01/10/2010

REPÚDIO À TENTATIVA DE GOLPE NO EQUADOR

A Casa da América Latina protesta veementemente contra mais este ataque à democracia no Equador e conclama todos os povos democratas do planeta a banirem esta torpe tentativa de rasgar a constituição deste tão sofrido país.
Que se levantem, com firmeza, as vozes e as ações concretas, especialmente dos latino americanos, para extirparmos completa e definitivamente a doença autoritária contra nossos povos e a serviço do cruel imperialismo.
As minorias da direita equatoriana, ora lideradas por segmentos da guarda pretoriana, algoz do povo que lhe sustenta, mais uma vez se julga acima da lei, do direito e da justiça e trai a Pátria que jura defender.
A Casa da América Latina espera que a UNASUL e o MERCOSUL se manifestem prontamente e que a incoerente OEA tente se reconciliar com os povos do nosso continente, dando um basta a mais esse ataque à ordem constitucional desse país irmão.
Bradamos, principalmente, que manifestações populares se multipliquem em todos os recantos onde houver vida e disposição para a luta. HONDURAS NUNCA MAIS!

Gilmar Mauro: ‘MST não será refém do próximo governo’

Às vésperas do pleito presidencial mais vazio de idéias desde tempos imemoriais, os movimentos sociais e a esquerda do país vão se deparar com um novo período de suas lutas. Necessitam fazer uma ampla reflexão sobre as derrotas acumuladas, que, ao contrário do que se esperava, foram aprofundadas no período Lula. Esse é o pensamento de Gilmar Mauro, dirigente do MST, em entrevista ao Correio da Cidadania, na qual também explicou a postura do movimento na eleição e a polêmica em torno de um possível apoio velado de suas lideranças à candidatura petista.

Gilmar argumenta que o MST não declarou apoio a candidato algum no primeiro turno por conta do enfraquecimento político e social da esquerda. De modo que o movimento não é capaz de impedir que grande parte de suas bases opte por Dilma, ainda que o governo Lula, como também aponta, não tenha chegado sequer perto de promover a reforma agrária. Para ele, a única diferença de Lula com Serra é a menor intolerância ao diálogo com o movimento social (o que crer se aplicar também em São Paulo, na disputa entre Alckmin e Mercadante).

Para Gilmar, é justamente essa retração da esquerda, imposta por falhas próprias e também pela vitória do lulismo, que deixou o movimento numa posição "complicada" para tomar partido de candidatos mais alinhados ao projeto de reforma agrária defendido pelo MST, como Plínio Arruda Sampaio (responsável pelo plano de reforma agrária de Lula em 2003, posteriormente engavetado) e outros da esquerda socialista. Além disso, lembra que os sem terra e a reforma agrária possuem apoios em diversos outros partidos.

Até pela difícil posição em que se encontra o movimento nas eleições deste ano, Gilmar ressalta que o principal debate a ser feito na esquerda diz respeito à sua própria reconstrução, de forma mais unitária, antes de qualquer novo projeto ou programa a ser anunciado. Só após extensa autocrítica e a conjunção de todos esses fatores, conclui, as forças não privilegiadas pela ordem poderão voltar a encarar o capital em todas as suas variadas vertentes, inclusive para um dia alcançarem a reforma agrária.

Correio da Cidadania: No atual momento histórico de completa supremacia do agronegócio no campo, com seus laços com grandes e poderosos setores das finanças, indústrias e política, que reforma agrária você considera possível e necessária?

Gilmar Mauro:
Eu acho que é preciso repensar a reforma agrária e hoje ela depende de um amplo debate na sociedade brasileira. E a sociedade terá de discutir que tipo de uso quer dar ao solo, aos recursos naturais, água, biodiversidade e todo o subsolo.

Em segundo lugar, teremos de decidir que tipo de comida vamos querer daqui por diante. Se optarmos por manter o atual uso do solo brasileiro para produzir commodities e exportá-las, utilizando agroquímicos em grande escala, realmente não precisamos de reforma agrária.

E o terceiro aspecto é o paradigma tecnológico que queremos para o futuro. Ninguém está falando em volta ao passado, movimento ludista de acabar com as máquinas, mas a tecnologia precisa estar a serviço humanidade. É evidente que deve haver produção para atender às demandas, sejam de alimentação ou de matéria-prima, mas com tecnologias de impacto ambiental não tão grande quanto as que estão sendo usadas, ajudando a diminuir a penosidade do trabalho, do que ninguém discorda também.

Evidentemente, vamos continuar ocupando terras, porque tem gente querendo ser assentada e trabalhar. No entanto, mais além do MST, tal debate precisa ser jogado à sociedade, pois, se ela não discutir e colocar sua opinião, não há reforma agrária viável dentro do modelo que está sendo aplicado no momento.

Correio da Cidadania: Lula chegou perto de alcançar algum desses objetivos nos moldes defendidos pelos movimentos camponeses?

Gilmar Mauro: Não, na verdade, o que temos hoje são políticas agrárias e de assentamentos. Não podemos falar de reforma agrária no país. Existem assentamentos, fruto de pressão, regularizações fundiárias, mas do ponto de vista da concentração fundiária está tudo intacto, ou seja, 1% dos proprietários detém 46% das terras. E do ponto de vista do modelo e da produção agrícola, exportação de commodities, ampliou-se o modelo historicamente construído no país.

Temos pequenas melhorias na agricultura familiar, alguma coisinha em crédito, merenda escolar, que possibilitam à pequena agricultura algum tipo de renda, mas não podemos falar de reforma agrária. Embora tenham sido assentadas algumas centenas de milhares de famílias, não se alterou em nada a estrutura fundiária brasileira. Se quisermos falar de reforma agrária de fato, é preciso mudar o modelo e a estrutura fundiária brasileira, o que não ocorreu até hoje na história do país.

Correio da Cidadania: Dirigentes do movimento passaram os últimos anos fazendo duras críticas ao abandono a que o governo Lula relegou as políticas agrárias defendidas pelo PT ao longo dos anos. No entanto, recentemente, alguns líderes mostraram alguma inclinação pela candidatura de Dilma em relação à de Serra. Como você avalia estes posicionamentos?

Gilmar Mauro: O MST, e prefiro falar daquilo que foi decidido pela direção, adotou uma postura de não apoio a nenhum candidato, tanto a presidente como a governador e outros cargos. Isso entendendo uma série de questões que relacionamos do ponto de vista da reforma agrária e um leque bastante amplo de partidos, que vão desde a esquerda socialista, revolucionária, até setores, digamos, democratas, republicanos. Temos apoio na causa em setores do PMDB, do PDT e assim por diante.

Assim, o MST optou por não tomar posição em favor de algum candidato neste primeiro turno das eleições. Até para preservar as alianças que construímos historicamente e a perspectiva, inclusive, de reconstrução de uma esquerda progressista no próximo período. Acho que, neste momento histórico, as condições não foram propícias em termos de unificação das candidaturas de esquerda. Mas é este o nosso tempo histórico e não podemos mais ficar chorando o leite derramado. Temos de aprender as lições desse processo todo na esquerda brasileira e pensar o próximo período. Os desafios estão postos para que se pense na reconstituição política de uma esquerda de fato em nosso país.

Correio da Cidadania: Essa postura de não declarar apoio a nenhum candidato iria de encontro à idéia sempre frisada de manter a autonomia do movimento, mesmo com essas novas demonstrações de simpatia relativamente à vitória petista?

Gilmar Mauro: Exatamente. Porque, independentemente de qualquer coisa, uma reforma agrária de fato, que altere toda a estrutura fundiária brasileira, pensando em novos paradigmas, de produção, tecnologia e modelo, só se realizará na medida em que as forças populares tiverem um protagonismo muito maior.

E estamos vivendo um momento de crise, com enfraquecimento dos setores sociais, perda de força política. Posso falar até pelo MST: creio que houve uma perda de força política e social no último período. E o mesmo tem ocorrido nos movimentos urbanos, sindicais, estudantis, o que não é particularidade brasileira, mas uma realidade mundial.

Esse é o contexto que coloca os setores reformistas, não apenas os revolucionários, numa situação defensiva em escala internacional hoje em dia.

Correio da Cidadania: Em entrevista que você nos concedeu em maio, houve uma declaração de que a tendência do movimento seria ficar ao lado de quem apoiasse uma reforma agrária "profunda e radical". Como interpretar essa intenção à luz do que está agora ocorrendo de fato no que se refere ao posicionamento de dirigentes e militantes? Dilma caminharia para esta reforma profunda e radical, a seu ver?

Gilmar Mauro: Acho que não. Acho que nenhum governo levaria a esse caminho. Poderíamos eleger o mais radical, o Rui Costa Pimenta (PCO), que não haveria condições de fazê-la. Isso porque, sem força social e política organizada, não se consegue, a correlação de forças não permite.

O indicativo do MST, inclusive de acordo com o que discutiu a direção do movimento, é votar em candidatos que defendam a reforma agrária, tanto para o parlamento quanto para a principal eleição. E acho que a militância tem feito isso, apoiando candidaturas que defendam a reforma agrária e tenham um compromisso histórico com ela.

Inclusive, muitos militantes vão votar no Plínio. Outra parte vota no Ivan Pinheiro, também no Zé Maria, e ainda há outra parte que vota na Dilma. Acho até que, do ponto de vista das bases do movimento, a maioria vota na Dilma, embora o governo Lula tenha estado longe de fazer a reforma agrária. Houve pequenos avanços, alguns assentamentos, e uma parte de nossas bases entende que votar na Dilma é uma opção.

Por conta de tudo isso, o MST ficou nessa situação. Não tomamos partido, como instituição, de nenhuma candidatura, mas estimulamos o voto em quem apóia a reforma agrária.

Correio da Cidadania: Haveria, de fato, diferenças substanciais entre os governos Serra e Dilma na consecução da reforma agrária e no relacionamento com os movimentos sociais?

Gilmar Mauro: Acho que nesse caso sim. Com o Serra, nós nunca conseguimos fazer uma reunião. A única reunião que fizemos aqui foi com o chefe da Casa Civil, o Aloysio Nunes, e à boca pequena se dizia que ele não queria mesmo falar conosco. Por outro lado, tivemos vários despejos violentos (na Cutrale, por exemplo), com articulação entre o governo estadual, Rede Globo e os fazendeiros da região, buscando criminalizar o nosso movimento.

As investidas do Serra contra os professores, a Polícia Civil, os moradores do Jardim Pantanal, nós, sem terra, são mostras de um processo de dificuldade de diálogo do governo Serra com o movimento social. Aliás, até alguns prefeitos do PSDB com quem temos contato estão apoiando a Dilma, pois dizem que têm muita dificuldade de se reunir com o Serra. Dessa forma, parece ser da índole dele tamanha dificuldade em se relacionar, não só com o movimento social, como também com outras pessoas.

Não acho que, do ponto de vista do projeto político, exista tanta diferença entre os dois. Mas, pelo lado dos movimentos sociais, há sim diferença entre Serra e Dilma, principalmente no sentido de criminalizar os movimentos e pela dificuldade de ver o movimento social como parte do processo de construção e de lutas.

Correio da Cidadania: Ainda que existam estas diferenças entre eventuais governos Dilma ou Serra, o posicionamento mais favorável do movimento com relação à vitória petista não seria, de todo modo, um salvo-conduto à permanência de um certo imobilismo e perda de autonomia dos movimentos sociais, tão destacados pelo próprio MST ao longo dos últimos anos, nos quais Lula presidiu o Brasil?

Gilmar Mauro: Não, muito pelo contrário. E outra, o Movimento Sem Terra tem por princípio manter sua autonomia política. Não acredito nisso e não tenho nenhuma dúvida de que o movimento não será refém do próximo governo. Aposto todas as minhas fichas nisso, porque o movimento terá de continuar lutando pela reforma agrária. Embora a conjuntura seja adversa, a esquerda tenha pouca força, o movimento social idem, é tempo de remar contra a maré. E o MST vai continuar organizando sua base.

Acho que duas coisas são fundamentais: primeiramente, uma organização que não coloca como defesa principal as necessidades de sua base social é uma organização que não tem sentido, por isso muitas deixaram de existir. As pessoas se organizam a partir de suas necessidades. Portanto, o MST tem de continuar dando respostas às suas bases, com lutas, marchas, que são as necessidades corporativas da base real do MST.

O segundo aspecto, e quem não o entende terá dificuldade de compreender a própria luta de classes: as pessoas se organizam a partir de suas necessidades, sejam econômicas ou físicas, sejam ideológicas ou espirituais. O sujeito vai à igreja porque sente alguma necessidade. Se a organização perde isso de vista, perde o sentido, vira uma casta. E creio que o MST nunca será assim.

Outra coisa, a marca do MST: o movimento nunca foi conhecido internacionalmente por um bom programa, por um bom discurso, belas elaborações. Ficou conhecido internacionalmente por uma coisa: planejava e fazia. Às vezes com erros, e como movimento social cometemos muitos, mas foi isso que deu moral ao movimento diante das pessoas. O que projetou nosso movimento foi planejar e executar.

Evidentemente, queremos avançar também do ponto de vista teórico, de elaboração de programas, porque não basta só uma prática política relevante. É preciso ter uma teoria condizente com o processo e anseio das lutas que planejamos continuar levando adiante.

Correio da Cidadania: Mesmo sendo bastante compreensível todo este espectro de dificuldades na esquerda e no movimento, não poderia ter havido uma colocação mais explícita, ainda que somente no primeiro turno, em favor, por exemplo, da candidatura do PSOL, Plínio Arruda Sampaio, que sabidamente sempre se posicionou francamente a favor da reforma agrária nos moldes defendidos pelo MST, além de, ao longo das décadas, ter feito parte das entidades que lutam por esse objetivo?

Gilmar Mauro: Acho que o Plínio é uma grande figura nesses aspectos, a melhor entre todos os candidatos. Sempre esteve ao lado dos trabalhadores, da reforma agrária, é um grande lutador e um exemplo para a nossa militância. E apesar da idade, continua em pé, lutando, fazendo aquilo que acredita. Nem sempre o que acreditamos é o mais correto ou dá liga no momento, como é o caso da candidatura.

Acho que é um tempo histórico de muitas dificuldades. Tivemos dificuldades nas esferas partidárias para se chegar à unificação de uma candidatura. O PSTU, PSOL, PCO, PCB não conseguiram se unificar. É um tempo de fragmentação, isso é real, objetivo. E tempo de dificuldade inclusive de articulação dos setores de esquerda, do movimento social, para se juntar numa candidatura que catalisasse todo o descontentamento social. Eu diria que esse tempo histórico explica muito mais do que qualquer coisa.

Se fôssemos olhar pela base do MST, teríamos caído de cabeça na candidatura Dilma, porque a base do MST hoje é lulista. Aliás, este é um fenômeno que precisamos entender. Exagerando, Lula parece gerar mais consenso que Jesus, 94% das pessoas aprovam ou dizem que é regular o governo dele. É algo que não se imaginava.

Portanto, se efetivamente fizéssemos uma discussão com nossas bases, teríamos apoiado a Dilma. Porém, a militância refletiu e se questionou como iria apoiar a Dilma nas eleições abertamente, tendo o governo Lula apoiado o agronegócio, com o grande capital ganhando muito dinheiro e a reforma agrária avançando tão pouco. Não dava para sair em defesa do governo Dilma.

Dessa forma, optamos por não declarar apoio a ninguém no primeiro turno. Apoiar o Plínio seria uma postura mais militante. A direção tomar uma posição de apoio o Plínio ao mesmo tempo em que a base ficasse do lado da Dilma criaria uma situação difícil. É complicado. Estou sendo muito honesto aqui.

Sendo assim, o melhor, e acho isso mesmo, foi ter a postura de não declarar apoio oficial a nenhum candidato.

Correio da Cidadania: Em entrevista ao Correio este ano, o sociólogo Ricardo Antunes criticou a falta de "organicidade" em nossa esquerda, que, além de não conseguir se unificar num período eleitoral, tampouco tem conseguido incorporar os movimentos sociais em suas mais diversas lutas. Você vislumbra alguma forma de reorganização na esquerda em período próximo?

Gilmar Mauro: É difícil falarmos em tempos, mas alguns ingredientes são premissas fundamentais se quisermos construir um processo sustentado, já que o verbo anda na moda.

Primeiramente, precisamos fazer um balanço político profundo, honesto e sério das experiências de esquerda partidária, do movimento social e sindical. É preciso dizer "nossos instrumentos são importantes, foram construídos por nós, é o que temos, mas hoje não dão conta de organizar a classe trabalhadora". Há muitos setores da classe trabalhadora que não estão nem aí pra nenhum tipo de organização.

Em segundo lugar, foi completamente perdida a referência, até o sentido de classe, os laços de solidariedade. As pessoas não se enxergam como classe trabalhadora. A Nike, por exemplo, não tem nenhuma fábrica, é um processo todo terceirizado, fragmentado, atomizando a classe. No Brasil, mais concretamente, são mais de 600 mil vendedoras de Avon! Se somarmos com Natura, Herbalife, são mais de 1 milhão de pessoas. E se as chamamos de ‘classe trabalhadora da Avon’, elas vão se dizer ‘consultoras de venda’. Porque os instrumentos até aqui construídos não dão conta dessa nova dinâmica e da nova realidade da classe trabalhadora. Se não fizermos tal autocrítica, dificilmente vamos conseguir pensar em formas organizativas e projetos para um novo período.

Outro aspecto é que devemos parar com esse negócio de ver quem é dono da verdade. Cada um tem uma parte da verdade, e possíveis razões em sua análise, mas é apenas mais uma verdade entre todas as demais, de outros agrupamentos e setores. Necessitamos baixar a crista, a petulância, até o pedantismo intelectual, e olharmos nossa fragmentação, nossa baixa força social e política... E organização sem isso vale zero, mesmo com o melhor debate e o melhor programa do mundo.

Se nos olharmos entre todos, veremos que cada um tem sua parcela de contribuição; e juntando tudo ainda somos um agrupamento muito pequeno para enfrentar toda a lógica do capital, imposta a todo o país. Portanto, para mim, essas são as condições analíticas fundamentais.

É preciso reorganizar a esquerda? É preciso pensar um novo programa, uma nova estratégia? Não tenho a menor dúvida. Mas não adianta juntar mais meia dúzia, dizer "a nova estratégia é essa" e sair angariando gente para a minha corrente. Não vai ter. Dessa forma, é preciso fazer o debate, autocrítica, análise, de modo que se envolva a militância e se pense a respeito, o que necessita tempo.

Portanto, mais do que sair com uma nova proposta, de um novo partido, para o ano que vem, é preciso criar uma metodologia para o debate político, que nos permita, no momento de criar novos instrumentos, ter suficiente acúmulo de forças, evitando que seja só mais um agrupamento para disputar com os outros.

Infelizmente, a esquerda vê essa disputa pela hegemonia como uma concorrência entre instrumentos, e não uma possibilidade de fortalecimento, uma vez que, para fazer uma revolução social, serão necessárias milhões de pessoas conscientes. Está na ordem do dia, mas, se não fizermos o balanço, os grupos vão se achar certos por terem tentado impor sua hegemonia sobre os demais.

Olha, se não fizermos um balanço crítico desses tempos, somos uns babacas. Aí poderemos falar de qualquer coisa, menos de revolução.

É um momento de extrair todas as lições, com muita humildade, e a partir daí pensar no novo período. Casada a isso, uma análise muito profunda da nova realidade sócio-econômica mundial. O que é a classe trabalhadora do mundo de hoje? Porque, se não tivermos tal clareza, como vamos saber que instrumentos e programas são necessários a essa nova classe?

As eleições vão passar, de modo que para mim esse é o debate central. É no que acredito e, no que depender de mim, entraremos com todas as forças nesse debate político do próximo período.

Correio da Cidadania: Retornando finalmente à realidade mais imediata, no estado de São Paulo, como enxerga uma eventual vitória de Alckmin? Seria mais fácil negociar com Mercadante?

Gilmar Mauro: Não sei, é uma pergunta difícil. Mas o tucanato em São Paulo... Com Alckmin também tivemos experiência anterior; com ele ao menos conseguimos nos reunir. Mas, depois da morte do Covas, tudo que diz respeito à agricultura, reforma agrária, foi completamente abandonado. O próprio Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo) foi sucateado, a Polícia Civil, os professores; o trato deles com o movimento social sempre foi de criminalização.

Acredito que, pelo seu histórico dentro do PT, o Mercadante não seja como o Alckmin, creio que seja um pouco melhor. E, sendo honesto, precisamos definir quem preferimos enfrentar, pois acho que teremos de enfrentar quem ganhar, seja quem for, no âmbito federal ou estadual. Assim, a pergunta é: para nós, é melhor enfrentar quem? No meu modo de ver, é melhor enfrentar o Mercadante. Não sei se vai dar segundo turno, até torço para que dê, pois, para o movimento social, é melhor encarar o Mercadante. Essa é minha impressão.

No entanto, infelizmente, acredito que aqui em São Paulo nós temos uma situação pior ainda, pois enfrentamos o que há de pior na mídia, Veja, Folha, Estadão, Globo, enfim, o que há de pior das oligarquias e meios de comunicação está em São Paulo, em maior número. E do ponto de vista da esquerda idem, tem muita coisa boa, mas também existem vícios nas mesmas proporções. É uma realidade bastante complexa. Os desafios nos fazem crescer, é o espaço onde atuamos e temos o grande desafio de repensar esse período, inclusive aqui em São Paulo.

*Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

30/09/2010

NÃO VOTE INÚTIL. TOME PARTIDO NO PRIMEIRO TURNO. ESCOLHA A MELHOR ALTERNATIVA DE ESQUERDA E NÃO O CAPITALISMO “MENOS RUIM”.

Nos últimos anos, os processos eleitorais caracterizam-se pela completa despolitização e o debate ideológico se apresenta como se só houvesse um projeto para a humanidade, o da burguesia. Cada vez mais as campanhas dos partidos da ordem baseiam-se em grandes produções midiáticas, em que buscam vender candidatos que melhor se apresentam para gerenciar a máquina pública em favor dos interesses capitalistas.

Nas eleições deste ano o quadro não é diferente. Em vários aspectos, há uma americanização da disputa eleitoral: a mercantilização crescente do processo leva à falsa polarização entre duas coligações representantes da ordem burguesa. As classes dominantes tentam impor ao povo brasileiro uma polarização artificial.

Nenhum dos candidatos do sistema se propõe a enfrentar o grande poder dos bancos, das grandes empresas e do agronegócio. Mas o jogo midiático eleitoral os apresenta como adversários inconciliáveis. Para tanto, manipulam a opinião pública e excluem os partidos de esquerda nos grandes jornais e sobretudo nos espaços e debates na televisão.

Nesta conjuntura, torna-se fora de propósito a defesa do chamado “voto útil”, mais ainda em se tratando de uma eleição em dois turnos, que cria a oportunidade, no primeiro turno, do voto ideológico, do voto em quem se acredita de verdade, do voto no melhor candidato e não no “menos ruim”. A justificativa do voto útil não tem o menor sentido, menos ainda quando as pesquisas eleitorais apontam para a possível solução da disputa já no primeiro turno.

Agora, portanto, é hora do voto consciente. O voto da identidade da esquerda. O voto pelas transformações sociais. O voto para a construção de um futuro socialista em nosso país.

A esquerda não pode votar rebaixada neste primeiro turno. Em nome de nosso próprio futuro, é necessário reafirmar a identidade da esquerda e demonstrar o inconformismo com o capitalismo e a ordem burguesa.

Não se pode esquecer que nosso país se transformou no paraíso dos banqueiros e dos grandes capitalistas. Se o governo FHC implantou o neoliberalismo e alienou o patrimônio público, nunca esses setores lucraram tanto como no governo Lula, que aprofundou a reforma da previdência, implantou as PPPs, aprovou as novas leis das S/A e de falências, para favorecer o grande capital; que financiou o grande capital monopolista e o agronegócio, com juros baratos e dinheiro público; o mesmo governo que inviabilizou a reforma agrária tão prometida no passado.

Se as pesquisas estiverem corretas, serão mais quatro anos de governo para os ricos, com apenas mais algumas migalhas para os pobres e desta vez com Michel Temer de Vice e o PMDB com uma força inaudita.

Por isso, a esquerda tem a responsabilidade de reafirmar seu compromisso com as transformações sociais e a causa socialista.

Nesse sentido, o PCB, reconstruído revolucionariamente, por suas propostas, sua história, sua participação nas lutas sociais e seu internacionalismo militante, se apresenta com autoridade política para cumprir o papel de estuário do voto ideológico da esquerda que não se rendeu, do voto que pensa na frente de esquerda para além das eleições.

É o voto pela revolução socialista e em defesa das lutas dos trabalhadores no Brasil e em todo o mundo. O voto de repúdio à ação do imperialismo no planeta, de apoio aos povos e governos responsáveis pelas transformações sociais na América Latina, de solidariedade incondicional a Cuba Socialista, de apoio militante ao Estado Palestino.

Com sua coerência e firmeza, sem concessão na sua linha política em troca do voto, o PCB se credencia para contribuir na construção da Frente Anticapitalista e Anti-imperialista, a frente política e social que irá liderar o processo de transformações revolucionárias em nosso país.

Por entender que não está sozinho neste caminho, o PCB também compreende a importância do fortalecimento dos demais partidos da verdadeira esquerda nestas eleições. O voto na esquerda é fundamental para que se possa construir na prática o grande movimento político e social que irá desencadear o processo de mudanças no Brasil.

Não deixe que a direita escolha a “esquerda” por você. Escolha você mesmo. Resista à tentativa de esmagamento da verdadeira esquerda. Não vote inútil. Não escolha a forma de gestão do capitalismo. Vote útil, no socialismo.


Quem sabe faz agora, não espera acontecer.

Rio de Janeiro, 26 de setembro de 2010.

Comissão Política Nacional – Comitê Central do PCB

29/09/2010

A Origem e Consolidação do Racismo no Brasil

Escrito por Mário Maestri*
24-Set-2010

1- Constituição e Racionalização da Exploração Escravista na Antiguidade

A desqualificação dos oprimidos é recurso histórico, consciente e inconsciente, dos opressores para racionalizar e consolidar a exploração. Nas formas de produção pré-capitalistas, essa desqualificação centrou-se fortemente na natureza dos explorados. No clássico A origem da família, da propriedade privada e do Estado, de 1884, Frederico Engels assinalou a dominação da mulher pelo homem, no contexto da primitiva divisão sexual do trabalho, como a primeira forma geral de exploração. "[...] o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino". A opressão da mulher apoiou-se tradicionalmente na defesa de sua inferioridade, fortemente ancorada na sua diversidade fisiológica em relação ao homem. O magnífico Aristóteles apontava como exemplo da inferioridade feminina o fato de que ela teria menos dentes que os homens!

A escravidão patriarcal, base da produção na Grécia homérica, surgiu quando o produtor superou sistematicamente suas necessidades de subsistência, produzindo excedente capaz de ser apropriado pelo explorador. A orientação da produção para o consumo do núcleo familiar da pequena propriedade grega, de uns cinco ou pouco mais hectares [oikos], pôs relativamente travas à exploração do homem e da mulher escravizados. Não havia sentido em produzir acima do consumido pelos proprietários, familiares, dependentes e cativos. No escravismo patriarcal, o proprietário, sua família e dependentes trabalhavam comumente ao lado do cativo, em proximidade que apenas minimizava o caráter despótico daquela relação social de produção.

Com a consolidação da propriedade privada sobre a terra e seus frutos e a expansão do mercado, a escravidão patriarcal desenvolveu-se e superou-se qualitativamente. Ainda que fossem numerosas as pequenas propriedades escravistas de subsistência, nos dois séculos finais da República e nos dois primeiros do Império, dominou social e economicamente a pequena propriedade escravista pequeno-mercantil especializada. Orientada para o mercado, a villa tinha em torno de uns dez a trezentos hectares e trabalhava com algumas poucas dezenas de cativos. A dimensão reativamente restrita e o caráter dos seus produtos, que exigiam comumente trabalho intensivo, especializado e sazonal, impediram tendencialmente a degradação das condições do trabalho servil conhecida séculos mais tarde na escravidão colonial. Era monótona e dura a existência do produtor escravizado nessas propriedades.

Transição Histórica

Por variadas razões, fracassou a evolução da produção pequeno-mercantil em escravismo mercantil, ou seja, em grandes propriedades trabalhadas por dezenas e centenas de cativos, tentada em diversas regiões, com destaque para as propriedades triticultoras da Sicília. Sob a forte pressão dos produtores escravizados, abriram-se então as portas à longa transição ao colonato e, a seguir, à produção feudal. Nesta última, o produtor deixava de ser, como anteriormente, propriedade plena do explorador. Sob a obrigação de pagamento de rendas delimitadas, ele passou a controlar sua família e seus instrumentos de trabalho e a gerir relativamente a gleba à qual era adstrito, em importante evolução histórica que não o emancipou da servidão. A escravidão plena, menos produtiva e mais custosa, manteve-se como relação de dominação subordinada na Europa, em alguns casos, até o século 18.

A violência foi sempre a principal forma de submissão do trabalhador na escravidão patriarcal e pequeno mercantil. Os cativos e cativas tidos como relapsos e desobedientes eram forte e exemplarmente castigados. Os atos de rebelião contra os proprietários, familiares e feitores eram punidos com a tortura e a morte. Não raro, os cativos rebeldes eram queimados vivos. No Império, quando a escravaria urbana dos romanos mais ricos podia superar os cem membros, o receio dos proprietários à resistência do cativo chegou ao paroxismo. Lei romana dos primeiros anos de nossa determinou que, se um pater famílias, ou seja, um proprietário escravista ou seu familiar fosse assassinado, todo cativo que, encontrando-se a uma distância em que pudesse ouvir seu pedido de ajuda, não o socorresse, seria torturado e executado. Nos tempos de Nero, Padânio Secondo, prefeito de Roma, foi justiçado por cativo que lhe pagara e não recebera a manumissão. Todos seus quatrocentos cativos, de ambos os sexos e das mais variadas idades, foram executados, apesar da agitação que a terrível medida causou entre a plebe romana formada em boa parte por libertos.

A escravidão apoiou-se também na submissão ideológica dos cativos. Entre os múltiplos mecanismos utilizados, destacava-se o convencimento do cativo de sua natureza diversa e inferior, proposta que racionalizava e consolidava a ditadura dos escravizadores sobre os escravizados.

Azares da Sorte

Na Grécia homérica, a escravidão era vista como decorrência dos azares da sorte – guerra, captura, dívida etc. A visão platônica expressava uma época em que a escravidão tornara-se instituição importante. Para Platão, a servidão de um indivíduo ou de um povo devia-se à incapacidade de se auto-governar, por falta de discernimento intelectual, cultural ou moral, qualidades exclusivas ao mundo, cultura e homem helênicos. Porém, para ele, era a lei que determinava quem era escravo e senhor. Entretanto, sua teoria da superioridade da alma sobre o corpo consubstanciava já a visão da submissão necessária do súdito ao soberano, da mulher ao homem, do escravizado ao escravizador.

A visão aristotélica da escravidão nasceu em sociedade solidamente escravista. Para Aristóteles, era inaceitável que um homem fosse submetido e mantido na escravidão apenas pela força, sancionada pela lei. O que lhe apontava a força, como forma de emancipação. Ele superou a tese platônica, ao defender raiz natural e, portanto, genético-racial à servidão. Para Aristóteles, a reunião de diversas famílias formava o burgo e a associação de diversos burgos, a cidade, ou seja, a sociedade política. Um processo determinado pela natureza que compelia "os homens a se associarem" na procura do "fim das coisas", a felicidade.

Para Aristóteles, a família "completa", unidade de base da sociedade, forma-se por homens livres e escravizados. Para ele, a natureza criara as coisas diferentes, na procura da especialização, pois o melhor "instrumento" era o que serve para "apenas" um "mister", e não para muitos. Assim, na consecução de fins comuns, seres de essência diversa complementavam-se, cada qual realizando a função para que fora criado pela natureza. Os mais elevados comandavam os menos perfeitos. "A autoridade e a obediência não só são cousas necessárias, mas ainda [...] úteis. Alguns seres, ao nascer, se vêem destinados a obedecer; outros, a mandar".

A natureza determinava que o pai dominasse o filho, o homem a mulher, o senhor o escravo. "[...] a todos os animais é útil viver sob a dependência do homem. Os animais são machos e fêmeas. O macho é mais perfeito e governa; a fêmea o é menos, e obedece. A mesma lei se aplica naturalmente a todos os homens". "Há também, por obra da natureza e para a conservação das espécies, um ser que ordena e um ser que obedece. Porque aquele que possui inteligência capaz de previsão tem naturalmente autoridade e poder de chefe; o que nada mais possui além da força física para executar deve, forçosamente, obedecer e servir – e, pois, o interesse do senhor é o mesmo que o do escravo". Fundando o direito da servidão na inferioridade natural e não na força, consolidava ideologicamente a ordem escravista grega, impugnando a escravização do heleno, por um lado, e a validade do bárbaro de emancipar-se pela força, por outro. Propunha que oprimidos e opressores se associariam na consecução de objetivos comum, pois, sendo a opressão algo próprio da ordem da natureza, não haveria civilização à margem da mesma.

Como os Animais Domésticos

Aristóteles foi mais longe, ao propor que a especialização natural, ou seja, a inferioridade e superioridade, se expressasse na própria constituição dos seres. A inferioridade dos "animais domésticos", que serviam com a "força física" ao dono nas "necessidades quotidianas", como o boi, o asno etc., registrava-se nos seus corpos de brutos. O mesmo ocorria entre os homens, pois a "natureza" pareceria "querer dotar de característicos diferentes os corpos dos homens livres e dos escravos". "Há na espécie humana indivíduos tão inferiores a outros como o corpo o é em relação à alma, ou a fera ao homem". Os homens incapazes de outra função que as relacionadas à "força física" eram "destinados à escravidão".

A proposta de registro material da superioridade e inferioridade naturais dos homens constituía elemento central na racionalização aristotélica da exploração escravista, retomada plenamente no mundo romano, e, mais tarde, na Idade Média e Moderna. A força desta proposta encontrava-se no registro, indiscutível, nos corpos, da inferioridade da alma. O que tornava materialmente visível a hierarquização social, com homens superiores, destinados a mandar e serem servidos, e homens inferiores, destinados a obedecer e servir. Porém, tal proposta materializou-se em forma muito limitada no mundo grego, por falta de condições objetivas nas quais pudessem se apoiar as fantasmagorias dos escravizadores.

Mesmo no mundo grego tardio, os cativos provinham sobretudo das províncias e regiões periféricas do mundo helênico. Portanto, havia forte identidade étnica entre amos e cativos. O que dificultou a tentativa permanente de apontar traços somáticos que expressassem as naturezas diferenciais, superiores e inferiores, dos escravizadores e dos escravizados. Inicialmente, a escravidão romana apoiou-se na escravização de povos itálicos, de forte semelhança étnico-somática. Com a extensão da escravidão, foi feitorizada infinidade de povos da bacia do Mediterrâneo e da Europa Ocidental, Central e Oriental. A diversidade étnico-linguística dessa população escravizada impediu, também, o procurado registro fenótipo da pretensa natureza humana inferior do escravizado.

A sociedade romana enfatizou a cultura e a língua como elementos diferenciadores, ainda que os múltiplos traços fenótipos dos cativos fossem apontados como registro de inferioridade. É conhecida a descrição de escravista romano, com propriedade na Magna Grécia – um italiano meridional, nos dias de hoje; dos traços semi-bestializados de seu cativo germânico. Ou seja, um alemão atual. Sequer o renascimento ibérico da escravidão, com a Reconquista, produziu identificação cabal e duradoura entre etnia e escravidão. Tal fenômeno materializar-se-ia quando do renascimento do escravismo, nas Américas, dando origem à desqualificação essencial do africano subsaariano, base das visões racistas anti-negro contemporâneas.

A seguir: 2 - Escravidão e Racionalização de Mouros e Africanos

*Mário Maestri, 62, é professor do curso e do programa em Pós-Graduação em História da UPF. É autor, entre outros trabalhos, de O escravismo antigo e O escravismo brasileiro, publicados pela Editora Atual. E-mail: maestrti@via-rs.net

28/09/2010

TRÊS ORIGINALIDADES E UM VELHO CAMINHO

Mauro Luis Iasi*
Resumo: Análise da trajetória da Revolução Cubana tomando como hipótese três aspectos particulares que atribuem a esta experiência histórica sua originalidade e a reflexão sobre elementos de sua universalidade como manifestação histórica fundada na concepção socialista e nos pressupostos marxianos.
Quando comemorarmos os 50 anos da Revolução Cubana torna-se necessário refletir sobre sua trajetória, seus ensinamentos e impasses. Devemos alertar inicialmente que em se tratando da Revolução Cubana, ainda que como em toda a análise devamos preservar a necessária objetividade, nos é impossível qualquer tipo de neutralidade. Assim, acompanhamos Mario Benedetti reafirmando que seremos totalmente parciais e, mais que isso, apaixonados, pois cremos que, assim como vimos em Cuba, paixão e revolução são inseparáveis.
A história da Revolução Cubana nos permite identificar três originalidades que lhe conferem um aspecto singular no cenário das revoluções do século XX, mas, ao mesmo tempo, ela é a comprovação de pressupostos e caminhos universais que a luta dos povos vem construindo, teórica e praticamente, há tanto tempo.
Seguindo as pistas de Che Guevara, quando busca compreender se há ou não uma excepcionalidade nos caminhos trilhados pelos revolucionários cubanos, concordamos que as características específicas de Cuba também lhe permitem uma profunda identidade com as demais formações sociais1, fundamentalmente aquelas de nosso continente. Aqui, no entanto, gostaria de começar por destacar três elementos ligados aos caminhos escolhidos no que tange à Revolução e à transição socialista.
PRIMEIRA ORIGINALIDADE: QUANTO À VIA REVOLUCIONÁRIA
O primeiro aspecto que gostaria de destacar diz respeito à via revolucionária, ou seja, o caminho de objetivação da estratégia e suas vinculações táticas. O pano de fundo desta polêmica se relaciona, ao mesmo tempo, com os elementos da realidade cubana e o debate das experiências revolucionárias vitoriosas, ou seja, a Revolução Russa e a Revolução Chinesa.
Toda grande revolução deixa uma marca e se torna uma referência. É natural, portanto, que os revolucionários procurem seguir seus passos e, muitas vezes, de maneira mecânica. Assim surgem modelos. Esquematicamente podemos resumir para fins desta exposição nas consagradas fórmulas do chamando modelo Petrogrado, ou seja, uma insurreição baseada nos principais centros urbanos/industriais e na classe operária que, se aliando aos camponeses, logra a tomada do poder; e a Guerra Popular Prolongada que partindo das lutas e guerrilhas no campo se transforma em um Exército Popular e toma as cidades, cercando-as.
Cuba tinha uma grande tradição de greves e insurreições, assim como de luta armada, como as duas guerras de independência. Com a montagem do grupo guerrilheiro na Sierra
Maestra e a organização de resistência construída pelo M26 nas cidades, abre-se o debate a respeito do núcleo estratégico e da via, isto é, uma greve geral que leva a uma insurreição apoiada pelo braço armado guerrilheiro, ou uma ação ofensiva da guerrilha apoiada pela resistência urbana que deflagraria uma greve geral. Tal polêmica que contrapunha os chamados setores da planície e da sierra expressava o debate entre as alternativas soviética e chinesa. A primeira originalidade que destacamos é que a polêmica se resolve de maneira criativa.
A Revolução Cubana não é uma mera cópia de nenhum dos dois modelos, mas antes uma síntese. A mera greve geral insurreicional não seria capaz de derrotar Batista, como se comprovou na tentativa de 1958. Da mesma forma a mera transposição da Guerra Popular Prolongada seria inviável nas condições cubanas, pelas dimensões do território, pela presença próxima do imperialismo e outros fatores. A saída foi uma criativa combinação entre a ação da guerrilha, a formação das áreas liberadas no oriente, a resistência urbana e a frente de revolucionária conseguida através de um amplo leque de alianças, que culminou, simultaneamente na ofensiva militar e a insurreição que levaria à vitória de janeiro de 1959.
DIREÇÃO REVOLUCIONÁRIA, ALIANÇAS E PRINCÍPIOS
A segunda originalidade diz respeito a direção revolucionária, sua forma de condução política da luta, incluindo aí a questão das alianças e, na seqüência, a firmeza estratégica que leva da superação do momento da revolução democrática à construção socialista.
O protagonismo do M26 desde sua formação após o assalto ao quartel Moncada, a preparação e a montagem do núcleo guerrilheiro na Sierra Maestra é inquestionável. No entanto, no curso da luta contra Batista os revolucionários, sem que perdessem o protagonismo, tornaram possível uma frente bastante ampla que não apenas atraiu os outros partidos progressistas, como o PSP (nome legal do Partido Comunista), o Diretório Estudantil Revolucionário e outros, mas setores da própria burguesia cubana e mesmo de latifundiários.
Este caminho não se deu sem tensões e mesmo polêmicas, por exemplo, a que opôs Fidel a Che quando das negociações com empresários e o compromisso firmado na Venezuela. O fato é que a ação política do M26 isolou o ditador e criou as condições políticas da vitória. Mas é aí que entra a verdadeira originalidade da revolução cubana e que a diferencia das muitas tristes e trágicas experiências que presenciamos em nosso continente.
Logo após a vitória em janeiro de 1959 se forma um governo tendo a Frente Urrítia e Cardona, dois políticos democráticos e que mantinham boas relações com a burguesia cubana e os EUA, defendendo uma solução de compromissos e responsabilidade. Fidel se encontra em Santiago e faz uma lenta e longa marcha na qual repete seu discurso segundo o qual a Revolução começaria agora e chegava ao poder sem compromissos com ninguém a não ser com o povo que era o único dono da vitória. Contra as propostas moderadas, impôs o programa de Moncada, a reforma agrária (começando pelas terras de sua própria família), a reforma urbana e, depois, a nacionalização das empresas estrangeiras, leia-se, norte americanas.
Em tempos como os nossos onde candidatos se esquecem de seus princípios no caminho entre as urnas e o palácio do governo e contentam-se em se manter nos limites da ordem abandonando as verdadeiras demandas revolucionárias que por ventura um dia os moveram, esta é uma característica excepcional da revolução Cubana.
A ORIGINALIDADE NA CONSTRUÇÃO DA TRANSIÇÃO SOCIALISTA
A terceira originalidade se relaciona à transição socialista e seus problemas. Uma vez consolidada a vitória, não sem dificuldades como mostra a brutal reação do imperialismo desde as sabotagens até a tentativa de invasão pela Baia dos Porcos em 1961, reapresenta-se a polêmica dos modelos, agora aplicados não mais à via, mas a condução da economia. Recordemos que no início da década de sessenta ocorre o rompimento entre URSS e China, o que agrava o debate.
Neste momento delicado a direção revolucionária soube manter uma postura extremamente correta e como afirmou Fidel em seu discurso de fundação do PCC, “não perguntamos a ninguém como deveríamos fazer a revolução e a fizemos e não perguntaremos a ninguém como deveremos levá-la à frente e levaremos”; e alertava que “ninguém pode nos dividir se não deixarmos que as divergências que dividem o campo socialista nos atinjam”. Na mesma oportunidade Fidel lembrava que o marxismo é uma doutrina feita por revolucionários para revolucionários e não uma propriedade privada registrada em nenhum cartório, completando: “aqueles que derem interpretações corretas e as aplicarem conseqüentemente triunfarão, aqueles que não o fizerem fracassarão”.
Esta postura de independência que marcaria a posição de Cuba no cenário internacional refletiu-se internamente de maneira muito significativa e neste episódio a figura de Che Guevara é essencial. Começando pela própria construção do Partido.
Quando da criação do Partido Unido da Revolução Socialista, ainda em 1961, certos dirigentes de partidos já estruturados defendiam a idéia de que se mantivesse a hierarquia anterior, ou seja, alguém que fosse da direção de um partido ou organização que compunha a frente tornar-se-ia dirigente do Partido Unido. Che contrapõe a esta tese a proposta de criação das ORIs (Organizações Revolucionárias Integradas) que deveriam ser compostas a partir dos locais de trabalho e comitês de defesa de quadra e os quadros que integrariam o partido e suas direções deveriam ser indicados pelos trabalhadores entre aqueles que estes considerassem os mais capazes e firmes.
Além desta importante questão da organização a grande originalidade na construção socialista vem da discussão sobre a forma de organização da economia. Che, nesta época no Ministério, faz um profundo estudo sobre as experiências socialistas, inclusive viajando a vários países e conversando com dirigentes e trabalhadores. O comandante chega a uma conclusão de transcendental importância. Em suas palavras:
Perseguindo a quimera de realizar o socialismo com os meios falhos que nos legou o capitalismo (a mercadoria como célula econômica, a rentabilidade, o interesse material individual como alavanca, etc.) se pode chegar a um beco sem saída. E quando se chega aí depois de percorrer uma longa distância na qual os caminhos se entrecruzam, muitas vezes é difícil perceber o momento que perdemos o caminho. Entretanto, a base adaptada já terá feito seu trabalho de sabotagem sobre o desenvolvimento da consciência. Para construir o comunismo, simultaneamente com a base material temos que produzir o homem novo (GUEVARA, s/d, p. 273).
E completa:
Não se trata de quantas gramas de carne se come ou quantas vezes por ano alguém pode ir à praia, nem de quantas belezas que vem do exterior possam ser compradas com os salários atuais. Trata-se, precisamente, que o indivíduo se sinta mais pleno, com muito mais riqueza interior e com muito mais responsabilidade (p. 282-283).
Tais constatações levaram o comandante a propor um sistema que chamava de presupostário e que, em síntese, procurava superar a forma mercantil na relação entre empresas socializadas e mais adiante tentou, numa experiência piloto na Isla de la Juventud, uma forma de sociabilidade na qual recuperava-se o valor de uso e abolia-se o dinheiro como forma de equivalente. É neste contexto que devemos entender a proposta guevariana a respeito da superioridade dos incentivos morais sobre os materiais. Não se trata de uma formulação meramente ética ou romântica, pelo contrário, sua posição remete a necessidade de considerar as transformações de consciência como força material no desenvolvimento das forças produtivas. Polemiza Che:
Se, o estímulo material se opõe ao desenvolvimento da consciência, mas é uma grande alavanca para obter resultados na produção, devemos entender que a atenção preferencial ao desenvolvimento da consciência atrasa a produção? Em termos comparativos em uma época dada, é possível, ainda que ninguém tenha realizado cálculos pertinentes; afirmamos que em tempo relativamente curto de desenvolvimento da consciência o desenvolvimento da consciência faz mais para o desenvolvimento da produção que o estímulo material e o fazemos projetando o desenvolvimento da sociedade socialista em direção ao comunismo, o que pressupõe que o trabalho deixe de ser uma penosa necessidade para converter-se em um agradável imperativo (GUEVARA, s/d, p. 191).
Destacando que o fundamento ético da proposta de Che é a materialidade das relações, tal raciocínio não deixa de ser moral, porém esta se altera substantivamente não apenas como meta ideal, mas, fundamentalmente como caminho. Não é uma mera afirmação de princípios, é uma poderosa crítica aos caminhos escolhidos pelas sociedades que ensaiavam a transição socialista. A transição socialista é, simultaneamente, composta de mudanças materiais e nas relações sociais que tanto impulsionam alterações na consciência, como são impulsionadas por estas alterações.
O socialismo econômico sem a moral comunista não me interessa, dizia Che. Lutamos contra a miséria, mas ao mesmo tempo lutamos contra a alienação. Um dos objetivos fundamentais do marxismo é fazer desaparecer o ‘interesse individual’ e também, das motivações psicológicas. Marx se preocupava tanto com os fatos econômicos como sua tradução na mente. Ele chamava isto de ‘fatos de consciência’. Se o comunismo descuida dos fatos de consciência pode até se tornar um método de distribuição, mas deixa de ser uma moral revolucionária (DANIEL, 1987, p. 45).
A tragédia é que em Cuba se gestavam as condições para que esta constatação ocorresse, pelo desenvolvimento da experiência socialista até então, mas as condições materiais para superar as determinações materiais que se encontram na base do fenômeno detectado, em Cuba, se encontravam ainda menos desenvolvidas que em outras formações sociais que trilhavam o caminho da transição socialista. Isso explica o desenvolvimento futuro das escolhas econômicas na ilha revolucionária e os problemas práticos encontrados na execução, naquele momento, do pensamento econômico de Che.
Entretanto, estas reflexões não deixaram de fincar suas marcas na experiência cubana, desde as formas de organização nos locais de trabalho, nas formas de gestão e mesmo, e talvez fundamentalmente, nos processos políticos que culminaram na experiência de Poder Popular iniciada a partir de 1974, depois estendida em 1979.
UM ÚLTIMO ELEMENTO ORIGINAL
O conjunto destas originalidades implica na singularidade da experiência cubana, mas há um outro elemento, mais difuso e difícil de ser compreendido por observadores desatentos, que se potencializou por estes aspectos descritos, mas em grande medida também podem explicá-los. Este elemento é a dignidade. Não que exista alguma essencialidade ou caráter nacional, ou qualquer uma destas metafísicas, trata-se de um traço cultural e histórico e, em grande medida, construído pela revolução.
A exploração colonial, a escravidão e o racismo, as opressões da riqueza e do domínio imperialista, costumam impor traços de subserviência e servilismo. O fato de a história de Cuba ser marcada por duas guerras de independência, a primeira levando à abolição da escravidão e a segunda a independência em relação à Espanha, a luta guerrilheira contra Batista, produzem uma alteração significativa que reverte servilismo em rebeldia. Como não há essência humana fora daquela que os seres humanos constroem através de sua ação histórica, a rebeldia levou a emancipação de uma dignidade rara de se encontrar entre nossos sofridos povos explorados.
Este é um traço difícil de ser compreendido pelos adversários da Revolução Cubana e, inclusive, para alguns de seus defensores. Peguemos por exemplo uma bela canção de Silvio Rodriguez, El Nécio. Explica o autor em seu disco que um tanto surpreendido com as insistentes tentativas de seduzi-lo com propostas milionárias de carreiras e contratos no exterior, talvez por estes senhores acreditarem que “todos têm seu preço”, ironicamente responde que se é assim, coloca o seu: “Es una canción de marketing, de precios. Y para que nadie se imagine que soy santo, voy a poner el mío (por ahora): El levantamiento del bloqueo a Cuba y la entrega incondicional del territorio Cubano que E.E.U.U. usa como base naval en Guantánamo”. E diz em sua música:
Para no hacer de mi ícono pedazos,
para salvarme entre únicos e impares,
para cederme un lugar en su Parnaso,
para darme un rinconcito en sus altares.
me vienen a convidar a arrepentirme,
me vienen a convidar a que no pierda,
mi vienen a convidar a indefinirme,
me vienen a convidar a tanta mierda.
Yo no se lo que es el destino,
caminando fui lo que fui.
Allá Dios, que será divino.
Yo me muero como viví.
É estranho para quem trás no peito uma máquina registradora no lugar do coração entender certas posturas. Quando a URSS ruía e logo após o muro que separava a Alemanha, muitos repórteres internacionais foram a Cuba, prontos para registrar a queda do regime. Alguns devem estar lá, persistentes, até hoje. Mesmo no mais duro dos tempos do chamado período especial, e acreditem eram duros estes tempos no que diz respeito as mais elementares necessidades da existência, Cuba logrou resistir e cabe perguntar por quê? A imprensa internacional tem já pronta sua resposta, a ditadura, o medo, a violência.
Em um documentário sobre o período especial, um dos entrevistados nos diz que quando ouvia Fidel falar das dificuldades, da necessidade de enfrentar as carências tão sérias que estavam enfrentando, mas ao mesmo tempo resistir na alternativa socialista, dizia, “nós acreditávamos nele, pois podemos olhar nos olhos de nossos dirigentes e ver que eles estavam falando a verdade, que não estavam enriquecendo, nem mandando dinheiro para o exterior quando pediam o nosso sacrifício”. Este é um recurso difícil de ser quantificado e que se relaciona com esta rebeldia e dignidade que falávamos. Um pequeno pedaço mais da música de Silvio talvez esclareça melhor.
Yo quiero seguir jugando a lo perdido,
yo quiero ser a la zurda más que diestro,
yo quiero hacer un congreso del unido,
yo quiero rezar a fondo un hijonuestro.
Dirán que pasó de moda la locura,
dirán que la gente es mala y no merece,
más yo seguiré soñando travesuras
(acaso multiplicar panes y peces).
[...]
Dicen que me arrastrarán por sobre rocas cuando la Revolución se venga abajo,
que machacarán mis manos y mi boca,
que me arrancarán los ojos y el badajo.
Será que la necedad parió conmigo,
la necedad de lo que hoy resulta necio:
la necedad de asumir al enemigo,
a necedad de vivir sin tener precio.
Yo no se lo que es el destino,
caminando fui lo que fui.
Allá Dios, que será divino.
Yo me muero como viví.

Dignidade. Não esperem que explique. Certas coisas são impossíveis de ser explicadas ao cérebro se o coração não entendeu.
UM VELHO CAMINHO EM MEIO A TRÊS ORIGINALIDADES
Finalmente, depois de tecer comentários sobre algumas originalidades da Revolução Cubana, me permito afirmar que esta profunda singularidade alcançada só foi possível porque os revolucionários cubanos souberam se fundamentar em pressupostos e leis que não são em absoluto em nada originais: o marxismo.
Em si mesmo, o verdadeiro marxismo, porque dialético, é simultaneamente tradição e ruptura, herança e inovação, em uma palavra superação dialética. Só pode ir além quem se fundamenta no existente, só pode inventar o futuro evitando as armadilhas do passado, quem conhece a história. Neste aspecto a Revolução Cubana não é original, ela é parte da história do socialismo e reafirma elementos substanciais de todo pensamento revolucionário e, fundamentalmente, do pensamento marxiano.
Não é o caso de realizar um exaustivo inventário desta profunda coerência entre a experiência cubana e os fundamentos do marxismo, mas ressaltemos aqui apenas alguns poucos elementos.
O primeiro deles é o conceito de Revolução Permanente, inicialmente apresentado por Marx e Engels em Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas (1850) e depois resgatado com muita propriedade por Trotsky. Por este princípio, ainda que a revolução proletária, por determinações objetivas se encontre na situação de ter que lutar contra o inimigo de seus adversários, no caso da luta da burguesia contra a nobreza feudal deveria conduzir sua estratégia de forma que as condições de desenvolvimento da luta em aliança com a burguesia levariam ao desenvolvimento da luta contra ela no sentido da revolução proletária. Lênin compreendeu perfeitamente isso na passagem da Revolução de fevereiro para a tomada do poder em Outubro. Fidel e seus camaradas não pararam no meio da viagem para descansar e se contentaram em democratizar Cuba, desenvolver o capitalismo, ousaram o salto revolucionário no sentido da transição socialista.
A leitura esquemática e dogmática desta tese leva a uma estranha teoria das etapas, na qual é necessário primeiro desenvolver o capitalismo para depois ser possível uma revolução socialista, tal como se consolidou em certo momento na Terceira Internacional sob influência do período stalinista e virou o principal dogma da deformação social-democrata.
O segundo elemento, que está ligado a este primeiro, é a questão da dualidade de poderes que no caso de Cuba se expressou no momento de constituição do governo Urrítia/Cardona em 1959 ao lado da força organizada da guerrilha e das áreas liberadas. Este é um traço universal nos processos revolucionários, a capacidade de dar forma organizativa e coletiva a uma correlação de forças que torne possível a derrota do inimigo. Assim foram os Soviets na experiência russa, as enormes áreas liberadas com apoio dos camponeses na China e a guerrilha na Sierra Maestra no caso cubano.
O terceiro elemento que Marx e Engels destacam é que a revolução, em algum momento de seu desenvolvimento, encontra a resistência do Estado e de seus meios de dominação, com destaque nos momentos mais agudos de luta, as forças armadas. Ainda que as vias e as formas possam variar muito, e de fato variaram na pequena história do socialismo, não se supõe possível uma revolução que se pretenda verdadeira, seguir seu curso sem que haja rupturas. O mito de desenvolvimento pacífico da revolução, que tanto sangue custou em nossa história (vejam Alemanha e Chile), desconsidera que a implantação de uma transição societária em direção ao socialismo e além dele ao comunismo, não se dará sem rupturas.
Aqueles que desejam preservar suas alianças e as sagradas noções de governabilidade estão condenados a limitar sua ação política nos limites da ordem. Os revolucionários cubanos não padeceram deste mal.
Por último, mas não menos importante, está uma tese central de Marx. A transição socialista só é possível tendo por base o pleno desenvolvimento das forças produtivas materiais que se abrigam na forma societária capitalista. Dizia Marx, em 1859, que nenhuma forma social desaparece antes que se desenvolvam ao máximo todas as forças produtivas que pode conter e jamais surgem novas formas de sociabilidade antes que se desenvolvam, no seio da própria sociedade antiga, as condições materiais para tanto.
Aparentemente Cuba nega esta tese, pois inicia uma revolução que se declara socialista em um país pobre e de escasso desenvolvimento capitalista enquanto grandes países altamente industrializados e plenamente capitalistas contentam-se em acelerar o crescimento capitalista e distribuir bolsas. No entanto, as aparências enganam.
Primeiro devemos ressaltar que nem Marx, nem Engels, consideram uma relação mecânica entre a base material econômica e a luta política, ou seja, a política é entendida como mediação. Isso significa que não existe nenhuma determinação que limite a ação dos seres humanos, pois como afirmava Marx no mesmo texto (2009) a humanidade só se propõe tarefas que podem realizar, pois se analisamos bem, estas tarefas só brotam quando existem ou estão em germinação as condições materiais para enfrentá-las.
Portanto, não é o caso de esperar as condições materiais desenvolvidas para depois agir, o que leva a todo tipo de reformismo e adeqüacionismo que conhecemos. Cuba trilhou seu caminho a partir das condições que ali se apresentavam e que tornavam possível uma revolução e não dá o salto em direção ao socialismo por puro aventurerismo romântico, mas por que a luta de classe ali tornou possível que sua vanguarda assim caminhasse.
No entanto, o desdobramento da construção do socialismo em Cuba prova que a experiência cubana, e neste ponto também todas as experiências socialistas do século XX, comprovam que Marx estava tragicamente certo em sua tese. A autonomia da ação política não pode prescindir das condições materiais, ou seja, ainda que possível ir além com base em condições ainda em germinação, o pouco desenvolvimento das forças produtivas materiais cobrará seu tributo na forma e destino da ousadia empreendida, determinando o rumo da transição, ou não, ao comunismo.
Minha paixão por Cuba e meu sólido compromisso solidário com o povo cubano não me impedem de reconhecer os graves problemas e, em alguns casos, mesmo distorções, em sua experiência revolucionária. Os próprios cubanos as conhecem e, alguns, têm clara consciência de suas conseqüências. Mas, estes problemas não negam as teses centrais do pensamento marxiano, pelo contrário, as confirmam, como podemos destacar em apenas uma simples mas extremamente complexa constatação: a revolução socialista é, necessariamente, internacional.
Os cubanos, com seu compromisso internacionalista para o qual Che é um exemplo, não podem substituir as bases materiais de universalização do capital que torna possível a revolução mundial. Podem, e assim o fizeram e fazem, estar ombro a ombro com toda luta que caminha no sentido da emancipação.
Assim podemos concluir que a Revolução Cubana é profundamente original e não é em seu fundamento original. É continuidade e parte da história da humanidade por sua emancipação, um belo e complexo capítulo desta obra coletiva que estamos a construir. Romântica e realista, rebelde e digna, costurando no corpo de seu sonho notas de ousadia profunda, mas que encontra nos caminhos áridos do real a carne de suas realizações
Bela, trágica e dura... como a vida. Terminemos por, mais uma vez, citar Silvio e seu grito de esperança e resistência: “românticos – al menos hasta el fin – imposmodernizable”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DANIEL, J. “La profecia del Che”, in Carlos Tablada Perez. Ernesto Che Guevara, hombre y pensamiento: el pensamiento econômico del Che. Buenos Aires: Antarca, 1987.
GUEVARA. E. “El socialismo y el hombre en Cuba”. Obras, tomo I, s/d.
MARX, K. Contribuição para a crítica da economia política. Disponível em http://www.marxists.org/portugues/marx/1859/01/prefacio.htm. Acesso em 27 out 2009.

*Graduado em História, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e educador no NEP 13 de Maio. Membro do Comitê Central do Partido
Comunista Brasileiro (PCB).
NOTAS:
1. Che destacava os aspectos tais como a presença do latifúndio, a dinâmica do imperialismo que deforma o desenvolvimento levando à exploração eufemisticamente chamada de subdesenvolvimento, e as condições de vida que poderiam se resumir na expressão em maiúsculas: FOME DO POVO.

Fonte: Revista Múltiplas Leituras, v.2, n.2, p. 109-120, jul. /dez. 2009.

27/09/2010

CHAPA 1 DA INTERSINDICAL DERROTA OS PELEGOS DA CUT E DO GOVERNO NO SINDSAÚDE DO PARANÁ

Acabou na noite de sábado (25/09/2010) a apuração das eleições para a direção do Sindicato dos Trabalhadores no serviço publico de Saúde do Paraná.
A CHAPA 1 apoiada pela Intersindical derrotou a chapa da CUT que fez de tudo para se manter no Sindicato a qualquer custo.
Intimidação, violência, tentativas de impedir a categoria de votar, são só alguns exemplos do que a chapa derrotada para tentar transformar o Sindicato num instrumento manso aos interesses do governo.
Mas nada disso impediu a determinação da categoria em manter seu Sindicato independente dos patrões, governos e autônomo em relação aos partidos. A vitória da CHAPA 1 é a decisão da categoria em ampliar a organização a partir dos locais de trabalho para avançar na luta por mais direitos, salários e melhores condições de trabalho e para todos.
CHAPA 1: 1685 votos
CHAPA 2: 1468 votos
A Intersindical- Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora esteve junto com os companheiros da CHAPA 1 em mais esse enfrentamento que se soma há tantos onde estamos derrotando aqueles que no movimento sindical se dispõem a defender os patrões e governos e atacar os trabalhadores.

O estranho caso dos computadores das FARC

O estranho caso dos computadores das FARC
25/Setembro/Aporrea.org –
É bem estranho o caso dos computadores das FARC. Depois de 7 toneladas de explosivos, 30 bombas "inteligentes" de 500 libras [226,8 kg] cada uma, dirigidas ao sítio onde abateram Jojoy, todos os corpos destruídos... e os computadores permanecem intactos. Num verdadeiro alarde de investigação informática (in situ?) as Forças Militares da Colômbia já dizem que os computadores têm 11 vezes mais informação que o de Raúl Reyes. Dizem os militares que estes computadores têm impactos de bala e estilhaços. Sobre nenhum deles, ao que parece, caiu uma bomba ou meio quilo de explosivos. Eles ainda não têm, de forma oficial, o número de mortos e suas identificações – mas já têm o inventário tecnológico. Foram muito diligentes para isso: 15 computadores, 94 memórias USB e 14 discos duros externos, com seus modelos e marcas. Até "já sabem" qual era o do comandante morto. Mais importante que o trabalho de identificação de humanos é o outro: 40 peritos neste momento trabalham a marchas forçadas para descobrir as palavras passe dos computadores e terem acesso a uma informação que consideram chave para o desenvolvimento de futuras operações contra a Farc. Curiosidade: Não encontraram um só telefone, dizem, mas as botas do comandante abatido tinham um chip para rastreio por satélite. O original encontra-se em http://www.resumenlatinoamericano.org/ , nº 2276,
26/Setembro/2010
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/