04/09/2010

O VOTO DO STÉDILE


imagemCrédito: Resistir.info

Escrito por Antonio Julio de Menezes

Pesquiso o movimento de trabalhadores do campo no Brasil há mais de 25 anos. Mais especificamente, pesquiso o MST há mais de 15 anos. Tenho livros, artigos científicos e artigos na imprensa. Porém, mais do que um pesquisador pretensamente "neutro", sou um militante. Defendo o socialismo, a reforma agrária, a educação do campo e as lutas dos trabalhadores do campo e da cidade.

Admiro os lutadores desconhecidos e os conhecidos que a história registra ao longo do tempo. Desconhecidos como aqueles que, hoje, ocupam terras pelo direito ao seu trabalho, à sua cultura e à sua dignidade. E conhecidos como João Pedro Stedile e Plínio de Arruda Sampaio, dentre muitos outros, que passam suas vidas na luta por uma vida mais digna para o povo brasileiro e para o povo do campo. Abrem mão de cargos nos governos, privilégios e outras coisas mais para ficar ao lado das lutas populares.

Assim, é neste clima fraternal e companheiro que quero discordar da posição eleitoral do João Pedro Stedile, manifestada em diversos debates e edição do Brasil de Fato de 17/08/2010. Depois de criticar Serra, posição consensual na esquerda, ele diz: "E temos três candidaturas de partidos de esquerda, com companheiros de biografia respeitada de compromisso com o povo, mas que não conseguiram aglutinar forças sociais ao seu redor, e por isso o peso eleitoral será pequeno. Nesse cenário, nós achamos que a vitória da Dilma permitirá um cenário e correlação de forças mais favoráveis a avançarmos em conquistas sociais, inclusive em mudanças na política agrícola e agrária".

Pergunto: como as três candidaturas de esquerda aglutinariam força e cresceriam se uma das principais lideranças, de um dos principais movimentos sociais do Brasil, já declara, sem nenhum empenho por estas candidaturas, que elas não decolam e vai direto pedir voto na Dilma? Não deveríamos nos empenhar para que estas candidaturas aglutinassem forças e tivessem maior peso eleitoral em vez de sairmos dizendo, sem discussão ou empenho por estas candidaturas, que elas não decolam? Mesmo que não ganhássemos, se os candidatos de esquerda conseguissem um peso eleitoral maior, não teríamos mais forças para o enfrentamento com o capital e o agronegócio?

Em segundo lugar, o seguinte: qual é este cenário favorável em que a vitória de Dilma permitirá uma correlação de forças favorável para a mudança na política agrícola e agrária? Se nos oito anos de governo Lula esta mudança não aconteceu, qual o "milagre" que faria com que a vitória de Dilma propiciasse tais mudanças? Aliás, na entrevista, Stedile diz que "nós achamos". Nós, no caso, seria o MST? Creio que não foi esta a decisão do Movimento Sem Terra.

Por fim, analiso que o voto em Plínio, no Ivan Pinheiro ou no Zé Maria, comprometidos com as lutas dos trabalhadores, seria uma forma de aglutinar votos para a fragmentada esquerda brasileira. Não venceremos, mas podemos ter uma inserção maior nas lutas se demonstrarmos alguma força e unidade. Mas, para tanto, precisamos apoiar candidatos de esquerda, e não ficar defendendo voto útil que, na maior parte das vezes, se torna inútil. Aliás, útil para quem?

E aí, Stedile, o MST joga um papel fundamental para ajudar a reaglutinar as forças capazes de combater o capital e o agronegócio, pois possui o reconhecimento da esquerda brasileira.

Antonio Julio de Menezes Neto, cientista social, doutor em educação e professor na UFMG.

Blog: http://antoniojuliomenezes.zip.net/

03/09/2010

EUA: Emigrantes, drogas e hipocrisia

De acordo com uma análise editorial publicada ontem [30 de Agosto] no New York Times, o recente massacre de 72 emigrantes centro e sul-americanos em Tamaulipas confirma que o governo de Washington delegou nos «senhores das drogas» a execução da sua política de provisão migratória, tal como o fez anteriormente com o fornecimento de estupefacientes, com «os resultados que estão à vista».
Com inusitada crueza, o jornal nova-iorquino escreve que «os cartéis mexicanos são alimentados pelos Estados Unidos com dinheiro vivo, armas pesadas e outras», enquanto o fluxo humano para o norte «é alimentado pela nossa procura de mão-de-obra barata». Nestas circunstâncias, as organizações do narcotráfico – «capitalistas oportunistas» – entraram pelo negócio do tráfico de pessoas: «os imigrantes indocumentados são, em certo sentido, melhores que a cocaína, porque podem ser obrigados a pagar resgate e convertidos em transportadores de droga».
O referido editorial não se inscreve apenas na chamada de atenção sobre a ligação crescente entre o narcotráfico e a utilização de pessoas – ligação que ficou barbaramente evidenciada no massacre de centro e sul-americanos em Tamaulipas – mas que se junta às chamadas de atenção sobre o imobilismo de Washington no combate às drogas.
Inúmeros analistas expressaram dúvidas sobre a seriedade do compromisso do governo estadunidense nesse empenho por ele imposto a outros países, e para fundamentar a suspeita apontam, entre outros factos, a suposta incapacidade do aparelho policial, militar e tecnológico mais poderoso do mundo para detectar e interceptar a imensa maioria dos embarques de estupefacientes ilícitos que, por mar e pelo ar, atravessam a fronteira entre o México e os Estados Unidos. Isto porque as substâncias ilícitas chegam a esse país, são aí distribuídas e comercializadas sem contratempos de maior desde o Rio Bravo até ao Canadá e do Pacífico até ao Atlântico.
A inconsistência entre o discurso oficial de Washington e os seus actos para estancar o tráfico de estupefacientes no seu próprio território é simétrica da incongruência que existe entre as políticas oficiais em matéria de migração, persecutórias e repressivas quer no âmbito federal quer estadual, e a evidente necessidade da economia estadunidense se alimentar com mão-de-obra barata, o que apenas pode fazer com trabalhadores estrangeiros, maioritariamente latino-americanos, que chegam ao país sem os documentos migratórios. Em qualquer dos casos fica evidente uma hipocrisia que, segundo o New York Times chega ao ponto de utilizar os cartéis mexicanos como a válvula de escape que controla o caudal migratório. Se estes exercícios simulatórios forem certos – e todos os elementos de análise apontam para isso – torna-se inevitável perguntar se tão abissais diferenças entre a leis e a prática governamental e empresarial não configuram uma gigantesca fraude à comunidade internacional e à própria opinião pública estadunidense, maioritariamente intoxicada por uma propaganda que apresenta, por um lado, um país imaculado, próspero, sadio e regido pelo direito, e por outro, um conjunto de nações que invadem o território estadunidense com drogas ilícitas e migrantes delinquentes e perigosos.
Em qualquer caso, fica claro que o lugar dos segundos no narcotráfico não é o de protagonistas, mas o de vítimas, e que são as próprias autoridades dos Estados Unidos quem criou essa circunstância, por meio de estratégias falhadas se é que não são mal intencionadas.
A conclusão inevitável desta reflexão é que Washington não tem autoridade moral para ditar, acordar ou sugerir acções em matéria de combate à delinquência organizada e, particularmente, ao tráfico de drogas, e que, se é certo que tais fenómenos, tendo em conta o seu carácter global, devem enfrentados multilateral e concertadamente, as estratégias correspondentes devem ser formuladas em negociações equitativas e respeitadoras das soberanias. Neste ponto as autoridades mexicanas devem abandonar a submissão com que têm actuado e assumir, de uma vez por todas, que os Estados Unidos não podem ser vistos como a fonte de soluções, mas como parte do problema.
Este texto foi publicado no diário mexicano La Jornada de 31 de Agosto de 2010.
Tradução de José Paulo Gascão

02/09/2010

MAIS UMA VITÓRIA DOS TRABALHADORES CONTRA OS PATRÕES E SEUS PELEGOS: OPERÁRIOS DA SADIA DERROTAM A FORÇA SINDICAL EM CHAPECÓ

Terminou na noite de quarta-feira (01/09) apuração dos votos das eleições no Sindicato dos Trabalhadores na industria de carnes de Chapecó- SC e mais uma vez a classe trabalhadora se colocou em movimento para derrotar os pelegos.
O Sindicato há 22 anos não tinha eleições, sob a direção da Força Sindical durante todo esse tempo os trabalhadores amargaram salários arrochados. doenças e mutilações provocados pela péssimas condições de trabalho.
Os trabalhadores se organizaram durante os últimos 3 anos clandestinamente, enfrentaram todo tipo de pressão da SADIA e dos pelegos, ameaças que chegavam até suas casas e agressões físicas.
Mas nada disso impediu os trabalhadores de se colocarem em luta para retomar seu Sindicato.
Vejam os números das eleições:

Chapa 1: 216 (29,79%)

CHAPA 2: 489 (67,45%)
Nulos: 03
Brancos:17
A INTERSINDICAL ESTÁ PRESENTE EM MAIS ESSE PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO E LUTA DA CATEGORIA

Vitória da oposição sindical em Chapecó/SC

É com muita alegria que comunicamos a todos a vitória da chapa de oposição sindical sobre a máfia sindical que estava dirigindo, sem eleições, o Sindicato da Indústria de Carnes (Sitracarnes), em Chapecó, desde 1988.
A diferença de votos foi grande: 416 a 210 votos. Isso expressa o descontentamento do operariado da Sadia contra as péssimas condições de trabalho e contra a Farsa sindical que estava parasitando no sindicato há um bom tempo.
Foi um grande aprendizado presenciar a coragem e a luta dos operários que compuseram a chapa. Mesmo tendo sido ameaçados de demissão e de morte, os 24 operários da chapa de oposição demonstraram que estavam dispostos a lutar por uma vida, no mínimo, mais digna e não titubearam em nenhum momento. Começaram se organizando clandestinamente e hoje tomaram o sindicato da pelegada.
Mais uma vez, deve-se agradecer a todos que puderam contribuir com esse movimento.
Aqui, em Chapecó, os socialistas conseguiram demonstrar unidade na luta. Quiçá essa experiência sirva de lição para outras jornadas de luta contra o capital.

01/09/2010

Por um sindicato comprometido com o trabalhador

Por Magali Moser.
Será um dia histórico para Chapecó. Em 1º de setembro, pela primeira vez em 22 anos, o município do meio oeste catarinense vai testemunhar uma eleição para o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados (Sitracarnes). A ausência de eleição foi denunciada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) que processou o sindicato e seus dirigentes por estabelecerem acordos coletivos em prejuízo dos trabalhadores e por fraude nas eleições. O MPT apontou ainda que “há uma verdadeira legião de jovens lesionados nos frigoríficos e o sindicato atua em prejuízo à própria saúde do trabalhador”. A maioria dos trabalhadores do Sitracarnes é da Sadia, fundada em 1944 a partir da compra de um pequeno frigorífico em Concórdia e hoje considerada uma das maiores empresas de alimentos da América Latina e uma das principais exportadoras do país.
Duas chapas concorrem à eleição. A chapa 1, da situação, e a chapa 2, da Oposição Sindical. A ânsia por mudança é tanta que Neucira Terezinha Rosa Enderle, 40 anos, chegou a sonhar por duas vezes com a vitória da chapa 2. Ela via o carro de sonho anunciar a vitória dos trabalhadores e participava da comemoração. Operadora de produção do setor de Hambúrguer da empresa há cinco anos, Neucira faz parte da legião de 1200 trabalhadores lesionados pelo trabalho e que estão afastados da empresa. Nascida em Irani, município vizinho, ela abandonou a vida na roça depois de acumular prejuízos e se viu obrigada a trabalhar como empregada.
- Demorei um ano pra me acostumar. Aquele paredão de concreto, sem janela, sem contato com a natureza, sem poder conversar direito com as pessoas. Quando me acostumei com o ambiente, fiquei doente, com tendinopatia - conta.
A lesão nos braços impediu Neucira de fazer atividades básicas como varrer a casa, descascar uma mandioca ou esfregar uma meia. Ela mora no Efapi, bairro operário onde fica a fábrica da Sadia e estão concentrados os trabalhadores. Dos R$ 648 que recebe, R$ 150 vai para o aluguel da quitinete chamada por ela de “porãozinho”, onde mora com a filha. Jamais pensou em fazer parte de um sindicato, mas sentiu que precisava denunciar o que chama de trabalho escravo.
- A gente estava com os olhos tapados. Só pensava em trabalhar. Mas aqui um frango tem mais valor que a vida de um trabalhador - resume João Anildo Iora, 46 , que trabalha há 20 anos como operador de máquina no setor de Embalagem de Peru e perdeu parte de dois dedos na empresa.
Os trabalhadores colecionam histórias de mutilação como a de João Francisco Felippi, de 29 anos. Ele escorregou dentro da máquina de mistura de temperos e perdeu a perna direita. O acidente foi em dezembro de 2007, quando a filha tinha 23 dias. A mulher dele, que na época também trabalhava na empresa, entrou em depressão e foi demitida. Hoje, Felippi recebe metade do salário – R$ 360 – da previdência e aguarda por uma prótese. A constatação da ausência de precauções para evitar mutilações em empregados pode ser vista pela placa, em frente à empresa. Dia 20 de agosto anunciava: “estamos trabalhando há oito dias sem acidentes com afastamento. Nosso recorde é 115 dias”.
- O funcionário tem 8 segundos para desossar uma coxa. Não dá nem tempo de enxergar a faca. Se vencer, eles diminuem o tempo. Aqui ninguém mais quer trabalhar. Estão indo buscar gente no Rio Grande do Sul. Os trabalhadores ficam quatro horas num ônibus e depois mais 8 horas na empresa - conta Laires Schneider, funcionário do setor de Evisceração de Peru por 26 anos e que foi demitido sob a “justificativa de redução do quadro” quando passou a manifestar seu envolvimento com a chapa 2.
- O sindicato é uma ferramenta para o trabalhador. E aqui isso não acontece. Se alguém reclamava, eles mandavam embora. Sofri várias ameaças por telefone e pessoalmente. Diziam que era pra eu ficar fora disso, preservar minha vida. Vivemos uma ditadura sindical - relata Jenir de Paula, candidato a presidente da chapa 2, que foi demitido após divulgada a participação no movimento sindical e conseguiu a reintegração na justiça.
Em Chapecó foi criada a primeira filial da Sadia, apontada como a marca mais valiosa do setor de alimentos brasileiro por quatro vezes. Na fábrica, são 6 mil empregados, a maioria é mulher. Os trabalhadores contam que são abatidos 200 mil frangos por dia. Em frente à fábrica, os caminhões lotados de aves não param de chegar. O cheiro é insuportável. Sindicatos de todo o Estado apóiam a chapa 2, inclusive centrais sindicais como CUT, Conlutas e Intersindical.

31/08/2010

RESISTÊNCIA URBANA – Frente Nacional de Movimentos

A RESISTÊNCIA URBANA – Frente Nacional de Movimentos faz um alerta aos trabalhadores brasileiros sobre o avanço de uma política de despejos e de uma ofensiva do capital imobiliário nas metrópoles do país. O cenário que está sendo montado é de uma verdadeira operação de guerra contra os moradores de favelas, comunidades periféricas e os trabalhadores informais, em nome do “crescimento econômico” e da preparação do país para a Copa-2014 e Olimpíadas-2016. Os governos federal, estaduais e municipais prepararam seus planejamentos – em muitos casos, já em execução – para obras de grande impacto, que representam uma Contra-Reforma Urbana no Brasil, pela forma autoritária e excludente com que estes programas afetarão os trabalhadores urbanos (principalmente através de despejos e remoções em massa) e pela lógica de cidade que trazem consigo. Por isso, e contra isso, lançamos uma Campanha Nacional contra os Despejos.
I. A OFENSIVA DO CAPITAL IMOBILIÁRIO
Há anos temos assistido a uma intensificação dos ataques aos moradores de favelas, periferias e subúrbios nas grandes cidades brasileiras. A forma desses ataques tem sido a realização de despejos e remoções de milhares de famílias, associada a novos empreendimentos imobiliários e a obras públicas. Os trabalhadores – especialmente os mais pobres – são expulsos para regiões cada vez mais distantes dos centros, para que as áreas urbanas com maior infra-estrutura e mais valorizadas possam abrigar novas obras e terem uma valorização ainda maior. Trata-se de uma política de “limpeza social”, onde as zonas urbanas de maior interesse econômico devem ficar livres dos pobres.
O que está por trás deste processo é o fortalecimento, como “nunca antes visto neste país”, do capital imobiliário: as grandes empresas de construção civil, as incorporadoras e os proprietários/especuladores de terra urbana estão em festa. Após a abertura de capital de grandes empreiteiras (a partir de 2006) e de sucessivos presentes do governo, o Programa Minha Casa, Minha Vida (anunciado no início de 2009) coroou a abertura de um período de vacas gordas para este setor do capital. Para que se tenha uma idéia da dimensão desses ganhos basta mencionar 3 fatos: O setor da construção foi quem puxou a alta da Bolsa de Valores de São Paulo no primeiro semestre de 2009, com uma valorização acionária de 87%; além disso, foi o setor que isoladamente mais recebeu do governo nas chamadas “medidas anti-crise”, com R$33 bilhões só através do Minha Casa, Minha Vida, para não citar o PAC; por fim, como pagamento dos bondosos investimentos estatais, o capital imobiliário se destaca como o maior financiador de campanhas eleitorais do Brasil – tendo “bancadas” em todas as instancias parlamentares e inúmeros representantes nos governos. Essas são demonstrações da força deste setor no capitalismo brasileiro e de sua capacidade de determinar a política de desenvolvimento urbano, manejando os governos e desconsiderando os interesses populares.
A aliança perversa entre Estado e capital imobiliário reproduz uma lógica excludente e repressiva de desenvolvimento urbano. Sob a bandeira do “crescimento econômico” passam por cima do que estiver pela frente, em geral comunidades inteiras, historicamente estabelecidas. Naturalmente, as casas derrubadas não são as mansões dos empreiteiros; estas não atrapalham o progresso e as grandes obras. É a lógica do predomínio completo dos interesses privados, da necessidade de aumentar os lucros e de valorizar cada vez mais o solo urbano. O valor do metro quadrado nas metrópoles brasileiras tem crescido numa escala astronômica. Ganham os especuladores, ganham as construtoras, ganham os caixas de campanha. Perdem os trabalhadores. O preço deste “crescimento” são os despejos, o aumento do número de trabalhadores sem-teto e a piora das condições de moradia para os mais pobres.
II. PAC, COPA E OLIMPÍADAS: A CONTRA-REFORMA URBANA
Como se isso não bastasse, a ampliação das obras do PAC (com o anúncio do PAC 2) e as intervenções urbanas planejadas para viabilizar a Copa 2014 e as Olimpíadas 2016 prometem agravar o problema a níveis catastróficos. Além da construção de estádios e centros esportivos nas cidades-sede, estão previstas uma série de ações nas grandes cidades do país: novas avenidas, ampliação de aeroportos, obras de embelezamento para o turismo, etc. O governo pretende mostrar a todos o Brasil como um país de “primeiro mundo”; e para isso terá que afastar os pobres dos holofotes da mídia internacional e dos turistas.
Não faltam exemplos do que tem ocorrido em situações como esta. Recentemente, na Copa da África, dezenas de milhares de famílias sofreram despejo e estão sobrevivendo em alojamentos precários; além disso, o governo sul-africano criou – por exigência da FIFA – tribunais especiais, para julgar e condenar sumariamente trabalhadores pobres e negros que ousaram atrapalhar a festa. Mesmo em países ricos, como a Espanha (nas Olimpíadas de 1992), os resultados foram negativos aos trabalhadores: os terrenos de Barcelona tiveram uma valorização de mais de 130%, por conta da especulação no período, expulsando os pobres das regiões centrais. Nem precisamos ir tão longe. O Pan-Americano 2007 no Rio de Janeiro foi um momento de terror nas favelas do Rio de Janeiro: vários despejos aconteceram, foram erguidos muros entorno das favelas e ocorreu o Massacre do Complexo do Alemão, com dezenas de pessoas – em geral, jovens e negros da favela – executados pela polícia.
Aí vem a Copa no Brasil! O sonho de muitos brasileiros promete tornar-se um terrível pesadelo. E, para que tudo esteja pronto, as obras começarão em breve, aliás, já estão atrasadas. O número de famílias despejadas no país – e não será só nas cidades-sede – deve chegar à casa das centenas de milhares. Em muitos casos, despejos sem indenização e sem alternativa de moradia. Ou com os ridículos “cheques-despejo”, com um valor que não permite sequer a compra de um barraco numa encosta de morro. Além disso, as medidas de repressão e criminalização da pobreza tendem a se tornar cada vez mais bárbaras nestes próximos anos, consolidando a política de “higienização social”. Várias situações já apontam para isso: as Unidades de Polícia Pacificadora, no Rio de Janeiro; o aumento da repressão a trabalhadores informais (especialmente camelôs) em várias cidades; o impedimento de moradores de periferia em freqüentar espaços públicos nos centros, como ocorreu num shopping Center de Curitiba (por ordem judicial!); etc. A ordem é: a cidade para os ricos e turistas, que os pobres fiquem nas periferias!
Quem está sorrindo com isso é o grande capital imobiliário, que deverá se empanturrar com obras faraônicas, financiadas com dinheiro público, e verá seus grandes terrenos valorizarem-se absurdamente. Só para construção de estádios, o BNDES já anunciou um crédito de R$5 bilhões à disposição dos interessados. E outros bilhões virão para os empreiteiros. Para os pobres, despejos e repressão.
III. CONSTRUIR A RESISTÊNCIA
Diante deste cenário, temos uma tarefa imensa pela frente: organizar e unificar uma resistência dos trabalhadores, em escala nacional. Para evitar um verdadeiro massacre, cada tentativa de despejo deve ter uma resposta à altura; cada ataque do capital deve ser seguido de um contra-ataque dos trabalhadores afetados por esta política. Daí, a necessidade urgente de construir e fortalecer a CAMPANHA NACIONAL CONTRA OS DESPEJOS – Minha Casa, Minha Luta.
Para isso, propomos a organização de Comitês em todas as regiões do país, com o objetivo de unificar a luta contra os despejos. Chamamos todos os movimentos populares, associações de moradores, referências comunitárias e setores da sociedade civil comprometidos com a luta contra este massacre para construir conosco esta resistência.
Esta Campanha Nacional deve se estruturar sobre uma Plataforma com os seguintes eixos:
1. CONTRA A POLÍTICA DE DESPEJOS E REMOÇÕES. GARANTIA DE MORADIA DIGNA PARA TODOS.
2. COMBATE À REPRESSÃO E CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA. PELO DIREITO À VIDA E AO TRABALHO.
3. POR UMA POLÍTICA NACIONAL DE DESAPROPRIAÇÕES DE IMÓVEIS VAZIOS E MEDIDAS DE COMBATE À ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA.
4. POR UMA POLÍTICA DE CONSTRUÇÃO DE MORADIAS POPULARES, BASEADA NO SUBSÍDIO INTEGRAL, NA QUALIDADE HABITACIONAL E NA GESTÃO DIRETA DOS EMPREENDIMENTOS.
5. EM DEFESA DE UMA REFORMA URBANA POPULAR.
RESISTÊNCIA URBANA - FRENTE NACIONAL DE MOVIMENTOS

30/08/2010

O 22 Prairial de Luis Inácio¹*

Hernandez Vivan e Nilson Morais*
O 18 Brumário de Luís Bonaparte é um texto clássico do conjunto da obra de Karl Marx e, de modo mais amplo, do marxismo em geral. Segundo Florestan Fernandes, O 18 Brumário de Luís Bonaparte é o “principal trabalho histórico” de Marx.Iremos nos servir desse texto como uma ferramenta teórica a fim de compreender criticamente o presente, talvez o que exista de mais fundamental no projeto teórico – mas também prático-político – de Marx. Para tanto, acabamos por fazer uma leitura, por assim dizer, “interessada” do 18 Brumário. O objeto ao qual nos voltamos, munidos dos referenciais teóricos de Marx, é o governo Luís Inácio. Nosso problema, portanto, é testar, criativamente, a atualidade do 18 Brumário, não através de uma aplicação mecânica, mas sim como uma inspiração teórica.
Nosso empreendimento, no limite, não é nada original: outros e muito mais gabaritados analistas políticos já o fizeram com mais êxito. Tentaremos incidir nesse debate, muito embora, possivelmente, glosaremos o principal. No que tange aos analistas brasileiros, privilegiamos dois textos fundamentais: Hegemonia às avessas do sociólogo Francisco de Oliveira e Raízes sociais e ideológicas do lulismo do cientista político André Singer.
Dessa maneira, portanto, não reconstituiremos historicamente as batalhas travadas que são narradas no 18 Brumário. Tentaremos, mais produtivamente, pinçar conceitos que estão imersos e, por vezes, à primeira vista, escondidos no interior do texto.
Nota metodológica
Em primeiro lugar, cabe assinalar a dificuldade, propriamente, de se falar em “conceitos” na obra de Marx. Isso porque Marx não dispõe, por exemplo, de conceitos a priori e, portanto, deve retira-los da experiência, notadamente, da experiência histórica. Desse modo, cabe a Marx a partir de circunstâncias históricas, por vezes, peculiares, compreender o que há de essencial nos fenômenos manifestos. Isso acaba por marcar os conceitos marxistas historicamente. Em primeiro lugar porque a extração histórica serve de origem ao conceito e a seu nome – por exemplo, os conceitos de bonapartismo (abstração de uma situação ocorrida na França durante três ou quatro anos no século XIX) e via prussiana (que busca demarcar a passagem dos resquícios feudais ao capitalismo na Prússia).
Em segundo lugar, porque os conceitos, dado que foram extraídos da história e ela própria é essencialmente mudança, têm uma vigência limitada. O conceito que tem aplicabilidade no feudalismo pode perde-la no capitalismo; o que vale ao capitalismo concorrencial pode não significar nada no capitalismo monopolista. Nesse sentido, contra nosso argumento, vale lembrar que Florestan Fernandes não considera o conceito de bonapartismo válido ao capitalismo que não seja concorrencial.
Dessa maneira, cabe assinalar o que há de essencial e o que há de acessório nos conceitos. O mesmo Florestan Fernandes dirá que bonapartismo está ligado necessariamente ao exército, como traço essencial. Várias questões conceituais têm seu campo delimitado nessa via: ora, por exemplo, se o conceito de via prussiana vale apenas ao processo de transição capitalista ocorrida na Prússia em fins do século XIX por meio de um arranjo político oligárquico, o que há de conceitual no conceito de “via prussiana”? Em que medida não passa a ser uma mera descrição que, como tal, diz respeito apenas a uma absoluta particularidade? O problema contrário também é válido: se via prussiana explica toda transição capitalista não-revolucionária – como, em larga medida, o conceito foi reapropriado no Brasil, por críticos como Carlos Nelson Coutinho –, isto é, se explica quase tudo ou uma generalidade razoável, em que medida o conceito não passa a ser vazio?
Em suma, esse o problema, o qual tentaremos afastar por meio de uma definição mais rigorosa do conceito de bonapartismo.
Bonapartismo
O bonapartismo diz respeito a uma série de condições e características: 1) enfraquecimento das instituições, 2) personificação do poder, 3) aparato estatal hipertrofiado, 4) indeterminação da representação, 5) mecanismos de cooptação e deseducação das massas, 6) autonomização do Estado, 7) líder como expressão de uma classe incapaz de organizar-se por si própria.
Acreditamos que estas sejam as características fundamentais do conceito de bonapartismo. Florestan Fernandes propõe, talvez com razão, de que há uma ligação não eventual entre bonapartismo e exército. Sem contradize-lo, mas também sem conceder-lhe o ponto, optamos pelo conceito de bonapartismo tal como elaborado por Domenico Losurdo no qual afasta o exército e acrescenta o adjetivo soft a fim de qualificar um certo bonapartismo contemporâneo. Passaremos a tentar explicar cada uma dessas características mostrando como elas aparecem no texto de Marx.
O enfraquecimento das instituições, internamento ao texto do 18 Brumário, tem seu exemplo, entre vários, a partir do momento no qual a constituição é desrespeitada em favor do esmagamento da Montanha pelo Partido da Ordem. Dirá Marx: “A 13 de junho o partido da ordem não tinha apenas destroçado a Montanha: tinha efetuado a subordinação da Constituição às decisões majoritárias da Assembléia Nacional. E compreendia a república da seguinte maneira: que a burguesia governa aqui sob formas parlamentares, sem encontrar, como na monarquia, quaisquer barreiras tais como o veto do poder executivo ou o direito de dissolver o parlamento. Esta era uma república parlamentar, como a cognominou Thiers. Mas se a burguesia assegurou a 13 de junho sua onipotência dentro do parlamento, não tornara ao mesmo tempo o próprio parlamento irremediavelmente fraco diante do poder executivo e do povo, expulsando a bancada mais popular?” (p. 53). Se para a aniquilação, enquanto força parlamentar, da Montanha foi necessário o desrespeito da instituição, esse mesmo expediente foi utilizado para a aniquilação do partido da ordem. Vale notar também que o sufrágio universal é reestabelecido por Bonaparte, no entanto, aparece agora como uma forma vazia, destituída de todo seu significado político, servindo apenas a manutenção da legitimidade do bonapartismo.
A centralização no poder executivo acaba por levar à personificação progressiva do poder. Marx dirá que Bonaparte e sua causa – a ordem – passam a identificar-se. O golpe da Montanha, a tentativa de impeachment contra Bonaparte, aparada pelo partido da ordem, acabou por ampliar a popularidade de Bonaparte.
A centralização do poder político em uma pessoa serve à instrumentalização do Estado pelo executivo. Marx aponta a esse respeito: “Torna-se imediatamente óbvio que em um país como a França, onde o poder executivo controla um exército de funcionários que conta mais de meio milhão de indivíduos e portanto mantém uma imensa massa de interesses e de existências na mais absoluta dependência; onde o Estado enfeixa, controla, regula, superintende e mantém sob tutela a sociedade civil, desde as suas mais amplas manifestações de vida até suas vibrações mais insignificantes, desde suas formas gerais de comportamento até a vida privada dos indivíduos; onde através da mais extraordinária centralização, esse corpo de parasitas adquire uma ubiqüidade, uma onisciência, uma capacidade de acelerada mobilidade e uma elasticidade que só encontra paralelo na dependência desamparada, no caráter caoticamente informe do próprio corpo social” (...) (pp. 58-59). Dessa maneira, é possível constatar que o aparelho estatal moderno, hipertrofiado, é fonte grandiosa de poder político, através das mil relações que mantém com a sociedade civil.
A indeterminação da representação é um elemento fundamental para explicar o surgimento de uma personagem relativamente superior e autônoma ao resto da sociedade. Marx oferece o seguinte conceito de representação: “Não se deve imaginar (...) que os representantes democráticos sejam na realidade todos shopkeepers (lojistas) ou defensores entusiastas desses últimos. Segundo sua formação e posição individual podem estar tão longe deles como o céu da terra. O fato que os torna representantes da pequena burguesia é o fato de que sua mentalidade não ultrapassa os limites que esta não ultrapassa na vida, de que são conseqüentemente impelidos, teoricamente, para os mesmos problemas e soluções para os quais o interesse material e a posição social impelem, na sua prática, a pequena burguesia. Esta é, em geral, a relação que existe entre os representantes políticos e literários de uma classe e a classe que representam” (p. 48). Ou seja, Marx assinala que o representante pode ser de natureza material diversa do representado, coincidindo teoria do representante com a prática do representado; interesse material do representado e horizonte intelectual e político do representante.
À medida que o partido da ordem passa a girar em falso, devido a conflitos mesquinhos entre os partidos, devido ao desejo de ordem da burguesia a fim de perpetuar seus negócios, que é superior a quaisquer laços históricos de representação, Bonaparte aparece à burguesia francesa como a melhor escolha, implodindo a relação de representação entre burguesia e partido da ordem. Os representantes se destacaram definitivamente dos interesses reais da burguesia e, por isso, foram abandonados pela classe a qual almejavam representar.
Outro expediente do bonapartismo se consuma por meio da cooptação das massas. Esse elemento em Luís Bonaparte não se dá por uma cooptação geral das massas, mas sim em setores localizados da sociedade, notadamente exército e lúmpen-proletariado. A esse respeito ilustra Marx: “Na sua qualidade de fatalista, [Luís Bonaparte] vivia e vive ainda imbuído da convicção de que existem certas forças superiores as quais o homem, e especialmente o soldado, não pode resistir. Entre essas forças estão, antes e acima de tudo, os charutos e a champanha, as fatias de peru e as salsichas feitas com alho” (p. 73). Marx faz referência a toda uma engenharia social que serve à manutenção dessa cooptação e um amortecimento geral dos setores que por ela são visados: “Donativos e empréstimos – resume-se nisso a ciência financeira do lúmpen-proletariado, tanto de alto como de baixo de nível” (p. 64).
O resultado profundo de todos esses mecanismos acaba por redundar em uma relativa autonomia do Estado. Autonomia que se dá por meio da máquina burocrática que, através de sucessivos golpes, em nome da ordem e da coesão social, é abdicada pela burguesia em favor de um poder supremo outro. Esse poder serve a manutenção do poder burguês, mas freqüentemente pode assumir formas autônomas que, se não o contradigam, não são sua expressão direta.
A última característica que destacamos diz respeito ao fato de que a autonomia do Estado é relativa, logo não absoluta. Não é absoluta porque ainda é expressão de uma classe. Muito embora uma classe particular, uma classe incapaz de organizar-se por si mesma: os pequenos camponeses. Marx explica o porquê dessa desorganização estrutural: “A grande massa da Nação Francesa é, assim, formada pelas simples adição de grandezas homólogas, da mesma maneira por que batatas em um saco constituem um saco de batatas” (p. 115). Os elementos culturais dessa classe apontavam uma solução autoritária, que passava por uma mitificação do Bonaparte tio, o que permitiu a realização desse ideal – idéia napoleônica – pelo sobrinho.
Governo Luís Inácio
Elencadas essas características que constituem o conceito de bonapartismo – seguindo Losurdo, bonapartismo soft – o problema desse seminário ganha todos os elementos necessários a afim de se responder a questão: é ainda de alguma atualidade o 18 Brumário?Se formos acreditar no ex-porta-voz do Planalto, André Singer, sim. Segundo ele, em relação ao comportamento político que dá sustentação a Luís Inácio:
“O modelo de comportamento político desenhado acima tem antecedentes clássicos. Marx, em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, revela que a projeção de anseios em uma força previamente existente, que deriva da necessidade de ser constituído como ator político desde o alto, é típica de classes ou frações de classe que têm dificuldades estruturais para se reorganizar” (p. 88).
Singer se refere ao subproletariado que, após o primeiro mandato, passou a ser o sustentáculo principal de Luís Inácio.
Vamos tentar apontar de modo geral que as principais características do bonapartismo são homólogas no governo Luis Inácio.
Enfraquecimento das instituições.
O Congresso Nacional, instituição legislativa primeira do Estado brasileiro, desde o início da era Luís Inácio passou por um duplo enfraquecimento. Primeiro, por meio de escândalos de corrupção, acentuados pela mídia burguesa, puseram, em larga medida, em xeque, senão sua legitimidade, sua credibilidade. Em segundo lugar, ao institucionalizar, de exceção à regra, a medida provisória, o executivo passou a governar não só contra, mas a despeito do legislativo. O legislativo tornou-se uma tribuna de acusações estéreis, e não muito mais que isso. Segundo Francisco de Oliveira, a política não diz mais respeito a nenhum conflito de classe, o que implica na própria despolitização da política.
No tocante a personificação do poder, é evidente, de modo sintomático, que se operou uma separação razoável entre Partido dos Trabalhadores e Luís Inácio. André Singer oferece um argumento irretocável: ele mostra que o eleitorado do PT sempre foi superior nas localidades com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ao passo que Luís Inácio em 2006 teve votações superiores nos bolsões de pobreza. A transferência de votos e prestígio de Luís Inácio mostrou-se limitada nas últimas eleições municipais, índice de que sua personalidade é superior ao partido. Essa separação mostra, com mais precisão ainda, que Luís Inácio descolou-se de sua base social – um proletariado mais formalmente educado e organizado e setores médios – para uma base subproletária.
O Estado na era Luís Inácio passou por um reforço importante, com contratações visando a substituição de terceirizados e aumento do serviço público. A teia de relações entre Estado e sociedade civil aumentou significativamente.
Em alguns momentos conjunturais tornou-se visível a indeterminação da representação política, que chegou a ter conseqüências graves. Eike Batista, empresário do ramo do petróleo, não cansa de declarar à imprensa sua concordância com Luis Inácio, Dilma Roussef e a política econômica. E não é um caso isolado: Abílio Diniz, usineiros, banqueiros etc., vários ramos da burguesia declaram explícito apoio a Lula. Isso fez, como no modelo exposto no 18 Brumário, um curto-circuito na representação da burguesia. A revista Veja, por exemplo, que imaginava estar à vanguarda da burguesia, viu-se abandonada pelos mais notórios empresários, restando de público uma pequena-burguesia moralista. Mesmo expoentes do PSDB e do DEM, que de início criticavam acerbamente, o programa bolsa-família, hoje lutam para vincular sua imagem a esse mesmo programa. Em suma, houve uma clivagem entre burguesia política, anti-Luís Inácio, e burguesia econômica, pró-Luís Inácio.Do ponto de vista da cooptação, Francisco de Oliveira constata: “Já no primeiro mandato, Lula havia seqüestrado os movimentos sociais e a organização da sociedade civil.”. Além disso, os antigos sindicalistas passaram a operar os fundos de pensão mais rentáveis do Brasil, ligados à esfera pública, o que criou uma subclasse de ex-sindicalistas. CUT e UNE, e em menor medida MST, passaram a apêndices do governo. Marinho, ainda como presidente da CUT, foi convidado a assumir o ministério do Trabalho, o que prontamente aceitou. Diretores da UNE também possuem cargos no Conselho Nacional de Juventude. O programa bolsa-família, como mostrou Singer, um importante mecanismo de deslocamento da base subproletária ao encontro de Lula, possui larga abrangência (7,5 bilhões de reais – em que pese o orçamento destinado à dívida pública ser até treze vezes maior). Singer ainda aponta o crédito consignado – será mais uma amostra da ciência financeira do lúmpen-proletariado? – como uma importante medida do governo do ponto de vista da coesão social.
A autonomia do Estado brasileiro foi diagnosticada pela historiadora Virgínia Fontes. Fontes afirma que o Brasil passou a ser, na era Luis Inácio, um país imperialista por meio de investimentos estatais e exportação de capital para vários países da América Latina. Esses investimentos se dão por meio do BNDES, Petrobrás, Banco do Brasil e empresas privadas como a Vale – cuja subsidiária no Canadá chegou a enfrentar uma greve por mais de 9 meses, o que assinala elementos de truculência tipicamente nacionais. Segundo Virgínia, a condição para a organização do imperialismo brasileiro se dá por meio da autonomia do Estado, ao centralizar e direcionar capitais.
O subproletariado brasileiro, como André Singer mostrou em seu texto, sempre esteve, por definição², à margem da organização de classe, nunca fez-se representar e sempre esteve na órbita da direita, do ponto de vista eleitoral. Fatores da segunda eleição de Lula – bolsa família, aumento do salário mínimo, crédito consignado – deslocaram esse setor que viu em Lula o líder capaz de lhe dar coesão política e representativa. Singer discorda da tese de Francisco de Oliveira segundo a qual há uma hegemonia às avessas, isto é, que as classes populares teriam a direção política da sociedade, muito embora governassem para as elites. Ao contrário, Singer pensa que há uma autêntica representação do subproletariado, o que conduz a um elemento novo na política brasileira.
Referências bibliográficas
MARX, Karl O 18 Brumário de Luís Bonaparte, ed. Paz e Terra, 1986.
SINGER, André Raízes sociais e ideológicas do lulismo, revista “Novos Estudos”, nº 85, dezembro de 2009.
OLIVEIRA, Francisco de Hegemonia às avessas, revista “Piauí”, nº 7, janeiro de 2007.
FONTES, Virgínia O imperialismo brasileiro está nascendo, entrevista ao site IHU em 7/5/2010, consultado em 21 de junho de 2010.
LOSURDO, Domenico Democracia ou Bonapartismo, ed. UFRJ e UNESP, 2004.
[1] Data, segundo o calendário proposto pela Revolução Francesa, que expressa a publicização da “Carta ao Povo Brasileiro”. Sugestão presente no Momento Lênin de Chico de Oliveira.
[2] Definição de subproletários, segundo Paul Singer: “Subproletários são aqueles que ‘oferecem a sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais’” (p. 98).
* Seminário apresentado por Hernandez Vivan e Nilson Morais na disciplina Tópicos Especiais em Ciências Humanas, ministrada no primeiro semestre de 2010 no departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná pelo profº Emmanuel Appel.
Texto extraído da rede mundial de computadores em 26/08/2010, as 10hs32min., no sítio: http://agarrandooconceito.blogspot.com/2010/06/o-22-prairial-de-luis-inacio.html