11/09/2010

Apertem os cintos: o PT sumiu!



ESCRITO POR RAYMUNDO ARAUJO FILHO
09-SET-2010

Nestes dias fiz uma pequena leitura do mapa eleitoral para a eleição de governadores nos estados, mais ou menos consolidados a cerca de um mês das eleições. Pouparei este trabalho para os meus possíveis leitores, pois certas tarefas não desejo nem para os meus desafetos, quanto mais para quem me lê.

É surpreendente a mágica que se faz na opinião pública, transformando o que é uma acachapante derrota eleitoral em uma "vitória retumbante".

O artifício é simples, e foi amplamente assumido pelo próprio PT, que, em troca da eleição de sua candidata à presidência da República, fez todos os acordos regionais com ex-adversários e atuais aliados de ocasião, visto a opção do lullo-petismo de usar o povo apenas como massa de manobra eleitoral, excluindo-o como sujeito do debate político. Ou seja, fez a opção pela "governabilidade palaciana" como caminho mais fácil para manter-se não no poder, mas no cargo principal do país, ao arrepio de todas as propostas originais que construíram, durante cerca de 25 anos, as forças que elegeram Lulla em 2002.

Assim, repasso a todos o tal mapa eleitoral nos estados, com a devida análise que me permito, a partir dos fatos, não dos desejos ou mentiras, expondo e confirmando o que digo no título do artigo.

O presidente Lulla se constitui na entidade política de maior projeção midiática, o PT é falado todos os dias em todos os jornais e mídias, assim como as políticas governamentais, sendo nenhuma delas criticada no seu íntimo. Ao contrário, são apoiadas desavergonhadamente até por quem se diz oposição de direita ao Lulla, pois sabem que este obedece às diretrizes do capital internacional, este sim o principal mandatário do país. No entanto, o PT como partido não chega nem perto de uma inserção institucional na política brasileira do tamanho do alarde que fazem, pegando carona no Lulla. Aliás, paro de escrever sobre política se alguém me mostrar uma só das macropolíticas de Lulla que seja criticada pela direita brasileira.

Assim, temos o PT com vitória garantida em apenas três estados, mas, sem desmerecê-los, de pouquíssima importância econômica e política para o país. São eles: Acre, Bahia e Sergipe.

Temos Tarso Genro com chances, mas sem qualquer garantia de vitória (acho até que perderá), com o PT disputando o segundo turno completamente empatado com as forças de oposição (como sempre no dividido Rio Grande do Sul). E no Mato Grosso do Sul, se houver segundo turno e Deus absolver todas as falcatruas e acordos espúrios (até com o DEM, inaugurando a aliança PT-DEM, anos atrás no Mato Grosso do Sul), temos o ex-governador petista que atende pela alcunha de Zeca do PT- que, entre outras coisas, foi o avalista da entrada no partido de pedófilo condenado, o ex-vereador de nome Disney (sem ironias).

E só! Este é o legado do PT nas suas alianças para a eleição de Dilma, após oito anos de governo Lulla, sem povo, a não ser como acessório de poder.

A senadora por Santa Catarina, Ideli ‘Salvar-se’, aparece com míseros 16% dos votos contra Ângela Amin do PP, não governista (31%), e Colombo, do DEM (27%), mesmo após ter sido subserviente ao extremo, tendo uma exposição midiática bem maior que a sua estatura (é baixinha, a senadora...). Até em convescote com os criadores da Bossa Nova aqui no Rio a senadora veio. E lamentou que sua mãe "não estivesse viva para curtir aquele momento". Ao menos, não vai ver sua filha vergonhosamente derrotada, após tanta subserviência.

Para tentar amenizar esta derrota petista nestas eleições para governos estaduais, o PSB (partido "quase" irmão do PT, com Skaff e tudo), com Renato Casagrande, será eleito no primeiro turno no Espírito Santo. A mesma coisa no Ceará, com o irmão do "enfant terrible" Ciro Gomes, o Cid Gomes (que algum troco será obrigado a dar no PT de lá, por tantas sacanagens das quais ele e seu irmão foram alvos por parte do partido). E o PSB está também consolidado como vitorioso em Pernambuco. Nestes estados, portanto, só restará ao PT ficar feliz com a vitória dos outros.

Em nenhuma outra unidade da federação aparecem o PT e o PSB em posição razoável na disputa. Restam o PDT e o PMDB como aliados, que analisaremos abaixo, visto que o PC do B não dá nem pro cafezinho...

O PDT, em Alagoas, terá o Ronaldo Lessa a apoiar o Collor ou ser apoiado por ele, para eleger a coligação pró-Lulla. O que seria inimaginável alguns poucos anos atrás. E o Jackson Lago, PDT do Maranhão, boicotado pelo PT em aliança com a "progressista" Roseana Sarney (quase uma Dilma, hoje em dia), vai amargar o seu ocaso político sendo traído por quem sempre emprestou apoio, e tendo a pequena dissidência petista por lá feito até greve de fome para votar no... PC do B.

Resta então, para completar o júbilo petista com a vitória alheia, a eleição apenas provável do PMDB governista nos estados da Paraíba, Tocantins, Maranhão e Rio de Janeiro.

Em Minas Gerais, parece que Anastásio (apoiando e apoiado por Dilma, por baixo dos panos) vai disputar até o último segundo. E convenhamos que ganhar com Helio Costa soa mais como derrota - ao menos soava, antigamente.

No Rio Grande do Sul, uma possível vitória do PMDB com Fogaça será apoiada pelo PSDB. Assim como no Mato Grosso do Sul, em que a vitória do PMDB com Puccineli, de OPOSIÇÃO à Dilma e ao PT local, é bem provável.

No Pará, D. Ana Julia Carepa patinou, talvez por iniciativas como a sua aliança com madeireiros e o Projeto Paz no Campo (apelidado pelo MST de Pau no Campo), e por lá o governo será entregue ao PSDB, com Simão Jatene, com ou sem Barbalho a esta altura do campeonato (certos amigos são verdadeiros inimigos...). Já em Roraima, o PT sequer existe, nem tem aliados, mesmo os de mais baixa estirpe, com os quais a legenda se acostumou a conviver, a meu ver, despudoradamente.

O resto, cerca de nove estados, vai ficar mesmo com a oposição, salvo algum desimportante engano meu (paciência tem limites para estas análises). Traça-se um quadro onde o PT naufraga eleitoralmente, cedendo lugar para cerca de dez governadores "aliados", já sendo certo nove de oposição, além de disputa acirrada em apenas sete estados.

Assim, podemos afirmar, sem medo de errar, que Lulla e o PT oPTaram pela formatação do país em Sesmarias Políticas, retrocedendo aos tempos coloniais para manter a unidade do país (em torno da aristocracia). Dividiram o país nas malditas Sesmarias, das quais não nos livramos até hoje, e estão virando moda novamente pelas mãos do Partido dos Trabalhadores e seus coronéis aliados.

Some-se a isso a vitória eleitoral do PMDB, que, além de ter um vice que não é nenhum inexperiente, ao contrário, é conhecida ave de rapina do poder. Fará este partido ter o presidente da Câmara Federal e do Senado, podendo sair muito fortalecido nos estados. Só o PT mesmo para alçar um medíocre como Michel Temer a vice-presidente da República.

Ora! Que melhor resultado eleitoral poderiam esperar aqueles que chegaram a se assustar com o surgimento de um partido que representou as legítimas forças populares em luta, por tênues anos?

Certamente estão felizes e contemplados com uma Dilma que representa a domesticação dos tecnocratas e burocratas que se apoderaram das energias criativas que fizeram nascer o PT na década de 80, ladeada por cães de guarda do Império, como o são Pallocci, Henrique Meirelles e Jobim.

Que resultado melhor do que este, com a completa super-estruturação do poder, já totalmente burocratizado e seqüestrado, por não possuir povo protagonista, seria imaginado por Stanley Gacek? Refiro-me ao gerente trabalhista da AFL-CIO, o sindicalismo dos EUA que Lulla representou oficialmente na reunião do diálogo interamericano em 1992, com FHC, Salinas e tantos outros que se tornaram algozes de seus povos.

Portanto, eis o trágico resultado da experiência do lullo-petismo no poder aqui no Brasil. Fizeram com que o Brasil, tal e qual um cachorro doido, fique a dar voltas sobre si mesmo, buscando morder o próprio rabo, aqui representado por Sarney e companhia bela. Fazem fachada aos "homens do norte", que são os verdadeiros cabides em que se apóia este grupo de arrivistas do lullo-petismo, doando-lhes o Brasil em troca da concessão de ter a cabeça de chapa na eleição presidencial. Tudo para, no fim das contas, apenas gerenciarem a entrega do país com fachada - só fachada - de progressistas.

É a ex-esquerda Corporation S.A., aqui fazendo o papel de Luiz XIV e Maria Antonieta, nesta entrega pornográfica do país aos estrangeiros e capitalistas "nacionalistas". Dos aristocratas franceses, a guilhotina da Revolução cortou-lhes a cabeça. Quem sabe, um dia, esses neo-aristocratas brasileiros não serão passados pela guilhotina da História?

Raymundo Araujo Filho é médico veterinário homeopata e entende muito bem de cachorros loucos.

10/09/2010

ENTREVISTA DE IVAN PINHEIRO NA TRIBUNA E SANTOS

Rafael Motta*
Ele não acredita em vitória: do contrário, acha que a petista Dilma Rousseff será eleita presidente da República no primeiro turno. Mas o carioca Ivan Martins Pinheiro, de 64 anos, mantém a rotina de visitar de seis a sete cidades por semana. Concorrente à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o secretário-geral do PCB percorre o País na tentativa de mostrar um “contraponto ao pensamento único burguês e capitalista”. Em 88 anos de existência do Partidão, Pinheiro é o terceiro comunista candidato ao Palácio do Planalto. Ele crê na reestatização de serviços privatizados ou concedidos à iniciativa privada e no controle do Estado sobre os meios de produção para se tirar do Brasil uma “medalha de bronze ao contrário”: o terceiro lugar em desigualdade social no mundo. A seguir, um resumo da entrevista concedida a Arminda Augusto, editora-executiva do jornal A Tribuna, de Santos:
Tribuna: Nas atuais campanhas eleitorais, os candidatos mais cotados têm procurado mostrar aos eleitores que, se eleitos, não vai haver uma alteração no padrão de vida deles. E puxam isso, sobretudo, pelo lado econômico, do acesso aos bens, ao dinheiro, crediários. Como fazer que as pessoas se convençam da necessidade de outras formas de produção, de organização do Estado?
Ivan: As campanhas dos candidatos principais, dos que foram escolhidos para ser os candidatos principais, não foram escolhidas à toa: foram escolhidos porque eles não apresentam riscos para o sistema; as divergências são pontuais, de como administrar o capitalismo. No Brasil, há uma manipulação tão grande que há uma sensação, na população, de que a economia vai bem.
Tribuna: Não vai bem?
Ivan: Não. Para nós, não vai bem. Ela vai muito bem para os banqueiros, para o agronegócio, os grandes capitalistas, e vai péssima para o povo. O Brasil tirou o terceiro lugar no Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em matéria de desigualdade social. O discurso dos dois candidatos é de manutenção dessa ordem, com o pressuposto de que essa ordem é de interesse da maioria da população. Essa sensação (de que a economia vai bem) é causada por alguns fatores. Primeiro, uma política compensatória, talvez nunca vista no Brasil e em poucos países, que é o Bolsa Família, com 12 milhões de famílias recebendo menos de R$ 100,00. Pelo menos, os tiram da miséria absoluta, mas não lhes permitem condições de superar aquele status. A outra questão é o estímulo ao consumo: nós temos hoje, no Brasil, talvez o maior índice de endividamento particular e familiar de toda a história. O consumo é alimentado pelo crédito consignado, o empréstimo que você faz a si próprio, e vai numa ciranda muito grande. Achamos que, se nós tivéssemos mais espaço, nós poderíamos, não digo, ir ao segundo turno, mas, claro, ter muito mais votos do que vamos ter com uma proposta que interessa ao povo brasileiro. Nós estamos tentando dizer ao povo brasileiro, com a pouca inserção que temos, o seguinte: primeiro, temos que mudar a política econômica, sobretudo numa medida que consideramos fundamental para enfrentar problemas sociais no Brasil.
Tribuna: Qual?
Ivan: A suspensão imediata do pagamento da dívida, para fazer uma auditoria. Não estou dizendo que não vamos pagar. Estamos dizendo que faríamos uma moratória, uma suspensão de pagamento de juros e serviços da dívida, para fazer uma auditoria. Esse é um movimento crescente na América Latina: tem, inclusive, um movimento chamado auditoria cidadã da dívida. Já teve uma experiência bem-sucedida no Equador: foi feita uma auditoria da dívida do Equador, inclusive, com monitoramento de organizações internacionais, e se chegou à conclusão de que aquela dívida do Equador era apenas 24% do que se alegava. A outra coisa, mais importante, e se o povo pudesse entender, tivéssemos dez minutos na televisão, como alguns têm, e espaço na mídia: nós estamos querendo que o Estado passe a funcionar a serviço da maioria do povo, e não das elites. O Estado, hoje, está a serviço da minoria, está a serviço dos capitalistas, e não do povo. Então, nós defendemos, por exemplo, a reestatização da Vale do Rio Doce; a reestatização da Petrobras, que não é estatal: hoje, é 32% estatal e 68% privada; as suas ações são vendidas na Bolsa de Nova Iorque. E todas essas propostas que aparecem na televisão, de solução para o problema da Saúde, da Educação, do saneamento, se não houver uma mudança profunda na política econômica do Brasil e do caráter do Estado, nenhuma delas vai resolver nada: é pura demagogia. Nós estamos vinculando a retomada da estatização da Petrobras e de outras empresas à possibilidade de resolvermos esses problemas sociais. Por exemplo, na questão do pré-sal: nós defendemos que seja, todo ele, da Petrobras, estatal, e seus rendimentos sejam distribuídos aos estados na razão inversa do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de cada um: quanto mais pobre o Estado, mais recebe per capita.
Tribuna: Algumas dessas mudanças dependem de uma pactuação com governos estaduais e prefeituras, que têm autonomia sobre determinados serviços, parte deles sob concessão privada. Como articular essas diferentes esferas de governo para que esse projeto funcionasse?
Ivan: Você tem toda razão: todas as propostas do PCB, praticamente, encontrariam uma resistência num cenário de um presidente da República eleito... O PCB vai tomar posse; todas as nossas propostas iriam ser bombardeadas pela burguesia brasileira e pelas instituições. Nós íamos ter uma esmagadora maioria no Congresso Nacional contra todas as nossas propostas, inclusive de governadores, de estados, dos interesses privados, das grandes multinacionais: todos. Mas tem uma parte importante que pode estar do nosso lado, que é o povo brasileiro, se entender que nossas propostas são importantes para eles. Então, só tem uma maneira, uma opção, que é a seguinte: o Lula poderia ter feito algumas mudanças. Na hora em que o Lula tomou posse, ele podia ter optado ou por mobilizar o povo, com os 60 milhões de voto que ele teve, para implantar mudanças ou procurar os parlamentares para ter maioria. Mas o governo dele acaba, na política interna, sendo uma continuidade do Fernando Henrique. Ele foi para o balcão de negócios negociar uma maioria e acabou ficando prisioneiro dessa maioria. Hoje, ele é um prisioneiro do PMDB, que é um partido das oligarquias regionais. Mas nós temos exemplos, aqui na América Latina, de presidentes que foram eleitos sem maioria parlamentar; teve até caso extremo, sem nenhum parlamentar, do Fernando Lugo (presidente do Paraguai); o Evo Morales (Bolívia), que, na primeira eleição, deve ter eleito apenas dois ou três, num Congresso de 150; e teve o extremo maior, que foi o Rafael Correa (Equador), eleito presidente da República no mesmo dia da eleição parlamentar e não elegeu um deputado. E o Hugo Chávez (Venezuela), também, quando foi eleito da primeira vez, tinha minoria no Congresso. O projeto deles não passava pela institucionalidade, pela governabilidade institucional. E eles foram garantir as mudanças pela governabilidade social: chamaram o povo para a rua para o povo implantar aquele processo. Aqui no Brasil, nós iríamos mobilizar o povo para convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.
Tribuna: Para um País do tamanho do brasileiro, em que o sr. propõe a participação popular ampla nas decisões nacionais, a reestatização de empresas e, até, a produção de bens e serviços: quanto tempo o sr. acha que levaria esse processo?
Ivan: Não tenho a menor ideia. Se eu dissesse aqui qualquer coisa, eu estaria sendo demagogo, porque a História não se mede assim, não é uma coisa cabalística. É um processo complicado, existe uma correlação de forças na sociedade, há uma luta de es intensa... O caso da Venezuela, também: nós achamos que, a depender de alguns fatores, aquela revolução, que não é socialista, ainda, ao nosso ver, a chamada revolução bolivariana, pode transitar para o socialismo. Mas pode também regredir. Isso é uma luta. Não vamos ligar a televisão num dia com a manchete de que acabou o capitalismo no dia anterior. Ele não vai cair de podre: ele vai ser derrubado ou, então, continuará explorando as maiorias e fomentando guerras, destruindo o meio ambiente, que é isso que o capitalismo faz.
Tribuna: Na hipótese de o PCB ganhar, não é muito difícil implantar um mínimo que seja com o Congresso do jeito que é, com os governos estaduais do jeito que são, enfim, todos os poderes contra?
Ivan: Isso me fez lembrar uma coisa: quando o Lula estava para ganhar a eleição, havia uma luta interna dentro da campanha do Lula. Na primeira eleição do Lula, o PCB estava na coligação, e era uma coligação de esquerda: não tinha nem o PL (hoje, PR) do José Alencar (atual vice-presidente). Eram PCB, PC do B, PSB, PDT e PT. E esses cinco partidos queriam fazer uma mudança muito mais profunda. E constituímos, quando parecia factível a vitória do Lula, uma comissão para fazer um programa de 100 dias – essa história tem que ser contada, um dia, por escrito. No programa de 100 dias, o Lula ia chegar arrebentando, tomando decisões, assim, que iam desde o rompimento com o Fundo Monetário (Internacional, FMI), suspensão do pagamento da dívida, a redução da jornada de trabalho, através de medida provisória, para ver o que dava depois. Só que, no meio disso, tinha uma luta interna. E, quando a vitória do Lula passa a ficar mais factível ainda, um setor da campanha, naturalmente com a complacência do próprio Lula, faz um acordo com o sistema financeiro que gera a Ação da Cidadania e gera aquela famosa Carta ao Povo Brasileiro – que devia se chamar Carta aos Banqueiros, porque diz que vai manter a política econômica. Daqui a 30, 40 anos, o Lula vai ser reverenciado como o cara que alavancou o capitalismo no Brasil, destravou o capitalismo no Brasil. Mais do que qualquer um. A ideia era ser um governo do tipo do Evo Morales. Acho, até, que numa proporção menor, mas a ideia era essa. Nesse cenário, imaginemos que o candidato à Presidência da República do PCB ganhe a eleição. Ele fica um mês aqui no Brasil, agitando o povo, conscientizando o povo de sua proposta, e tomando medidas concretas, algumas através de medida provisória, e outras não. A questão do fim da autonomia do Banco Central, o presidente da República novo, se quiser, não precisa fazer nada. Juridicamente, não existe autonomia: é só ele botar alguém que não seja a raposa para tomar conta do galinheiro. A suspensão do pagamento da dívida, claro que ia dar uma confusão muito grande, mas sairia. Não sai mais um centavo: vamos fazer uma auditoria, e tentar convencer o povo de que isso era correto. Nós iríamos mandar uma medida provisória para o Congresso Nacional, com redução da jornada de trabalho sem redução salarial, que tinha possibilidade de passar no Congresso, até porque tem setores da burguesia para os quais isso não afeta muito: pode, até, dividir o parlamento burguês. E começaríamos uma campanha de agitação em torno do pré-sal e da reestatização da Petrobras, que também não me pergunte como vai ser, porque vai depender da correlação de forças. Se tiver massa na rua, passa um rolo nos acionistas e depois vê como é que paga. Depois disso, iria ao Haiti retirar todas as tropas brasileiras e substituir por médicos, por engenheiros. Iria a Cuba, claro, dar solidariedade à revolução socialista; a Caracas (Venezuela), para aderir à Alba (Aliança Bolivariana das Américas); à Colômbia, ajudar a construir um diálogo de paz, que acabe com aquele conflito que dura 50 anos e não tem solução militar. Aí, iríamos à Faixa de Gaza, na Cisjordânia, para dar solidariedade ao povo palestino.
Tribuna: A respeito de questões estritamente nacionais, o programa de governo menciona algo como modificações no sistema de aposentadorias, com o fim do fator previdenciário; isenção de Imposto de Renda por salários dos trabalhadores; e medidas que o sr. já anunciou que faria, se pudesse, como a redução da jornada de trabalho. Tudo isso dependeria da arrecadação de impostos. Como equilibrar essa conta?
Ivan: Nós faríamos a reforma tributária, mas totalmente ao contrário do que é defendido pelos economistas do grande capital. Nós íamos tributar o sistema financeiro, que tem lucros escandalosos – no Governo Lula, tiveram 470% de lucro, mais do que no tempo do Fernando Henrique Cardoso. Eu fui, durante 30 anos, bancário: fui presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. O anúncio disso, antigamente, daria uma greve no dia seguinte. Os sindicatos iam se juntar e dizer assim: “Queremos a nossa parte!”. Só que os piores males que o Lula fez à esquerda no Brasil e aos trabalhadores foi cooptar os movimentos sociais. A CUT (Central Única dos Trabalhadores), hoje, não é sombra do que foi. E o sindicalismo bancário está todo controlado pela CUT. Vou dar um dado que você deve ter melhor do que eu: os bancos, hoje, pagam a folha de pagamento dos seus empregados com as tarifas bancárias. Não mexem num centavo de lucro. Até o Banco do Brasil, que já se bradescalizou há muito tempo. Quem é que paga, portanto, o salário dos bancários? Nós. Isso é um escândalo. Nós íamos tributar o sistema financeiro, grandes lucros, grandes fortunas... O dinheiro para isso ia sair da reestatização dessas empresas, de colocar o produto da venda das nossas riquezas naturais a serviço do povo.
Tribuna: A candidata Dilma Rousseff, como favorita nas pesquisas de intenção de voto, tem chamado a atenção de segmentos mais conservadores da sociedade, para os quais, caso ela assuma o Governo, poderá provocar uma espécie de revolução como a que o sr. diz que pretende fazer se for eleito. O sr. acredita nisso?
Ivan: Francamente: a burguesia que faz campanha contra o Lula, ainda, preconceituosa, é muito burra. Porque não tem ninguém melhor do que o Lula para fazer o capitalismo se alavancar, crescer, cooptando o movimento social e dizendo para o trabalhador apertar o cinto. O ideal para a burguesia era o terceiro mandato. E eu acho que a burguesia brasileira, hoje, se divide entre os dois candidatos principais (Dilma e José Serra). O PCB tem uma avaliação de que as diferenças entre o PSDB e o PT estão diminuindo. Há uma diferença na política externa, e não é que a política externa do Governo Lula seja socialista ou de esquerda, anti-imperialista, mas ela tem uma diferença que, ao nosso olhar, é melhor do que a política externa tucana, não tem a menor dúvida. Nos levou, inclusive, em 2006, a optar pelo Lula contra o Alckmin, mas mantendo a oposição ao Lula. Agora, você vai ver o seguinte: o Lula arrecadou mais dinheiro do que o Alckmin em sua campanha eleitoral. E essa arrecadação é de onde? Dos militantes do PT? São os empresários. A Dilma já arrecadou quatro vezes mais que o Serra. É claro que tem a ver, também, com as intenções de voto: a burguesia não joga dinheiro fora. Mas é uma candidata da ordem, também da burguesia. Pessoalmente, e aí não é o partido, acho que ela já ganhou no primeiro turno. O Lula conseguiu transferir esses votos. Ela vai fazer um governo mais capitalista e conservador. Se nós assumíssemos a Presidência da República, uma das medidas seria a suspensão imediata da construção da Usina de Belo Monte, a suspensão imediata da transposição das águas do Rio São Francisco e a suspensão imediata de todas as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Vamos fazer uma auditoria e ver o que tem algum sentido social e o que não tem. Porque a maioria das obras do PAC é para melhorar a infraestrutura pensando no desenvolvimento do capitalismo.
Tribuna: Havendo segundo turno, o sr. apoiaria quem?
Ivan: Veja só, se eu fosse um candidato demagogo, eu diria: “Mas eu estarei no segundo turno” (risos). Eu não estarei no segundo turno... Essa é uma pergunta difícil para nós. Primeiro, porque nós achamos que as diferenças entre o Lula e o Alckmin eram maiores do que as diferenças entre Serra e Dilma. Teríamos que ver essa correlação de forças. E o único aspecto, e eu posso falar em nome do partido, que tem um pouco de diferença a favor, no caso do PT, no nosso ponto de vista, é a política externa. Mas a política interna não tem nenhuma diferença. E há desconfiança de que o Governo Dilma pode ser um governo mais conservador do ponto de vista dos comunistas, e vai ser mais moderno no olhar dos capitalistas.
*Jornalista

09/09/2010

Marx e a política

Terry Eagleton
Qui, 02 de setembro de 2010
Se Marx é de fato algum tipo de filósofo, ele se distingue da maioria de tais pensadores por considerar suas reflexões, por mais abstrusas que sejam, em última análise, práticas, estando inteiramente a serviço de forças políticas reais, e na verdade um tipo de força política em si mesma. Esta é a celebrada tese marxista da unidade entre teoria e prática - embora seja possível acrescentar que um objetivo da teoria de Marx é chegar a uma situação social em que o pensamento não precisaria ser simplesmente instrumental, articulado com algum fim particular, podendo em vez disso ser usufruído como um prazer em si mesmo.
A doutrina política de Marx é revolucionária - "revolução" sendo para ele definida menos pela velocidade, pelo caráter repentino ou pela violência do processo (embora ele pareça pensar que a construção do socialismo envolve uma força insurreicional), que pelo fato de que ela passa pela expulsão de uma classe possuidora e sua substituição por outra. E este é um processo que pode claramente requerer um grande espaço de tempo para ser levado a efeito. Podemos observar aqui a característica peculiar do socialismo: o fato de que ele envove a chegada ao poder pela classe trabalhadora, que ao fazer isto cria as condições para a abolição de todas as classes. Uma vez sendo os meios de produção coletivamente possuídos e controlados, as próprias classes finalmente desaparecerão.
"Todas as classes que no passado conquistaram o poder procuraram consolidar o status adquitido sujeitando toda a sociedade às suas condições de apropriação. Os proletários não podem se apoderar das forças produtivas sociais a não ser abolindo o modo de apropriação a elas correspondentes e, com isso, também todos os modos anteriores de apropriação. Eles nada têm de seu para salvaguardar e consolidar; sua missão é destruir todas as seguranças e garantias da propriedade privada até agora existentes." [Manifesto Comunista]
Ou como Marx se expressa na linguagem de seus escritos de juventude:
"Deve ser formada uma classe com cadeias radicais, uma classe na sociedade civil que não é uma classe da sociedade civil, uma classe que é a dissolução de todas as classes, uma esfera da sociedade que possui um caráter universal porque seus sofrimentos são universais, e que não reivindica uma compensação particular, porque a injustiça que lhe foi feita não é uma injustiça particular, mas a injustiça em geral. Deve ser formada uma esfera da sociedade que não reinvidica um status tradicional mas apenas um status humano [...] Esta dissolução da sociedade, como uma classe particular, é o proletariado." [Contribuição à Critica da Filosofia do Direito de Hegel]
Se o proletariado é a última classe histórica, é porque sua chegada ao poder no que Marx chama de "ditadura do proletariado" é o prelúdio da construção de uma sociedade na qual todos estarão na mesma relação com os meios de produção, como seus donos coletivos, "trabalhador" não mais significa ser membro de uma classe particular, mas simplesmente todos os homens e mulheres que contribuem para produzir e manter a vida social. A primeira fase da revolução anticapitalista é conhecida por Marx como o socialismo, e não é uma fase que envolva completa igualdade. Na verdade, Marx vê a noção de "direitos iguais", herdada da época burguesa, como um tipo de reflexo espiritual da troca de mercadorias abstratamente iguais. Isto não quer dizer que para ele o conceito seja desprovido de valor, mas que ele reprime inevitavelmente a particularidade de homens e mulheres, os diversos talentos próprios de cada um. Ele atua assim, entre outras coisas, como uma forma de mistificação, ocultando o verdaeiro conteúdo das desigualdades sociais atrás de uma mera forma legal. No fim, ao próprio Marx interessa mais a diferença que a igualdade. No socialismo, continua sendo um fato que
"Um homem é superior a outros física e mentalmente, e assim fornece mais trabalho no mesmo tempo, ou pode trabalhar por mais tempo; e, para servir como medida, o trabalho deve ser definido por sua duração ou intensidade, caso contrário deixa de consttituir um padrão de medida. Tal direito igual é um direito desigual para o trabalho desigual. Não reconhece diferenças de classe, uma vez que cada homem é um trabalhador tanto quanto qualquer outro, mas reconhece tacitamente privilégios desiguais. É, por conseguinte, um direito de desigualdade em seu conteúdo, como todo direito. Por sua própria natureza, o direito só pode consistir na aplicação de um padrão igual; porém indivíduos desiguais (e eles não seriam indivíduos se não fossem desiguais) são mensuráveis apenas por um padrão igual na medida em que são considerados de um ponto de vista igual, apreendidos por um só aspecto determinado, por exemplo, no caso presente, enquanto forem considerados apenas como trabalhadores e nada mais, sendo tudo o mais ignorado. Além disso, um trabalhador é casado, outro é solteiro; um tem mais filhos que outro, e assim por diante. Desta maneira, com um empenho igual no trabalho e, portanto, com uma participação igual no fundo social de consumo, uns receberão efetivamente mais que outros, uns serão mais ricos que outros etc. Para evitar todos estes defeitos, o direito, em vez de igual, teria de ser desigual." [Crítica do Programa de Gotha]
O socialismo, portanto, não propõe nenhum nivelamento absoluto dos indivíduos, mas envolve um respeito por suas diferenças específicas e permite, pela primeira vez, que tais diferenças se realizem. É desta maneira que Marx resolve o paradoxo do individual e do universal: para ele, o último termo significa não algum estado do ser supra-individual, mas simplesmente o imperativo de que cada um deva estar incluído no processo de desenvolver livremente suas identidades pessoais. Porém, enquanto homens e mulheres ainda precisarem ser recompensados de acordo com seu trabalho, as desigualdades inevitavelmente persistirão.
O estágio mais desenvolvido da sociedade, contudo, chamado por Marx de comunismo, desenvolverá as forças produtivas até um ponto de abundância tal que nem a igualdade nem a desigualdade estarão em questão. Em lugar disto, homens e mulheres simplesmente retirarão do fundo comum de recursos o que quer que satisfaça suas necessidades:
"Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver desaparecido a escravizante subordinação do indivíduo à divisão do trabalho, e com ela também a antítese entre o trabalho mental e o físico; quando o trabalho houver se tornado não um meio de vida, mas a necessidade fundamental da vida; quando as forças produtivas tiverem crescido com o desenvolvimento geral do indivíduo; quando todas as fontes de riqueza cooperativa fluírem mais abundantemente - só então o horizonte estreito do direito burguês será completamente ultrapassado, podendo a sociedade inscrever em suas bandeiras: 'De cada um de acordo com suas capacidades, a cada um de acordo com suas necessidades!'."
Na sociedade comunista, estaríamos livres da importunidade de classe social e, em vez disso, disporíamos de lazer e energia para cultivar nossas personalidades de qualquer maneira que pudéssemos escolher, desde que respeitado o preceito de que a todos os outros seria permitido fazer o mesmo. O que distingue este objetivo político mais nitidamente do liberalismo é o fato de que, uma vez que para Marx uma expressão de nosso ser individual é também uma realização de nosso ser genérico, este processo de explorar e desenvolver a vida indidual seria levado a cabo reciprocamente, por meio de laços mútuos, em vez de em isolamento esplêndido. O outro é visto por Marx como o meio para minha própria realização, em lugar de, como no melhor dos casos, um mero co-empresário no projeto, ou no pior como um obstáculo ativo para minha realização. A sociedade comunista também direcionaria as forças produtivas legadas a ela pelo capitalismo para a meta de abolir tanto quanto possível todo trabalho degradante, libertando desta forma homens e mulheres da tirania da labuta e permitindo a eles engajarem-se no controle democrático da vida social como "indivíduos unidos" agora responsáveis por seus próprios destinos. No comunismo, homens e emulheres podem recuperar seus poderes alienados e reconhecer o mundo que criam como seu, depurado de sua imobilidade espúria.
Mas a revolução socialista requer um agente, e este Marx descobre no proletariado. Por que o proletariado? Não porque seja espiritualmente superior às outras classes, e não necessariamente porque seja o mais oprimido dos grupos sociais. Se fosse assim, os vagabundos, excluídos e indigentes - o que Marx um tanto devastadoramente chamava de "lumpen-proletariat" - seriam melhores. Pode-se alegar que é o próprio capitalismo, não o socialismo, que "seleciona" a classe operária como o agente da mudança revolucionária. É a classe que mais pode se beneficiar da abolição do capitalismo, e que é suficientemente abilidosa, organizada e bem situada para desempenhar tal tarefa. Mas a tarefa da classe operária é levar a cabo uma revolução específica - a revolução contra o capitalismo; e não está assim em sentido algum necessariamente em competição com outros grupos radicais - digamos, feministas, nacionalistas ou militantes étnicos - que precisam completar suas próprias transformações particulares, idealmente em aliança com aqueles mais explorados pelo capitalismo.
Que forma tal sociedade assumiria? Seguramente não a de uma ordem social dirigida pelo Estado. O Estado político para Marx pertence à "superestrutura" reguladora da sociedade: é ele próprio um produto da luta de classes em vez de estar sublimemente além deste conflito, ou consistir em alguma resolução ideal dele. O Estado é em última análise um instrumento da classe dirigente, uma maneira de assegurar sua hegemonia sobre as outras classes; e o Estado burguês em particular cresce a partir da alienação entre o indivíduo e a vida universal:
"A partir da própria contradição entre o interesse do indivíduo e o da comunidade, este assume uma configuração autônoma enquanto Estado, separada dos interesses reais dos indivíduos e da comunidade, e ao mesmo tempo como uma vida coletiva ilusória, porém sempre tendo por base concreta os laços reais existentes em qualquer agregado familial ou tribal - tais como a consaguinidade, a língua, a divisão de trabalho em grande escala, e outros interesses - e especialmente, como veremos em detalhe mais tarde, nas classes, já determinadas pela divisão do trabalho, que se destacam em cada agrupamento humano desse tipo e das quais uma domina todas as outras. Segue-se disto que todas as lutas dentro do Estado, a luta entre a democracia, a aristocracia e a monarquia, a luta pelo direito de voto etc. etc. são apenas as formas ilusórias nas quais se trava a verdadeira luta entre as diferentes classes." [A Ideologia Alemã]
Marx nem sempre adotou um ponto de vista tão vigorosamente instrumentalista do Estado em suas análises detalhadas de conflitos de classe; mas estava convencido de que sua verdade, por assim dizer, está fora de si mesma, e além do mais o vê por si só uma forma de alienação. Cada cidadão individual alienou ao Estado parte de seus poderes individuais, que assumem então uma força determinante sobre a existência social e econômica cotidiana, que Marx chama "sociedade civil". A genuína democracia socialista, em contraste, reuniria estas partes gerais e individuais de nós mesmos, permitindo-nos participar de processos políticos gerais como indivíduos concretamente particulares - no local de trabalho assim como na comunidade local, por exemplo, em vez de cidadãos abstratos da democracia representativa liberal. A visão final de Marx parece assim algo anarquista: a de uma comunidade cooperativa formada pelo que denomina "associações livres" de trabalhadores, que estenderiam a democracia à esfera econômica enquanto fazem dela uma realidade na esfera política. Foi a este fim - que não é, afinal de contas, demasiado sinistro ou alarmente - que ele dedicou não apenas seus escritos, mas uma boa parte de sua vida ativa.
[EAGLETON, Terry. Marx e a Liberdade. Tradução de Marcos B. de Oliveira. São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 47-52]

08/09/2010

A contaminação informativa

Por Adolfo Pérez Esquivel - ALAI AMLATINA
02.09.2010 -
A vida dos povos está submetida aos impactos ambientais, à contaminação auditiva e visual da palavra e das idéias, como se houvesse um monocultivo das mentes. Os avanços tecnológicos são utilizados, muitas vezes, para o controle dos meios de comunicação e, com isso, servem também para condicionar e manipular os povos . Nenhum meio informativo é asséptico, mas eles deveriam basear-se na ética e no serviço aos povos em vez de servirem-se dos mesmos.
Uma das grandes conquistas da lutas sociais foi a liberdade de imprensa, o direito de informar e ser informado, mas os grandes monopólios econômicos, ideológicos e políticos que controlam os meios de informação acabaram por matar a liberdade de imprensa, querendo, inclusive, confundi-la e reduzi-la a “liberdade de empresa“.
A contaminação da palavra e da propaganda midiática chegou a tal extremo que não permite ver com claridade onde está a veracidade informativo. A ética e a busca pela verdade estão ausentes, prevalece a distorção da realidade. A CNN é um exemplo desta contaminação que sofrem os povos. Sua ação com relação ao Iraque foi – e é – para justificar a guerra ao difundir que aquele país possuia armas de destruição massiva. Algo semelhante estão armando agora contra o Irã e outros países. Por outro lado ocultam os massacres e assassinatos de crianças e da população civil no Iraque e no Afeganistão, onde os que dizem defender a “democracia“ se dedicam ao saque do patrimônio do povo iraquiano e implantam centros de tortura levando a estes lugares apenas a destruição e a morte.
A mídia os acusa de praticar o “terrorismo islâmico”, quando os verdadeiros terroristas são os torturadores e assassinos que invadiram esses países, violando os direitos humanos, o direitos dos povos e todas as conveções internacionais.
Os grandes monopólios informativos da Europa, EUA e América Latina estão em forte campanha internacional para atacar e desprestigiar governos como o de Hugo Chávez, na Venezuela, acusando-o de tirano e de todos os males, ignorando, em seus silêncios mal intencionados, que Chávez é um dos poucos presidentes que se apresenta ao povo em eleições seguidas e se reelege por conta de suas políticas sociais e do trabalho em prol dos setores mais esquecidos da população.
Outro desprestigiado pela mídia é o presidente Evo Morales, da Bolivia, que tem suportado a campanha dos meios contra seu governo que tem buscado a integração e a vida dos povos num país pluricultural e nacional, tendo tocado nos interesses econômicos e políticos que sempre dominaram na Bolívia. As campanhas midiáticas dos grandes monopólios informativos estão dirigidas para a contaminação mental que debilite os governos progressitas. Através do tempo vemos que isso sempre ocorreu com Fidel Castro e o governo cubano, 50 anos de resistência e assombro do mundo frente aos avanços e capacidades de seu povo, seus programas de saúde, educação e luta contra o analfabetismo e a pobreza.
O evindente é que Cuba tem um povo solidário com os povos mais necessitados e os fatos falam por si mesmo. Desde muito tempo, antes mesmo do terremoto no Haiti, Cuba já havia enviado médicos, educadores e engenheiros para apoiar e trabalhar solidariamente junto com o povo haitiano, vítima da pobreza, da marginalidade, violência social, estrutural e dos desastres naturais. Os Estados Unidos, como resposta às necessidades do povo haitiano, enviou 20 mil soldados para controlar e submeter o povo. Mas disso não se fala. Os meios e as campanhas jornalísticas estão a serviço dos interesses econômicos e políticos dos poderosos para submeter os povos.
Muitas ações solidárias e fatos positivos são ocultados pelos meios. A presidente Cristina Fernández Kirchner em sua viagem à Europa assinalou a crise vivia por aqueles países e sugeriu que eles não aceitassem a receita do FMI e do Banco Mundial, advertindo para as graves consequências sobre a vida do povo argentino e a crise financeira.
A soberba dos grandes meios de comunicação europeos fez com que se referissem a ela de forma depreciativa dizendo : “essa senhora que nos quer ensinar o que devemos fazer”. Seria bom e saudável que prestassem atenção aos conselhos da presidenta que solidariamente lhes estendeu a mão.
Tornei público e sustento que a Lei de Meios Audiovisuais sancionada pelo Parlamento argentino é necessária, já que permite romper com o controle dos monopólios informativos, gerando o pluralismo jornalístico e recuperando a liberdade de imprensa. A reação das corporações, como o grupo Clarín, desataram uma campanha virulenta contra o governo, acompanhada de uma oposição sem idéias, que busca unicamente golpear o governo e que tem todos os meios a sua disposição como uma pitonisa que anuncia toda uma série de catástrofes, sem diferenciar os avanços do governo, assinalando apenas seus erros. Isso é bem preocupante para a democracia.
Com o tema da Papel Prensa, empresa monopólica, é necessário investigar o período da ditadura militar que a favoreceu. A família Graiver, antiga dona, foi submetida a sequestros, torturas, cárcere, morte e foram desapropriados seus bens. O governo argentino iniciou uma investigação para determinar responsabilidades. Assim como com relação à Papel Prensa, a ditadura se utilizou de manobras similares para se apropriar de empresas e recursos dos irmãos Iaccarino, vítimas da violência e da impunidades estes anos todos.
Ao mesmo tempo, o governo, e tenho sinalizado isso o tempo todo, não sabe e não quer dialogar. É um governo de conforntação e de agudização de conflitos, se move com soberba e pouco sentido político para resolver os problemas do país. A isso se somam as políticas dos senhores feudais, que fazem o que querem e o que não devem, e levam as províncias à desintegração social, cultural, política e econômica. Uma coisa é o federalismo que compartilha a integração e um projeto de país, e outra o feudalismo que leva à desintegração nacional.
A política neoliberal que impulsiona o governo não se modificou desde o “menemismo“ que tanto mal fez ao país. Pelo contrário, se aprofundou, porque uma coisa são os discursos progressitas e outra é a realidade. O problema político e econômico do governo e da Sociedade Rural Argentina não são muito diferentes, simplemente a disputa está em que fica com a parte maior da torta. Basta ter presente que o governo não faz nada para frear os danos ambientais e os agrotóxicos, nem a exploração da mega mineração com seus desastres e danos para a saúde das populações e suas economias regionais e familiares. Por outra parte devemos ter em conta que o governo, em suas contradições, avançou em diversos campos sociais. Seria importante para o país que as forças progressistas, opositoras ao governo, apresentassem alternativas ao modelo imperante, em lugar de ficarem em críticas que não levam a lugar algum.
Os desafios são enormes e é preciso repensar o país, gerar um novo contrato social que permita avançar na construção democrática e para a vigência dos direitos humanos em sua integridade. A liberdade de imprensa permitirá maior consciência crítica e o fortalecimiento de valores éticos, sociais, culturais e políticos. Superará a contaminação informativa e assim poderemos pensar no país que queremos.
tradução: Elaine Tavares

07/09/2010

BNDES financia retrocesso do aparelho produtivo, que deve prosseguir no próximo governo


ESCRITO POR VALÉRIA NADER E GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO
01-SET-2010

Contrastando com a notável indiferença e apatia popular no atual cenário pré-eleitoral, o aparente êxito de nossa economia tem provocado exaltadas análises de membros do governo e de parte da mídia associada. O Correio da Cidadania conversou com o economista e professor da UFRJ Reinaldo Gonçalves, que vai na contramão da homogeneidade das análises mais difundidas, satisfeitas com os atuais resultados macroeconômicos.

Para o economista, a visão econômica unipolar deverá prevalecer, com prioridade aos ‘vencedores’ do pacto lulista de governo: bancos, agronegócio e o setor de infra-estrutura. Está claro, ademais, que nenhum candidato da ordem discorda de tais diretrizes.

Quanto ao BNDES, tão em alta nos últimos anos por conta de sua atuação decisiva na concessão de financiamentos para a consecução de inúmeras fusões em diversas áreas do setor produtivo nacional, Gonçalves faz importantes ressalvas. Acredita que o banco vai no sentido oposto ao da época de sua criação, pois "não financia um processo de acumulação com progresso técnico, nem uma mudança estrutural no modelo produtivo, e sim um retrocesso do aparelho produtivo". Concentra sua atuação naquilo que o próprio economista já caracterizara como ‘reprimarização’ da economia nacional.

A considerar o que vêm declarando os candidatos com maiores chances de vencer o pleito de outubro, e à luz das interpretações de Gonçalves, o que menos podemos projetar para o ano que vem é um novo ‘modus operandi’ em nossa economia. Não há, portanto, muito a se esperar para aqueles que almejam uma reversão na indigente posição ocupada pelo Brasil nos rankings de igualdade social e distribuição de renda. No próximo período presidencial, serão os vencedores da era Lula/FHC a escrever, ou pelo menos delinear, a história.

Correio da Cidadania: Como você avalia o cenário pré-eleitoral, no que diz respeito às propostas dos principais candidatos, Serra, Dilma e Marina, para a condução da economia do país? Há alguma diferença substancial entre esses candidatos?

Reinaldo Gonçalves: Não há nenhuma diferença marcante. Existe muita ausência de identificação de propósitos, ou seja, os candidatos se comprometem o mínimo possível com pontos fundamentais.

Outra coisa é que não há um projeto claro de desenvolvimento do país por parte dos candidatos.

Correio da Cidadania: Quanto especificamente ao PT e ao PSDB, você enxerga retrocesso maior em algum desses partidos relativamente ao outro, no que diz respeito ao reforço do agronegócio, reprimarização de nossa economia, bem como retomada das privatizações tradicionais, com a venda do que resta do patrimônio público?

Reinaldo Gonçalves: Nesse sentido, tampouco há diferença entre os candidatos do PT e do PSDB, tanto em relação às políticas econômicas como a projetos implícitos de desenvolvimento, que de uma forma ou outra se deduz serem do mesmo tipo.

Não faz a menor diferença votar em um ou outro nesse aspecto.

Correio da Cidadania: A candidata Marina representa, a seu ver, uma alternativa aos projetos tucanos e petistas? O caráter ambiental da candidatura poderia inspirar novos paradigmas econômicos, a partir, dentre outros, de uma reavaliação do papel do agronegócio em nosso país?

Reinaldo Gonçalves: De forma nenhuma. Na verdade, ela tem os defeitos de todos os outros e nenhuma qualidade que a diferencie dos demais. Eu diria que é uma candidatura fraca e absolutamente inexpressiva.

A candidata Marina ficou vários anos no governo Lula e, em momento algum, se posicionou de forma clara e aguda contra a promoção do modelo de reprimarização da economia brasileira, que tem impactos negativos no meio ambiente. Em nenhum momento marcou posição nos assuntos de agronegócio, pecuária, pré-sal, ou seja, o período dela foi de atuação fraca e apagada, por isso a candidatura é inexpressiva.

Correio da Cidadania: O papel do BNDES, sob direção do economista Luciano Coutinho, tem sido muito criticado pela oposição e alguns veículos de comunicação, sob o argumento de estar recebendo vultosos recursos do Tesouro para privilegiar alguns poucos grupos e setores econômicos, reforçando sua atuação monopolista. O que pensa da atuação do banco e respectiva crítica?

Reinaldo Gonçalves: A crítica é merecida e deve ir além. Em primeiro lugar, o BNDES deu andamento a um processo agudo de concentração e centralização de capital, cuja conseqüência é mais poder econômico nas mãos de um número menor de grandes empresas, afetando o emprego, empresas, especialmente familiares, e até o poder político, ou seja, as políticas do banco caminham no sentido de enfraquecer a democracia no país.

Além dessa questão da concentração de capital, a maior parte dos investimentos do BNDES foi focada na exportação de produtos primários, reforçando o projeto de reprimarização, com o modelo de crescimento que traz empobrecimento, leva a população aos grandes centros e cria dependência de commodities.

A terceira crítica é sobre o fato de transferir fundos dos trabalhadores para financiar projetos do grande capital, através do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador -, por exemplo.

A quarta crítica que faço é sobre o banco financiar a internacionalização de empresas no Brasil, o que na verdade caracteriza fuga de capitais. Ou seja, boa parte dos grupos que entram no Brasil conta com financiamento do BNDES para exportar capital, o que não traz nada ao país. É muito mais uma estratégia de diversificação do patrimônio, repetindo um fenômeno muito conhecido na América latina, com grupos familiares mandando seu dinheiro para o exterior a fim de ter mais proteção, já que alguns locais têm regras diferentes do Brasil.

Portanto, momentaneamente, o BNDES está suprindo essa internacionalização, leia-se, diversificação geográfica do patrimônio das famílias e grupos mais ricos, que controlam as maiores empresas. Enquanto alguns setores, como a pecuária, o agronegócio, a infra-estrutura, são privilegiados, outros setores são negligenciados.

Dessa forma, temos críticas contundentes a essa gestão do BNDES e o papel que a instituição tem desempenhado. Ou seja, os problemas vão muito além do que foi colocado inicialmente. Quanto a este financiamento a empresas estrangeiras que operam no Brasil, as vantagens que lhes são oferecidas para atender suas vontades específicas são um absurdo. O governo Lula, assim como o de FHC, lhes deu uma mão muito grande através do BNDES.

Correio da Cidadania: Ao mesmo tempo, o atual governo defende a atuação do banco como muito relevante, na medida em que estaria reforçando o papel indutor do Estado no desenvolvimento, retomando a função original dessa instituição financeira – função esta que é inclusive um dos alvos de crítica da oposição mais conservadora. Como você enxerga este ‘paradoxo’?

Reinaldo Gonçalves: Na verdade, o grande contraste é que, na origem do banco, nos anos 50, 60 e 70, o que o governo financiou foi uma mudança estrutural na economia brasileira, no sentido de dar uma ‘subida na escala’, ou seja, alcançando um modelo que beneficiasse exportações e preenchesse nossa matriz com produtos mais elaborados, tornando nossa economia mais sofisticada e competitiva.

O BNDES de hoje faz exatamente o contrário. Ele não financia um processo de acumulação com progresso técnico, nem mudança estrutural no modelo produtivo, e sim um retrocesso do aparelho produtivo.

Portanto, enquanto em sua origem o BNDES financiava o desenvolvimento, uma mudança estrutural na produção, o banco de hoje vai no sentido contrário, estimulando os interesses de reprimarização da economia e o modelo liberal-periférico implantando especialmente nos últimos dois períodos presidenciais.

Assim, além de financiar grupos econômicos retrógrados, o banco vai na direção contrária àquela que o impulsionava nas décadas de 50 e 60, no que se refere ao incentivo ao capital produtivo brasileiro. Essa é uma crítica contundente que não pode ser esquecida.

Correio da Cidadania: Qual seria a diferença na gestão do BNDES entre eventuais gestões Serra ou Dilma, a seu ver?

Reinaldo Gonçalves: Tenho a impressão de que, com o Serra, seria impossível segurar a pressão de grandes grupos brasileiros; seria tão sensível quanto o governo atual. Não tenho razão para imaginar por que um governo atenderia menos que outro a tais pressões.

Correio da Cidadania: Com uma tendência eleitoral nitidamente mais favorável à candidata petista, esta já saiu a campo com declarações de que fará novos ajustes na economia em um eventual governo, com aperto fiscal e arrocho salarial para o funcionalismo público. Como encara esta postura? Trata-se da ‘Carta aos Brasileiros’ de Dilma?

Reinaldo Gonçalves: Exato. Na realidade, seria um bilhete aos brasileiros, não uma carta, pois se trata de uma candidatura muito frágil. Trata-se, ademais, de candidatura que está entre as forças que, sob orientação do Lula, fizeram essa capitulação em 2002, com a Carta aos Brasileiros, agora reescrita em forma de bilhete, de modo a transmitir que temos pela frente a continuidade do modelo liberal-periférico, com a consolidação dos setores dominantes, como o agronegócio, os bancos, e agora os grupos estrangeiros.

Prova disso é que essa candidatura não registra nenhum problema de financiamento.

Correio da Cidadania: Finalmente, o que pensa do atual cenário internacional? Após os últimos episódios de crise em países europeus, não estamos na iminência de uma nova crise? Como o Brasil seria impactado neste momento?

Reinaldo Gonçalves: O cenário internacional está marcado por incertezas, ficando difícil fazer previsões críticas. Houve um certo otimismo até maio, mas, com os acontecimentos na Europa, EUA e a desaceleração da China (a locomotiva), tivemos resultados inferiores ao esperado, contrastando com um quadro que se desenhou no final do ano passado e primeiro trimestre deste ano.

O fato concreto é que a economia internacional caiu em recessão profunda desde 2008, e a recuperação não está garantida e nem consolidada. Portanto, seguirão várias turbulências e incertezas quanto à renda, ao comércio, aos mercados financeiros, em toda a economia internacional.

No ano passado, o Brasil já teve uma queda de renda, grandes grupos econômicos faliram, e isso certamente pode ocorrer em proporção maior se a crise voltar. Pela simples razão de que a vulnerabilidade externa aumentou no período; nosso passivo externo aumentou, nossas reservas baixaram.

Ou seja, estamos muito desprotegidos. Com essa reprimarização, ficamos muito mais dependentes estruturalmente da economia mundial. E com a globalização financeira – por exemplo, os estrangeiros têm a posse de 40% da bolsa -, o investidor estrangeiro compra títulos de curto prazo e o Brasil fica vulnerável, como mostra o passado recente, com menos capacidade de resistência a fatores externos.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

06/09/2010

A tendência à estagnação no capitalismo maduro

por Monthly Review

.Durante o período que vai da década de 1970 à de 1990, a Monthly Review, sob a direcção de Harry Magdoff e Paul Sweezy, manteve-se à parte na sua análise da tendência para a estagnação económica no capitalismo avançado e na sua visão de que a diminuição do crescimento económico nos anos 70 era uma manifestação desta tendência secular. A explosão financeira que também emergiu nestes anos era encarada como uma tentativa por parte do sistema para protelar a estagnação através da expansão do crédito e da dívida, mas ao custo do aumento da fragilidade financeira.

Economistas de esquerda mais jovens, que haviam principiado os seus estudos na próspera década de 1960, muitas vezes tinham dificuldade em apreciar a importância deste argumento, o qual parecia ir contra a sua própria experiência anterior e as crenças em vigor na profissão económica – e de ser um regresso à década de 1930. Em consequência, por vezes eles exprimiam preocupações de que a MR estava a tornar-se repetitiva, mesmo obsessiva, a concentrar-se sobre a estagnação (reforçada pela financiarização) como "a tendência normal" do capitalismo monopolista. Quando tais preocupações e as suas ramificações para a revista foram levantadas numa reunião da MR no fim da década de 1980, Sweezy (lembra-se um de nós) simplesmente sorriu e disse de forma bem-humorada: "Então teremos de repetir isso ainda mais. Em breve eles descobrirão que é adequado".

Mas, apesar da suprema confiança dos editores da MR de que a experiência histórica acabaria, por fim, por ultrapassar crenças arraigadas, e não obstante um declínio na tendência de crescimento económico nas economias capitalistas maduras que até agora perdurou quatro décadas, a consideração séria do problema da estagnação foi muito lenta a emergir, mesmo à esquerda. A principal razão para isto é, sem dúvida, a contínua explosão financeira durante todo este período, a qual levantou a economia através de bolhas sucessivas. Os lucros subiram (juntamente com a dívida) mesmo quando a produção arrefecia. A profundidade do problema era portanto oculta à maior parte dos analistas económicos que não olhavam para além dos resultados financeiros nos balanços das corporações. Envolvidos na efervescência financeira e confiando nos seus próprios modelos abstractos, os economistas ortodoxos eram impermeáveis às fraquezas estruturais da "economia real" subjacente. No fim da década de 1990 e princípio da de 2000 eles chegaram mesmo a falar mais uma vez – tal como haviam feito no fim da de 1960 e no fim da de 1980 – do fim do ciclo de negócios.

A Grande Crise Financeira, contudo, teve o efeito de desmantelar todas estas ilusões. Numa entrevista à National Public Radio a 3 de Julho, Lakshman Achuthan, director do Economic Cycle Research Institute, declarou o facto óbvio (embora raramente reconhecido fora das páginas desta revista) que os Estados Unidos e outras economias capitalista estiveram a desacelerar durante décadas. "Desde a década de 1970", observou, "o ritmo de expansão económica dos EUA esteve sempre a descer, tornando-se cada vez mais fraco. E a última expansão foi a mais fraca desde a II Guerra Mundial sob qualquer aspecto". Representando um ponto de vista mais ortodoxo, a revista Economist de 24 de Junho levantou o espectro de "um longo período de estagnação" na Europa e nos Estados Unidos semelhante ao do Japão a partir do princípio da década de 1990.

Paul Krugman chegou a argumentar na sua coluna no New York Times de 27 de Junho que a economia está nas "primeiras etapas" de uma "Terceira Depressão" (as duas primeiras foram a chamada "Longa Depressão" a seguir ao Pânico de 1873 e a Grande Depressão da década de 1930). A recuperação económica que começou "possivelmente ... no último Verão" nos Estados Unidos, destacou Krugman, não podia ser mais encarada como o sinal do fim desta Terceira Depressão do que "a melhoria nos negócios que começou em 1933" foi "o fim da Grande Depressão". Mais exactamente, o problema real era o de uma baixa contínua do crescimento económico, com a economia cada vez mais presa numa "armadilha deflacionária".

Para o analista económico Robert Kuttner, a escrever no Huffington Post de 21 de Junho, as actuais condições de alto desemprego e procura declinante apontam para nada menos do que "uma Grande Estagnação".

Certamente não queremos exagerar a extensão em que observadores económicos da corrente dominante chegaram neste momento a apreciar o problema da estagnação ou a reconhecer a sua relação com a financiarização da economia. Os comentários acima mencionados representam vislumbres de entendimento. A dramática reconsideração necessária quanto a isto ainda está incipiente. A raiz do problema no processo de acumulação do capital monopolista-financeiro maduro é escassamente reconhecida no âmbito da teoria neoclássica dominante, cuja totalidade do aparelho conceptual a inibe de tratar tais questões.

Mas a história está a ensinar as suas próprias lições e elas não podem ser negadas. Na estimativa de Achuthan, a actual recuperação que começou um ano atrás já está a perder força antes de ter ganho impulso: "Juntamente com a economia estado-unidense, a economia global em termos de taxas de crescimento está a retrair-se. E estamos a fazer de um modo razoavelmente sincronizado. Quase todo país do mundo está em vias de ver as suas taxas de crescimento começarem a desandar". "Se isto é correcto, como parece provável, então a estagnação económica tornar-se-á um assunto de investigação crescente no próximo ano.

Para aqueles que estão a abordar esta questão pela primeira vez, a melhor introdução, bem como as análises mais coerente do problema total, acreditamos, pode ser encontrada em Monopoly Capital [1] de Paul Baran e Paul Sweezy (1966) além do trabalho conjunto de Magdoff e Sweezy – em cinco livros que representam um comentário contínuo sobre o desenvolvimento da tendência estagnacionista (e das bolhas financeiras a que deram lugar): The Dynamics of U.S. Capitalism (1972), The End of Prosperity (1977), The Deepening Crisis of U.S. Capitalism (1981), Stagnation and the Financial Crisis (1987), e The Irreversible Crisis (1988). Uma tentativa de actualizar a história até à crise actual pode ser encontrada emThe Great Financial Crisis (2009), de John Bellamy Foster e Fred Magdoff. Uma análise mais acessível da presente crise pode ser encontrada emThe ABCs da Economic Crisis (2009), de Fred Magdoff e Michael Yates. Estão todos disponíveis na Monthly Review Press .

[1] Ed. em português: Capitalismo monopolista, Zahar, Rio de Janeiro, 1966.

O original encontra-se em http://monthlyreview.org/nfte100901.php . Tradução de JF.

Este editorial encontra-se em http://resistir.info/ .