04/06/2009

Crise mundial: as garantias de direitos sociais e o capitalismo

Nos últimos meses, grandes custos sociais arcados pelos trabalhadores, alvos de demissões em massa e da flexibilização dos direitos trabalhistas, são justificados para sanar a perda de lucro e do poder concorrencial de empresas. É justo a sociedade pagar a conta para salvar o sistema?
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Por Jorge Luiz Souto Maior
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Muito se tem dito sobre a crise econômica e suas possíveis repercussões na realidade social brasileira. À esta altura, uma abordagem crítica mais contundente é necessária por causa da constatação de que muitos se valem da crise como mero argumento para continuar jogando o jogo da vantagem a qualquer custo, desvinculando-se de qualquer projeto de sociedade mais democrática.
Para iniciar essa análise, devemos lembrar que a crise é nossa velha conhecida. Ela esteve presente em quase todos os momentos de nossa história. Em termos de relações de trabalho, o argumento da “crise econômica”, como forma de justificar uma reiterada reivindicação de redução das garantias jurídicas de natureza social (direitos trabalhistas e previdenciários), acompanha o debate trabalhista desde sempre. Se alguém disser que “agora, no entanto, é pra valer”, deve assumir que antes era tudo uma grande mentira... E, se assim for dito, que força moral se terá para fazer acreditar no argumento da crise atual?
Não se pode olvidar também que, mesmo quando o Brasil vivenciou, de 1964 a 1973, o que se convencionou chamar de “milagre brasileiro”, o crescimento econômico foi obtido às custas do empobrecimento da maioria da população, já que uma de suas características era a concentração de renda. Em 1970, os 50% mais pobres da população ficavam com apenas 13,1% da renda total e os mais ricos (1% da população) embolsavam 17,8%” [1].
No começo da presente crise pouco se falou na relevância da diminuição do valor do trabalho. A partir de outubro de 2008, iniciou-se um movimento organizado para requerer uma flexibilização das leis trabalhistas do país como forma de combater a crise financeira. Empresas começaram a anunciar dispensas coletivas de trabalhadores, criando um clima de pânico para, em seguida, pressionar sindicatos a cederem quanto às suas reivindicações e buscar junto ao governo a concessão de benefícios fiscais.
Entre janeiro de 2008 e janeiro de 2009, as vendas do varejo nacional acumularam alta de 8,7%.
Essa corrida que passa por cima dos direitos trabalhistas é totalmente injustificável por, pelo menos, três motivos.
Primeiro, porque o custo do trabalho não está na origem da crise econômica como atestam as últimas análises. Nada autoriza a dizer que a sua redução seja fator determinante para que a crise seja suplantada.
Segundo, porque já se pode verificar o quanto se apresentou precipitada e oportunista tal atitude. Em fevereiro de 2009, um aumento do nível de emprego formal foi registrado sobretudo nos setores de serviços, construção civil, agricultura e administração pública [2]. A própria Companhia Vale do Rio Doce iniciou esse movimento irresponsável, quando anunciou dispensas coletivas de trabalhadores. No entanto, no quarto trimestre de 2008 obteve um lucro líquido de R$10,449 bilhões, que representa um aumento de 136,8% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando o lucro líquido foi de R$ 4,411 bilhões. A Bovespa, em março, acusou alta de 11% [3]. Em maio, já apresenta alta acumulada de 36,87% desde o início de 2009 [4]. A venda de automóveis, em razão da redução do IPI, sofreu um aumento de 11% [5]. As vendas do comércio varejista subiram 1,4% em janeiro com relação a dezembro do ano passado, segundo noticiou o IBGE. Entre janeiro de 2008 e janeiro de 2009, as vendas do varejo nacional acumularam alta de 8,7%. A Embraer dispensou 4,2 mil empregados. Ela é investigada pelo Ministério do Trabalho acusada de ter fornecido bônus de R$50 milhões a 12 diretores e de ter efetuado a contratação de 200 empregados terceirizados. Os fatos são negados pela empresa. O incontestável é que ela encerrou o primeiro trimestre de 2009 com lucro líquido de R$ 38,3 milhões e receita líquida de R$ 2,667 bilhões [6].
A forma oportunista como algumas empresas se posicionam diante da crise atual, desconsiderando o interesse de toda a comunidade, deve ser questionada
Em terceiro lugar, mesmo que a crise fosse o que se apresentava, é grave a ausência de uma compreensão histórica revelada pelo desprezo aos direitos trabalhistas. Ora, os argumentos de dificuldade econômica das empresas foram uma constante no período de formação da Revolução Industrial e se reproduziram por mais de cem anos até que, em 1914, sem qualquer possibilidade concreta de elaboração de um novo arranjo social, o mundo capitalista entrou em colapso.
À época, eram feitas alegações de que as empresas seriam obrigadas a fechar se fossem obrigadas a dar aumento de salário ou estabelecer melhores condições aos trabalhadores e de que seria melhor um trabalho qualquer a nenhum. Dizia-se ainda que seria preciso primeiro propiciar o sucesso econômico das empresas de forma sólida para somente depois pensar em uma possível e progressiva distribuição da riqueza produzida e que a livre iniciativa não poderia ser obstada pela interferência do Estado. Acreditava-se também que era mais saudável para as crianças de cinco a dez anos se dedicarem à disciplina do trabalho durante oito ou mais horas por dia do que ficarem nas ruas desocupadas.
Ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1919, com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), reconheceu-se que “havendo condições de trabalho que impliquem para um grande número de pessoas a injustiça, a miséria e privações, gera um tal descontentamento que a paz e harmonia universal são postas em perigo...” [7]. A organização ainda enfatiza que “uma paz universal e durável só pode ser fundada sobre a base da justiça social”.
A forma oportunista como algumas empresas se posicionam diante da crise atual, desconsiderando o interesse de toda a comunidade, acuando sindicatos a fim de auferir a redução de direitos trabalhistas e pressionando o Estado para recebimento de incentivos fiscais, deve ser questionada, porque abala consideravelmente a crença na formação de uma sociedade capitalista desenvolvida a partir de um pacto de solidariedade.
Ora, muitas empresas “modernas” falam de sua responsabilidade social, do seu dever de cuidar do meio ambiente, de ajudar pobres e necessitados, mas quando se veem diante de uma possível redução de seus lucros, não têm o menor escrúpulo de defender abertamente o seu direito de conduzir trabalhadores ao desemprego sem lhes apresentar uma justifica plausível.
Num contexto internacional, cumpre denunciar a postura de algumas multinacionais que pregam aos países “periféricos” um código de conduta, baseado na precarização das condições de trabalho para favorecer a manutenção dos ganhos que direcionam para o financiamento dos custos sociais em seus países de origem. Esse mecanismo é fator decisivo para eliminar qualquer espírito de solidariedade proletária em nível internacional.
O debate deve extrapolar o conflito entre trabalhadores e empresa e atingir o espectro mais amplo do arranjo socioeconômico.
É hora de tirar as máscaras, de se apresentarem os fatos como eles são, pois, do contrário, continuaremos sendo ludibriados por debates propositalmente pautados fora da discussão necessária, que nos leva à seguinte questão: O capitalismo tem jeito? Se a crise é do modelo capitalista não se pode deixá-lo fora da discussão.
O capitalismo se baseia na concorrência. Se o primeiro é desregrado, consequentemente, o segundo não encontra limites. A obtenção de lucro impulsiona a ação na busca de um lucro sempre maior. Os investimentos especulativos, por trazerem lucros fáceis, são naturalmente insaciáveis.
Em um mundo marcado pelo avanço tecnológico, as repercussões especulativas e os lucros pela produção se concretizam muito rapidamente. Não há tempo para reflexão e, até mesmo, para elaborar projetos a longo prazo. Assim, os riscos são potencializados e a sociedade tende ao colapso sobretudo pela perda de valores éticos e morais, afinal, não é só de sucesso econômico que se move a humanidade. É conveniente registrar que só a satisfação espiritual não basta, pois sem justiça social não há sociedade democrática.
Estas são reflexões necessárias para o presente momento. Não é mais possível apenas tentar salvar os ganhos dos trabalhadores diante das investidas de alguns segmentos empresariais. O debate deve extrapolar o conflito entre trabalhadores e empresa e atingir o espectro mais amplo do arranjo socioeconômico. Neste prisma, se os preceitos do Direito Social são entendidos como empecilhos ao desenvolvimento econômico por gerarem um custo que obsta a necessária inserção na concorrência internacional, a questão não se resolve simplesmente acatando a redução das garantias sociais.
Diante de uma constatação dessa ordem, então, será preciso reconhecer a inutilidade do Direito Social para a concretização da tarefa a que se propôs realizar, isto é, a de humanizar o capitalismo e de permitir que se produza justiça social dentro desse modelo de sociedade. Em seguida, será necessário assumir a inevitabilidade do caráter autodestrutivo do capitalismo, inviável como projeto de sociedade, uma vez que a desregulação pura e simples do mercado já deu mostras de ser incapaz de desenvolver a sociedade em bases sustentáveis. A prova disso é a própria crise econômica, realidade já vivenciada em outros países.
Duas são as alternativas que se apresentam para o momento e que devem ser tomadas com urgência:
a) ou fazer valer de forma eficaz, irredutível e inderrogável os direitos sociais, preservando a dignidade humana e, ao mesmo tempo, mantendo a esperança da efetivação de um capitalismo socialmente responsável. Isso exige uma série de medidas:
Os trabalhadores não devem pagar a conta em tempos de crise;
Uma “ética nos negócios” deve ser implantada, baseada no respeito à dignidade da pessoa humana, na democratização da empresa (permitindo co-gestão por parte dos trabalhadores, além de participação popular e institucional) e em uma distribuição real de lucros e na formulação de projetos a longo prazo;
Não aceitação da terceirização de trabalhadores, que transforma pessoas em coisas de comércio;
Não transformar homens em Pessoas Jurídicas para se servir de seus serviços pessoais de forma não-eventual;
Não se valer de cooperativas, de contratos de estágio e de outras formas de trabalho com o objetivo de fraudar a aplicação da legislação trabalhista;
Não impulsionar um sistema cruel de rotatividade da mão-de-obra;
Não assediar moralmente os trabalhadores sobretudo mediante a ameaça do desemprego;
Não utilizar mecanismos de subcontratação, transferindo para empresas descapitalizadas parte de sua produção, pois isso abala a efetividade dos direitos dos trabalhadores;
Não institucionalizar um sistema de banco de horas com o único propósito de prorrogar a obrigação quanto ao efetivo pago às horas extras com o adicional constitucionalmente previsto;
Não deixar de cumprir obrigações legalmente previstas, com a intenção de forjar acordos perante a Justiça do Trabalho com quitação de todos os direitos. Neste item, cabe mencionar o registro da CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) do trabalhador, a dinâmica de horas extras e o seu pagamento, a preocupação com o desenvolvimento sustentável etc
Nesta primeira alternativa, que considera a viabilidade do capitalismo, a solução dos problemas da crise não se resume à cômoda aceitação da intervenção do Estado na lógica de mercado. É preciso que o sentido ético se insira na ordem produtiva. Por exemplo, não servem as iniciativas de incentivo à produção ou à construção civil, se os produtos e obras se realizarem por intermédio de mecanismos de supressão dos direitos dos trabalhadores. Além de isso significar um desrespeito à ordem jurídica, representa também uma forma de agressão ao ser humano, quebrando toda possibilidade de pacto social. Para implementação desse projeto, já inscrito na Constituição brasileira, exercem papel decisivo a parcela consciente do empresariado nacional, além do Estado e do mercado consumidor por meio de uma atitude à base de sanções e prêmios.
b) ou iniciar a elaboração de um projeto de outro modelo de sociedade a partir dos postulados socialistas de divisão igualitária dos bens de produção e da riqueza auferida. Afinal, se dentro da lógica capitalista não for viável concretizar os preceitos supra, relativos aos direitos humanos inderrogáveis e previstos em declarações, tratados internacionais e em nossa própria Constituição, por que continuar seguindo esse modelo que reduz as garantias sociais, aprofundando as desigualdades e o retrocesso no nível da condição humana?

[1] Rubens Vaz da Costa, apud, José Jobson de A. Arruda & Nelson Piletti, Toda a História: história geral e história do Brasil, Ed. Ática, 2002, p. 436.
[2] Cf. http://www1..folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u536582.shtml.
[3] Cf. reportagem da Folha de São Paulo, p. B-3, de 24/03/09.
[4] http://eptv.globo.com/economia/economia_interna.aspx?257170
[5] Cf. noticia a rádio CBN: http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/economia/2009/03/13/COM-ALTA-DE-11-VENDA-DE-VEICULOS-PUXA-EXPANSAO-DO-COMERCIO-EM-JANEIRO.htm..
[6] http://ultimosegundo.ig.com.br/economia/2009/04/30/embraer+encerra+trimestre+com+lucro+liquido+menor+de+r+383+mi+5856931.html
[7] Preâmbulo da Constituição da OIT

03/06/2009

Frente de Solidariedade e Apoio ao Povo Sem Terra de Campo do Meio (Minas Gerais)

No município de Campo do Meio, região do sul de Minas Gerais, encontra-se a Fazenda Ariadnópolis, com seis mil hectares de terras ociosas desde 1983, cujo proprietário deve aos cofres públicos mais de R$ 273.000,00.
No dia 18 de maio de 2009, 122 famílias, sendo 98 famílias pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foram brutalmente despejadas de quatro acampamentos localizados na área da fazenda.
Com violência e arbitrariedade nunca vista antes na região, a ação de despejo foi realizada utilizando-se de um aparato que compreendia 210 policiais militares fortemente armados com revólveres e metralhadoras, helicóptero, cachorros, cavalaria, três UTIs móveis, carro do corpo de bombeiro, atirador de elite e dezenas de policiais de operações especiais da Tropa de Choque.
Tratores destruíram casas, plantações de mais de 1.800 sacas de feijão, cinco toneladas de melancia, quatro mil pés de mandioca e uma vasta área de milho (cf. relatório da Ouvidoria Agrária Nacional). As famílias não puderam ao menos colher o que plantaram.
No dia 20/05/2009, representantes do MST estiveram reunidos em Brasília com o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. Este informou que o governo cortou 48% do orçamento da União destinado para a reforma agrária, em especial para os setores de desapropriação, educação e assistência técnica. Durante a reunião ficou claro a inoperância (senão inexistência) da reforma agrária no atual governo.
O clima na área do conflito permanece tenso. Três acampamentos do MST continuam resistindo nas áreas da fazenda Ariadnópolis.. Novas ações de despejo poderão ser executadas, e mais famílias correm o risco de perder tudo o que semearam e construíram desde 1998.
Convocamos os amigos e amigas do MST a se solidarizarem com as famílias, apoiando a luta pela reforma agrária na região, enviando cartas ao poder público exigindo a imediata de Desapropriação da Fazenda Ariadnópolis, através da Lei 4.132, nº do processo 54170005006/0644. Pedimos também ajuda financeira para custeio de diversos gastos oriundo das conseqüências do despejo, do deslocamento e sustentação das famílias e da mobilização social.
Documentos, arquivos, notícias, vídeos e fotos sobre o conflito agrário em Campo do Meio podem ser encontrados nos links abaixo:

Histórico recente da Luta pela Reforma Agrária em Campo do Meio:
http://www.mstcampodomeio.blogspot.com

Reportagem – Jornal da Alterosa 16/05/09
http://www.dzai.com.br/jornaldaalterosa/video/playvideo?tv_vid_id=48911

Reportagem – Jornal da Alterosa 19/05/09
http://www.dzai.com.br/jornaldaalterosasuldeminas/video/playvideo?tv_vid_id=49122

Reportagem – Globo Rural:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1035011-7823-USINA+CONSEGUE+RECUPERACAO+DE+PROPRIEDADE+INVADIDA+HA+MAIS+DE+DEZ+ANOS,00.html

Notícia vinculada no site do Jornal Brasil de Fato:
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/familias-sao-despejadas-com-truculencia-em-minas-gerais/?searchterm=campo%20do%20meio

Notícia vinculada a Rádio Agência NP:
http://www.radioagencianp..com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=6843&Itemid=1

Notícias vinculadas no site do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra:
15/05/09 - http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=6777
19/05/09 - http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=6790
26/05/09 - http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=6824

AS CARTAS (MOÇÕES) DEVEM SER ENVIADAS PARA OS SEGUINTES ENDEREÇOS:

CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
A/c:
Tel (61) 3411-1221
E-mail: casacivil@planalto.gov.br

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO
AC/ Guilherme Cassel
Tel: (61) 2108 – 8002
E-mail: douglas.szefer@mda.gov.br

INCRA
AC/ Senhor Rolf Hackbart
Tel (61) 3411-7474
E-mail: presidencia@incra.gov.br

OUVIDORIA AGRÁRIA NACIONAL
AC/ Gercino José da Silva Filho e José Abucarte
Tel: (61) 2191- 9904
E-mail: oan@mda.gov.br

VIA CAMPESINA – SECRETARIA SUL DE MINAS GERAIS
Tel: (35) 9167-9619
E-mail: viasulmg@yahoo.com.br

APOIOS FINANCEIROS PODEM SER DEPOSITADOS NA SEGUINTE CONTA:
Banco do Brasil
AG: 0364-6
CC: 55.642-4
Titular: Silvio Cardoso

REFORMA AGRÁRIA: Por Justiça Social e Soberania Popular!

Secretaria Operativa
Regional Sul de Minas
VIA CAMPESINA

01/06/2009

Um retrato honesto da experiência venezuelana

Livro analisa conquistas e limites do processo político venezuelano. Em "A Revolução Venezuelana", Gilberto Maringoni desvenda o enigma oculto sob a campanha midiática anti-chavista: como é possível que um caudilho supostamente tão desastrado mantenha altíssimos índices de apoio popular durante tanto tempo? Para o autor, é errado reduzir, como insistem os detratores da experiência venezuelana, o prestígio de Chávez à bonança petroleira da última década.
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O artigo é de Igor Fuser.
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Na lista dos demônios da mídia empresarial, o posto número 1 pertence, disparado, a Hugo Chávez, com sua boina vermelha e língua ferina. Raramente se passa um dia sem que alguma publicação da chamada “grande imprensa” despeje regulares doses de veneno contra o presidente venezuelano, apresentado como louco, fanfarrão, ditador ou incompetente. Essa cantilena se mantém há mais dez anos. Para ser exato, desde o início de 1999, quando o antigo coronel iniciou, após sua chegada ao governo, a transformação de um dos países de estrutura social mais iníqua no planeta – mais de 50% dos habitantes na miséria, em contraste com os lucros nababescos das exportações de petróleo – em uma referência mundial para todos os que cultivam os valores da justiça e da igualdade.
O livro de Gilberto Maringoni (A Revolução Venezuelana, Editora Unesp, 2009) merece ser saudado com um antídoto perfeito contra a manipulação informativa que, na imprensa brasileira, atingiu as raias de uma lavagem cerebral. Jornalista e historiador, Maringoni fala de um tema que conhece em primeira mão. Viajou várias vezes à Venezuela e lá entrevistou quase todos os nomes que valiam a pena no tumultuado enredo político local – dos caciques da oposição conservadora, como Teodoro Petkoff, às figuras mais graduadas do regime esquerdista, entre as quais o próprio Chávez, além das mais variadas fontes na esfera acadêmica.Com dados confiáveis em mãos, o autor desvenda o enigma oculto sob a campanha midiática anti-chavista: como é possível que um caudilho supostamente tão desastrado mantenha altíssimos índices de apoio popular durante tanto tempo? É errado reduzir, como insistem os detratores da experiência venezuelana, o prestígio de Chávez à bonança petroleira da última década. O Venezuela já viveu outros períodos de alta dos preços do petróleo, sem que a população tivesse tido acesso a mais do que umas magras migalhas do banquete. A marca da gestão chavista é algo que as primeiras gestões municipais petistas defendiam no Brasil e que, lamentavelmente, diluiu-se no lodaçal dos compromissos com as classes dominantes: a inversão das prioridades em favor das multidões oprimidas, ainda que ao preço do confronto aberto contra as elites privilegiadas.
Na Venezuela, os gastos sociais aumentaram de 8,2% do PIB, em 1998, para 13,6% em 2006. Os índices de pobreza caíram de 55,1% para 27,5%. O salário mínimo se elevou numa escala sem precedentes em qualquer outro país do chamado Terceiro Mundo e milhões de venezuelanos passaram a ter acesso a uma infinidade de benesses antes inalcançáveis – desde serviços essenciais, como assistência médica e dentária, aos ícones do consumo descartável, como telefones celulares. Nesse cenário em que a mudança passa do plano da retórica para a existência cotidiana, torna-se fácil entender porque Chávez foi vitorioso em todas as freqüentes consultas eleitorais que promoveu, com apenas uma exceção.
O grande mérito de Maringoni é que ele não se limita a salientar as conquistas do processo político venezuelano, mas também aponta, sem medo de entrar em polêmica com os defensores mais entusiastas do chavismo, os limites do festejado “socialismo do século XXI”. Concretamente: após dez anos de “revolução bolivariana”, o velho modelo de desenvolvimento dependente latino-americano, erigido com base na exportação de produtos primários (no caso, o petróleo), permanece inalterado. Os ganhos desse modelo, é verdade, passaram a beneficiar, pela primeira vez, a maioria da população, sobretudo depois que Chávez retirou a estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) das mãos da camarilha que a controlava, enquadrando a empresa sob o controle público. Mas o caminho ainda está no seu início: “O Estado continua ineficiente, lerdo, corrupto e avesso às interferências populares”, escreve o autor. Mesmo que seja prematuro falar em uma verdadeira revolução na Venezuela, é inegável que o governo de Chávez mudou a face política daquela sociedade e, em certa medida, de toda a América do Sul. A influência venezuelana se faz presente em todo um conjunto de países onde, pela primeira vez, o poder de Estado passa a ser exercido em benefício das maiorias. Como afirma Maringoni, referindo-se à época de ofensiva conservadora mundial pós-1989: “A Venezuela é, com todos os problemas, o país onde mais se avançou, nesse período, na contestação ao neoliberalismo e no questionamento do poder global dos Estados Unidos.” Aí reside a explicação para o ódio que Chávez desperta entre os donos da mídia brasileira e internacional. Ele é, de fato, um sapo difícil de engolir.
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(*) Igor Fuser é jornalista, professor na Faculdade Cásper Líbero, mestre em Relações Internacionais e doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo.
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Título: A Revolução Venezuelana
Autor: Gilberto Maringoni
Número de páginas: 200
Formato: 10,5 x 19 cm
Preço: R$ 20
ISBN: 978-85-7139-904-4
Coleção: Revoluções do Século 20