09/07/2010

JUAN MANUEL SANTOS TERÁ QUE DIALOGAR COM AS FARC-EP

Fonte: Anncol

A América Latina está em perigo. Não é nenhuma novidade, nós sempre estivemos, mas a América Latina é, atualmente, o paraíso terrestre dos investimentos de todos os capitais do mundo, no caso colombiano, não é pelo suposto triunfo da famosa segurança democrática, como afirma o regime mafioso, e sim por que enquanto na Colômbia e na América Latina em geral chove com a crise econômica, na Europa há um diluvio.

Os especuladores internacionais, assessorados pelos grandes escritorios de investimentos, e os administradores particulares de grandes fortunas dissem que diante do perigo que a Grecia e Espanha representam, e toda a União Europeia em geral, o melhor é olhar para a América Latina como objetivo de investimentos, e, para isso, vários são os focos do desafio, as máfias, gangues, os insurgentes e as revoltas populares, regimes corruptos, a criminalidade, entre outros. Todas estas informações, as quais ANNCOL teve acesso, permitem-nos afirmar, com uma mínimo margem de erro, que Juan Manuel Santos terá que abrir espaços para diálogar com as FARC-EP.

Assim vejamos, as famosas frases do paraco Uribe Vélez dirigidas ao capital estrangeiro sobre a confiança dos investidores, a segurança jurídica, a segurança democrática, etc. Todas elas não ecoarão nos próximos quatro anos se não forem resolvidas as questões fundamentais que a Colômbia sofre, entre elas o conflito social e armado que existe no país. Se isso não for resolvido, o capital estrangeiro sabe que a Colômbia é uma nação insegura para receber esses investimentos, eles sabem que o exército, mesmo com toda a ajuda ianque, não foi capaz de derrotar a insurgência. E, diante dessa constatação, sobram como alternativa, entre outros, Brasil e Mexico. Este último ainda deve resolver o problema do narcotrafico que lá é conhecido como ‘colombianização do Estado Azteca’.

Isso se tornou claro para nós, ao ouvir um dos gurus dos investimentos internacionais, o economista Paul MacNamara, diretor da GAM Investimentos, que afirmou enfaticamente em Genebra, que, investir em títulos da dívida pública dos países latino-americanos é atraente, porque eles tem garantia dos diferentes Estados. Mas nem todos, pois as dividas de menor riscos são as do México e Brasil, que oferecem boas possibilidades de investimentos. Os outros países não são prioridades para a carteira dos consultores de investimentos internacionais, pois sofrem problemas endêmicos .

A Colômbia apresenta algum atrativo no setor de mineração, matérias-primas que não têm valor agregado diante da ausência de tecnologia nacional e diante do entreguismo do módelo econômico ao mercado internacional, ao contrário do Brasil, que tem protegido suas empresas de capital estatal, se bem que é verdade que assinou tratados e acordos, estes foram feitos sob o princípio básico de que a indústria vem em primeiro lugar, e quem quizer fazer negócios com o Brasil deve transferir tecnologia, do contrário, não tem negócio. Tudo isso, contrário a certos países lacaios, como a Colômbia, que se colocam de joelhos e entregam as riquezas estratégicos do país aos interesses estrangeiros.

As informação que estes investidores dominam, com seus mapas cartograficos e mapas de risco, não é somente sobre os capitais offshore e/ou econômica, também é militar, e a recebem directamente do Pentágono e das várias agências de segurança norteamericanas. O fato de que o Chucky Santos tenha sido Ministro da Defesa, que teve informações diretamente da fonte, mostra que está mais bem informado do que Uribe em termos financeiros, económicos e militares como para saber que a solução política para o conflitos se impõe diante do fracasso da solução militar. As soluções militares têm pouco espaço em épocas de crise financeira estrutural do capitalismo.

Esses escritórios tiveram acesso a um recente estudo militar, do qual ANNCOL também teve conhecimento, que relata uma série de conflitos pelo mundo, incluindo Iraque, Afeganistão e Colômbia, entre outros, onde a via militar passa para um segundo plano, ao contrário dos tempos passados. Karzai, no Afeganistão, mantem conversações com todos os chefes tribais que compõem a liderança dos Talibans para procurar soluções políticas para o problema afegão. Na Colômbia, durante o mandato de Santos, a solução política terá que constar da agenda política. Disso não temos dúvida.

Santos sabe que a suposta fraqueza da insurgência é parte do marketing político, não estamos minimizando os reveses militares, estamos dizendo que Santos não aguenta nem um semestre de ataques sistemáticos da guerrilha, que modificando seus objetivos, dedica suas ações militares à infraestrutura do país: à infraestrutura elétrica, boicote à exploração de minerios, impedir a livre circulação de mercadorias, às estradas, portos e áreas-chave. A extensão do território nacional não permite ao exército da oligarquia manter um soldado ou um policial em cada metro quadrado do território, uma vez que, na guerra de guerrilhas, para impedir a circulação de mercadorias, a insurgência não precisa de 30 mil homens armados. Esses fatos explicam a estupidez de Uribe, aparecendo com o telefone celular na mão, como colaborador. Pelo que sabemos, na CPI Uribe não terá direito ao uso do celular.

Neste contexto de guerra, os peritos militares que cochicham nos ouvidos dos investidores, reconhecem o óbvio, a solução política para o conflito é mais barata.

Se Santos e a oligarquia colombiana ficarem valentes, com sua vitória eleitoral mediucre, e a sobre a suposta ausência de oposição ao seu regime de frente nacional, estarão equivocados, pois a guerrilha de hoje é um ator indiscutível para a guerra (porque ela aprendeu e assimilou os golpes) ou um intelocutor pronto para a uma solução política.

‘Amanhecerá e veremos, disse o cego’. Aqueles que pensam que Santos será uma copia de “Álvaraco” estão errados. Uribe é uma homem das montanhas de pouco valor, com dinheiro ilícito, alpinista social como todo mafioso com dinheiro. Santos é oligarca de berço e sabe quanto custa uma guerrilha ativa para o bom andamento dos negócios.

08/07/2010

URGENTE: GRAVE ATAQUE CONTRA OS TRABALHADORES DA FLASKÔ! JUIZ DECIDE QUE FÁBRICA DEVE FECHAR!

Conselho de Fábrica da Flaskô

JUIZ DECRETA: “É NECESSÁRIO QUE (A FLASKÔ) CESSE SUAS ATIVIDADES”, E, “DECRETA A FALÊNCIA DA EMPRESA FLASKÔ”.

Na última quinta-feira, dia 1° de julho, o Juiz André Gonçalves Fernandes, da 2ª Vara Cível de Sumaré, decretou a falência da Flaskô. Trata-se de um grave ataque aos trabalhadores da Flaskô, que pode resultar, efetivamente, no fechamento da fábrica, com o conseqüente desemprego de todos os trabalhadores, com o fim das atividades sociais da Fábrica de Cultura e Esportes e influenciar no próprio futuro da Vila Operária, além de ser o fim da luta histórica dos trabalhadores da Flaskô.
Como se sabe, em 12 de junho de 2003 os trabalhadores da Flaskô ocuparam a fábrica como única forma de garantir seus postos de trabalho. Desde então, é de conhecimento público a luta do Movimento das Fábricas Ocupadas. Para os capitalistas é inaceitável uma gestão democrática dos trabalhadores, na qual a prevalência é de implementar as conquistas históricas da classe operária, como a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais (sem redução de salários) e solidariedade com todos os movimentos sociais e sindicais, questionando a propriedade privada dos meios de produção, lutando abertamente pela estatização sob controle operário.
A decisão desse juiz possui o mesmo “pano de fundo” da decisão judicial que decretou a intervenção na Cipla e Interfibra, em Joinville, em 31 de maio de 2007. Lá, o juiz disse que “não seria um bem social a manutenção das fábricas”, concluindo com a pergunta que explica toda a preocupação dos capitalistas: “imagine se a moda pega?”. Aqui a situação é bem parecida. Fica claro o papel de classe que exerce o Poder Judiciário. Mas, como sempre, mesmo nos marcos jurídicos burgueses, rasgam-se os direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores, especialmente os garantidos na Constituição Federal.
O ataque é frontal e direto contra a organização da classe trabalhadora, tanto é que no ano passado, ao tratar de uma ocupação do MTST em Sumaré, este mesmo Juiz tinha dito que o MTST, junto com o MST e a FARC, “fazem parte da Via Campesina, uma organização terrorista internacional”. Ou seja, sabemos que se trata de um conflito de classe, com trabalhadores e proprietários se enfrentando, e o Juiz, como representante do Estado Burguês, possui claramente um lado.
O processo de falência que originou esta decisão é uma dívida de matéria-prima com a empresa Fortymil (braço da Braskem), de 2007, portanto, sob a gestão dos trabalhadores. A mesma se formou por conta do corte ilegal de energia promovido pelo interventor da Cipla. Os trabalhadores sempre se propuseram a pagar o valor da dívida, que era de R$ 37.000,00 à época. No entanto, a Fortymil nunca teve interesse em de fato receber, pois estava em conluio com o interventor nomeado nas fábricas de Joinville. Por isso, sempre recusou nossas propostas, e entrou com o pedido de falência, ao invés de ser um processo de cobrança. Os trabalhadores da Flaskô sempre pediram para efetuar o pagamento para o Juiz, porém este sempre recusou, não reconhecendo a gestão dos trabalhadores, mas dizendo que somente aceitaria o pagamento da proprietária da Flaskô que consta no contrato social da fábrica, desconsiderando a administração operária existente. A Cristiane de Marcello, proprietária da Flaskô “no papel” não foi localizada (ela é foragida da polícia e nunca pisou na fábrica), e o Juiz toma a decisão de decretar a falência sem possibilitar qualquer defesa dos trabalhadores da Flaskô, nem mesmo reconhecendo as diversas tentativas de pagamento, inclusive juntadas no processo.
O juiz de Sumaré afirma que “não se entende, de tal sorte, como a requerida vem se sustentando durante todo este tempo e, ainda, vem a Juízo, dizer que há relevante razão de direito para a não quitação da dívida, calcado na alegação de inúmeros outros débitos”. Ou seja, desqualifica a argumentação dos trabalhadores, que explicaram detalhadamente a situação atual da Flaskô, com as décadas de inadimplemento da gestão patronal e a relevância social e política da gestão democrática dos trabalhadores da Flaskô. E mais, que “se é certo que se deve preservar a empresa, também é certo que não se pode preservar uma em detrimento da outra, porquanto se esta argumentação fosse acolhida, certamente se instalaria o calote geral e a quebra de inúmeras outras empresas, dado o efeito cascata que geraria, o que não pode ser aceito por este juízo”. Ou seja, a preocupação é com o patrimônio, com a empresa, e não com os postos de trabalho. E mais, convenhamos, não será essa dívida que quebrará a Fortymil, empresa ligada ao grupo econômico da Braskem, que hoje, ao se juntar com a empresa Quattor, detém monopólio do setor de plásticos no Brasil. Se não bastasse, o Juiz desconsidera que é completamente desproporcional decretar a falência de uma fábrica por uma dívida num valor pequeno (ao se pensar uma fábrica), perto do passivo total da Flaskô deixado pelos patrões, que inclusive ele não faz qualquer referência concreta no processo. Assim, ele conclui, de forma simples e irresponsável, em apenas sete páginas, sem fundamento no próprio direito burguês, que é “necessário que (a Flaskô) cesse suas atividades”, e, por isso, “decreta a falência da empresa Flaskô”. Enfim, após a decisão da decretação da Falência, tomamos todas as medidas jurídicas cabíveis, assim como conseguimos fazer o acordo e pagar a dívida para a Fortymil. Para eles, agora que já tinha sido decretada a falência, “não teria problema” receber o valor devido. Para nós, seria uma forma de comprovar ao Juiz nossa intenção e boa-fé de sempre cumprir o que havíamos proposto. Assim, junto com a Fortymil, peticionamos dizendo que foi feito o acordo entre as partes e que o Juiz deveria reverter a decisão. Aguardaremos os andamentos jurídicos dos próximos dias.
Sabíamos que as dificuldades do Movimento das Fábricas Ocupadas aumentariam com a recusa do governo Lula em estatizar a fábrica, que é nossa luta até hoje, e ainda mais, após a criminosa intervenção nas fábricas de Joinville. Sabemos que se o Prefeito Bacchim e os vereadores de Sumaré não decretarem a Flaskô como de interesse social, e nada for feito contra os mandos e desmandos do interventor na Cipla e Interfibra, a nossa situação ficará cada vez mais complicada. E mais, como classe trabalhadora sabemos que os ataques e criminalizações têm aumentado; na atual situação econômica internacional a acumulação do capital exige o confronto com os trabalhadores, mas, justamente por isso, a unidade e solidariedade de classe precisam dar a resposta aos capitalistas, e mostrar que somos nós que fazemos a “locomotiva” andar. Nada se realiza, sem a força de trabalho do operário!Diante de tudo isso, além de todas as medidas jurídicas tomadas em caráter de urgência, queremos que nossos apoiadores e contatos, militantes de diversas lutas sociais e correntes políticas, fiquem em alerta para qualquer emergência, acompanhem o site (www.fabricasocupadas.org.br) e durante a semana informaremos da situação e das atividades públicas necessárias, assim como o prosseguimento da campanha de moções.
Contamos com a presença e solidariedade de todos para reafirmar:
- Contra qualquer ameaça de fechamento da Flaskô!
- Estatização sob controle operário!
- Pela Decretação de Interesse Social da Flaskô!
- Contra a criminalização dos Movimentos Sociais!
- Viva a solidariedade da classe trabalhadora!
- Viva a luta pelo socialismo!
Sumaré, 06 de Julho de 2010.

07/07/2010

Um programa anticapitalista e antiimperialista para o Brasil

I - O contexto em que se dão as eleições de 2010

As eleições deste ano se dão em um momento em que o sistema capitalista mostra a sua real natureza. A atual crise econômica internacional é uma crise de superprodução e superacumulação, acelerada pela vigência, nas duas últimas décadas, de políticas neoliberais, em que o capitalismo, mundializado, seja nos mercados de matérias primas, nas cadeias produtivas de produtos e serviços, seja na presença dominante de grandes conglomerados internacionais – oligopolistas ou mesmo monopolistas – ou na financeirização da riqueza, revela, ao mesmo tempo, a sua fragilidade e os seus efeitos para a classe trabalhadora: o desemprego generalizado, a perda de direitos, a desesperança.
As respostas dadas à crise, pelo lado do mercado, são a maior concentração de capital, com a absorção das empresas “quebradas” pelos grandes grupos mais “eficientes”; pelo lado do poder público, a íntima ligação entre os Estados capitalistas e os grandes grupos econômicos privados se traduz na enorme “ajuda” dada pelos governos aos bancos e empresas financeiras, industriais e comerciais em estado falimentar.
No plano político, as lideranças burguesas dividem-se entre as que, de um lado, defendem um Estado promotor de políticas compensatórias e incentivador de um “desenvolvimentismo” capaz de acelerar o crescimento capitalista e pretensamente resolver as desigualdades sociais através do ciclo virtuoso da produção, emprego, consumo. De outro, há os que defendem a ampliação das políticas neoliberais, com mais retirada de direitos dos trabalhadores, mais privatização, mais dependência do Estado ao capital financeiro internacional.
A classe trabalhadora, ainda desarticulada pela perda de garantias e não menos fragilizada em sua organização pela ameaça constante do desemprego e pelos processos articulados à chamada “reestruturação produtiva”, começa, no entanto, a mobilizar-se em amplas manifestações e greves, como vem ocorrendo na Grécia, na Espanha, na França, em Portugal. No plano político, os exemplos dos governos progressistas da América Latina, eleitos com o apoio de movimentos populares organizados e impulsionados por eles, têm demonstrado que há alternativas reais ao capitalismo e ao imperialismo capazes de elevar, de fato, o nível de qualidade de vida e de participação política da classe trabalhadora.

II - O contexto brasileiro

A estrutura de classes, no Brasil, se caracteriza pela formação de uma burguesia monopolista e suas diversas facções: a burguesia industrial, a burguesia bancária/financeira, a burguesia comercial, a burguesia agrária, a burguesia do setor de transportes e um setor que controla serviços diversos formados pela mercantilização crescente de setores como o da saúde, educação e outros. Generalizou-se o assalariamento, formou-se um numeroso proletariado, majoritariamente urbano, e um grande proletariado precarizado, além de camadas urbanas intermediárias que vão desde setores de profissionais assalariados, pequenos e médios comerciantes, técnicos especializados, professores, pesquisadores, médicos, advogados e outras categorias.
Aos efeitos da exploração capitalista, no Brasil, somam-se a vigência das políticas neoliberais dos governos Collor, Itamar Franco, FHC I e II e a aplicação do programa social liberal de Lula I e II, associadas a uma grande fragmentação da classe trabalhadora, com a terceirização e a precarização do trabalho. Além disso, os trabalhadores perderam, em parte, sua unidade e identidade política pela degeneração de grande parcela dos dirigentes sindicais e partidários burocratizados.
A construção do Estado burguês no Brasil se deu pela ação dos grupos dominantes que o controlaram, e marcou a formação de um tipo de sociedade civil burguesa e uma forma particular de constituição da hegemonia capitalista. As instituições do Estado sempre foram espaços de organização do poder da classe dominante, com predominância dos aspectos repressivos e coercitivos.
O período da ditadura empresarial-militar e a fase posterior de retomada da legalidade democrática marcaram a consolidação de um bloco dominante, formado pela aliança de classes entre a burguesia monopolista, o latifúndio tradicional e o imperialismo, que aprofundou o processo de construção do Estado burguês no Brasil, um Estado fundado em um ordenamento jurídico estabelecido, reconhecido e legitimado, com instituições igualmente consolidadas no Executivo, Legislativo e Judiciário. Formou-se, assim, uma sociedade civil-burguesa com um conjunto de instituições enraizadas e, em parte, legitimadas no corpo da sociedade, tendo se consolidado uma hegemonia liberal burguesa e um regime formalmente democrático. Este processo se completa com o estabelecimento de poderoso monopólio capitalista nas comunicações, na informação e na organização da cultura, responsável por aprimorar e fortalecer a dominação ideológica burguesa em nosso país.
A socialdemocracia brasileira formou-se tardiamente, em um período em que não mais havia a possibilidade de mitigar os efeitos da exploração do capital sobre o trabalho. Ao contrário de muitos países europeus no pós-guerra, tais como Suécia, Dinamarca, Inglaterra e outros, que adotaram programas sociais avançados em meio a condições específicas como a presença do Bloco Socialista, a mobilização de forças populares e comunistas gerada pela luta contra o nazifascismo e a necessidade de contar com o Estado para enfrentar as condições de destruição geral causadas pela guerra, o capitalismo brasileiro, nos anos 1980, já apresentava um caráter monopolista e desenvolvido, e a burguesia brasileira já se encontrava em pleno processo de integração mundial. Naquele momento, não havia mais espaço, no Brasil, para uma mediação política entre os dois polos do capitalismo que pudesse resultar em ganhos materiais e direitos sociais significativos para a classe trabalhadora.
As principais representações políticas da socialdemocracia – o PT, a CUT, a UNE e a UBES (aos quais também podemos associar o PC do B e a recém-criada CTB) – mostram-se adaptadas à ordem dominante. Suas ações limitam-se a meras proclamações formais, sem capacidade ou intenção de reverter o quadro geral. Esta situação se explica pela cooptação das direções e pelo amoldamento de sua burocracia, que encontra um ponto de existência e privilégio na própria estrutura burocrática partidária, estudantil ou sindical e em espaços na institucionalidade do Estado Burguês. O mesmo ocorre com parte dos movimentos sociais e populares e a base do movimento sindical, que respondem com o adiamento ou abandono das reais demandas da classe. Assim, a institucionalidade burguesa logrou deslocar o eixo da luta para a representação política e a jurisdicionalização das demandas políticas.
III - O governo Lula
O governo Lula usa com maestria a combinação eficiente de consenso e coerção, que garante a reprodução do domínio da ordem monopolista burguesa. Lula usa a cooptação dos trabalhadores pela ordem burguesa, que os mantém nos limites da ordem do capital, controlados pelas determinações do mercado e por um conjunto de mecanismos que envolve a manipulação dos corações e mentes pelos meios de comunicação, ações permanentes no interior das empresas para a colaboração de classe, promoção da cultura do individualismo, incentivos materiais como participação nos lucros e resultados das empresas e até a cooptação pura e simples das lideranças sindicais. Quando esses métodos não funcionam, as classes dominantes apelam para a repressão contra todos aqueles que se levantam contra essa ordem. Isso explica a criminalização dos movimentos sociais, da militância anticapitalista e da pobreza.
Lula promove a integração da economia brasileira ao mercado internacional tendo como papel-chave a exportação de matérias-primas e produtos agrícolas, a importação de capitais e a conquista de “nichos” nestes mercados – e, em alguns outros, bem demarcados, de produtos industriais – com a criação de grandes empresas transnacionais lastreadas em capital brasileiro. No plano político, Lula vem ocupando um espaço de alguma independência em relação aos países capitalistas desenvolvidos, como no caso da América Latina, adotando posições que até podem, eventualmente, contrapor-se aos interesses dos EUA e seus aliados, mas que, na essência, significam a defesa dos interesses dos grupos econômicos brasileiros no exterior.
A política econômica do governo Lula tem se baseado na oferta de apoio irrestrito aos interesses dos grandes bancos e empresas industriais, brasileiras ou estrangeiras, não faltando concessões a grupos madeireiros ou apoio financeiro a bancos e empresas industriais em dificuldade, em meio à crise econômica, como foi o caso do grupo Votorantim.
O crescimento, tímido, da economia brasileira, nos últimos anos, se deu basicamente às custas da expansão da fronteira agrícola, das divisas provenientes da exportação de minérios e produtos agrícolas, do impacto do crescimento da atividade de exploração e produção de petróleo no mar e do efeito de uma demanda interna de equipamentos e bens de consumo duráveis, fomentada com uma política de crédito ao consumidor – uma política praticamente ausente, até recentemente, no Brasil – que tem um perfil de autossustentação que, mesmo com uma escala limitada, gerou uma relativa expansão das camadas médias.
Lula acena com algumas medidas de fortalecimento do Estado, como no projeto do regime de partilha para a exploração do petróleo da camada pré-sal e na retomada de algumas empresas estatais como a Brasil Telecom. Ao mesmo tempo, mantém o programa de bolsas-família (criado no governo FHC, a partir de sugestão do Banco Mundial) e adota outras medidas de caráter assistencialista.
No entanto, o quadro geral da distribuição de renda no país alterou-se muito pouco, sendo alarmante o número de residências precárias e sem saneamento básico (mais de 50%) e situadas em áreas desprovidas de infraestrutura urbana, o elevado patamar de desemprego, a alta incidência de verminoses e doenças decorrentes da subnutrição e outras que já haviam sido erradicadas, a total falta de proteção previdenciária aos trabalhadores, a insuficiência e fragilidade dos sistemas públicos de saúde de educação, de transportes e outras áreas de interesse social.

IV - O que está em disputa nas eleições de 2010

As eleições deste ano dividem, aparentemente, os dois blocos que representam os interesses da burguesia: de um lado, o PSDB e seus aliados, sustentados pelo grande capital financeiro, propondo mais neoliberalismo, menos direitos para os trabalhadores, mais liberdade para os capitais, mais dependência aos EUA e seus aliados; de outro, o PT e seus aliados, mantendo o domínio burguês e a política econômica neoliberal, com algumas concessões de caráter assistencialista e alguma dose de maior independência no campo internacional. Na essência, a disputa se dá em torno da gestão do aparelho de Estado, com poucas distinções quanto ao projeto político em si.
Para o PCB, a disputa eleitoral se insere estrategicamente na luta pela superação revolucionária do capitalismo e pela construção do Socialismo. A ação eleitoral se soma às manifestações de dissidência contra a ordem e na defesa das conquistas e direitos dos trabalhadores.
A Campanha Movimento do PCB, estruturada na perspectiva de contribuir para a organização da Frente Anticapitalista e Antiimperialista e do seu programa de superação do capitalismo, aponta para a construção de um bloco político contra-hegemônico – de partidos, organizações políticas e movimentos populares – , cuja força estará ligada à capacidade de a classe trabalhadora entrar em cena novamente com independência e autonomia histórica, bem como à iniciativa das vanguardas que resistiram à acomodação e mantiveram-se em luta contra a ofensiva do capital monopolista.

V - Um programa anticapitalista e antiimperialista para o Brasil

O PCB participa das eleições de 2010 combatendo a institucionalidade política que, consolidada nos marcos da hegemonia liberal burguesa, se apresenta hoje como a rendição a formas viciadas e tradicionais de fazer política, de fisiologismo, corrupção, manipulação de massas para fins eleitorais, controle autoritário das máquinas políticas, personalismo e caciquismo, simbiose com o capital para financiar as campanhas, comprometimento dos candidatos com os esquemas que os financiaram e desvios burocráticos no controle dos mandatos e cargos governamentais.
Esta institucionalidade consolidou uma cultura passiva da maioria dos brasileiros em relação às eleições, com uma divisão social e técnica do trabalho político-eleitoral na qual cabe a militantes profissionais a condução das campanhas, apenas para certas lideranças o papel de candidatos e, aos trabalhadores, o papel de meros eleitores. Descaracterizaram-se os programas como expressão de interesses reais das classes, transformando-os em peças de marketing político, quando não em puro oportunismo eleitoral. Há um evidente desgaste no que se refere à capacidade de que o processo eleitoral conduza à real solução dos problemas vividos pela população, e a desigualdade das condições de disputa eleitoral é cada vez mais desfavorável para candidaturas contestadoras da ordem.
Mesmo sob condições adversas, o PCB entende que as eleições são um momento importante na vida política do país. Um momento em que os partidos e forças políticas podem apresentar-se diretamente, levando sua visão e sua avaliação quanto às condições de vida dos trabalhadores, seu entendimento quanto às causas profundas dos problemas que afligem a maioria da população e, principalmente, suas propostas para a construção de uma nova sociedade.
Para o PCB, as precárias condições de vida da maioria dos trabalhadores e a exclusão de grandes contingentes da população da possibilidade de ter um emprego formal, com os direitos trabalhistas garantidos, de ter direitos sociais – como uma aposentadoria digna, moradia, assistência à saúde e acesso à educação – são causadas pelo sistema capitalista e a dominação imposta sobre a classe trabalhadora pela burguesia, que se traduz na propriedade das fábricas, dos bancos, das fazendas, no controle do poder político sobre a difusão das informações pela grande mídia e outros meios.
Propomos, como alternativa, a construção revolucionária do Socialismo, formulado a partir do balanço crítico das experiências socialistas do século XX, do acúmulo gerado pelos governos progressistas da América Latina e de países de outras regiões, das lutas, dos experimentos e das proposições dos movimentos dos trabalhadores, dos partidos comunistas, socialistas e de outros grupamentos que lutam contra a exploração capitalista e contra o imperialismo.
O PCB tem plena clareza de que, no Brasil, não será apenas pela via eleitoral que a justiça social será alcançada, e de que o capitalismo só poderá ser superado por meio de um grande movimento de massa, com a vitória dos ideais socialistas e comunistas na disputa de ideias, valores, visões de mundo e projetos de futuro que se trava no seio da sociedade, com a organização dos trabalhadores num patamar superior: a revolução socialista.
É com este espírito que apresentamos, nestas eleições, um programa político que aponta para o exercício do poder como um elemento de organização e de apoio à classe trabalhadora na luta contra a classe burguesa, um programa de execução possível e viável, mas que, pela sua natureza anticapitalista e antiimperialista, requererá, para a sua execução, grande apoio, mobilização e participação popular e a transformação profunda do próprio aparelho de Estado.
O programa que apresentamos se pretende um eixo de lutas contra a ordem burguesa, na perspectiva da formação do Bloco Revolucionário do Proletariado e da construção de uma contra-hegemonia, numa aliança de segmentos da classe trabalhadora capaz de contrapor ativa e decididamente ao poder liberal burguês um poder proletário e popular, organizado e centralizado, para unificar as diversas demandas particulares em um programa geral de lutas e de ação do poder político.
O programa aponta para a construção de uma ordem institucional e política própria dos trabalhadores, capaz de impulsionar a criação de uma nova cultura proletária e popular e de contribuir para colocar o bloco proletário em movimento na luta contra a ordem conservadora.
A governabilidade, assim, será garantida pela mobilização, pela criação de referências claras, para os trabalhadores, desta nova ordem de cunho socialista, com mudanças estruturais no país, novas conquistas e formas ativas de participação e de exercício coletivo do poder político.

VI - Os grandes eixos do Programa

1 – Uma Democracia de Novo Tipo: o Poder Popular

O PCB luta pela inversão da base do poder político atual – lastreado no domínio econômico dos grandes grupos capitalistas –, pela construção da democracia direta dos trabalhadores, com o fortalecimento do poder popular e a reformulação do sistema partidário-eleitoral atual.
Propomos a instituição de novas formas de representação direta dos trabalhadores – o Poder Popular –, que viabilizarão a mais ampla liberdade de opinião, com a participação de movimentos organizados e partidos políticos.
Entendemos ser necessárias: a reforma do sistema de representação político / institucional / partidário / eleitoral vigente, com a proposição de um Congresso Nacional unicameral, com o fim do Senado e a abertura das Tribunas parlamentares para organizações de trabalhadores e de lutas sociais; uma reforma eleitoral, com a adoção do financiamento público de campanha, a mais ampla liberdade de organização partidária, acesso ampliado dos partidos à mídia, fortes restrições ao uso do poder econômico nas eleições, a adoção do sistema de listas partidárias; a ampliação da participação popular nas decisões através da convocação de plebiscitos e referendos para os temas de maior interesse dos trabalhadores; ampliação do direito de iniciativa legislativa popular; a mais ampla liberdade de opinião para todos, para as organizações sindicais e partidárias e para os movimentos sociais e populares em geral; abertura imediata de todos os arquivos da ditadura e criação de uma efetiva Comissão de Verdade; luta pela revogação da decisão do STF de anistia aos torturadores.

2 – Um Estado de Novo Tipo e uma Nova Sociabilidade

É necessário transformar o atual Estado – moldado segundo os interesses da classe dominante – com a criação de novas instituições, sob controle dos trabalhadores.
O Estado precisa desenvolver o papel planejador, produtor e provedor de serviços sociais e de bem-estar em geral para todos os brasileiros, em substituição à regulação feita pelo mercado, conforme o interesse dos grandes grupos capitalistas e monopolistas.
É preciso garantir e apoiar a maior organização dos trabalhadores em sindicatos, associações e partidos políticos. Será imprescindível promover permanente mobilização dos trabalhadores e dos setores populares visando à conquista e a efetiva implementação dos mais amplos direitos sociais e políticos, como o direito à vida, ao trabalho, à informação, à participação no processo político-decisório, à educação plena e a outros direitos sociais, assim como à propriedade coletiva dos principais meios de produção.
O Programa Anticapitalista e Antiimperialista do PCB prevê a superação de toda a exclusão social e cultural, como resultante do processo de lutas construído em conjunto com os movimentos organizados dos trabalhadores, para a retomada da prática do convívio entre todos, para a promoção dos valores do altruísmo e do coletivismo, para a superação dos conflitos e preconceitos raciais, de gênero, de etnias e comportamentais.

3 – Uma Nova Economia: controle dos meios de produção pelos trabalhadores e reordenação da produção

O PCB defende a estatização dos principais meios de produção em substituição à grande propriedade privada, industrial, comercial e agrária, assim como de todo o setor financeiro, com o controle progressivo de todas as grandes empresas pelo Estado e pelo Poder Popular.
São consideradas prioritárias as áreas de infraestrutura – portos, estradas, silos, geração e transmissão de energia, da indústria de base, de máquinas e equipamentos, e todas aquelas consideradas estratégicas e essenciais para a garantia de condições dignas de vida à classe trabalhadora.
Uma nova política econômica deve ser pensada visando à construção das bases para a superação do capitalismo, na direção da economia socialista. Isto implica na necessária substituição do desenvolvimento econômico determinado pelos imperativos do mercado pelo desenvolvimento voltado ao atendimento das necessidades sociais e da qualidade de vida dos trabalhadores e das camadas populares.
A nova política econômica também deve prever:
a) A produção em larga escala de materiais de construção, medicamentos, roupas, livros e todos os produtos essenciais para a vida, garantida a sua distribuição a preço de custo ou subsidiados, ao passo que todos os produtos considerados supérfluos terão sua produção sobretaxada;
b) A reordenação espacial do desenvolvimento econômico e social, com a criação de polos de desenvolvimento no interior e planos diretores para as grandes cidades visando à harmonização e equalização do processo;
c) Ampla reforma urbana, visando à democratização do uso do solo e a redução das desigualdades sociais, bem como o macroplanejamento urbano, com a criação de entes administrativos para as regiões metropolitanas; garantia da mobilidade urbana, da universalização do provimento de infraestrutura, de serviços sociais e dos serviços urbanos;
d) Reforma Agrária sob controle das organizações dos trabalhadores, de forma a democratizar a posse da terra, especialmente com a construção de grandes fazendas estatais e cooperativas agropecuárias, estas em regime de usufruto e propriedade estatal;
e) Política agrícola voltada para a produção de alimentos para o mercado interno, com garantia de financiamento e preços mínimos, oferta de infraestrutura de armazenagem e escoamento da produção, apoio técnico e incentivo à cooperativização;
f) Política de incentivo à pesquisa e desenvolvimento tecnológico, envolvendo universidades, institutos de pesquisas governamentais e empresas públicas, voltada para as necessidades da maioria da população e em consonância com as potencialidades do país;
g) Produção de energia a partir de fontes renováveis; aceleração do programa de utilização do álcool combustível, do biodiesel e de pesquisa para o uso mais intensivo da biomassa, das energias eólica e solar; tratamento estratégico para as reservas de petróleo e de outros recursos minerais brasileiros, com seu ritmo de extração determinado para a garantia do suprimento de longo prazo das necessidades internas e com o reinvestimento de parte majoritária das receitas geradas na pesquisa de novas fontes de energia renováveis e no provimento de infraestrutura produtiva e social.
O Programa do PCB prevê ainda a implantação do sistema de planejamento centralizado, visando à introdução progressiva de mecanismos de regulação e controle de mercados e a implementação de instâncias decisórias nas grandes empresas, com a participação direta dos trabalhadores.
Por isso, como medidas imediatas, propomos:
a) Criação de grandes empresas produtivas estatais, com a participação direta dos trabalhadores na sua gestão;
b) Monopólio estatal do petróleo, com a reestatização plena da Petrobrás, a extinção da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e a anulação de todos os contratos de risco e leilões realizados em território brasileiro;
c) Gerência dos recursos do pré-sal pela Petrobrás, garantida sua distribuição aos Estados na proporção inversa do IDH;
d) Reestatização da Vale do Rio Doce, da Embraer e de todas as empresas estatais estratégicas que foram privatizadas;
e) Reestatização do sistema de geração e distribuição de energia elétrica;
f) Fim das agências reguladoras, passando suas atribuições para os respectivos Ministérios;
g) Controle sobre a entrada e saída de capitais, com a estatização do sistema bancário e do câmbio, o monopólio cambial e a adoção do regime de câmbio fixo;
h) Reforma tributária e política fiscal orientada para a taxação dos lucros das grandes empresas privadas, dos ganhos do sistema financeiro e das grandes fortunas, voltada para o financiamento desenvolvimento social;
i) Isenção de imposto de renda sobre salários;
j) Redução das taxas de juros para geração dos investimentos necessários à retomada do desenvolvimento social voltado à garantia de qualidade de vida da população;
l) Declaração da moratória da dívida interna, com a instituição de uma auditoria e a imediata suspensão dos pagamentos de todas as formas de juros dessa dívida;
m) Fim da autonomia do Banco Central.

4 – Uma Nova Política Social: mais qualidade de vida, mais e melhores direitos

O desenvolvimento científico e tecnológico, a Educação, a Saúde, a Habitação, a Cultura, os transportes públicos e as demais áreas vitais para o desenvolvimento social devem ter caráter predominantemente estatal, de acesso universal e alta qualidade, com o aumento radical de sua participação nos orçamentos e com a instauração de mecanismos de controle direto pelos trabalhadores.
O Programa do PCB prevê novas metas para o desenvolvimento econômico e social, com destaque para:
a) Criação de um sistema previdenciário único e universal para todos os trabalhadores, com a garantia de pensões e aposentadorias plenas; fim do fator previdenciário; eliminação do desemprego e dos empregos informais; garantia de renda mínima, alimentação e abrigo em caráter emergencial para toda a população; imediata redução da jornada de trabalho, sem redução dos salários; fim do banco de horas e elevada taxação das horas extras; elevação imediata do salário mínimo, de acordo com o DIEESE, e dos salários médios, visando recompor o poder de compra dos trabalhadores, com o atendimento às necessidades fundamentais e a melhoria da qualidade de vida;
b) Garantia da vida, com a caracterização do acesso à saúde pública, gratuita e de qualidade como um direito; estatização do sistema privado de saúde e expansão da rede pública, com garantia de acesso a todos os níveis; instituição do programa de saúde da família em todo o país; elevação dos salários dos profissionais da área e implementação de uma política associada de produção e comercialização de medicamentos a baixo preço; universalização do acesso ao saneamento básico; legalização do aborto e fim da criminalização das mulheres que o praticam; políticas públicas universais que garantam assistência à gestação, ao parto e ao puerpério, assim como os cuidados necessários ao desenvolvimento pleno da criança: creche, escola, lazer, saúde.
c) Universalidade do acesso à educação, com apoio à expansão dos sistemas de ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior; apoio à expansão e melhoria das redes de ensino tecnológico, com elevação dos salários dos profissionais e melhoria da qualificação do magistério; oferta de bolsas de estudo e apoio material para os estudantes; erradicação do analfabetismo em todo o país; ação cultural voltada para o resgate dos valores e referências nacionais e para a participação na construção de uma nova sociedade;
d) Garantia do direito à moradia, com uma política habitacional voltada para o financiamento público de habitações de baixa renda integradas à infraestrutura urbana, apoiada em pesquisa e desenvolvimento tecnológico dirigido para este setor; realização de uma reforma urbana, com a desapropriação de espaços urbanos ociosos destinados à especulação, para a construção de praças, parques e habitações populares nas grandes metrópoles, de forma a zerar o déficit habitacional nessas regiões e expandir o programa para todas as cidades do país;
e) Desenvolvimento de uma política de transportes públicos de qualidade nos grandes centros urbanos, com ênfase no metrô e veículos leves sobre trilhos; elaboração de um planejamento integrado dos transportes, com a estatização das ferrovias, a recuperação do sistema atual e a construção de uma rede ferroviária e aquaviária para o transporte de produtos industrializados e mercadorias em geral; reestatização dos portos;
f) Ampla reforma do sistema judiciário, com a garantia do acesso à assistência jurídica para todos, acompanhamento dos trabalhos da Justiça pelos trabalhadores e cumprimento das leis; elevação do patamar dos direitos sociais e políticos dos trabalhadores;
g) Pleno direito dos trabalhadores organizados e da sociedade em geral à divulgação e ao acesso à informação, à livre circulação das ideias, à ampla divulgação dos debates políticos e à produção cultural; fortalecimento do Estado e organização de foruns participativos e decisórios no âmbito do Poder Popular para definição das políticas públicas de comunicação; criação de rede estatal de televisão e rádio, com programação voltada para a cultura e a livre circulação de informações; revisão das concessões atuais das emissoras de rádio e tv, para a garantia de mais densidade cultural na programação e de não interferência política dos interesses econômicos na geração e difusão de informações.

5 – Fim da destruição capitalista do meio-ambiente

O PCB defende tratamento prioritário para a questão ambiental, tendo como principal eixo a retirada dos recursos ambientais não renováveis e a preservação ambiental da influência e dos ditames dos interesses do mercado capitalista. É preciso garantir a sustentabilidade do meio-ambiente, com a recuperação de áreas degradadas, o reflorestamento e a reordenação da produção para a redução dos gastos com recursos naturais e de energia. Por isso propomos:
a) A criação de áreas de desenvolvimento especiais, com destaque para a Amazônia, o Nordeste, visando a implantação de um modelo de desenvolvimento autossustentado, com a proibição da ocupação de áreas como a floresta amazônica para a pecuária e a formulação de um projeto para a sua exploração econômica racional;
b) Programas especiais de proteção aos biomas, de controle e redução da poluição do ar, de uso racional dos recursos naturais, de reciclagem, remanufatura e tratamento de resíduos;
c) Programas voltados para a melhoria do desempenho ambiental de todas as atividades da vida social, com destaque para a reordenação geral da produção, a desmaterialização de produtos e a introdução de sistemas produtivos de ciclo fechado;
d) Uso racional e soberano das reservas de recursos naturais brasileiros, visando garantir a sustentabilidade intertemporal e a substituição progressiva do uso dos recursos não-renováveis pelos recursos renováveis, no que se refere ao consumo de matérias primas e à geração de energia;
e) Prioridade para o desenvolvimento dos modos de transporte ferroviário e aquaviário.

6 – Uma nova inserção internacional: inserção comercial de novo tipo, soberania e solidariedade

No que tange à inserção internacional do Brasil, propomos:
a) No campo econômico, inversão da atual inserção brasileira no mercado mundial como exportador de matérias-primas e importador de capitais, voltando parte das áreas agrícolas para o consumo interno; equilíbrio na composição das trocas comerciais, diversificando a pauta de exportações – que não mais priorizará as commodities agrícolas; prioridade para as importações de máquinas e equipamentos e para políticas de proteção ao mercado interno; parcerias com os países latino-americanos e os países em desenvolvimento de outras regiões para o estabelecimento de trocas comerciais mais justas; ruptura com as políticas do FMI, com a denúncia da dívida externa e a suspensão dos seus pagamentos, com auditoria; fim dos contratos de empréstimos com os grandes grupos financeiros internacionais;
b) No campo político, busca de alianças entre os países em desenvolvimento, assumindo uma posição soberana e independente com os países desenvolvidos; prioridade para as alianças na América Latina e para a construção das bases econômicas com vistas ao desenvolvimento econômico e social da região em bases igualitárias; política externa antiimperialista, trabalhando pela paz e pela solidariedade efetiva aos povos e países em luta pela autodeterminação e soberania; fortalecimento dos instrumentos atualmente existentes, como a ALBA, Banco do Sul e Unasul e criação de outros mecanismos que possibilitem uma integração mais rápida dos países latino-americanos;
c) No campo institucional, a reformulação do sistema das Nações Unidas, com vistas à construção de uma nova rede de instituições multilaterais igualitária e capaz de intervir para a superação das desigualdades econômicas e sociais entre os povos; a criação de uma União Latino-Americana voltada para a classe trabalhadora, para o desenvolvimento econômico e social equilibrado e harmonioso de toda a região, visando um novo patamar de integração internacional soberano e fundado nos princípios da paz e da justiça social, iniciativa que deve estender-se para além do comércio e da produção material, cobrindo as áreas da saúde, da educação, da cultura, do meio-ambiente e de todas as demais áreas afins; participação nos fóruns internacionais incentivando encontros de governos de países não desenvolvidos e em desenvolvimento para o enfrentamento comum das desigualdades; fortalecimento das alianças internacionais com os governos progressistas da América Latina; luta pelos acordos internacionais para o combate aos problemas ambientais.
d) No campo militar, fortalecimento da defesa do país, com todos os equipamentos necessários para que haja condições efetivas contra as ameaças do imperialismo, enquanto nação soberana, tanto no que se refere ao território, especialmente a Amazônia, bem como as águas territoriais brasileiras e as riquezas nelas encontradas; reestruturação das Forças Armadas, dentro de uma nova doutrina de segurança popular, cujos elementos centrais serão sua transformação em instrumento a serviço da população e do Poder Popular; busca de alianças nos marcos da América Latina para a defesa comum e o desenvolvimento integrado da região; fortalecimento do programa nuclear, em aliança com a Argentina e outros parceiros, para a geração de energia e demais fins pacíficos;
e) Respeito à autodeterminação dos povos e a seu direito de resistência frente à opressão e à dominação estrangeira; pelo reconhecimento das FARC como organização política insurgente, condição para negociações de paz com justiça social na Colômbia, país que vem se transformando numa base militar norte-americana e numa ameaça para toda a América Latina;
f) Retirada imediata das tropas brasileiras do Haiti e sua substituição por médicos, engenheiros e professores; posicionamento pelo fim do bloqueio a Cuba e contra a base dos Estados Unidos em Guantánamo; pelo fim da ocupação militar imperialista no Iraque, no Afeganistão e na Palestina; apoio à criação do Estado Palestino democrático, popular e laico, sobre o solo pátrio palestino; devolução do Arquivo Nacional do Paraguai e renegociação do acordo de Itaipu; apoio aos processos de mudanças na Bolívia, na Venezuela e em outros países; pela retirada da Quarta Frota dos mares da América do Sul, das bases militares na Colômbia e outros países; pela revogação do acordo militar Brasil/Estados Unidos.

PCB – Partido Comunista Brasileiro
Comitê Central
julho de 2010

06/07/2010

REGISTRADAS AS CANDIDATURAS DO PCB: IVAN PINHEIRO – PRESIDENTE E EDMILSON COSTA – VICE

No dia de hoje, no final da tarde, foram registradas as candidaturas nacionais do PCB, com a entrega da documentação necessária e, cumprido todos os requisitos.
Ao todo foram registradas até o prazo final 9 (nove) candidaturas, incluindo a do PCB. Com isso nosso candidato a Presidente terá direito a 40 (quarenta) programas eleitorais gratuitos de 55 segundos cada um, em 20 dias, as terças, quintas e sábados, a partir de 17 de agosto.
Em todos os Estados em que o Partido está organizado, nossas candidaturas foram devidamente registradas. Dentro em breve informaremos o conjunto dos candidatos do PCB no âmbito estadual.
Nosso candidato a Presidente foi entrevistado logo após o registro por todos os jornais e redes de televisão.
Nesta eleição teve uma novidade positiva. Os partidos tiveram que apresentar como um dos requisitos para a candidatura um programa político para o Brasil.
O programa político do PCB, que é uma proposta para uma ampla discussão, numa campanha movimento, encontra-se em anexo.

05 de junho de 2010 - 19:30h
Secretariado Nacional do PCB

05/07/2010

Negacionismo e liberdade de investigação

Por Domenico Losurdo*

A condenação do judeicídio não se pode dissociar da condenação das infâmias coloniais do Terceiro Reich. Verdadeira e falsa crítica do negacionismo.

"Hitler nunca ordenou ou permitiu que se matasse uma pessoa por motivo da raça ou da religião": pode-se ler esta defesa da honra do Führer e do Terceiro Reich na mais recente intervenção de Robert Faurisson. Depois de ter criminalizado o processo iniciado com a revolução de Outubro e de ter procedido à reabilitação mais ou menos explícita de Mussolini, de Franco, dos "rapazes de Saló", o revisionismo histórico em raivoso ataque desde há decénios chega às suas lógicas conclusões.
1. Negacionismo antijudaico e negacionismo filocolonialista
Para compreender o absurdo da tomada de posição de Faurisson, basta pô-la em confronto com a descrição que da guerra conduzida pela Alemanha nazi na Europa oriental faz outro expoente de destaque do revisionismo histórico, que é David Irving. Apesar das suas reticências e piruetas, não consegue esconder o essencial: faz alusão aos "bárbaros massacres de judeus soviéticos" e reconhece que, embora "coberta de eufemismo subtis", "toda a actividade homicida dos nazis" era porém destinada a matar "sem distinções de classe social, de sexo ou de idade"; as próprias brigadas especiais só conseguiam levar a cabo a sua tarefa "sob os efeitos do álcool". Estas concessões porém são gravemente atenuadas pela tese de que Hitler não devia estar ao corrente do que se passava! Contudo, é o próprio Irving quem observa que o Führer considerava "excelente" e merecedora da mais ampla difusão a proclamação com que o general W. von Reichenau esclarecia aos seus soldados um ponto essencial: devia-se exigir "um duro mas justo tributo aos sub-humanos judeus". A desumanização das vítimas, degradadas a Untermenschen, abre as portas à "solução final". Se ridículos são os contorsionismos de Irving, é um verdadeiro insulto à verdade histórica e à memória das vítimas o que se pode ler nas palavras de Faurisson. Como obstar ao desvio revisionista, mais ou menos radical, que se manifesta em sectores significativos da cultura ocidental? Façamos só mais uma pergunta: são apenas os judeus a ser insultados pela reabilitação mais ou menos explícita do fascismo e até do Terceiro Reich? Reflicta-se na declaração de Faurisson que citei no início: "Hitler nunca ordenou ou permitiu que se matasse uma pessoa por motivo da raça ou da religião". Já vimos a sorte reservada aos judeus no decorrer da guerra contra a União Soviética. Mas agora leiamos as disposições dadas pelo Führer nas vésperas da agressão contra a Polónia: impõe-se a "eliminação das forças vitais" do povo polaco; deve-se "proceder de modo brutal" sem se deixar tolher pela "compaixão"; "o direito está do lado do mais forte". Análogas ou talvez ainda mais drásticas são as directivas que presidem à operação Barbarroxa: uma vez capturados, é preciso eliminar imediatamente os comissários políticos, os quadros do Exército Vermelho, do Estado soviético e do Partido Comunista; no Oriente impõe-se uma "dureza" extrema e os oficiais e soldados alemães são chamados a "superar as suas reservas" e os seus escrúpulos morais. No âmbito do seu projecto de edificação de um grande império continental na Europa oriental, Hitler por um lado assimila os habitantes desta área aos peles-vermelhas: eles devem ser expropriados e dizimados de modo a consentir a expansão colonial da raça branca e ariana; por outro lado a população restante está destinada a prestar trabalho servil ao serviço da raça dos senhores. Mas para que povos de civilização antiga possam ser reduzidos à condição de peles-vermelhas (a expropriar e dizimar) e de negros (a escravizar), "todos os representantes da intelectualidade polaca" e russa – sublinha o Führer – "têm de ser aniquilados"; "isto pode parecer duro mas não deixa de ser uma lei da vida". Assim se explica a sorte reservada na Polónia ao clero católico, na URSS aos quadros comunistas, e em ambos os casos aos judeus, bem presentes nas camadas intelectuais e suspeitos de inspirar e alimentar o bolchevismo. Como se vê, o negacionismo de Faurisson é um insulto à memória dos judeus, sim, mas também dos polacos, dos russos, etc: estamos na presença de "raças" às quais a hitleriana "raça dos senhores" é chamada a impor, com modalidades diferentes, um destino trágico. Não faltam porém as críticas vindas de certos ambientes a estas considerações. Argumentar deste modo, dizem eles, significaria proceder a uma intolerável multiplicação do número dos negacionismos. É a objecção clássica dos dogmáticos, que se recusam a reflectir sobre as categorias que eles utilizam: na formulação de regras gerais do discurso, vêem uma ameaça à sua pretensão de se comportarem como juízes soberanos e inapeláveis. Resta o facto de a denúncia em sentido único do negacionismo de Faurisson se mostrar ela mesma afectada de negacionismo. E é precisamente este último negacionismo que hoje em dia é mais difundido e mais perigoso.
2. Como os historiadores da corte omitem a guerra colonial de extermínio contra a União Soviética
Veja-se um historiador de sucesso na corte imperial de Washington, que escreve no Wall Street Journal e que dá pelo nome de Robert Conquest. Este, falando de Hitler, afirma peremptoriamente: "Embora odiasse o comunismo “judaico”, ele não odiava os comunistas". Toda a gente sabe que, desde o seu advento, o Terceiro Reich desencadeou uma sanguinária repressão contra os comunistas. E esta verdade não é desmentida de modo nenhum pelo pacto de não-agressão em vigor entre a Alemanha e a União Soviética de 1939 a 1941. Como recordei no meu último livro (Il linguaggio dell'Impero), quatro anos antes do pacto de não-agressão os sionistas já haviam estipulado em 1935 um acordo com vista à deslocação para a Palestina de um número consistente de judeus alemães com uma parte considerável dos seus bens; mas isto em nada diminui a ferocidade anti-semita do regime hitleriano. Por outro lado, para os nazis, judaísmo e bolchevismo tendem a ser a mesma coisa: não é por acaso que a revolução de Outubro é rotulada como o resultado da conspiração judaico-bolchevique. Mas o historiador da corte omite este capítulo de história, tal como ignora o facto de o furor anticomunista do nazismo estar intimamente ligado ao seu programa colonialista: os comunistas que estimulam a revolução das "raças inferiores" são identificados como o obstáculo principal ao projecto de construção na Europa de um grande império continental. Assim se compreendem as modalidades com que o Terceiro Reich conduz a agressão contra a União Soviética. Vamos reconstruí-la seguindo a pista do recente e corajoso livro de Geoffrey Roberts: "Nos fins de 1941 os alemães tinham capturado 3 milhões de prisioneiros soviéticos. Em Fevereiro de 1942 morreram 2 milhões destes prisioneiros, na sua maioria devido à inanição, às doenças e aos maus tratos. Além disso, os alemães procederam directamente à execução dos prisioneiros suspeitos de serem comunistas". Isto é, logo nos poucos meses iniciais da operação Barbarroxa, os nazis matam ou provocam a morte de mais de dois milhões de soviéticos, atingindo em primeiro lugar os comunistas. E mais: enquanto é obrigado a esconder-se para escapar à "solução final", um eminente intelectual alemão de origem judaica (Victor Klemperer) escreve uma nota de diário em que se deve reflectir. Estamos em Agosto de 1942 e a Zeiss-Ikon recorre ao trabalho forçado de operárias polacas, francesas, dinamarquesas, judias e russas; a situação destas últimas é particularmente dura: "Passam tanta fome que as camaradas judias intervêm em seu auxílio. É proibido; mas deixa-se cair uma fatia. Passado algum tempo a russa baixa-se e depois desaparece com o pão para a retrete". Portanto, segundo este testemunho, a condição das escravas russas (ou soviéticas) às vezes era até pior do que a das escravas judias. Mas Conquest passa de maneira desenvolta por cima da questão colonial. Assim, ele impede a compreensão do próprio judeicídio: comunistas e judeus, identificados com frequência, são atingidos por uma violência particular, porque estão rotulados como os principais responsáveis da revolta dos povos coloniais. Em Hitler e no seu principal ideólogo (Alfred Rosenberg) não se poupam os avisos contra a ameaça que o Untermensch, o sub-homem bolchevique, ou melhor: judaico-bolchevique representa para o predomínio da raça branca, aliás do Ocidente, aliás da raça ariana, numa palavra: do único mundo que representa a causa da civilização. O historiador caro ao Wall Street Journal está empenhado em romper esta solidariedade (tão bem ilustrada por Klemperer) que as vítimas, em condições trágicas, foram capazes de estabelecer perante os seus carnífices. Estamos em presença de um negacionismo particularmente repugnante.
3. O negacionismo como mito genealógico dos Estados Unidos
Quem sofre o insulto do negacionismo são as vítimas do colonialismo, e não só do hitleriano. Há uns anos, outro historiador aclamado na corte imperial de Washington, John Keegan, publicou um livro cujo conteúdo foi assim sintetizado no título do maior jornal italiano: "Índios maus e egoístas. Viva Custer". Com efeito, deparamos aqui com uma homenagem, pelo menos indirecta, a Custer, o general que na sua correspondência privada, fazendo-se eco dos humores amplamente difundidos na comunidade branca da época, se pronuncia por uma "guerra de extermínio". Ao rotular como "rico egoísta" o índio que pretendia monopolizar para si uma terra escassamente povoada e se opõe à expansão branca, Keegan não repara que retomou a teoria do "espaço vital", a teoria com base na qual Hitler legitimou a sua guerra de extermínio contra os "indígenas" da Europa oriental. Percebe-se muito bem a indulgência da ideologia dominante em relação ao negacionismo que recalca os horrores da tradição colonial, desde os conquistadores da "descoberta" da América até ao Terceiro Reich. Em primeiro lugar chamar a atenção para este longo processo histórico significa de qualquer modo prestar homenagem à tradição revolucionária, dos jacobinos (que aboliram a escravatura nas colónias francesas) aos bolcheviques (que apelam aos povos das colónias para que despedacem as suas cadeias) e ao Exército Vermelho que em Estalinegrado destrói o sonho hitleriano de renovar na própria Europa as pompas sangrentas da tradição colonial. Em segundo lugar é de notar que o negacionismo, umas vezes explícito outras implícito, da tragédia sofrida pelos ameríndios e pelos afro-americanos é um elemento constitutivo essencial do mito genealógico dos Estados Unidos, que só se podem autocelebrar como "a mais antiga democracia do mundo" na condição de se considerar implicitamente irrelevante a sorte reservada à massa dos que durante séculos foram excluídos, oprimidos ou aniquilados pelo povo dos senhores. Para além das personalidades comprometidas na primeira fila na luta política e portanto, compreensivelmente, pouco interessadas em pôr em causa o mito genealógico (e a ideologia da guerra) do país-guia do Ocidente e do Ocidente enquanto tal, o negacionismo caracteriza também a alta cultura dos Estados Unidos e da Europa. Reflicta-se na aura de santidade que nas duas margens do Atlântico rodeia a figura de Tocqueville. Este visita os Estados Unidos quando o presidente é Jackson, proprietário de escravos (à semelhança de quase todos os presidentes dos primeiros decénios de vida do novo país), protagonista da deportação dos Cherokee (morrem 25% logo no decorrer da viagem de deslocação) e campeão da luta total contra esses "cães selvagens" que são os índios: ele adora encarniçar-se até sobre os seus cadáveres, para obter lembranças que distribui entre amigos e conhecidos. Teria razão Tocqueville ao apontar como exemplo de "democracia" os Estados Unidos de Jackson, e em geral o país que foi dos últimos a abolir a escravatura no continente americano e que aliás reintroduz essa instituição no Texas arrebatado ao México através da guerra? É sintomático que esta questão elementar continue a ser iludida. Em terceiro lugar, é bem difícil para o Ocidente e sobretudo para o seu país-guia regular as contas até ao fim com a tradição colonial, num momento em que Washington se arroga o direito de exportar com a força das armas a civilização a todos os recantos do mundo. E enfim: livre das infâmias de que Hitler se mancha em prejuízo dos "índios" e dos "negros" da Europa oriental, o judeicídio é chamado a justificar não só a fundação de Israel, mas também a sua política de expansão colonial. O horror inesquecível sofrido pelos judeus no Terceiro Reich é utilizado para recalcar a opressão e a tragédia que, certamente em condições e com modalidades completamente diferentes, desde há decénios sofrem os palestinos. No século XIX, com Bernard Lazare, a grande cultura judaica de esquerda tentou promover a emancipação dos judeus, já não arrancando qualquer concessão colonial às grandes potências da época, mas inserindo num projecto revolucionário conjunto de orientação anti-colonialista e anti-imperialista a luta dos judeus e a dos outros povos oprimidos, a luta contra o anti-semitismo e contra o racismo colonial. Daí em Lazare a comparação entre os sofrimentos passados pelos judeus e os infligidos aos negros nas colónias africanas da Alemanha ou de outros países, aos árabes atacados pela expansão colonial da Itália ou aos irlandeses há séculos oprimidos pela Inglaterra. No século XX vimos Klemperer sublinhar a solidariedade entre escravas judias e escravas russas e soviéticas do Terceiro Reich. É esta grande tradição que agora se tenta isolar e fazer calar.
4. O Apelo dos historiadores pela liberdade de expressão
Neste contexto é conveniente reflectir na legislação já em vigor em países como a França, a Alemanha, a Áustria e que agora tende a alargar-se também à Itália e à União Europeia no seu conjunto. Contra esta eventualidade pronunciou-se um Apelo promovido por historiadores eminentes como Angelo d'Orsi, Enzo Traverso, etc, que obteve uma adesão em massa na comunidade dos historiadores e que também subscrevi: deve-se respeitar a liberdade de opinião e de expressão; a verdade histórica não é uma doutrina ou religião de Estado, a impor com o recurso à polícia e aos juízes. Não é de espantar que a estes argumentos se revelem surdos os ideólogos oficiais do Ocidente "democrático"; mais surpreendente é a falta de sensibilidade de que dão prova os ambientes de uma certa esquerda, os quais geralmente adoram gabar-se de ter rompido com o subestimar da "liberdade formal" que invalidava o "socialismo real". A legislação liberticida deve deixar-nos indiferentes porque atinge Irving, Faurisson e outras personagens do mesmo tipo? Pelo menos à esquerda a que acabei de aludir desejo lembrar a condenação formulada em 1925 por Gramsci da lei mussoliniana contra as lojas maçónicas: na realidade tinha em vista abrir caminho para a repressão do movimento operário. Nos nossos dias é preocupante a anticomunista caça às bruxas que caracteriza o clima político da Europa oriental… Mas à justa defesa da liberdade de opinião e de expressão, que está no centro do Apelo dos historiadores e que só pode garantir uma luta credível e eficaz contra o revisionismo histórico e o negacionismo, desejaria acrescentar mais um argumento. A chamada legislação anti-negacionista, já em vigor ou a promulgar, sanciona uma dupla e intolerável discriminação: Irving, que, embora de maneira parcial e retorcida reconheceu as infâmias antijudaicas do Terceiro Reich, passou um ano na prisão; os historiadores que escarnecem das vítimas soviéticas da barbárie nazi ou que desfiguram a guerra de extermínio contra os índios (assumida como modelo por Hitler), são os heróis da cena mass-mediática ocidental. A segunda e mais grave discriminação é a que se faz entre as vítimas: está garantida a memória de umas, mas não de outras. Assistimos aliás a um fenómeno em que vale a pena reflectir: enquanto se quer alargar a toda a União Europeia a legislação anti-negacionista, eis que na Estónia é removido o monumento que presta homenagem à memória dos soldados soviéticos. Ao que parece, não faltam sequer as tentativas de reabilitação ou de compreensão do Terceiro Reich. Há um episódio revelador do clima que se está a afirmar desde há uns anos. Em Abril de 2000 o então embaixador da Letónia na Noruega escreveu uma carta ao International Herald Tribune em que explicava assim o pedido de admissão à UE e à Nato: o país tinha intenções de reafirmar as "raízes europeias" e ocidentais e os "laços culturais nórdicos". É de estarrecer: assim ressurge um motivo caro em particular a Rosenberg e em geral ao Terceiro Reich, que conduziu a Leste a sua guerra colonial de escravização e de extermínio precisamente celebrando a superior civilização europeia e nórdica, em contraposição à barbárie asiática. E por outro lado, o Conquest que já conhecemos põe no centro do seu discurso a celebração da superioridade dos "anglo-celtas" em relação a todos os outros povos do mundo. É um motivo racial que, com uma ou outra variante, suscitaria o entusiasmo de Hitler. Uma conclusão se impõe: para ser eficaz, a luta contra o negacionismo tem de se travar até ao fim e sem reproduzir, mesmo involuntariamente que seja, novas discriminações. Trata-se porém de uma luta que não se pode conduzir seguindo na peugada dos responsáveis do desvio revisionista que desde há decénios ataca com raiva no Ocidente! Bibliografia
Robert Faurisson, Vittorie revisioniste, Effepi, Genova, 2007, p. 12; Robert Conquest, Stalin Breaker of Nations (1991), Penguin Books, New York, 1992, p. 174; Geoffrey Roberts Stalin's Wars. From World War to Cold War, 1939-1953, Yale Universitry Press, New Haven and London, 2006, p. 85; Victor Klemperer, Ich will Zeugnis ablegen bis zum letzten, Aufbau, Berlin, 1996 (5ª edição), vol. II, p. 194; Adolf Hitler, Reden und Proklamationen 1932-1945, org. de Max Domarus, Süddeutscher Verlag, München, 1965 (ver sobretudo os discursos de 22 de Agosto de 1939, 28 de Setembro de 1940 e 30 de Março e 8 de Novembro de 1941; Valdis Krastins, Latvia's Past and Present, in International Herald Tribune del 7/4/2000, p. 7. Quanto a textos não indicados aqui, remeto para o meu livro recém-publicado: "Il linguaggio dell'Impero. Lessico dell'ideologia americana", Laterza, Roma-Bari. ___________________________________________________________________
*Diretor do Instituto de Ciência Filosófica e Pedagógica da Universidade de Urbino, Itália. d.losurdo@uniurb.it
O original encontra-se em http://domenicolosurdopolemicalibertaricerca.blogspot.com/. Tradução de José Barreiros.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .