28/05/2010

46 anos de batalhar por uma Nova Colômbia.

Há 46 anos que a oligarquia mais reacionária, sanguinolenta, terrorista e submissa à estratégia imperialista dos estados Unidos na Colômbia, decidiu empurrar a nação pelo pavoroso caminho da guerra, fazendo ouvidos surdos às milhares de vozes que clamavam pelo diálogo e as saídas políticas por encima das agressões militares contra os camponeses de Marquetalia.
Nesse tempo, o poder da violência e o terror, agitado pela provocadora palavra do senador Álvaro Gómez Hurtado que nunca iria à guerra, e que fantasiado pelo terror das falanges franquistas em Espanha, ambientou, sobre a mentira, a nova justificação do novo ciclo de violência como metodologia para arrasar o opositor político.
A demência do poder decretou que em poucas semanas arrasaria com a resistência encabeçada pelo mais grande Comandante Guerrilheiro de todos os tempos, Manuel Marulanda Vélez, e seu nascente Estado Maior, com Jacobo Arenas, Isaías Pardo, Hernando González, Joselo Lozada, Ciro Trujillo, Miguel Pascuas, Fernando Bustos e Jaime Guaraca, que juntos com os demais bravos camponeses, que não eram mais de 46, enfrentaram o terror bipartidista representado no excludente pacto da Frente Nacional, que engendrou essa guerra que em breve alcança o meio século.
Desde o início da campanha oligárquica e militarista, auspiciada e planificada pelo Imperialismo para justificar o terror contra o movimento agrário de Marquetalia e Riochiquito, e até o dia em que iniciaram a agressão, nossa voz, junto à de muitas organizações e personalidades nacionais e internacionais, vibrou com firmeza propondo saídas incruentas e construtoras de democracia, de desenvolvimento humano, de fortalecimento da produção de alimentos, de equilíbrio ambiental, de reconhecimento à cosmovisão das comunidades indígenas e dos negros, de participação equitativa na produção e distribuição da riqueza. Mas, a cegueira do poder e a genuflexa postura ante as migalhas do amo imperial, da oligarquia crioula, desqualificou e silenciou essas vozes, pois só busca o enriquecimento a base do terror e o despojo.
As FARC-EP somos fruto da intolerância, a exclusão e a perseguição violenta das castas que ostentam o poder e estabelecem os governos. "Temos sido vítima do furor latifundiário e militarista, porque aqui, em esta parte da Colômbia, predominam tanto, os interesses dos grandes latifundiários, quanto os interesses dos reacionários mais obscurantistas do país. Por isso, temos sofrido na nossa carne e em nosso espírito, todas as bestialidades de um regime podre que brota da dominação dos monopólios financeiros entroncados com o Imperialismo.", manifestamos em nosso Programa Agrário.
Não inventamos esta guerra, nem fomos a ela em busca de aventura para homologar epopéias redentoras dos pobres, assumimos com dignidade e seriedade o destino político imposto pelo abominável poder oligárquico à nação, como o manifestamos nessa época no Programa Agrário: "...somos revolucionários que lutamos pela mudança do regime. Mas, queríamos e lutávamos por esse mudança usando a via menos dolorosa para nosso povo: a via pacífica, a via democrática de massas. Essa via nos foi fechada violentamente, com o pretexto fascista oficial de combater supostas "Repúblicas Independentes" e como somos revolucionários que de uma ou de outra maneira cumpriremos o papel histórico que nos corresponde, nos tocou buscar a outra via: a via revolucionária armadas para a luta pelo poder". Foi assim como os potentados do poder nos transformaram em combatentes da resistência que a sabedoria do povo tem nutrido nesse quase meio século de acionar pela dignidade, a paz e a soberania.
Temos crescido ao calor do batalhar político-militar, aferrados ao legado histórico que nos deixaram as comunidades indígenas na resistência contra o invasor espanhol, as lutas contra esse mesmo poder desenvolvidas pelos negros e pardos, o levantamento guerrilheiro dos Comuneros com José Antonio Galán, Lorenzo Alcantuz e Manuela Beltrán. Nos animam os forjadores das mobilizações pela primeira independência do colonizador espanhol, há duzentos anos com Antonio Nariño; o fogo patriótico e soberano do pensamento e o exemplo do Libertador Simón Bolívar. Temos assimilado a experiência dos guerrilheiros dos mil dias, no ano de 1900 contra o "regenerador" Rafael Núñez. Consolidamos nossa luta contra a barbarie, ondeando a memória dos assassinados pelo exército oficial ao serviço do Imperialismo no massacre das Bananeiras, em 6 de dezembro de 1928 em Ciénaga, estado de Madalena, no comprometida lembrança de todos os lutadores assassinados pelo Estado e suas estruturas paralelas para o terror. Mas, também, temos crescido com a crítica, o reconhecimento, o abraço, o amor e a ternura de um importante número de compatriotas que nos animam com seu próprio sacrifício na luta por transformar o sistema econômico e os costumes políticos implantadas.
Nesses 46 anos de árdua luta, temos crescido em razões e no compromisso de luta com os cada vez mais numerosos camponeses sem terra vítima do deslocamento violento do terror para-estatal e, que já superam a infame cifra dos 4 milhões; com os milhões de sem-teto e com os mais de 20 milhões do pobres que se esforçam por romper o império da desigualdade; com os mais de 20 milhões de desempregados e com milhões de jovens sem acesso à educação; com a memória de todas a vítimas do terrorismo de Estado em todos esses anos de terror e que diariamente clamam justiça, assim como os mais de 2.500 assassinados pela força pública e apresentados sob o eufemismo de “falsos positivos" no atual governo de Uribe Vélez; com as mulheres que almejam esperanças de igualdade ante uma violência que as oprime e nega possibilidades de vida digna. Temos crescido no fragor do combate e na experiência organizativa ante as inúmeras arremetidas militaristas contra nós.
O Plano Colômbia não tem diminuído nossa fortaleza nem nossa moral revolucionária. Pelo contrário, fracassou ante as razões de nosso alçamento armado, impossível de invisivilizar e, pelo violento autoritarismo que sustenta a política de segurança do governo que termina, ademais da mentira, o crime e a corrupção que constituem a verdadeira natureza desse Plano de guerra. A escalda militar imperialista em nossa pátria, também, fracassará ante a capacidade de luta e resistência da Insurgência e a mobilização de nosso povo. A defesa da soberania é um imperativo neste tempo de reverencia oligárquica ante os interesses do governo estadunidense.
Nossa disposição a construir caminhos de paz é um compromisso de sempre; pela saída política temos lutado com seriedade, com ponderação, sem enganar as maiorias nacionais, sem politiquerias, sem armadilhas, em todos os cenários. Assim foi com o governo de Belisario Betancur e Virgilio Barco em Casa Verde, ou em Caracas e Tlaxcala com César Gaviria, ou no último intento em El Caguán com Andrés Pastrana. Mas, a excludente minoria de políticos, empresários, latifundiários e narcotraficantes que ostentam o poder, têm colocado todo tipo de argumentos falsos com tal de salvaguardar seus interesses e, buscado abrir espaço para refazer suas estruturas de repressão estatal sob ordens e apóio econômico do Império, como a implantação do fracassado Plano Colômbia para impossibilitar qualquer avanço de paz democrática e impor a linguagem do terror e a chantagem para exterminar os movimentos de resistência e libertação nacional, assim como desestabilizar a região ante os ventos de mudança e soberania que acompanham o Continente.
O governo que agoniza prometeu o extermínio das FARC-EP, e mediante uma nefasta estratégia de manipulação midiática da opinião, fez e desfez desde o poder e com seu extravagante autoritarismo ocultou seus crimes, seus vínculos com o narcotráfico e o paramilitarismo, assim como a corrupção que existe em todos os cantos do Palácio Presidencial. Jamais se apagará da história da Colômbia esse período obscuro e letal do vergonhoso potentado que culmina seu governo, com uma profunda crise estrutural, e com mais de 100 membros de sua bancada parlamentar, comprometidos com a para-política; a Yidis-política e a féria dos Cartórios. E os escândalos dolosos como Carimagua, Agro-ingresso Seguro, os decretos da emergência social, as zonas francas para incrementar o patrimônio da família do presidente, a perseguição e grampos do DAS a opositores, sindicalistas, e ativistas de Direitos Humanos, a perseguição das Altas Cortes, as reuniões secretas com narcotraficantes, a obsessão por impor um Fiscal de bolso, a agressão ao território dos países irmãos, violando todas as normas do Direito Internacional, a ameaça a jornalistas independentes, os "falsos positivos" e a entrega do território nacional para a operação de forças militares de ocupação norteamericanas.
O debate eleitoral cujo primeiro turno será em 30 de maio, está dominado pela intolerância e a luta desigual impostas pela autocracia Uribista. As propostas, programas e compromissos com a nação têm sido substituídos pelo ataque grotesco e vulgar, pela propaganda negra em um esforço desmedido por apresentar um ou outro dos candidatos, como a opção mais reacionária e autoritária que a encarnada pelo mandatário atual. Todos os candidatos se esforçam por demonstrar submissão ante o Império, assumindo posições chovinistas contra os vizinhos e de joelho em terra ante o Império do Norte, como afirmou Gaitán. Ninguém tem proposto os temas vitais que têm a nação no abismo profundo das desigualdades e do terror. Todos prometem mais gasto militar, mais guerra.
É obscuro o horizonte apresentado por esses aspirantes à Presidência. Por isso estamos convocando à abstenção, convencidos de que só a força da mobilização de todos os colombianos pode impor um destino certo de paz e de justiça que retorne aos prisioneiros de guerra a suas famílias, libere os guerrilheiros e os milhares de presos políticos que apodrecem nos cárceres do Estado, reconcilie e reconstrua a Colômbia. Só a luta organizada das maiorias levantadas, como há duzentos anos, para lançar o segundo grito pela nossa definitiva independência, devolverá a terra para a produção camponesa, resolverá a crise ambiental que gera constantes desastres naturais em cada mudança de estação e a falta de alimentos que mata a nação. E solucionará definitivamente o drama dos deslocados; garantirá o aceso à educação em todos os níveis, saúde integral, a moradia digna, o emprego remunerado justamente e o exercício pleno dos Direitos Humanos. Só a unidade de todos os revolucionários e democratas da pátria, mobilizados junto às grandes maiorias permitirá acabar com a horrível noite deixada pelo Uribismo e redimir a geração do Bicentenário.
Neste 46 aniversário ratificamos nosso compromisso com a Pátria Grande e o Socialismo, com a paz democrática como condição essencial para a reconstrução e reconciliação de todos os colombianos. Com a memória viva de todos os lutadores pela Nova Colômbia, com a força moral do pensamento de Bolívar, Manuel Marulanda, Jacobo Arenas, Raúl Reyes, Iván Ríos, Efraín Guzmán, as FARC-EP disponibilizam todos nossos recursos humanos pelo Acordo Humanitário e a Paz da Colômbia.
Compatriotas,
Secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP
Montanhas da Colômbia, maio de 2010

27/05/2010

“Diferença de classe” no SUS viola a Constituição

Escrito por Valdevir Both
26-Mai-2010

No processo constituinte de 1988, criamos no Brasil um sistema público de saúde (o SUS) para realizar uma ampla reforma da saúde no país. Um dos grandes sonhos de então, era transformar a saúde em um direito de todos, para acabar com a exclusão de grande número de pessoas do acesso à saúde, especialmente as mais pobres. O máximo a eles permitido era o acesso às "Casas de Caridade", que deles exigia um humilhante atestado de pobreza.

Lamentavelmente, e para a surpresa da sociedade brasileira, vinte anos depois da criação do SUS (Sistema Único de Saúde), parece que nos arrependemos do feito e "queremos" lhe tirar a essência, que é a universalização. Refiro-me aqui, a decisão do Supremo Tribunal Federal, que julgou procedente a ação movida pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), que institui a chamada "diferença de classe". Ela permite que o cidadão pague uma diferença (quarto, médico, exames, medicamentos) e tenha um atendimento fora do padrão oferecido pelo SUS. Em outros termos, legaliza uma prática que já estava vigente, mas proibida.

Atuando longos anos na área da saúde, percebo a resistência do Cremers em implantar o SUS. Portanto, parece não haver nenhuma surpresa na ação movida. Obviamente, seria injusto se aduzisse esta prática a todos os indivíduos médicos. No entanto, a surpresa veio da mais alta corte de justiça do país, que em nome do argumento da "liberdade de escolha do paciente", da "ampliação dos serviços do SUS" (que até agora não entendi a que se referem) aceitou a utilização desta prática, que fere de morte o preceito constitucional da saúde como direito de todos. Explico-me!

Esta decisão do Supremo fortalece duas filas, dois tipos de atendimento. Um para os que podem pagar e outro para os que não podem pagar, os pobres. Aos primeiros, um atendimento digno; aos últimos, uma pequena cesta básica, um mínimo em nome do "possível", mesmo que isso lhe custe sofrimento ou até a morte.

A gravidade é que essa prática desconsidera o conteúdo fundamental dos direitos humanos, que exige que a política pública não faça nenhuma distinção entre as pessoas na efetivação dos seus direitos. O fato já me leva a imaginar sua triste conseqüência, a dizer, cidadãos, completamente fragilizados em seus leitos, e rodeados por seus próximos, precisando negociar com o complexo hospitalar a continuidade do seu direito mais básico, o direito à vida.

Ao invés de o STF se posicionar favoravelmente à ação que institui a "diferença de classe", deveria exigir dos entes federados a implantação plena do SUS, estendendo o atendimento digno a todos, e não somente aos que podem pagar.

Afinal, se todos são sujeitos de direitos, por que para um grupo apenas o mínimo? Eis que urge fazer cumprir o que reza a Constituição em seu artigo 196: ‘A saúde é direito de todos e dever do Estado’!

Valdevir Both é diretor geral do CEAP e professor do IFIBE.

26/05/2010

REDUÇÃO DA JORNADA PARA 40 HORAS: SEM LUTA E ORGANIZAÇÃO NÃO HAVERÁ CONQUISTA

24 Maio 2010
Renato Nucci Junior (Membro do Comitê Central do PCB)
A luta pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais é uma bandeira histórica dos trabalhadores brasileiros. Em 30 de junho de 2009 ela ganhou novo capítulo ao ser aprovada em uma comissão especial da Câmara dos Deputados, por unanimidade, a PEC 231-A de 1995, que propunha a redução da jornada de 44 para 40 horas semanais. A aprovação foi muito comemorada pelo movimento sindical governista, que prometia fazer o diabo para que a emenda fosse encaminhada com urgência para votação.
Faz-se necessário esclarecer, todavia, que a comissão presidida pelo deputado Vicentinho (PT/SP), ex-presidente da CUT, em cuja gestão se fortaleceu no interior da central a concepção de sindicalismo propositivo e cidadão, analisou três PEC’s que versavam sobre o tema da redução da jornada de trabalho. A PEC aprovada pela comissão foi a 231-A, em tese menos agressiva aos interesses dos patrões, rejeitando-se outras duas de conteúdo mais avançado para os trabalhadores. Uma delas era a PEC 271 de 1995, de autoria do deputado Eduardo Jorge, à época do PT/SP, que propunha a redução da jornada diária de 8 horas para 6 horas e da jornada semanal de 44 horas para 30 horas semanais, à razão de 1 hora semanal a menos a cada ano. A PEC 271 frisava que essa redução não implicaria em redução salarial. A outra PEC rejeitada foi a 393 de 2001, de autoria do então deputado Inácio Arruda (PC do B/CE), que além de reduzir a jornada para 40 horas a partir de 1º de janeiro de 2002 e para 35 horas a partir de 1º de janeiro de 2004, estabelecia novos percentuais para o adicional de hora-extra, sendo de 100% nos dias de semana e de 200% nos domingos e feriados.
A lógica que orientou a comissão a encaminhar para o plenário da Câmara a PEC 231-A, foi a de que aprovando uma proposta em tese menos agressiva aos interesses patronais, descartando outras duas mais favoráveis aos trabalhadores, a resistência da burguesia seria menor, facilitando sua aprovação pelo Congresso. Porém, se passou exatamente o contrário. Mesmo com a comissão especial aprovando a PEC 231-A, as organizações patronais reagiram, demonstrando sua intolerância com a aprovação de qualquer direito em favor dos trabalhadores que possa significar uma redução em seus lucros. Brandiram ameaças de que a redução da jornada para 40 horas aumentaria o desemprego, ao elevar os custos das empresas. Diante da pressão patronal o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB/SP), sem pretender ofender os interesses da classe que representa, mas também premido pelos dirigentes sindicais e de olho nas eleições, apresentou uma saída intermediária. A jornada não mais seria reduzida para 40 horas semanais, mas sofreria uma redução paulatina, para 43 em 2011 e 42 em 2012. A proposta de Temer não acaba com as horas-extras, tampouco eleva o adicional para a mesma.
As grandes centrais sindicais, especialmente CUT e Força Sindical, diante do impasse e da reação patronal, recuaram e desistiram da aprovação integral da PEC 231-A, sinalizando que aceitam negociar a jornada para 42 horas semanais proposta por Temer. As causas mais profundas desse recuo estão no sindicalismo praticado por essas centrais. Este sindicalismo, crismado de propositivo, troca a luta e a organização dos trabalhadores a partir dos locais de trabalho, por um sindicalismo cuja marca é a institucionalização de suas ações. A pressão organizada dos trabalhadores a partir da base é desviada para o âmbito dos espaços institucionais, para a negociação de migalhas na Câmara dos Deputados, arena de luta onde a classe dominante leva larga vantagem numérica e política, pois se trata de um aparelho de Estado aberto à representação de todas as classes sociais, em especial das diferentes frações da burguesia. O sindicalismo propositivo, ao se institucionalizar, reproduz entre os trabalhadores uma cultura de passividade política, na qual deixam de serem os protagonistas da sua história para se transformarem em meros espectadores de uma trama cujo desenlace cabe aos profissionais da política.
A institucionalização da luta pela redução da jornada para 40 horas seguiu o mesmo roteiro e acabou por cair nessa esparrela. As grandes centrais e seus porta-vozes na Câmara dos Deputados, especialmente Vicentinho (PT/SP) e Paulinho (PDT/SP), que exibiam disposição em lutar até o fim pela aprovação da redução para 40 horas, recuaram e decidiram apoiar a proposta intermediária feita por Temer. As causas para esse recuo podem ser explicadas pela ilusão que as grandes centrais e seus porta-vozes nutriram e semearam, em achar que ao aprovar a PEC 231-A na comissão especial, a votação no Congresso seria barbada. No mínimo subestimaram a resistência dos patrões. O exemplo dessa resistência e da pressão patronal contra a aprovação da redução da jornada para 40 horas, resultou na proposta dita intermediária apresentada por Temer.
As grandes centrais e os seus porta-vozes também foram deixados de mãos abanando pelo governo Lula, cuja governabilidade, ao ser garantida por um arco de aliança com partidos claramente burgueses, especialmente o PMDB, tem como regra não infringir certas condições tacitamente estabelecidas. A principal delas é a de não apoiar projetos favoráveis aos interesses dos trabalhadores. Até mesmo Dilma Roussef, a candidata petista à presidência apoiada pelas grandes centrais, ao ser perguntada se apoiava a redução da jornada para 40 horas, declarou que, “Eu não posso apoiar nem não apoiar porque não acho que seja uma matéria governamental”. Diante desse quadro, e sem condições políticas para deslocar o eixo da luta pela redução da jornada para 40 horas para a mobilização de massa, os dirigentes das grandes centrais foram tangidos a topar a proposta de Michel Temer de redução gradual da jornada até o limite de 42 horas e negociá-la no Congresso.
Contudo, é importante lembrar que a proposta de Michel Temer não passa de uma... proposta. Seu objetivo seria o de criar as condições para uma negociação capaz de produzir uma proposta de consenso a ser levada à votação na Câmara. Porém, isso não significa que ela será aceita pelos patrões. Declarações de dirigentes de entidades patronais indicam que os capitalistas não aceitam qualquer redução da jornada de trabalho, demonstrando que a atual lógica do capitalismo, pautada pela precarização e conseqüente acentuação dos níveis de exploração dos trabalhadores, não admite a ampliação de direitos. No limite, os porta-vozes da classe patronal deixaram claro que só aceitam a redução da jornada, se esta vier acompanhada de uma redução concomitante nos salários ou se receberem em contrapartida uma redução na alíquota de contribuição ao INSS. Como a proposta de Temer servirá de base para uma negociação, ela pode ser ainda mais piorada.
Uma das principais bandeiras de luta dos trabalhadores brasileiros, a redução da jornada para 40 horas semanais sem redução dos salários, ao seguir o caminho da institucionalização, chocou-se com uma oposição organizada da classe patronal. Isso obrigou as grandes centrais e o sindicalismo governista a aceitar uma negociação que pode desfigurar e rebaixar a proposta original da PEC 231-A. Esse fato demonstra que a luta dos trabalhadores para avançar em suas conquistas, mesmo em um regime democrático-burguês, não será alcançada nos sinistros corredores do Congresso. Ela não pode estar à mercê de uma institucionalização que torna as conquistas dependentes de uma correlação de forças e de um jogo parlamentar que os trabalhadores não dominam. Tampouco as mobilizações podem ficar presas a uma lógica na qual elas não são o fator principal, mas servem de mero arrimo ao jogo institucional. As conquistas dos trabalhadores serão sempre fruto de sua luta e organização.
Campinas, maio de 2010.