14/10/2010

Derrotar Serra nas urnas e depois Dilma nas ruas

(Nota Política do PCB)

O PCB apresentou, nas eleições de 2010, através da candidatura de Ivan Pinheiro, uma alternativa socialista para o Brasil que rompesse com o consenso burguês, que determina os limites da sociedade capitalista como intransponíveis. As candidaturas do PCO, do PSOL e do PSTU também cumpriram importante papel neste contraponto.
Hoje, mais do que nunca, torna-se necessário que as forças socialistas busquem constituir uma alternativa real de poder para os trabalhadores, capaz de enfrentar os grandes problemas causados pelo capitalismo e responder às reais necessidades e interesses da maioria da população brasileira.
Estamos convencidos de que não serão resolvidos com mais capitalismo os problemas e as carências que os trabalhadores enfrentam, no acesso à terra e a outros direitos essenciais à vida como emprego, educação, saúde, alimentação, moradia, transporte, segurança, cultura e lazer. Pelo contrário, estes problemas se agravam pelo próprio desenvolvimento capitalista, que mercantiliza a vida e se funda na exploração do trabalho. Por isso, nossa clara defesa em prol de uma alternativa socialista.
Mais uma vez, a burguesia conseguiu transformar o segundo turno numa disputa no campo da ordem, através do poder econômico e da exclusão política e midiática das candidaturas socialistas, reduzindo as alternativas a dois estilos de conduzir a gestão do capitalismo no Brasil, um atrelando as demandas populares ao crescimento da economia privada com mais ênfase no mercado; outro, nos mecanismos de regulação estatal a serviço deste mesmo mercado.
Neste sentido, o PCB não participará da campanha de nenhum dos candidatos neste segundo turno e se manterá na oposição, qualquer que seja o resultado do pleito. Continuaremos defendendo a necessidade de construirmos uma Frente Anticapitalista e Anti-imperialista, permanente, para além das eleições, que conquiste a necessária autonomia e independência de classe dos trabalhadores para intervirem com voz própria na conjuntura política e não dublados por supostos representantes que lhes impõem um projeto político que não é seu.
O grande capital monopolista, em todos os seus setores - industrial, comercial, bancário, serviços, agronegócio e outros - dividiu seu apoio entre estas duas candidaturas. Entretanto, a direita política, fortalecida e confiante, até pela opção do atual governo em não combatê-la e com ela conciliar durante todo o mandato, se sente forte o suficiente para buscar uma alternativa de governo diretamente ligado às fileiras de seus fiéis e tradicionais vassalos. Estrategicamente, a direita raciocina também do ponto de vista da América Latina, esperando ter papel decisivo na tentativa de neutralizar o crescimento das experiências populares e anti-imperialistas, materializadas especialmente nos governos da Venezuela, da Bolívia e, principalmente, de Cuba socialista.
As candidaturas de Serra e de Dilma, embora restritas ao campo da ordem burguesa, diferem quanto aos meios e formas de implantação de seus projetos, assim como se inserem de maneira diferente no sistema de dominação imperialista. Isto leva a um maior ou menor espaço de autonomia e um maior ou menor campo de ação e manobra para lidar com experiências de mudanças em curso na América Latina e outros temas mundiais. Ou seja, os dois projetos divergem na forma de inserir o capitalismo brasileiro no cenário mundial.
Da mesma forma, as estratégias de neutralização dos movimentos populares e sindicais, que interessa aos dois projetos em disputa, diferem quanto à ênfase na cooptação política e financeira ou na repressão e criminalização.
Outra diferença é a questão da privatização. Embora o governo Lula não tenha adotado qualquer medida para reestatizar as empresas privatizadas no governo FHC, tenha implantado as parcerias público-privadas e mantido os leilões do nosso petróleo, um governo demotucano fará de tudo para privatizar a Petrobrás e entregar o pré-sal para as multinacionais.
Para o PCB, estas diferenças não são suficientes qualitativamente para que possamos empenhar nosso apoio ao governo que se seguirá, da mesma forma que não apoiamos o governo atual e o governo anterior. A candidatura Dilma move-se numa trajetória conservadora, muito mais preocupada em conciliar com o atraso e consolidar seus apoios no campo burguês do que em promover qualquer alteração de rumo favorável às demandas dos trabalhadores e dos movimentos populares. Contra ela, apesar disso, a direita se move animada pela possibilidade de vitória no segundo turno, agitando bandeiras retrógradas, acenando para uma maior submissão aos interesses dos EUA e ameaçando criminalizar ainda mais as lutas sociais.
O principal responsável por este quadro é o próprio governo petista que, por oito anos, não tomou medida alguma para diminuir o poderio da direita na acumulação de capital e não deu qualquer passo no sentido da democratização dos meios de comunicação, nem de uma reforma política que permitisse uma alteração qualitativa da democracia brasileira em favor do poder de pressão da população e da classe trabalhadora organizada, optando pelas benesses das regras do viciado jogo político eleitoral e o peso das máquinas institucionais que dele derivam.
Considerando essas diferenças no campo do capital e os cenários possíveis de desenvolvimento da luta de classes - mas com a firme decisão de nos mantermos na oposição a qualquer governo que saia deste segundo turno - o PCB orienta seus militantes e amigos ao voto contra Serra.
Com o possível agravamento da crise do capitalismo, podem aumentar os ataques aos direitos sociais e trabalhistas e a repressão aos movimentos populares. A resistência dos trabalhadores e o seu avanço em novas conquistas dependerão muito mais de sua disposição de luta e de sua organização e não de quem estiver exercendo a Presidência da República.

Chega de ilusão: o Brasil só muda com revolução!

PCB – PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO
COMITÊ CENTRAL
Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2010

13/10/2010

A Origem e Consolidação do Racismo no Brasil (2)

Escrito por Mario Maestri*
09-Out-2010

2. A Escravidão de Mouros e Pretos em Portugal

As práticas e concepções escravistas foram introduzidas na Península Ibérica pelas legiões romanas vitoriosas e, mais tarde, mantidas como forma de dominação subordinada pelos dominadores visigodos. Em 711, os muçulmanos atravessaram o estreito de Gibraltar, mantendo-se na Ibéria até a perda definitiva de Granada, em 1492. A luta à morte entre cristãos e muçulmanos pela península enfatizaria fortemente a escravidão.

Inicialmente, os conquistadores cristãos passavam no fio da espada as populações muçulmanas derrotadas. Logo, apenas os guerreiros eram eliminados, reduzindo-se à escravidão os restantes. As necessidades da exploração das conquistas, em boa parte despovoadas pela guerra, ensejaram que razias fossem lançadas sobre os territórios muçulmanos para capturar trabalhadores a serem explorados nas cidades e campos. Difundiu-se também a captura e venda de muçulmanos assaltados no Mediterrâneo e nas costas da África do Norte. Os muçulmanos procediam do mesmo modo com os cristãos.

A Reconquista teria melhorado a sorte dos servos pessoais originais, metamorfoseados em servos da gleba e a seguir em colonos livres. Decaiu igualmente a importância dos antigos cativos e fortaleceu-se a dos cativos islamitas. A retórica justificadora da feitorização do muçulmano rompeu radicalmente com a racionalização aristotélica da escravidão. A escravidão do muçulmano não se devia a uma pretensa inferioridade natural. A excelência da civilização islâmica mediterrânea e a forte identidade étnica, sobretudo entre o muçulmano ibérico e o moçárabe, ou seja, cristão que vivera na Ibéria islâmica, impediam propostas de inferioridade natural do cativo muçulmano.

Agora, a escravidão era justificada pela adesão a uma crença que ofendia gravemente o verdadeiro deus, nos céus, e devia, portanto, ser castigada na terra. Era a guerra justa contra o inimigo da fé divina, determinada pelo Estado e pela Igreja, que justificava a escravidão. No fundamental, o mesmo critério apoiava a escravidão de cristãos pelos muçulmanos. Entretanto, no mundo ibérico, cativos cristãos seguiam sendo escravizados por senhores cristãos, ainda que em número sempre decrescente.

No mundo romano, o trabalhador escravizado era denominado, sobretudo, de servus. Foi tão lenta e imperceptível a dissolução e metamorfose das relações escravistas que o trabalhador feudal emergiu sendo tratado do mesmo modo nas línguas européias que os antigos cativos – servus, servo, serf etc. No século 10, quando da retomada relativa do escravismo na Europa Ocidental, foi necessária uma nova designação para o trabalhador escravizado. As guerras de Otão I (912-973), o Grande, duque da Saxônia, inundaram a Europa com cativos trazidos da Esclavônia, nos Bálcãs. Com o passar dos anos, o termo escravo perdeu o sentido étnico-nacional para descrever o homem escravizado. Ou seja, o servus da Antiguidade. Na Lusitânia, o uso do designativo escravo foi tardio.

Até meados do século 15, a dominância da escravidão de muçulmanos levou a que o termo português substitutivo de servus fosse mouro, pois os muçulmanos que invadiram e colonizaram a península Ibérica provinham da Mauritânia (Saara Ocidental). Logo, em Portugal, o muçulmano feitorizado era designado de "mouro", não importando de onde viesse. Em 1444, começaram a chegar a Portugal as primeiras partidas de negro-africanos, capturados quando do avanço marítimo lusitano ao longo do litoral atlântico africano. Por longas décadas, mouros e negro-africanos trabalhariam como cativos, lado a lado, em Portugal, nas cidades e nos campos. O neologismo português mourejar teria o significado de trabalhar como cativo ou, mais tarde, como negro.

Em Portugal, a palavra negro era usada para designar os homens de pele mais escura, livres e escravizados. Como os negro-africanos eram ainda mais escuros, foram designados diferencialmente de "pretos". Daí serem chamados de "mouros pretos", sem serem provenientes da Mauritânia e muçulmanos. Em inícios do século 16, quando a escravidão dos negro-africanos se sobrepunha já claramente à feitorização de muçulmanos, o uso da palavra escravo difundiu-se em Portugal, já sem qualquer referência à religião e à origem nacional.

Então, tínhamos "escravo mouro", "escravo negro", "escravo preto", "escravo branco". Em Portugal, com a forte dominância da escravidão de negro-africanos, "preto" tornou-se sinônimo de cativo e de escravo. No novo contexto, a visão aristotélica da escravidão como conseqüência de pretensa inferioridade natural foi retomada e enfatizada como jamais, como a principal justificativa daquela instituição. A pele branca seria sinal de excelência, a negra, de inferioridade. Nascia assim o racismo anti-negro.


*Mário Maestri, 62, é professor do curso e do programa em pós-graduação em História da UPF. É autor, entre outros trabalhos, de O escravismo antigo e O escravismo brasileiro, publicados pela Editora Atual. E-mail: