Rafael Motta*
Ele não acredita em vitória: do contrário, acha que a petista Dilma Rousseff será eleita presidente da República no primeiro turno. Mas o carioca Ivan Martins Pinheiro, de 64 anos, mantém a rotina de visitar de seis a sete cidades por semana. Concorrente à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o secretário-geral do PCB percorre o País na tentativa de mostrar um “contraponto ao pensamento único burguês e capitalista”. Em 88 anos de existência do Partidão, Pinheiro é o terceiro comunista candidato ao Palácio do Planalto. Ele crê na reestatização de serviços privatizados ou concedidos à iniciativa privada e no controle do Estado sobre os meios de produção para se tirar do Brasil uma “medalha de bronze ao contrário”: o terceiro lugar em desigualdade social no mundo. A seguir, um resumo da entrevista concedida a Arminda Augusto, editora-executiva do jornal A Tribuna, de Santos:
Tribuna: Nas atuais campanhas eleitorais, os candidatos mais cotados têm procurado mostrar aos eleitores que, se eleitos, não vai haver uma alteração no padrão de vida deles. E puxam isso, sobretudo, pelo lado econômico, do acesso aos bens, ao dinheiro, crediários. Como fazer que as pessoas se convençam da necessidade de outras formas de produção, de organização do Estado?
Ivan: As campanhas dos candidatos principais, dos que foram escolhidos para ser os candidatos principais, não foram escolhidas à toa: foram escolhidos porque eles não apresentam riscos para o sistema; as divergências são pontuais, de como administrar o capitalismo. No Brasil, há uma manipulação tão grande que há uma sensação, na população, de que a economia vai bem.
Tribuna: Não vai bem?
Ivan: Não. Para nós, não vai bem. Ela vai muito bem para os banqueiros, para o agronegócio, os grandes capitalistas, e vai péssima para o povo. O Brasil tirou o terceiro lugar no Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em matéria de desigualdade social. O discurso dos dois candidatos é de manutenção dessa ordem, com o pressuposto de que essa ordem é de interesse da maioria da população. Essa sensação (de que a economia vai bem) é causada por alguns fatores. Primeiro, uma política compensatória, talvez nunca vista no Brasil e em poucos países, que é o Bolsa Família, com 12 milhões de famílias recebendo menos de R$ 100,00. Pelo menos, os tiram da miséria absoluta, mas não lhes permitem condições de superar aquele status. A outra questão é o estímulo ao consumo: nós temos hoje, no Brasil, talvez o maior índice de endividamento particular e familiar de toda a história. O consumo é alimentado pelo crédito consignado, o empréstimo que você faz a si próprio, e vai numa ciranda muito grande. Achamos que, se nós tivéssemos mais espaço, nós poderíamos, não digo, ir ao segundo turno, mas, claro, ter muito mais votos do que vamos ter com uma proposta que interessa ao povo brasileiro. Nós estamos tentando dizer ao povo brasileiro, com a pouca inserção que temos, o seguinte: primeiro, temos que mudar a política econômica, sobretudo numa medida que consideramos fundamental para enfrentar problemas sociais no Brasil.
Tribuna: Qual?
Ivan: A suspensão imediata do pagamento da dívida, para fazer uma auditoria. Não estou dizendo que não vamos pagar. Estamos dizendo que faríamos uma moratória, uma suspensão de pagamento de juros e serviços da dívida, para fazer uma auditoria. Esse é um movimento crescente na América Latina: tem, inclusive, um movimento chamado auditoria cidadã da dívida. Já teve uma experiência bem-sucedida no Equador: foi feita uma auditoria da dívida do Equador, inclusive, com monitoramento de organizações internacionais, e se chegou à conclusão de que aquela dívida do Equador era apenas 24% do que se alegava. A outra coisa, mais importante, e se o povo pudesse entender, tivéssemos dez minutos na televisão, como alguns têm, e espaço na mídia: nós estamos querendo que o Estado passe a funcionar a serviço da maioria do povo, e não das elites. O Estado, hoje, está a serviço da minoria, está a serviço dos capitalistas, e não do povo. Então, nós defendemos, por exemplo, a reestatização da Vale do Rio Doce; a reestatização da Petrobras, que não é estatal: hoje, é 32% estatal e 68% privada; as suas ações são vendidas na Bolsa de Nova Iorque. E todas essas propostas que aparecem na televisão, de solução para o problema da Saúde, da Educação, do saneamento, se não houver uma mudança profunda na política econômica do Brasil e do caráter do Estado, nenhuma delas vai resolver nada: é pura demagogia. Nós estamos vinculando a retomada da estatização da Petrobras e de outras empresas à possibilidade de resolvermos esses problemas sociais. Por exemplo, na questão do pré-sal: nós defendemos que seja, todo ele, da Petrobras, estatal, e seus rendimentos sejam distribuídos aos estados na razão inversa do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de cada um: quanto mais pobre o Estado, mais recebe per capita.
Tribuna: Algumas dessas mudanças dependem de uma pactuação com governos estaduais e prefeituras, que têm autonomia sobre determinados serviços, parte deles sob concessão privada. Como articular essas diferentes esferas de governo para que esse projeto funcionasse?
Ivan: Você tem toda razão: todas as propostas do PCB, praticamente, encontrariam uma resistência num cenário de um presidente da República eleito... O PCB vai tomar posse; todas as nossas propostas iriam ser bombardeadas pela burguesia brasileira e pelas instituições. Nós íamos ter uma esmagadora maioria no Congresso Nacional contra todas as nossas propostas, inclusive de governadores, de estados, dos interesses privados, das grandes multinacionais: todos. Mas tem uma parte importante que pode estar do nosso lado, que é o povo brasileiro, se entender que nossas propostas são importantes para eles. Então, só tem uma maneira, uma opção, que é a seguinte: o Lula poderia ter feito algumas mudanças. Na hora em que o Lula tomou posse, ele podia ter optado ou por mobilizar o povo, com os 60 milhões de voto que ele teve, para implantar mudanças ou procurar os parlamentares para ter maioria. Mas o governo dele acaba, na política interna, sendo uma continuidade do Fernando Henrique. Ele foi para o balcão de negócios negociar uma maioria e acabou ficando prisioneiro dessa maioria. Hoje, ele é um prisioneiro do PMDB, que é um partido das oligarquias regionais. Mas nós temos exemplos, aqui na América Latina, de presidentes que foram eleitos sem maioria parlamentar; teve até caso extremo, sem nenhum parlamentar, do Fernando Lugo (presidente do Paraguai); o Evo Morales (Bolívia), que, na primeira eleição, deve ter eleito apenas dois ou três, num Congresso de 150; e teve o extremo maior, que foi o Rafael Correa (Equador), eleito presidente da República no mesmo dia da eleição parlamentar e não elegeu um deputado. E o Hugo Chávez (Venezuela), também, quando foi eleito da primeira vez, tinha minoria no Congresso. O projeto deles não passava pela institucionalidade, pela governabilidade institucional. E eles foram garantir as mudanças pela governabilidade social: chamaram o povo para a rua para o povo implantar aquele processo. Aqui no Brasil, nós iríamos mobilizar o povo para convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.
Tribuna: Para um País do tamanho do brasileiro, em que o sr. propõe a participação popular ampla nas decisões nacionais, a reestatização de empresas e, até, a produção de bens e serviços: quanto tempo o sr. acha que levaria esse processo?
Ivan: Não tenho a menor ideia. Se eu dissesse aqui qualquer coisa, eu estaria sendo demagogo, porque a História não se mede assim, não é uma coisa cabalística. É um processo complicado, existe uma correlação de forças na sociedade, há uma luta de es intensa... O caso da Venezuela, também: nós achamos que, a depender de alguns fatores, aquela revolução, que não é socialista, ainda, ao nosso ver, a chamada revolução bolivariana, pode transitar para o socialismo. Mas pode também regredir. Isso é uma luta. Não vamos ligar a televisão num dia com a manchete de que acabou o capitalismo no dia anterior. Ele não vai cair de podre: ele vai ser derrubado ou, então, continuará explorando as maiorias e fomentando guerras, destruindo o meio ambiente, que é isso que o capitalismo faz.
Tribuna: Na hipótese de o PCB ganhar, não é muito difícil implantar um mínimo que seja com o Congresso do jeito que é, com os governos estaduais do jeito que são, enfim, todos os poderes contra?
Ivan: Isso me fez lembrar uma coisa: quando o Lula estava para ganhar a eleição, havia uma luta interna dentro da campanha do Lula. Na primeira eleição do Lula, o PCB estava na coligação, e era uma coligação de esquerda: não tinha nem o PL (hoje, PR) do José Alencar (atual vice-presidente). Eram PCB, PC do B, PSB, PDT e PT. E esses cinco partidos queriam fazer uma mudança muito mais profunda. E constituímos, quando parecia factível a vitória do Lula, uma comissão para fazer um programa de 100 dias – essa história tem que ser contada, um dia, por escrito. No programa de 100 dias, o Lula ia chegar arrebentando, tomando decisões, assim, que iam desde o rompimento com o Fundo Monetário (Internacional, FMI), suspensão do pagamento da dívida, a redução da jornada de trabalho, através de medida provisória, para ver o que dava depois. Só que, no meio disso, tinha uma luta interna. E, quando a vitória do Lula passa a ficar mais factível ainda, um setor da campanha, naturalmente com a complacência do próprio Lula, faz um acordo com o sistema financeiro que gera a Ação da Cidadania e gera aquela famosa Carta ao Povo Brasileiro – que devia se chamar Carta aos Banqueiros, porque diz que vai manter a política econômica. Daqui a 30, 40 anos, o Lula vai ser reverenciado como o cara que alavancou o capitalismo no Brasil, destravou o capitalismo no Brasil. Mais do que qualquer um. A ideia era ser um governo do tipo do Evo Morales. Acho, até, que numa proporção menor, mas a ideia era essa. Nesse cenário, imaginemos que o candidato à Presidência da República do PCB ganhe a eleição. Ele fica um mês aqui no Brasil, agitando o povo, conscientizando o povo de sua proposta, e tomando medidas concretas, algumas através de medida provisória, e outras não. A questão do fim da autonomia do Banco Central, o presidente da República novo, se quiser, não precisa fazer nada. Juridicamente, não existe autonomia: é só ele botar alguém que não seja a raposa para tomar conta do galinheiro. A suspensão do pagamento da dívida, claro que ia dar uma confusão muito grande, mas sairia. Não sai mais um centavo: vamos fazer uma auditoria, e tentar convencer o povo de que isso era correto. Nós iríamos mandar uma medida provisória para o Congresso Nacional, com redução da jornada de trabalho sem redução salarial, que tinha possibilidade de passar no Congresso, até porque tem setores da burguesia para os quais isso não afeta muito: pode, até, dividir o parlamento burguês. E começaríamos uma campanha de agitação em torno do pré-sal e da reestatização da Petrobras, que também não me pergunte como vai ser, porque vai depender da correlação de forças. Se tiver massa na rua, passa um rolo nos acionistas e depois vê como é que paga. Depois disso, iria ao Haiti retirar todas as tropas brasileiras e substituir por médicos, por engenheiros. Iria a Cuba, claro, dar solidariedade à revolução socialista; a Caracas (Venezuela), para aderir à Alba (Aliança Bolivariana das Américas); à Colômbia, ajudar a construir um diálogo de paz, que acabe com aquele conflito que dura 50 anos e não tem solução militar. Aí, iríamos à Faixa de Gaza, na Cisjordânia, para dar solidariedade ao povo palestino.
Tribuna: A respeito de questões estritamente nacionais, o programa de governo menciona algo como modificações no sistema de aposentadorias, com o fim do fator previdenciário; isenção de Imposto de Renda por salários dos trabalhadores; e medidas que o sr. já anunciou que faria, se pudesse, como a redução da jornada de trabalho. Tudo isso dependeria da arrecadação de impostos. Como equilibrar essa conta?
Ivan: Nós faríamos a reforma tributária, mas totalmente ao contrário do que é defendido pelos economistas do grande capital. Nós íamos tributar o sistema financeiro, que tem lucros escandalosos – no Governo Lula, tiveram 470% de lucro, mais do que no tempo do Fernando Henrique Cardoso. Eu fui, durante 30 anos, bancário: fui presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. O anúncio disso, antigamente, daria uma greve no dia seguinte. Os sindicatos iam se juntar e dizer assim: “Queremos a nossa parte!”. Só que os piores males que o Lula fez à esquerda no Brasil e aos trabalhadores foi cooptar os movimentos sociais. A CUT (Central Única dos Trabalhadores), hoje, não é sombra do que foi. E o sindicalismo bancário está todo controlado pela CUT. Vou dar um dado que você deve ter melhor do que eu: os bancos, hoje, pagam a folha de pagamento dos seus empregados com as tarifas bancárias. Não mexem num centavo de lucro. Até o Banco do Brasil, que já se bradescalizou há muito tempo. Quem é que paga, portanto, o salário dos bancários? Nós. Isso é um escândalo. Nós íamos tributar o sistema financeiro, grandes lucros, grandes fortunas... O dinheiro para isso ia sair da reestatização dessas empresas, de colocar o produto da venda das nossas riquezas naturais a serviço do povo.
Tribuna: A candidata Dilma Rousseff, como favorita nas pesquisas de intenção de voto, tem chamado a atenção de segmentos mais conservadores da sociedade, para os quais, caso ela assuma o Governo, poderá provocar uma espécie de revolução como a que o sr. diz que pretende fazer se for eleito. O sr. acredita nisso?
Ivan: Francamente: a burguesia que faz campanha contra o Lula, ainda, preconceituosa, é muito burra. Porque não tem ninguém melhor do que o Lula para fazer o capitalismo se alavancar, crescer, cooptando o movimento social e dizendo para o trabalhador apertar o cinto. O ideal para a burguesia era o terceiro mandato. E eu acho que a burguesia brasileira, hoje, se divide entre os dois candidatos principais (Dilma e José Serra). O PCB tem uma avaliação de que as diferenças entre o PSDB e o PT estão diminuindo. Há uma diferença na política externa, e não é que a política externa do Governo Lula seja socialista ou de esquerda, anti-imperialista, mas ela tem uma diferença que, ao nosso olhar, é melhor do que a política externa tucana, não tem a menor dúvida. Nos levou, inclusive, em 2006, a optar pelo Lula contra o Alckmin, mas mantendo a oposição ao Lula. Agora, você vai ver o seguinte: o Lula arrecadou mais dinheiro do que o Alckmin em sua campanha eleitoral. E essa arrecadação é de onde? Dos militantes do PT? São os empresários. A Dilma já arrecadou quatro vezes mais que o Serra. É claro que tem a ver, também, com as intenções de voto: a burguesia não joga dinheiro fora. Mas é uma candidata da ordem, também da burguesia. Pessoalmente, e aí não é o partido, acho que ela já ganhou no primeiro turno. O Lula conseguiu transferir esses votos. Ela vai fazer um governo mais capitalista e conservador. Se nós assumíssemos a Presidência da República, uma das medidas seria a suspensão imediata da construção da Usina de Belo Monte, a suspensão imediata da transposição das águas do Rio São Francisco e a suspensão imediata de todas as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Vamos fazer uma auditoria e ver o que tem algum sentido social e o que não tem. Porque a maioria das obras do PAC é para melhorar a infraestrutura pensando no desenvolvimento do capitalismo.
Tribuna: Havendo segundo turno, o sr. apoiaria quem?
Ivan: Veja só, se eu fosse um candidato demagogo, eu diria: “Mas eu estarei no segundo turno” (risos). Eu não estarei no segundo turno... Essa é uma pergunta difícil para nós. Primeiro, porque nós achamos que as diferenças entre o Lula e o Alckmin eram maiores do que as diferenças entre Serra e Dilma. Teríamos que ver essa correlação de forças. E o único aspecto, e eu posso falar em nome do partido, que tem um pouco de diferença a favor, no caso do PT, no nosso ponto de vista, é a política externa. Mas a política interna não tem nenhuma diferença. E há desconfiança de que o Governo Dilma pode ser um governo mais conservador do ponto de vista dos comunistas, e vai ser mais moderno no olhar dos capitalistas.
*Jornalista
Ele não acredita em vitória: do contrário, acha que a petista Dilma Rousseff será eleita presidente da República no primeiro turno. Mas o carioca Ivan Martins Pinheiro, de 64 anos, mantém a rotina de visitar de seis a sete cidades por semana. Concorrente à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o secretário-geral do PCB percorre o País na tentativa de mostrar um “contraponto ao pensamento único burguês e capitalista”. Em 88 anos de existência do Partidão, Pinheiro é o terceiro comunista candidato ao Palácio do Planalto. Ele crê na reestatização de serviços privatizados ou concedidos à iniciativa privada e no controle do Estado sobre os meios de produção para se tirar do Brasil uma “medalha de bronze ao contrário”: o terceiro lugar em desigualdade social no mundo. A seguir, um resumo da entrevista concedida a Arminda Augusto, editora-executiva do jornal A Tribuna, de Santos:
Tribuna: Nas atuais campanhas eleitorais, os candidatos mais cotados têm procurado mostrar aos eleitores que, se eleitos, não vai haver uma alteração no padrão de vida deles. E puxam isso, sobretudo, pelo lado econômico, do acesso aos bens, ao dinheiro, crediários. Como fazer que as pessoas se convençam da necessidade de outras formas de produção, de organização do Estado?
Ivan: As campanhas dos candidatos principais, dos que foram escolhidos para ser os candidatos principais, não foram escolhidas à toa: foram escolhidos porque eles não apresentam riscos para o sistema; as divergências são pontuais, de como administrar o capitalismo. No Brasil, há uma manipulação tão grande que há uma sensação, na população, de que a economia vai bem.
Tribuna: Não vai bem?
Ivan: Não. Para nós, não vai bem. Ela vai muito bem para os banqueiros, para o agronegócio, os grandes capitalistas, e vai péssima para o povo. O Brasil tirou o terceiro lugar no Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em matéria de desigualdade social. O discurso dos dois candidatos é de manutenção dessa ordem, com o pressuposto de que essa ordem é de interesse da maioria da população. Essa sensação (de que a economia vai bem) é causada por alguns fatores. Primeiro, uma política compensatória, talvez nunca vista no Brasil e em poucos países, que é o Bolsa Família, com 12 milhões de famílias recebendo menos de R$ 100,00. Pelo menos, os tiram da miséria absoluta, mas não lhes permitem condições de superar aquele status. A outra questão é o estímulo ao consumo: nós temos hoje, no Brasil, talvez o maior índice de endividamento particular e familiar de toda a história. O consumo é alimentado pelo crédito consignado, o empréstimo que você faz a si próprio, e vai numa ciranda muito grande. Achamos que, se nós tivéssemos mais espaço, nós poderíamos, não digo, ir ao segundo turno, mas, claro, ter muito mais votos do que vamos ter com uma proposta que interessa ao povo brasileiro. Nós estamos tentando dizer ao povo brasileiro, com a pouca inserção que temos, o seguinte: primeiro, temos que mudar a política econômica, sobretudo numa medida que consideramos fundamental para enfrentar problemas sociais no Brasil.
Tribuna: Qual?
Ivan: A suspensão imediata do pagamento da dívida, para fazer uma auditoria. Não estou dizendo que não vamos pagar. Estamos dizendo que faríamos uma moratória, uma suspensão de pagamento de juros e serviços da dívida, para fazer uma auditoria. Esse é um movimento crescente na América Latina: tem, inclusive, um movimento chamado auditoria cidadã da dívida. Já teve uma experiência bem-sucedida no Equador: foi feita uma auditoria da dívida do Equador, inclusive, com monitoramento de organizações internacionais, e se chegou à conclusão de que aquela dívida do Equador era apenas 24% do que se alegava. A outra coisa, mais importante, e se o povo pudesse entender, tivéssemos dez minutos na televisão, como alguns têm, e espaço na mídia: nós estamos querendo que o Estado passe a funcionar a serviço da maioria do povo, e não das elites. O Estado, hoje, está a serviço da minoria, está a serviço dos capitalistas, e não do povo. Então, nós defendemos, por exemplo, a reestatização da Vale do Rio Doce; a reestatização da Petrobras, que não é estatal: hoje, é 32% estatal e 68% privada; as suas ações são vendidas na Bolsa de Nova Iorque. E todas essas propostas que aparecem na televisão, de solução para o problema da Saúde, da Educação, do saneamento, se não houver uma mudança profunda na política econômica do Brasil e do caráter do Estado, nenhuma delas vai resolver nada: é pura demagogia. Nós estamos vinculando a retomada da estatização da Petrobras e de outras empresas à possibilidade de resolvermos esses problemas sociais. Por exemplo, na questão do pré-sal: nós defendemos que seja, todo ele, da Petrobras, estatal, e seus rendimentos sejam distribuídos aos estados na razão inversa do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de cada um: quanto mais pobre o Estado, mais recebe per capita.
Tribuna: Algumas dessas mudanças dependem de uma pactuação com governos estaduais e prefeituras, que têm autonomia sobre determinados serviços, parte deles sob concessão privada. Como articular essas diferentes esferas de governo para que esse projeto funcionasse?
Ivan: Você tem toda razão: todas as propostas do PCB, praticamente, encontrariam uma resistência num cenário de um presidente da República eleito... O PCB vai tomar posse; todas as nossas propostas iriam ser bombardeadas pela burguesia brasileira e pelas instituições. Nós íamos ter uma esmagadora maioria no Congresso Nacional contra todas as nossas propostas, inclusive de governadores, de estados, dos interesses privados, das grandes multinacionais: todos. Mas tem uma parte importante que pode estar do nosso lado, que é o povo brasileiro, se entender que nossas propostas são importantes para eles. Então, só tem uma maneira, uma opção, que é a seguinte: o Lula poderia ter feito algumas mudanças. Na hora em que o Lula tomou posse, ele podia ter optado ou por mobilizar o povo, com os 60 milhões de voto que ele teve, para implantar mudanças ou procurar os parlamentares para ter maioria. Mas o governo dele acaba, na política interna, sendo uma continuidade do Fernando Henrique. Ele foi para o balcão de negócios negociar uma maioria e acabou ficando prisioneiro dessa maioria. Hoje, ele é um prisioneiro do PMDB, que é um partido das oligarquias regionais. Mas nós temos exemplos, aqui na América Latina, de presidentes que foram eleitos sem maioria parlamentar; teve até caso extremo, sem nenhum parlamentar, do Fernando Lugo (presidente do Paraguai); o Evo Morales (Bolívia), que, na primeira eleição, deve ter eleito apenas dois ou três, num Congresso de 150; e teve o extremo maior, que foi o Rafael Correa (Equador), eleito presidente da República no mesmo dia da eleição parlamentar e não elegeu um deputado. E o Hugo Chávez (Venezuela), também, quando foi eleito da primeira vez, tinha minoria no Congresso. O projeto deles não passava pela institucionalidade, pela governabilidade institucional. E eles foram garantir as mudanças pela governabilidade social: chamaram o povo para a rua para o povo implantar aquele processo. Aqui no Brasil, nós iríamos mobilizar o povo para convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.
Tribuna: Para um País do tamanho do brasileiro, em que o sr. propõe a participação popular ampla nas decisões nacionais, a reestatização de empresas e, até, a produção de bens e serviços: quanto tempo o sr. acha que levaria esse processo?
Ivan: Não tenho a menor ideia. Se eu dissesse aqui qualquer coisa, eu estaria sendo demagogo, porque a História não se mede assim, não é uma coisa cabalística. É um processo complicado, existe uma correlação de forças na sociedade, há uma luta de es intensa... O caso da Venezuela, também: nós achamos que, a depender de alguns fatores, aquela revolução, que não é socialista, ainda, ao nosso ver, a chamada revolução bolivariana, pode transitar para o socialismo. Mas pode também regredir. Isso é uma luta. Não vamos ligar a televisão num dia com a manchete de que acabou o capitalismo no dia anterior. Ele não vai cair de podre: ele vai ser derrubado ou, então, continuará explorando as maiorias e fomentando guerras, destruindo o meio ambiente, que é isso que o capitalismo faz.
Tribuna: Na hipótese de o PCB ganhar, não é muito difícil implantar um mínimo que seja com o Congresso do jeito que é, com os governos estaduais do jeito que são, enfim, todos os poderes contra?
Ivan: Isso me fez lembrar uma coisa: quando o Lula estava para ganhar a eleição, havia uma luta interna dentro da campanha do Lula. Na primeira eleição do Lula, o PCB estava na coligação, e era uma coligação de esquerda: não tinha nem o PL (hoje, PR) do José Alencar (atual vice-presidente). Eram PCB, PC do B, PSB, PDT e PT. E esses cinco partidos queriam fazer uma mudança muito mais profunda. E constituímos, quando parecia factível a vitória do Lula, uma comissão para fazer um programa de 100 dias – essa história tem que ser contada, um dia, por escrito. No programa de 100 dias, o Lula ia chegar arrebentando, tomando decisões, assim, que iam desde o rompimento com o Fundo Monetário (Internacional, FMI), suspensão do pagamento da dívida, a redução da jornada de trabalho, através de medida provisória, para ver o que dava depois. Só que, no meio disso, tinha uma luta interna. E, quando a vitória do Lula passa a ficar mais factível ainda, um setor da campanha, naturalmente com a complacência do próprio Lula, faz um acordo com o sistema financeiro que gera a Ação da Cidadania e gera aquela famosa Carta ao Povo Brasileiro – que devia se chamar Carta aos Banqueiros, porque diz que vai manter a política econômica. Daqui a 30, 40 anos, o Lula vai ser reverenciado como o cara que alavancou o capitalismo no Brasil, destravou o capitalismo no Brasil. Mais do que qualquer um. A ideia era ser um governo do tipo do Evo Morales. Acho, até, que numa proporção menor, mas a ideia era essa. Nesse cenário, imaginemos que o candidato à Presidência da República do PCB ganhe a eleição. Ele fica um mês aqui no Brasil, agitando o povo, conscientizando o povo de sua proposta, e tomando medidas concretas, algumas através de medida provisória, e outras não. A questão do fim da autonomia do Banco Central, o presidente da República novo, se quiser, não precisa fazer nada. Juridicamente, não existe autonomia: é só ele botar alguém que não seja a raposa para tomar conta do galinheiro. A suspensão do pagamento da dívida, claro que ia dar uma confusão muito grande, mas sairia. Não sai mais um centavo: vamos fazer uma auditoria, e tentar convencer o povo de que isso era correto. Nós iríamos mandar uma medida provisória para o Congresso Nacional, com redução da jornada de trabalho sem redução salarial, que tinha possibilidade de passar no Congresso, até porque tem setores da burguesia para os quais isso não afeta muito: pode, até, dividir o parlamento burguês. E começaríamos uma campanha de agitação em torno do pré-sal e da reestatização da Petrobras, que também não me pergunte como vai ser, porque vai depender da correlação de forças. Se tiver massa na rua, passa um rolo nos acionistas e depois vê como é que paga. Depois disso, iria ao Haiti retirar todas as tropas brasileiras e substituir por médicos, por engenheiros. Iria a Cuba, claro, dar solidariedade à revolução socialista; a Caracas (Venezuela), para aderir à Alba (Aliança Bolivariana das Américas); à Colômbia, ajudar a construir um diálogo de paz, que acabe com aquele conflito que dura 50 anos e não tem solução militar. Aí, iríamos à Faixa de Gaza, na Cisjordânia, para dar solidariedade ao povo palestino.
Tribuna: A respeito de questões estritamente nacionais, o programa de governo menciona algo como modificações no sistema de aposentadorias, com o fim do fator previdenciário; isenção de Imposto de Renda por salários dos trabalhadores; e medidas que o sr. já anunciou que faria, se pudesse, como a redução da jornada de trabalho. Tudo isso dependeria da arrecadação de impostos. Como equilibrar essa conta?
Ivan: Nós faríamos a reforma tributária, mas totalmente ao contrário do que é defendido pelos economistas do grande capital. Nós íamos tributar o sistema financeiro, que tem lucros escandalosos – no Governo Lula, tiveram 470% de lucro, mais do que no tempo do Fernando Henrique Cardoso. Eu fui, durante 30 anos, bancário: fui presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. O anúncio disso, antigamente, daria uma greve no dia seguinte. Os sindicatos iam se juntar e dizer assim: “Queremos a nossa parte!”. Só que os piores males que o Lula fez à esquerda no Brasil e aos trabalhadores foi cooptar os movimentos sociais. A CUT (Central Única dos Trabalhadores), hoje, não é sombra do que foi. E o sindicalismo bancário está todo controlado pela CUT. Vou dar um dado que você deve ter melhor do que eu: os bancos, hoje, pagam a folha de pagamento dos seus empregados com as tarifas bancárias. Não mexem num centavo de lucro. Até o Banco do Brasil, que já se bradescalizou há muito tempo. Quem é que paga, portanto, o salário dos bancários? Nós. Isso é um escândalo. Nós íamos tributar o sistema financeiro, grandes lucros, grandes fortunas... O dinheiro para isso ia sair da reestatização dessas empresas, de colocar o produto da venda das nossas riquezas naturais a serviço do povo.
Tribuna: A candidata Dilma Rousseff, como favorita nas pesquisas de intenção de voto, tem chamado a atenção de segmentos mais conservadores da sociedade, para os quais, caso ela assuma o Governo, poderá provocar uma espécie de revolução como a que o sr. diz que pretende fazer se for eleito. O sr. acredita nisso?
Ivan: Francamente: a burguesia que faz campanha contra o Lula, ainda, preconceituosa, é muito burra. Porque não tem ninguém melhor do que o Lula para fazer o capitalismo se alavancar, crescer, cooptando o movimento social e dizendo para o trabalhador apertar o cinto. O ideal para a burguesia era o terceiro mandato. E eu acho que a burguesia brasileira, hoje, se divide entre os dois candidatos principais (Dilma e José Serra). O PCB tem uma avaliação de que as diferenças entre o PSDB e o PT estão diminuindo. Há uma diferença na política externa, e não é que a política externa do Governo Lula seja socialista ou de esquerda, anti-imperialista, mas ela tem uma diferença que, ao nosso olhar, é melhor do que a política externa tucana, não tem a menor dúvida. Nos levou, inclusive, em 2006, a optar pelo Lula contra o Alckmin, mas mantendo a oposição ao Lula. Agora, você vai ver o seguinte: o Lula arrecadou mais dinheiro do que o Alckmin em sua campanha eleitoral. E essa arrecadação é de onde? Dos militantes do PT? São os empresários. A Dilma já arrecadou quatro vezes mais que o Serra. É claro que tem a ver, também, com as intenções de voto: a burguesia não joga dinheiro fora. Mas é uma candidata da ordem, também da burguesia. Pessoalmente, e aí não é o partido, acho que ela já ganhou no primeiro turno. O Lula conseguiu transferir esses votos. Ela vai fazer um governo mais capitalista e conservador. Se nós assumíssemos a Presidência da República, uma das medidas seria a suspensão imediata da construção da Usina de Belo Monte, a suspensão imediata da transposição das águas do Rio São Francisco e a suspensão imediata de todas as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Vamos fazer uma auditoria e ver o que tem algum sentido social e o que não tem. Porque a maioria das obras do PAC é para melhorar a infraestrutura pensando no desenvolvimento do capitalismo.
Tribuna: Havendo segundo turno, o sr. apoiaria quem?
Ivan: Veja só, se eu fosse um candidato demagogo, eu diria: “Mas eu estarei no segundo turno” (risos). Eu não estarei no segundo turno... Essa é uma pergunta difícil para nós. Primeiro, porque nós achamos que as diferenças entre o Lula e o Alckmin eram maiores do que as diferenças entre Serra e Dilma. Teríamos que ver essa correlação de forças. E o único aspecto, e eu posso falar em nome do partido, que tem um pouco de diferença a favor, no caso do PT, no nosso ponto de vista, é a política externa. Mas a política interna não tem nenhuma diferença. E há desconfiança de que o Governo Dilma pode ser um governo mais conservador do ponto de vista dos comunistas, e vai ser mais moderno no olhar dos capitalistas.
*Jornalista
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