesses do patronato e a sua obsessão pela maximização dos lucros, enquanto que ao mesmo tempo, reforçavam amplamente uma frente de batalha que prometia uma ainda melhor optimização dos lucros obtidos pelo capital ou seja, apostando na oposição de fachada. As forças reformistas e oportunistas, as forças do sindicalismo amarelo, apoiadas pela CSI, consideram que as mobilizações de inúmeros participantes para as manifestações de 24 de Março, e que se encontram em perfeita sintonia com os objectivos do capital europeu, não passam de mais uma “etapa”.
No entanto, não se trata aqui tão somente da constatação do facto de essas forças serem incapazes de organizar a luta dos trabalhadores. Essas forças procuram, igualmente, deixar transparecer a ideia de identificação social entre alguns trabalhadores com as classes sociais dominantes, ou então desorientando-os, até se colocarem numa posição antagónica aos interesses do povo. Na realidade encontram-se no outro lado da barricada. Este posicionamento político tem de ser desmascarado, mesmo se estes fariseus alardearem intenções hipócritas, sob a pressão das posições políticas dos interesses de classe e dos trabalhadores que desse modo irão acabar sempre por inspirar a desilusão e a desmobilização das forças operárias e populares.
A própria experiência do KKE na sua luta pela Grécia comprova que a emancipação e a união entre os operários, torna necessário a afirmação do combate contra os representantes do capital, e que é muito melhor escutada através do movimento sindical. Os trabalhadores devem reforçar aqueles que lutam pela sua classe social, e fortalecer a sua organização nos locais de trabalho, ao mesmo tempo que a batalha contra a plutocracia e as medidas anti-populares forem decorrendo. O movimento popular nada deverá esperar de positivo da parte da CES ou da CSI. Têm estado ao serviço do capital e certamente, continuarão a agir desse modo no futuro. As suas iniciativas e as suas mobilizações têm o objectivo de alcançar o controle total da resposta dos trabalhadores , manipulando-os para que desse modo o consequente aprofundar da luta de classes, nunca seja correctamente interpretado pelo povo.
A necessidade da definição de uma estratégia unida das diferentes forças intervenientes devidamente articuladas e com a mesma posição de classe, e a sua coordenação no plano internacional mediante a Federação Sindical Mundial (FSM), está a ser muito debatida actualmente. O conflito existente entre as forças que têm uma leitura de luta de classes e as diversas forças do consenso da concertação social e do reformismo, impõem esta urgência. Este conflito acabará por reforçar de forma decisiva a FSM, e poderá ajudar à emancipação das forças que defendem o povo.
A experiência adquirida demonstra a necessidade de coordenação das acções de massas, nos locais de trabalho, assim como nos bairros populares, para contribuir com uma resposta consciente ao ataque coordenado pelo capital europeu e do governo pequeno burguês. Os trabalhadores são aqueles que produzem a riqueza e deveriam reivindicar por isso mesmo o seu retorno.
Nota do Tradutor:CES, Confederação Europeia dos Sindicatos; CSI Confederação Sindical Internacional.
Este texto foi publicado em http://fr.kke.gr/news/2010news/2010-03-symvivasmenoi/
Tradução de João Hinard de Pádua

06/05/2010

Tortura, por que não?

Maria Rita Kehl - O Estado de S.Paulo
O motoboy Eduardo Pinheiro dos Santos nasceu um ano depois da promulgação da lei da Anistia no Brasil, de 1979. Aos 30 anos, talvez sem conhecer o fato de que aqui, a redemocratização custou à sociedade o preço do perdão aos agentes do Estado que torturaram, assassinaram e fizeram desaparecer os corpos de opositores da ditadura, Pinheiro foi espancado seguidas vezes, até a morte, por um grupo de 12 policiais militares com os quais teve o azar de se desentender a respeito do singelo furto de uma bicicleta. Treze dias depois do crime, a mãe do rapaz recebeu um pedido de desculpas assinado pelo comandante-geral da PM. Disse então aos jornais que perdoa os assassinos de seu filho. Perdoa antes do julgamento. Perdoa porque tem bom coração. O assassinato de Pinheiro é mais uma prova trágica de que os crimes silenciados ao longo da história de um país tendem a se repetir. Em infeliz conluio com a passividade, perdão, bondade, geral.
Encararemos os fatos: a sociedade brasileira não está nem aí para a tortura cometida no País, tanto faz se no passado ou no presente. Pouca gente se manifestou a favor da iniciativa das famílias Teles e Merlino, que tentam condenar o coronel Ustra, reconhecido torturador de seus familiares e de outros opositores do regime militar. Em 2008, quando o ministro da Justiça Tarso Genro e o secretário de Direitos Humanos Paulo Vannuchi propuseram que se reabrisse no Brasil o debate a respeito da (não) punição aos agentes da repressão que torturaram prisioneiros durante a ditadura, as cartas de leitores nos principais jornais do País foram, na maioria, assustadoras: os que queriam apurar os crimes foram acusados de ressentidos, vingativos, passadistas. A culpa pela ferocidade da repressão recaiu sobre as vítimas. A retórica autoritária ressurgiu com a força do retorno do recalcado: quem não deve não teme; quem tomou, mereceu, etc. A depender de alguns compatriotas, estaria instaurada a punição preventiva no País. Julgamento sumário e pena de morte para quem, no futuro, faria do Brasil um país comunista. Faltou completar a apologia dos crimes de Estado dizendo que os torturadores eram bravos agentes da Lei em defesa da democracia. Replico os argumentos de civis, leitores de jornais. A reação militar, é claro, foi ainda pior. "Que medo vocês (eles) têm de nós."
No dia em que escrevo, o ministro Eros Graus votou contra a proposta da OAB, de revisão da Lei da Anistia no que toca à impunidade dos torturadores. Para o relator do STF, a lei não deve ser revista. Os torturadores não serão julgados. O argumento de que a nossa anistia foi "bilateral" omite a grotesca desproporção entre as forças que lutavam contra a ditadura (inclusive os que escolheram a via da luta armada) e o aparato repressivo dos governos militares. Os prisioneiros torturados não foram mortos em combate. O ministro, assim como a Advocacia Geral da União e os principais candidatos à Presidência da República sabem que a tortura é crime contra a humanidade, não anistiável pela nossa lei de 1979. Mas somos um povo tão bom. Não levamos as coisas a ferro e fogo como nossos vizinhos argentinos, chilenos, uruguaios. Fomos o único país, entre as ferozes ditaduras latino-americanas dos anos 60 e 70, que não julgou seus generais nem seus torturadores. Aqui morrem todos de pijamas em apartamentos de frente para o mar, com a consciência do dever cumprido. A pesquisadora norte-americana Kathrin Sikking revelou que no Brasil, à diferença de outros países da América latina, a polícia mata mais hoje, em plena democracia, do que no período militar. Mata porque pode matar. Mata porque nós continuamos a dizer tudo bem.
Pouca gente se dá conta de que a tortura consentida, por baixo do pano, durante a ditadura militar é a mesma a que assistimos hoje, passivos e horrorizados. Doença grave, doença crônica contra a qual a democracia só conseguiu imunizar os filhos da classe média e alta, nunca os filhos dos pobres. Um traço muito persistente de nossa cultura, dizem os conformados. Preço a pagar pelas vantagens da cordialidade brasileira. "Sabe, no fundo eu sou um sentimental (...). Mesmo quando minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar/ Meu coração fecha os olhos e sinceramente, chora." (Chico Buarque e Ruy Guerra).
Pouca gente parece perceber que a violência policial prosseguiu e cresceu no País porque nós consentimos - desde que só vitime os sem-cidadania, digo: os pobres. O Brasil é passadista, sim. Não por culpa dos poucos que ainda lutam para terminar de vez com as mazelas herdadas de 21 anos de ditadura militar. É passadista porque teme romper com seu passado. A complacência e o descaso com a política nos impedem de seguir frente. Em frente. Livres das irregularidades, dos abusos e da conivência silenciosa com a parcela ilegal e criminosa que ainda toleramos, dentro do nosso Estado frouxamente democratizado.

05/05/2010

A ANISTIA AOS TORTURADORES E A CONCÓRDIA DOS VERDUGOS

05 Maio 2010
(Nota Política do PCB)
Na história social e política brasileira, os mitos mais sagrados são o da concórdia entre as classes e o nosso “espírito pacífico”. No dia 29 de abril passado, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que por 7 votos a 2 blindou politicamente a Lei de Anistia de 1979, mostrou ao país como e por que tais mitos sobrevivem e se fortalecem, ofendendo a memória e a luta de homens e mulheres que sacrificaram suas vidas para combater a ditadura burguesa, sob a forma militar, que se instalou no Brasil em 1964.
Capitaneada pelo Ministro Eros Grau, relator da matéria, a seção do STF contou com mais seis votos favoráveis à Lei de Anistia, a maioria de ministros nomeados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujas impressões digitais aparecem na decisão. O Procurador Geral da República e o Advogado Geral da União defenderam no STF, certamente por orientação de Lula, a interpretação de Eros Grau, fundamentada no argumento de que todos, torturados e torturadores, foram “contemplados” pelo perdão amplo, geral e irrestrito da lei. Coincidentemente, na véspera da decisão, o Presidente Lula jantou com os ministros do STF.
Se havia alguma dúvida, o Supremo, para o deleite político dos reacionários e fascistas de ontem e de hoje, textualmente consolida o entendimento autoritário de que a Anistia também alcança aqueles que, sob o manto ou não do Estado, praticaram delitos que não são de natureza política, a exemplo de tortura e assassinato. Assim, a suprema corte brasileira, em nome de uma pacificação e concórdia que apenas servem para preservar da punição os criminosos que atuaram a mando das classes dominantes, despreza a legislação mais avançada dos fóruns internacionais, a qual considera imprescritível os crimes de tortura.
Para o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a decisão possui significados que transcendem os limites jurídicos. O primeiro e principal significado é de natureza política. Em uma democracia frágil como a nossa, mesmo nos termos de sua institucionalidade burguesa, blindar politicamente os verdugos da ditadura militar sinaliza para a sociedade que estes estão tacitamente perdoados também em um plano moral. Este perdão moral é quase uma homenagem aos bandidos de ontem, fardados ou não, e um estímulo implícito àqueles que imaginam estar o Estado acima dos direitos e garantias fundamentais da pessoa.
Este entendimento da lei, baseado no mito da concórdia e de uma suposta índole pacífica do brasileiro, é ainda mais grave porque institucionaliza a anistia aos torturadores, invertendo moralmente o seu sinal e transformando-a em um novo legado autoritário do antigo regime. Com os nove votos, o STF reescreve o significado político da Anistia, sob o qual o regime militar consegue uma dupla vitória: perdoa a si mesmo com o perdão confirmado aos seus verdugos, e condena uma segunda vez as vítimas do arbítrio, agora ofendidas moralmente por uma corte que se pretende imparcial mas, com raras exceções, vota em geral pelos interesses mais conservadores da sociedade brasileira.
O segundo significado diz respeito à compreensão da memória política daqueles fatos que repercutem hoje e vão repercutir no futuro. E assim ocorre porque um dos valores da liberdade de qualquer povo é o conhecimento da verdade – verdade esta que teima em aflorar, a despeito de leis autoritárias blindadas, políticos coniventes com a mentira e uma imprensa hegemonizada ideologicamente pelos interesses do capital.
Por tudo isso, a decisão do STF é um golpe moral e político na história recente dos brasileiros. Daí ser necessário denunciá-la e resistir aos seus efeitos. Calar vai significar esquecer a memória da luta pela democracia. Vai, sobretudo, sinalizar para os fascistas e reacionários de hoje que eles estão livres para cometer torturas e assassinatos em nome da “Segurança Nacional” ou da ordem político-institucional. Não nos surpreendamos se os torturadores passarem a exigir as reparações e indenizações atribuídas aos verdadeiros anistiados políticos.
O PCB reafirma que os bandidos que atuaram em nome da ditadura burguesa-militar devem ser punidos pelos seus crimes de lesa-humanidade.
O PCB alerta que a cultura do esquecimento, proposta sempre às vítimas pelos criminosos do terror de Estado, deve ser repudiada e combatida.
O PCB exige a criação de uma efetiva COMISSÃO DA VERDADE, e não de conciliação como é da pior tradição brasileira, que esclareça as torturas, assassinatos e desaparecimentos de todas as vítimas da repressão, dentre as quais dezenas de dirigentes e militantes do nosso Partido.
COMITÊ CENTRAL
PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB)
Rio de Janeiro, maio de 2010

04/05/2010

Chapa 1 da INTERSINDICAL vence as eleições nos Metalúrgicos de Santos e região

Companheiros/as,
A chapa 1, da Intersindical, venceu as eleições dos Metalúrgicos de Santos e região. As eleições em primeiro turno aconteceram nos dias 5, 6, 7 e 8 de abril, por menos de 220 votos o quórum mínimo não foi atingido, isso porque a chapa dos pelegos da CUT e CTB buscaram a qualquer custo o segundo turno para atrapalhar a campanha salarial e fazer o jogo da Usiminas. As eleições em segundo turno aconteceram nos dias 26, 27, 28 e 29 de abril e mais uma vez os pelegos tentaram de tudo para voltarem ao Sindicato. Conseguiram uma liminar no segundo dia da eleição suspendendo a apuração de uma urna que coletou 196 votos de trabalhadores nas empresas metalúrgicas de Santos no primeiro dia da eleição. A juiza despachou a liminar pela internet, não compareceu ao Forum até tarde de quinta e portanto esses 196 votos não foram apurados. Mentiram, tumultuaram mas nada impediu que a categoria se colocasse em movimento e reafirmasse a defesa do Sindicato como um instrumento de luta e organização por nenhum direito a menos e avançar nas conquistas. Segue o resultado:
CHAPA 1: 1854
CHAPA 2: 604
Brancos: 13
Nulos: 32
Ganhamos em todas as urnas. Na Usiminas, nas metalúrgicas e nos aposentados. Agora a tarefa é ampliar o trabalho de organização da luta a partir dos locais de trabalho, fazer uma campanha salarial com muita mobilização e a resposta aos pelegos que nos acusaram de fazer greves irresponsáveis está aí. A classe respondeu que contra a exploração do capital o caminho é a luta.

03/05/2010

Primeiro de Maio: Contra a Crise do Capital, é a hora da luta pelo Socialismo

(Nota Política do PCB)
Nesse 1º de Maio de 2010, dia internacional de luta, o Partido Comunista Brasileiro saúda todos os trabalhadores.
Trata-se de um 1º de Maio especial, pois ocorre após a grave crise que atingiu a economia capitalista em todo o mundo. Os governos e Estados capitalistas reagiram ajudando com enormes somas de dinheiro público, grandes empresas financeiras e industriais. Os trabalhadores, por seu lado, amargaram o desemprego e o aumento da miséria. Dados do próprio FMI indicam que 53 milhões de crianças em todo o mundo poderão morrer por causa dos efeitos da crise.
Enquanto os Estados capitalistas em todo o mundo agiram para salvar os lucros das grandes empresas, os trabalhadores se debateram com o desemprego. Quem ficou na produção e não foi degolado pelo facão das demissões em massa, sente na pele o aumento da exploração, pois as empresas tentam recuperar os níveis de produtividade com um número menor de trabalhadores.
No Brasil o governo Lula não agiu diferente. Concedeu empréstimos a grandes empresas e diminuiu imposto como o IPI para desovar os estoques que estavam encalhados por causa da superprodução. Porém, a crise só foi atenuada para a burguesia. Para os trabalhadores e aposentados nenhuma medida significativa foi tomada. O aumento do consumo se baseia no endividamento privado, em que o crédito consignado garante aos bancos o desconto direto nos salários, sem qualquer risco de inadimplência.
No governo Lula, as frações mais financeirizadas do capital, determinam uma política juros altos que beneficia os detentores dos títulos da dívida pública. A prioridade do governo Lula no que tange aos gastos do governo é o de remunerar os títulos públicos, que consome cerca de 1/3 do orçamento, enquanto políticas públicas como saúde, educação e habitação ficam a mingua. O mesmo vale para as aposentadorias e pensões, com reajustes menores para quem ganha mais de um salário mínimo. Essa política de cortar gastos nas áreas sociais para favorecer os detentores dos títulos públicos, está por trás das recentes tragédias que mataram centenas de trabalhadores no Rio de Janeiro e São Paulo, por causa das enchentes e deslizamentos de terra. Sem uma política habitacional de Estado, com o governo Lula jogando o atendimento dessa demanda para atender os interesses do mercado imobiliário, os setores mais pobres da classe trabalhadora são obrigados a morar em áreas consideradas de risco. Tanto os governo de Serra (PSDB) e Kassab (DEM) em São Paulo, como os governos de Eduardo Paes e Sérgio Cabral no Rio de Janeiro, ambos do PMDB, assim como outros pelo Brasil à fora, cortaram as verbas públicas que poderiam evitar tais tragédias.
Enquanto a propaganda oficial mostra um país que vai às mil maravilhas, a verdade é que as massas trabalhadoras vivem dias de incerteza e insegurança. Nas grandes cidades brasileiras, além de viverem em condições de vida indignas, sem acesso a políticas públicas que universalizem o acesso à educação e a saúde de qualidade, por exemplo, a juventude negra e pobre é vítima da violência do narcotráfico e da polícia. No campo crescem as denúncias de trabalhadores vivendo em condições análogas à da escravidão. A concentração de renda no meio rural brasileiro é a segunda maior do mundo, perdendo apenas para a Namíbia, pequeno país africano. Como o governo Lula acomodou os interesses do grande capital exportador no bloco conservador, o incentivo ao agronegócio amplia a concentração de terra e se torna a causa direta pela não realização da Reforma Agrária no Brasil.
Para o PCB, a saída para essa situação passa pela retomada da organização e das lutas dos trabalhadores brasileiros. Uma luta que em nossa opinião não passa pelo apoio a um novo ciclo de desenvolvimento capitalista. Os problemas mais sentidos pelas massas trabalhadoras no Brasil não é resultado de um baixo desenvolvimento do capitalismo, mas, ao contrário, pelo alto grau de desenvolvimento do capitalismo em nosso país. Nesse sentido, o PCB entende que a retomada das lutas dos trabalhadores brasileiros, passa pela formação de uma frente Anti-Capitalista e Anti-Imperialista, capaz não só de dirigir as lutas, mas também, de construir um movimento contra-hegemônico que dispute a consciência dos trabalhadores para a luta pelo socialismo.
No plano sindical, o PCB luta pelo fortalecimento da Intersindical (Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora), como espaço capaz de aglutinar o sindicalismo classista e combativo e que realizará em 13, 14 e 15 de novembro seu Encontro Nacional.
Por fim, pelo caráter internacionalista do 1º de Maio, o PCB se solidariza com a luta dos povos em todo o mundo contra o imperialismo e o capitalismo. Declaramos nosso irrestrito apoio à Revolução Cubana e às suas conquistas. Declaramos também nosso apoio ao povo do Haiti, exigindo a retirada de todas as tropas estrangeiras do país, incluindo as do Brasil.
Rio de Janeiro, 1º de Maio de 2010.
Comissão Política Nacional do PCB