25/04/2008

As Seis Características Fundamentais de um Partido Comunista

Álvaro Cunhal

15 de Setembro de 2001

Primeira Edição: Intervenção enviada ao Encontro Internacional sobre a "Vigencia y actualización del marxismo", organizado pela Fundación Rodney Arismendi , em Montevideo, de 13 a 15 de Setembro de 2001, por ocasião do 10º aniversário da sua constituição. O Encontro abordou três grandes temas: "Una concepción y un método para enfrentar los desafíos del nuevo milenio"; "Democracia, democracia avanzada y socialismo"; "Por la unidad de la izquierda a la conquista del gobierno".Fonte: Portal Vermelho.Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, fevereiro 2008.
O quadro das forças revolucionárias existentes no mundo alterou-se nas últimas décadas do século XX.
O movimento comunista internacional e os partidos seus componentes sofreram profundas modificações em resultado da derrocada da URSS e de outros países socialistas e do êxito do capitalismo na competição com o socialismo.
Houve partidos que renegaram o seu passado de luta, a sua natureza de classe, o seu objectivo de uma sociedade socialista e a sua teoria revolucionária. Em alguns casos, tornaram-se partidos integrados no sistema e acabaram por desaparecer.
Esta nova situação no movimento comunista internacional abriu na sociedade um espaço vago no qual tomaram particular relevo outros partidos revolucionários que, nas condições concretas dos seus países, se identificaram com os partidos comunistas em aspectos importantes e por vezes fundamentais dos seus objectivos e da sua acção.
Por isso, quando se fala hoje do movimento comunista internacional, não se pode, como em tempos se fez, colocar uma fronteira entre partidos comunistas e quaisquer outros partidos revolucionários. O movimento comunista passou a ter em movimento uma nova composição e novos limites .
Estes acontecimentos não significam que partidos comunistas, com a sua identidade própria, não façam falta à sociedade. Pelo contrário. Com as características fundamentais da sua identidade, partidos comunistas são necessários, indispensáveis e insubstituíveis , tendo em conta que assim como não existe um “modelo” de sociedade socialista, não existe um “modelo” de partido comunista.
Entretanto, com diferenciadas respostas concretas a situações concretas, podem apontar-se seis características fundamentais da identidade de um partido comunista, tenha este ou outro nome.
1ª - Ser um partido completamente independente dos interesses, da ideologia, das pressões e ameaças das forças do capital.
Trata-se de uma independência do partido e da classe, elemento constitutivo da identidade de um partido comunista. Afirma-se na própria acção, nos próprios objectivos, na própria ideologia.
A ruptura com essas características essenciais em nenhum caso é uma manifestação de independência mas, pelo contrário, é, em si mesma, a renúncia a ela.
2ª - Ser um partido da classe operária, dos trabalhadores em geral, dos explorados e oprimidos .
Segundo a estrutura social da sociedade em cada país, a composição social dos membros do partido e da sua base de apoio pode ser muito diversificada. Em qualquer caso, é essencial que o partido não esteja fechado em si, não esteja voltado para dentro, mas, sim voltado para fora, para a sociedade, o que significa, não só mas antes de mais, que esteja estreitamente ligado à classe operária e às massas trabalhadoras.
Não tendo isto em conta, a perda da natureza de classe do partido tem levado à queda vertical da força de alguns e, em certos casos, à sua autodestruição e desaparecimento.
A substituição da natureza de classe do partido pela concepção de um “partido dos cidadãos” significa ocultar que há cidadãos exploradores e cidadãos explorados e conduzir o partido a uma posição neutral na luta de classes – o que na prática desarma o partido e as classes exploradas e faz do partido um instrumento apendicular da política das classes exploradoras dominantes.
3ª - Ser um partido com uma vida democrática interna e uma única direcção central.
A democracia interna é particularmente rica em virtualidades nomeadamente: trabalho colectivo, direcção colectiva, congressos, assembleias, debates em todo o partido de questões fundamentais da orientação e acção política, descentralização de responsabilidades e eleição dos órgãos de direcção central e de todas as organizações.
A aplicação destes princípios tem de corresponder à situação política e histórica em que o partido actua.
Nas condições de ilegalidade e repressão, a democracia é limitada por imperativo de defesa. Numa democracia burguesa, as apontadas virtualidades podem conhecer, e é desejável que conheçam, uma muito vasta e profunda aplicação.
4ª - Ser um partido simultaneamente internacionalista e defensor dos interesses do país respectivo.
Ao contrário do que em certa época foi defendido no movimento comunista, não existe contradição entre estes dois elementos da orientação e acção dos partidos comunistas.
Cada partido é solidário com os partidos, os trabalhadores e os povos de outros países. Mas é um defensor convicto dos interesses e direitos do seu próprio povo e país. A expressão “partido patriótico e internacionalista” tem plena actualidade neste findar do século XX. Pode, na atitude internacionalista, incluir-se, como valor, a luta no próprio país e, como valor para a luta no próprio país, a relação de solidariedade para com os trabalhadores e os povos de outros países.
5ª - Ser um partido que define, como seu objectivo, a construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores, uma sociedade socialista.
Este objectivo tem também plena actualidade. Mas as experiências positivas e negativas da construção do socialismo numa série de países e as profundas mudanças na situação mundial, obrigam a uma análise crítica do passado e a uma redefinição da sociedade socialista como objectivo dos partidos comunistas .
6ª - Ser um partido portador de uma teoria revolucionária, o marxismo-leninismo, que não só torna possível explicar o mundo, como indica o caminho para transformá-lo.
Desmentindo todas as caluniosas campanhas anticomunistas, o marxismo-leninismo é uma teoria viva, antidogmática, dialéctica, criativa , que se enriquece com a prática e com as respostas que é chamada a dar às novas situações e aos novos fenómenos. Dinamiza a prática, enriquece-se e desenvolve-se criativamente com as lições da prática.
Marx no “O Capital” e Marx e Engels no “Manifesto do Partido Comunista” analisaram e definiram os elementos e características fundamentais do capitalismo. O desenvolvimento do capitalismo sofreu porém, na segunda metade do século XIX, uma importante modificação. A concorrência conduziu à concentração e a concentração ao monopólio.
Deve-se a Lénine, na sua obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, a definição do capitalismo nos finais do século XIX.
Extraordinário valor têm estes desenvolvimentos da teoria. E igual valor têm a investigação e a sistematização dos conhecimentos teóricos.
Numa síntese de extraordinário rigor e clareza, um célebre artigo de Lénine indica “as três fontes e as três partes constitutivas do marxismo”.
Na filosofia, o materialismo-dialéctico, tendo no materialismo histórico a sua aplicação à sociedade.
Na economia política, a análise e explicação do capitalismo e da exploração, cuja “pedra angular” é a teoria da mais-valia.
Na teoria do socialismo, a definição de uma sociedade nova com a abolição da exploração do homem pelo homem.
Ao longo do século XX, acompanhando as transformações sociais, novas e numerosas reflexões teóricas tiveram lugar no movimento comunista. Porém, reflexões dispersas, contraditórias, tornando difícil distinguir o que são desenvolvimentos teóricos, do que é o afastamento revisionista de princípios fundamentais.
Daí o carácter imperativo de debates, sem ideias feitas nem verdades absolutizadas, procurando, não chegar a conclusões tidas por definitivas, mas aprofundar a reflexão comum.
É de esperar que o Encontro Internacional na Fundação Rodney Arismendi de Setembro do ano corrente dê uma contribuição positiva para que este objectivo seja alcançado.

20/04/2008

A EXCEPCIONALIDADE DE FIDEL




Renato Nucci Junior
(nuccijr1@yahoo.com.br)


A renúncia de Fidel Castro às funções que ocupava no Estado cubano teve repercussão mundial. E não era para menos. Fidel e a Revolução Cubana representam um dos momentos mais importantes do século passado, já que tanto a personagem como o fato histórico, se inserem num momento de intensas lutas anti-coloniais dos povos africanos e asiáticos. A ousadia do povo de uma pequena ilha caribenha ao enfrentar o imperialismo estadounidense, num contexto latino-americano marcado por ditaduras militares e governos subservientes à Casa Branca, fez de Fidel Castro e da Revolução Cubana um marco histórico, uma referência ética e política e uma fonte de inspiração para a luta de outros povos por todo o mundo.


Com a derrota das experiências socialistas do leste europeu e com o fim da União Soviética, a burguesia triunfante acreditava que o fim do socialismo em Cuba era uma questão de tempo. Tal expectativa crescia à medida que o país enfrentava um período de graves carências econômicas causadas pela perda de seu principal parceiro comercial e pelo acirramento do embargo estadounidense. Porém, nada aconteceu. Em meio a grandes dificuldades o país manteve-se de pé sem que acontecesse o que a Casa Branca e os exilados cubanos de Miami tanto esperavam: uma insurreição popular causada pela insatisfação com as dificuldades do “período especial” que acabaria com a “ditadura” de Fidel e abriria caminho para uma democracia liberal nos moldes desenhados por Washington.

Com a renúncia de Fidel, a direita mundial volta a acreditar na possibilidade para uma transição político-econômica que acabe com o socialismo. Por estar impregnada da ideologia burguesa, que enxerga no indivíduo o grande demiurgo da história, acredita que a renúncia do Comandante-em-Chefe mudará completamente os destinos de Cuba.

Mas o que os porta-vozes do capital não entendem é que a história não é feita apenas pelos grandes personagens. Nem compreendem que estes, sozinhos, são incapazes de determinar seus rumos apenas por seus caprichos. A história é feita por coletividades maiores, as classes sociais, que encontram em certos indivíduos, os chamados “grandes líderes”, os porta-vozes de seus anseios.


Fidel Castro é, sem dúvida, a personalidade viva de maior expressão da Revolução Cubana. Essa condição jamais foi imposta, mas, conquistada por seu papel proeminente na vida política de seu país. Membro da ala esquerda do Partido Ortodoxo, participou da tentativa de tomada do Quartel de Moncada, em 1953. O objetivo dos rebeldes que o acompanhavam era derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista, instalada no país com apoio da classe dominante nativa, justamente para impedir a vitória eleitoral do Partido Ortodoxo. O programa defendido pelo Partido Ortodoxo e pelos rebeldes incluía a reforma agrária e mudanças econômicas e sociais de caráter popular. Tais mudanças representavam as aspirações mais sentidas dos cubanos, mergulhados em um regime subserviente aos interesses dos Estados Unidos e de uma burguesia autóctone, estúpida e vassala. O programa do movimento só concretizou-se após 1959, com a vitória da Revolução Cubana e o caminho socialista por ela trilhado.

Desde então, as conquistas econômicas e sociais dos cubanos, a permanente hostilidade dos Estados Unidos e as dificuldades recentes enfrentadas pelo fim do bloco de países socialistas no leste europeu, foram respondidas com firmeza pela direção do Partido Comunista Cubano, tendo Fidel como seu porta-voz. O que lhe conferiu o papel de personalidade mais proeminente da Revolução.

Por estar à frente do comando político de Cuba por 49 anos que a renúncia de Fidel suscita dúvidas sobre o futuro do país. Mas, os analistas “imparciais” da grande imprensa, ansiosos pelo fim do socialismo em Cuba, erram em suas previsões. Seu erro está em confundir Fidel com a Revolução, como se esta se sustentasse apenas pela vontade e capricho daquele. Removido esse obstáculo, abrir-se-ia espaço para o surgimento de uma democracia de molde liberal. Porém, para a tristeza desses analistas, a Revolução Cubana é maior do que Fidel, sustentando-se para além de seu principal personagem e dirigente.

A base material que sustenta a Revolução está nas conquistas sociais que ela logrou e que se mantiveram mesmo com as dificuldades impostas pelo “período especial”. Os níveis de escolaridade, atendimento médico, mortalidade infantil e expectativa de vida se equiparam aos observados nos principais países capitalistas. Elas são tão inquestionáveis, que mesmo meios de comunicação burgueses como a Folha de São Paulo, no editorial da edição de 20/02/2008, ainda que fazendo coro com a direita mundial que defende uma abertura política e econômica para a ilha, exigiu a manutenção das conquistas sociais da Revolução. Este quadro é bem diferente daquele pintado pelos detratores da Revolução, em geral formado pelos exilados que perderam seus privilégios e que se aliam ao governo dos Estados Unidos no combate ao regime cubano. Estes afirmam que Cuba vive em uma situação de carência material absoluta e de obscurantismo político e intelectual, sustentada por uma “ditadura” exercida pessoalmente por Fidel. É essa visão tacanha e sem qualquer pé na realidade, que boa parte dos grandes meios de comunicação mundiais compram como verdade absoluta.


Por tudo isso, a renúncia de Fidel e sua substituição por outros dirigentes, incluindo uma geração mais nova que cresceu sob o socialismo, não será a derrocada do mesmo em Cuba. A ilha já vive um processo de mudança desatado pelo próprio Fidel e pela direção do Estado cubano desde o início da década, crismada de “A Batalha das Idéias”. Essa campanha aponta para um aprofundamento da Revolução, através da participação popular e pela ampliação da escolaridade e do conhecimento do povo cubano, como forma de corrigir as falhas e contradições originadas pelo “período especial”. A finalidade é tornar os cubanos o povo mais culto do mundo.

Cientes de que a renúncia de Fidel não ocasionará uma mudança brusca rumo ao capitalismo, os grandes meios de comunicação esperam, ao menos, uma abertura econômica seguindo o exemplo chinês, como um passo para mudanças maiores no futuro. Contudo, a exemplo dos chineses, reconhecem que as linhas mestras da Revolução serão mantidas: soberania nacional e construção de uma sociedade socialista. Isso entristece os que esperam ver Cuba se abrir política e economicamente ao capitalismo. E a explicação normalmente dada à continuidade do processo revolucionário é sempre a mesma: Fidel, mesmo afastado do comando do Estado, ainda manteria uma poderosa influência capaz de impedir tais mudanças.


A dimensão histórica e política de Fidel Castro têm a mesma proporção da Revolução Cubana. A grandeza de Fidel é proporcional a importância que a Revolução Cubana assumiu na história moderna. E esta também é grandiosa pois contou com personalidades grandiosas, como Ernesto “Che” Guevara. Em suma, se os grandes processos históricos forjam as grandes personalidades, é necessário que estas também existam para que os acontecimentos tomem os rumos exigidos pelas circunstâncias. A história requer indivíduos e personalidades capazes de cumprirem suas demandas. Essa dialética incompreensível para os analistas burgueses, é que torna Fidel grandioso, por causa da Revolução Cubana, mas, que também a torna grandiosa, para além de Fidel.

E Fidel manifestou essa grandeza em sua renúncia. Ciente dos limites físicos impostos pela enfermidade que o acomete, manifestou que não aspira e nem aceita os cargos de direção do Estado cubano. Sua importância pode ser medida pelo impacto da notícia em todo o mundo. Como apontou em sua carta de renúncia, meu dever primordial não é agarrar-me a cargos, muito menos obstruir o caminho de pessoas mais jovens, e sim oferecer experiências e idéias cujo modesto valor provém da época excepcional que me coube viver.

Época excepcional que gerou com excepcionalidade a personalidade revolucionária que sempre será Fidel.