06/08/2010

O Brasil do "progressista" governo Lula Avança o monopólio da terra para produção de agrocombustíveis

por Maria Luisa Mendonça [*]
A expansão do monocultivo de cana-de-açúcar
Trabalho escravo
Desemprego e trabalho degradante
Migração
Luta camponesa
Nota
O monopólio da terra segue como tema central diante do avanço do capital sobre recursos estratégicos em todo o mundo. Nesse contexto, a produção de agrocombustíveis cumpre o papel de justificar este processo, a pretexto de servir como suposta alternativa para a crise climática [NR 1] . Porém, quando falamos sobre mudanças climáticas, estamos realmente nos referindo a mudanças no uso do solo, com a expansão dos monocultivos, da mineração, das grandes barragens, e outros projetos de controle de recursos energéticos, que estão na raiz da crise climática. No Brasil, os velhos usineiros [NR 2] , agora travestidos de empresários "modernos", em consequência da propaganda sobre as supostas vantagens do etanol, intensificam suas campanhas internacionais para vender o produto. Recentemente, ganharam um reforço especial, com o anúncio do governo sobre acordos trabalhistas e de zoneamento ambiental. Porém, um breve relato sobre as atuais tendências do setor é suficiente para mostrar que estas são apenas medidas de fachada. As características que historicamente marcaram a oligarquia rural no Brasil permanecem inalteradas. Ou seja, o monopólio da terra, a exploração do trabalho e de recursos naturais estratégicos. A principal mudança tem sido a presença crescente do capital internacional na indústria dos agrocombustíveis. Há alguns anos verifica-se um aumento do ritmo de aquisições no setor sucroalcooleiro, com um crescimento na participação de empresas estrangeiras e um aumento na concentração do poder econômico de determinados grupos. A participação de empresas estrangeiras na indústria da cana no Brasil cresceu de 1% em 2000 para 20% em 2010. Existem cerca de 450 usinas no Brasil, controladas por 160 empresas nacionais e estrangeiras. De acordo com estudo do grupo KPMG Corporate Finance, de 2000 a setembro de 2009, ocorreram 99 fusões e aquisições de usinas no Brasil. Entre estas, 45 negociações aconteceram no período de 2007 a 2009, sendo que em 22 casos ocorreu a compra de uma usina nacional por um grupo estrangeiro. Em outubro de 2009, a empresa francesa Louis Dreyfus Commodities anunciou a compra de cinco usinas da Santelisa Vale, de Ribeirão Preto (SP). A fusão criou o grupo LDC-SEV Bioenergia, tornando-se o segundo maior produtor mundial de açúcar e etanol. O grupo pretende produzir 40 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano e tem participação acionária das famílias Biaggi e Junqueira, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do banco Goldman Sachs. Uma nova característica da indústria do etanol, se comparada ao Pró-Alcool da década de 1970, é a aliança entre setores do agronegócio com empresas petroleiras, automotivas, de biotecnologia, mineração, infraestrutura e fundos de investimento. Neste cenário, não existe nenhuma contradição destes setores com a oligarquia latifundista, que se beneficia da expansão do capital no campo e do abandono de um projeto de reforma agrária. Em 2009, a empresa petroleira britânica British Petroleum (BP) anunciou que irá produzir etanol no Brasil, com um investimento de US$ 6 mil milhões de dólares nos próximos dez anos. A BP irá atuar através da Tropical Bioenergia, em associação com o Grupo Maeda e a Santelisa Vale, em Goiás, que contam com uma área de 60 mil hectares para a produção de cana no estado. Em julho de 2009, a Syngenta divulgou a aquisição de terras para produzir mudas de cana-de-açúcar na região de Itápolis (SP). O projeto inclui a produção de mudas transgênicas e pretende se expandir para outros estados, como Goiás, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul. No início de 2010, ocorreram novas fusões. Em janeiro, a multinacional agrícola Bunge anunciou a compra de quatro usinas do Grupo Moema, incluindo a usina Itapagipe que tinha participação acionária de 43,75% da empresa norte-americana Cargill. Com a negociação, a Bunge passará a controlar 89% da produção de cana do Grupo Moema, estimada em 15,4 milhões de toneladas por ano. Em fevereiro, foi anunciada a fusão da ETH Bioenergia, do grupo Odebrecht, com a Companhia Brasileira de Energia Renovável (Brenco), que pretende se tornar a maior empresa de etanol no Brasil, com capacidade para produzir três mil milhões de litros por ano. Alguns dos acionistas da Brenco são Vinod Khosla (fundador da Sun Microsystems), James Wolfensohn (ex-presidente do Banco Mundial), Henri Philippe Reichstul (ex-presidente da Petrobrás), além da participação do BNDES. Já a Odebrecht tem sociedade com a empresa japonesa Sojitz. O novo grupo irá controlar cinco usinas: Alcídia (SP), Conquista do Pontal (SP), Rio Claro (GO), Eldorado (MS) e Santa Luzia (MS). O conglomerado ainda participa da construção de um alcoolduto entre o Alto Taquari e o porto de Santos, e pretende instalar usinas na África. A empresa pretende captar R$ 3,5 mil milhões até 2012, dos quais pelo menos 20% virão do BNDES, além de outros R$ 2 mil milhões que o banco já investiu anteriormente na Brenco. Nesta mesma linha, em fevereiro de 2010, a gigante petroleira holandesa Shell anunciou uma associação com a Cosan para a produção e distribuição de etanol, com o objetivo de produzir 4 mil milhões de litros até 2014. Ao divulgar a operação, a nota da Shell afirmava que pretende criar "um rio de etanol, correndo desde as plantações no Brasil até a América do Norte e a Europa". Apesar da repercussão internacional da prática de trabalho escravo na Cosan, a empresa segue como líder no setor. Seguindo esta tendência, a Vale anunciou que pretende produzir diesel a partir do óleo de palma na região amazônica a partir de 2014, através de uma parceria com a empresa Biopalma da Amazônia S.A. A intenção é produzir 500 mil toneladas de óleo de palma por ano. Parte do combustível será utilizada nas locomotivas da estrada de ferro e nas minas de Carajás, no Pará.
A expansão do monocultivo de cana-de-açúcar
Em relação ao avanço territorial do monocultivo de cana, dados da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) mostram que, em 2006, eram 4,5 milhões de hectares e, em 2008, chegaram a 8,5 milhões de hectares. Na safra de 2009 houve um aumento de 7,1% em relação a 2008. Esta expansão é estimulada por recursos públicos. Entre 2008 e 2009, estima-se que o setor sucroalcooleiro tenha recebido mais de R$ 12 mil milhões do BNDES. Esta verba é extraída, em grande medida, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Segundo a CONAB, 45,08% da safra foi destinada à produção de açúcar e 54,9% à produção de etanol, que resultou em 25,87 mil milhões de litros do produto. A expansão da área plantada foi de 6,7%, ou cerca de 473 mil hectares. A maior expansão ocorreu na região do Cerrado, principalmente em Mato Grosso do Sul (38,80%) e Goiás (50,10%). Dados do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás, indicam que o ritmo atual de desmatamento do Cerrado poderá elevar de 39% para 47% o percentual devastado do bioma até 2050. A pesquisa demonstra ainda que a destruição do Cerrado coloca em risco a disponibilidade de recursos hídricos para o Pantanal e a Amazônia, pois estes biomas estão interligados.
Trabalho escravo
As usinas de cana se tornaram campeãs em trabalho escravo nos últimos anos. De acordo com dados da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2007, dos 5.974 trabalhadores resgatados da escravidão no campo brasileiro, 3.060, ou 51%, foram encontrados no monocultivo da cana de açúcar. Em 2008, dos 5.266 resgatados, 2.553, ou 48% dos trabalhadores mantidos escravos no país estavam em plantações de cana. De janeiro a junho de 2009, este número era de 951 trabalhadores, que representavam 52% do total. Ao final de 2009, o Ministério do Trabalho registrou a libertação de 1.911 trabalhadores nas usinas de cana nos estados de Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em 2009, o Ministério do Trabalho inclui grandes usinas na chamada "lista suja" do trabalho escravo. Uma delas foi a Brenco, que tem participação acionária de 20% do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Entre 2008 e 2009, o BNDES liberou R$ 1000 milhões para usinas da Brenco em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Ao mesmo tempo, o Grupo Móvel expediu 107 autos de infração contra a empresa, que é presidida pelo ex-presidente da Petrobras Henri Philippe Reichstul. Apesar da prática de trabalho escravo, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, anunciou a continuidade do financiamento para a Brenco. Em 31 de dezembro de 2009, foi a vez do grupo Cosan – a maior empresa do setor sucroalcooleiro do país, com produção anual de 60 milhões de toneladas de cana. Apesar da prática de trabalho escravo, a Cosan recebeu R$ 635,7 milhões do BNDES em junho de 2009, para a construção de uma usina de etanol em Goiás. O BNDES manteve o financiamento para a Cosan, mesmo após a evidência de trabalho escravo. A Cosan possui 23 usinas, controla os postos da Exxon (Esso do Brasil) e teve um faturamento de R$ 14 mil milhões de reais [€5,2 mil milhões ao câmbio actual] em 2008. Em outubro de 2009, o Grupo Móvel libertou 55 trabalhadores escravizados na Destilaria Araguaia (chamada anteriormente de Gameleira), no Mato Grosso. Segundo o auditor fiscal Leandro de Andrade Carvalho, que coordenou a operação, os trabalhadores estavam sem receber salário há três meses. Esta foi a terceira libertação realizada em oito anos na mesma usina. A Destilaria Araguaia pertence ao Grupo Eduardo Queiroz Monteiro (EQM) – um grande conglomerado econômico com sede em Pernambuco. O grupo controla outras usinas em Pernambuco, Tocantins e Maranhão, além de participar como acionista em veículos de comunicação como o jornal Folha de Pernambuco, a Rádio Folha de Pernambuco, Folha Digital de Pernambuco e Agência Nordeste. Em junho de 2009, fiscais do Ministério do Trabalho e do Ministério Público detectaram irregularidades em usinas fiscalizadas na região de Ribeirão Preto, em São Paulo, entre elas a Bazan, Andrade, Central Energética Moreno Açúcar e Álcool, e Nardini Agroindustrial. As usinas não forneciam equipamento adequado (como luvas, sapatos e caneleiras) e foram constatadas irregularidades no pagamento da jornada de trabalho. Os trabalhadores declararam que cortam cerca de 20 toneladas de cana por dia. Os fiscais também registraram condições precárias de moradia, como superlotação, locais com risco de incêndio e falta de condições de higiene. Ainda em 2009, o Ministério Público do Trabalho (MPT) conseguiu uma liminar que obriga a usina São Martinho, em Limeira (SP), a corrigir irregularidades trabalhistas. Durante fiscalizações nas safras de 2007 e 2008, o MPT constatou a falta de equipamentos de proteção, de segurança no trabalho, de cuidados médicos, de condições de higiene e de alimentação adequadas. A ação judicial inclui ainda a condenação da empresa ao pagamento de R$2 milhões aos trabalhadores por dano moral. Desemprego e trabalho degradante
A expansão de monocultivos para a produção de agroenergia gera desemprego, pois causa a expulsão de camponeses de suas terras, impede que outros setores econômicos se desenvolvam e gera dependência dos trabalhadores a empregos precários e temporários. José Alves é cortador de cana no interior de São Paulo e explica, "Esse serviço é muito ruim, a gente só vem porque precisa mesmo. "Eu vim de Minas e lá não tem outro serviço. Mas a gente nunca sabe quanto vai receber, porque tem muito desconto do salário. Eu recebo uma média de $700 por mês, mas tudo é caro – aluguel, alimentação, e não sobra nada. A gente sabe que a usina rouba no pagamento, mas temos que ficar calados". A expansão e a crescente mecanização do setor canavieiro têm gerado maior exploração da força de trabalho. A maioria dos trabalhadores não tem controle da pesagem de sua produção diária. "A gente nunca sabe quanto vai ganhar e o pagamento vem com muitos descontos. A usina rouba no peso ou na qualidade da cana cortada. Por exemplo, uma cana que vale $5 reais a tonelada, eles pagam só $3 reais. É assim que a usina engana os trabalhadores", denuncia D.S., cortador de cana em Engenheiro Coelho, SP. [1] Outro trabalhador da região, Jacir Pereira, confirma a denúncia: "A gente ganha pouco e o salário não confere com o que a gente corta, nem com o acordo coletivo. O acordo diz que o preço da tonelada é $5,85, mas a usina paga só $3,87. Eu tenho que cortar 18 toneladas de cana por dia, trabalhando de segunda a sábado. Só de aluguel eu pago $700,00 e não sobra quase nada". As mulheres, apesar de discriminadas pelas usinas, também se arriscam no trabalho pesado, como conta a trabalhadora Odete Mendes, "Eu corto dez toneladas de cana por dia e ganho $190 reais por semana. Só de aluguel, eu gasto $270 por mês. Eu vim do Paraná, mas não quero ficar mais aqui. A gente vive num quarto muito pequeno, tem que dormir no chão. Eu já quebrei o braço e nem aguento mais pegar no facão. Sinto falta de ar, às vezes parece que vou morrer". Os movimentos repetitivos no corte da cana causam tendinites e problemas de coluna, descolamento de articulações e câimbras, provocadas por perda excessiva de potássio. Carlita da Costa, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, conta que "Quando começa a safra, você vai na roça e vê o pessoal todo com o pulso enfaixado, porque abre o pulso e eles não conseguem movimentar a mão, não aguentam a dor. O pessoal tem muita tosse, muita dor de cabeça, muita câimbra". Os ferimentos e mutilações causados por cortes de facão são frequentes. Porém, raramente as empresas reconhecem estes casos como acidentes de trabalho. Muitos trabalhadores doentes ou mutilados, apesar de impedidos de trabalhar, não conseguem aposentadoria por invalidez. "Já quebrei o braço duas vezes. Quando alguém passa mal durante o trabalho, não recebe atendimento. Outro dia um companheiro feriu o olho e a enfermeira da usina não quis atender. Querem o nosso serviço, mas não temos assistência médica quando alguém se machuca", diz J. S., trabalhador da usina Ester em São Paulo. Como forma de evitar que os trabalhadores morram de exaustão, as usinas passaram a distribuir estimulantes com sais minerais, após a divulgação de dezenas de casos de morte nos canaviais. "Um dos trabalhadores que cortava mais cana na usina Ester era o Luquinha, conhecido como "podão de ouro". Em pouco tempo, ele ficou doente, sentia dores em todo o corpo, não conseguia comer nem andar. Morreu aos 34 anos. O sistema do pagamento por produção é que causa a morte dos trabalhadores", explica Carlita da Costa, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, SP. "É comum ouvir tosse e gritos nos canaviais. Temos que inalar os agrotóxicos e a cinza da cana queimada o dia todo. Uma vez eu caí no monte de cana e senti um gosto de sangue na boca. Percebi que o corte da cana estava me matando", completa Carlita.
Migração
Em São Paulo (maior produtor do País), a maioria dos trabalhadores no corte da cana é formada por migrantes. O desemprego causado pelo modelo agrícola baseado no monocultivo e no latifúndio aumenta o contingente de trabalhadores que se submetem a trabalhar em lugares distantes de sua origem, em condições degradantes. Estes trabalhadores são aliciados por "gatos" ou "turmeiros", que realizam o transporte e fazem a intermediação das contratações com as usinas. A história do trabalhador E. S. ilustra a situação dos migrantes, "Tenho 27 anos e vim da Paraíba, porque lá não tem trabalho. Tem muito nordestino aqui. A gente ganha uns $20 reais por dia, mas o custo de vida é muito alto. A usina baixa o preço da cana e não temos controle". Ana Célia tem uma história parecida, "Tenho 24 anos e vim de Pernambuco. A usina rouba no peso da cana. A gente corta 60 quilos e recebemos somente por 50 quilos. Tenho problema na coluna, sinto dor no corpo todo. Já emagreci nove quilos nessa safra. Meu marido cortava cana, mas foi afastado porque ficou doente. Quero ir embora". A trabalhadora Edite Rodrigues resume a situação no corte da cana. "Tenho 31 anos e vim de Minas Gerais. Tenho três filhos e preciso trabalhar, mas a gente não vê a hora de ir embora. Quando termina o dia, o corpo está todo quebrado, sinto câimbra e ânsia de vômito. Mas no outro dia, começa tudo de novo. A cinza da cana ataca o pulmão e não sara nunca. A terra fica seca com o sol quente e vem aquele pó. Às vezes só ganho $50 reais por semana porque a usina engana a gente." Carlita da Costa conclui que, "Vai continuar morrendo gente, o roubo vai continuar até o dia que acabar o trabalho por produção. Esse método de pagamento mata os trabalhadores".
Luta camponesa
Apesar de ocupar apenas um quarto da área, o Censo mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) constatou que a agricultura camponesa responde por 38% do valor da produção (ou R$ 54,4 mil milhões). Em relação à geração de empregos, de cada dez trabalhadores no campo, sete estão na agricultura camponesa, que emprega 15,3 pessoas por 100 hectares. No caso da agricultura extensiva, em cada 100 hectares são gerados apenas dois empregos. Segundo análise de Frei Sergio Görgen, dirigente do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), "No Plano Safra 2009/2010 foram destinados R$ 93 mil milhões para o agronegócio e R$15 mil milhões para a agricultura camponesa, sendo que 1 hectare da agricultura camponesa teve, em média, uma renda de R$ 677,00, enquanto que 1 hectare do agronegócio teve, em média, uma renda de apenas R$ 368,00. Daquilo que vai para a mesa dos brasileiros, 70% é produzido pelos pequenos agricultores". Além de receber subsídios de forma desproporcional, o latifúndio se beneficia com outras formas de privilégio, como a Medida Provisória que legaliza a grilagem de terras na Amazônia, a "flexibilização" da legislação ambiental e trabalhista, a continuidade da prática de trabalho escravo, entre outras. O monopólio da terra impede que outros setores econômicos se desenvolvam, gerando desemprego, estimulando a migração e a submissão de trabalhadores a condições degradantes. Este cenário significa que a resistência dos camponeses é estratégica, já que se encontram no centro da disputa por recursos estratégicos, com o avanço do capital no meio rural.
Nota:
[1] Estas entrevistas foram realizadas em setembro de 2009. Alguns nomes de trabalhadores foram substituídos por suas iniciais, para evitar retaliação por parte das usinas. A autora agradece o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, ao Movimento Sem Terra e a Comissão Pastoral da Terra pelo apoio a pesquisa.
NR
[NR 1] Seria melhor dizer "suposta alternativa para a suposta crise climática". Ver artigo Acerca da impostura global .
[NR 2] No Brasil chamam de "usinas" às fábricas de açúcar e de "usineiros" aos seus proprietários.
[*] Jornalista e coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
O original encontra-se na revista Caros Amigos, em Adital e em http://www.cecac.org.br/MATERIAS/monopolio_terra_m.l.mendonca-3.8.10.htm
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

05/08/2010

A UJC e o Pioneirismo na formulação de políticas de esquerda para a juventude no Brasil

Heitor Cesar R. de Oliveira e Maria Fernanda M. Scelza *
Terça-feira, 3 de Agosto de 2010

Da Fundação a primeira reestruturação
O Movimento Comunista Internacional (MCI) sempre foi permeado por divisões e disputas, sendo a homogeneidade nunca uma constante. Durante o século XX, o MCI passou por um forte movimento de ruptura e superaçãoii, refletindo um quadro de tensão ainda maior.3 Prova disso é que os anos pós-Revolução Russa foram de intensa movimentação no cenário comunista internacional. As divergências ainda permaneciam em parte, muitas das do período pré-revolução, mas agora a hegemonia, fortalecida pela prática, ou seja, pela vitória dos bolcheviques, agora era outra.
A II Internacional Comunista foi constituída com princípios federalistas. Ou seja, era formado por diversas organizações implementadas em países diversos. O que não significava uma total autonomia de suas partes. A Social Democracia Alemã era uma espécie de centro nervoso, um comando “legítimo” do movimento socialista, por diversos fatores que não cabem nesse breve texto descrever. Contrariamente ao movimento que inspiraria a III Internacional.4
Essa tônica seria hegemônica dentro do MCI até o fim do século XX, tendo como característica a forte centralização nos planos de formulação teórica, análises e táticas de intervenções no movimento político.
Assim III Internacional ou Komintern (Internacional Comunista), organizada como a Internacional necessária para a época das revoluções, foram inspiradas não mais numa espécie de federalismo, como a II Internacional, mas sim sob da lógica de um só partido internacional. Tal partido surgia como um formulador de linhas gerais, onde uma série de outros partidos criados no calor da Revolução Russa ou através de cisões no interior das antigas Social Democracias era filiados e buscavam orientações para suas ações políticas.
Se a II Internacional, tinha tido êxitos no fortalecimentos dos Partidos dos operários, no crescimento de sua representação política, as mesmas tinham se acomodado a ordem, e precisavam agora de um novo tipo de organização para apresentar a superação do capitalismo na sua fase nova, onde as antigas táticas da Social Democracia se mostravam como meras reformas ao sistema.
No Brasil em 1922 foi criado o Partido Comunista (Seção Brasileira da Internacional Comunista) de sigla PCB sob forte inspiração no Partido Bolchevique, vitorioso na Revolução Russa, reflexo também de um novo movimento operário brasileiro que não mais se sentia contemplado nas teses do movimento anarquista, carecia de uma organização que unificasse as novas demandas, mobilizações e lutas e que formulasse um mais bem estruturado programa de intervenção política.
O PCB, que desde sua fundação buscava se enquadrar nas linhas orientadoras da III Internacional procura desenvolver as diretrizes internacionais no Brasil.
Uma importante orientação feita pelo Komintern, dizia respeito à criação de juventudes comunistas em todo o mundo. Esta tarefa já percorria os partidos comunistas desde 1920, ano do II Congresso do Komintern, que na ocasião também organizou o I Congresso da Internacional da Juventude Comunista.
O PCB procurou cumprir a orientação de organizar sua juventude comunista. Descrevendo o II Congresso do PCB, Moisés Vinhas aponta a importância atribuída já em 1925 para a tentativa de organização de uma juventude comunista brasileira: “(...) Do temário constam relatórios sobre as atividades (...) e organização da Juventude Comunista, que atraíra poucos membros no Rio de Janeiro desde sua criação em Janeiro de 1924, deveria receber atenção mais seria do coletivo”.5
Desde janeiro de 1924, quando em uma reunião do Comitê Central (CC) foi aprovada a criação da JC6, até a sua fundação em agosto de 1927, o PCB possuiu enormes dificuldades para por em prática tal resolução do Komintern.
Foi encarregado de organizar a juventude o jovem Leôncio Basbaum, convidado a participar de uma reunião do CC do PCB por Astrojildo Pereira. Como militante já desenvolvia trabalhos com jovens comunistas em Recife e Salvador pelo Partido. O próprio Basbaum explica que “decidiram que eu seria, a partir de então, o encarregado do setor juvenil do Partido, com o objetivo de criar uma organização juvenil de caráter nacional (...)”.7
Ainda em 1926, de maneira bastante embrionária, a Juventude Comunista começa a intervir no seio da sociedade, fazendo um trabalho de recrutamento entre jovens operários e organizando os primeiros Diretórios Acadêmicos do país. No Rio de Janeiro, foram criados diretórios na Faculdade Nacional de Direito, Engenharia e Medicina.
Além da militância, Leôncio Basbaum também trabalhava no jornal “A Nação” onde passou a escrever uma série de artigos sobre a juventude operária e sobre a necessidade de se constituir uma organização especifica da juventude. Conseguiu, através deste jornal, publicar fichas de cadastros para que os jovens preenchessem e enviassem pedindo ingresso na Juventude Comunista Brasileira (JC).
Em fins de 1926 já haviam centenas de inscritos de vários Estados (Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Pernambuco, São Paulo e Distrito Federal – antigo Estado da Guanabara). Apesar da JC esboçar um fortalecimento numérico, algo ainda faltava para por em marcha o processo de organização em nível nacional.
Nas atividades do 1º de Maio de 1927, data mais que apropriada, a participação da nova JC ocorre com grande destaque. Mostraram-se as demandas de uma juventude que logo ao romper a infância, era posta em condições de trabalho sofríveis, sem possibilidades de prosseguir com os estudos, além de não possuir uma organização que a representasse. Havia, uma demanda organizativa, emulativa, mobilizadora no seio da juventude trabalhadora. Estimulada e estimulando essa demanda a JC tornou-se pioneira em organização de juventude com características nitidamente de esquerda. Ocupando esse espaço no cenário político brasileiro, o espaço da juventude organizada não enquanto classe, já que não era esse o cenário, mas enquanto instrumento de uma classe, agrupando jovens trabalhadores e demais jovens, desde que comprometidos com a classe trabalhadora e sua luta por emancipação.
Juventude Comunista Brasileira: surgimento e primeiros conflitos
O dia 1º de Agosto foi escolhido como data para o Ato de Fundação da Juventude Comunista, pois congregava na mesma data o Dia Internacional da Juventude e o Dia Internacional de Luta Contra a Guerra, bandeira, esta segunda, defendida pelas juventudes comunistas do mundo todo.
Como cerca de 80% a 90% da composição da JC eram de jovens trabalhadores, inclusive a maior parte da direção provisória que seria indicada, existiu uma preocupação em associar a JC com o segmento juvenil que estava no mercado de trabalho. Assim, o local escolhido para o evento era uma referência para os trabalhadores da época, um importante sindicato: a União dos Trabalhadores Gráficos (UGT) com sede no centro do Rio de Janeiro.
Comentando a solenidade, Leôncio Basbaum descreve “(...) uma bela festa com discursos, nos quais o que mais se destacou foi o de um jovem metalúrgico, de uns 17 anos, Jaime Ferreira, que não sabia como acabar o seu discurso. Ao fim de quase meia hora, tive de puxá-lo pela manga para que sentasse (...)”.8
Com a fundação da JC foi indicada uma direção nacional provisória, onde Leôncio Basbaum foi eleito Secretário Geral. Basbaum ocupou o cargo até o ano de 1929, quando completou 21 e, seguindo as decisões estatutárias de então da Juventude Comunista, deveria ingressar no PCB.
A primeira direção nacional, de caráter provisório, denominado de Comitê Central, era um reflexo das principais características das juventudes comunistas, suas limitações e seu grau de relação com o PCB. Foram indicados como membros da direção os jovens trabalhadores, na maioria operária: Jaime Ferreira, Elisio, Altamiro, Brasilino, Pedro Magalhães; e os estudantes Com o intuito de potencializar as intervenções da JC, foi criado o jornal O Jovem Proletário. O jornal tornou-se o porta-voz semanal da Juventude Comunista, que teve seu nome alterado para Juventude Comunista Brasileira (JCB)9. O grande mote do jornal eram as denúncias, sendo elas de caráter geral – como a visita de navios de guerra dos EUA – , ou referentes ao cotidiano dos jovens – situação dos jovens trabalhadores e a redução da jornada de trabalho, bandeira defendida pela JCB.
Nós primeiros números eram apresentada a Juventude comunistas de referência a juventude comunista, como o “patrono” das JCs Karl Liebknecht, textos de Lênin a UJC Soviética (Komsomol) e também, além das denuncias, a dura realidade vivida pela juventude trabalhadora brasileira e mundial.
No que diz respeito à relação da juventude com o Partido, fica clara a preocupação em evitar confrontos, causando certa confusão quanto às delimitações de atuação da organização. De acordo com Basbaum, “embora por vezes ultrapassemos nosso campo de ação, procurando tomar atitudes políticas, na verdade tínhamos de seguir a linha traçada pelo próprio Partido. Nossa ação se limitava a recrutar jovens nas fabricas, nas empresas ou no comercio, e mesmo em escolas superiores (...)”.10
Dentre as dificuldades iniciais ainda havia o fato de possuir um efetivo de jovens com diferentes graus de estudos, desde analfabetos até estudantes de nível superior. Traçar uma política que garantisse a unidade de um grupo tão heterogêneo e, principalmente, representasse todos, era tarefa bastante árdua.
Vislumbrando sanar tais carências, a JCB lançou mão de diversos tipos de atividades recreativas e culturais, organizando em 1928 o Centro de Jovens Proletários.Tratava-se de um centro cultural e recreativo agregava os jovens trabalhadores, fornecendo ao mesmo tempo lazer e conhecimento.
O aumento do prestigio da JCB entre os jovens trabalhadores pode ser notabilizado pelas investidas de maiores êxitos, como as reivindicações por setoriais juvenis para atenderem demandas especificas, dentro dos próprios sindicatos.11 Esse fortalecimento da Juventude Comunista, assim como o do próprio PCB não passariam gratuitamente para as oligarquias que dirigiam o país. Que viam com preocupações os movimentos sociais e a organização da classe trabalhadora no Brasil
Nas vésperas de seu primeiro aniversário, a JCB sofreu um grande impacto. Assim como o PCB foi posta na clandestinidade pela chamada Lei Celerada.12
Quanto às relações internacionais, a JCB solicitou e teve sua inscrição aceita na Internacional da Juventude Comunista, de onde recebeu o convite para participar do V Congresso da Internacional Comunista da Juventude, além de obter uma bolsa de estudo na Escola Leninista, com direito a enviar um filiado. Mesmo na clandestinidade a JCB buscou finanças para a viagem até Moscou, sendo representada por seu Secretário Geral Leôncio Basbaum.
No interior do PCB, ocorria desde fins de 1927 um intenso debate acerca da aproximação com elementos da Coluna Prestes e o próprio Luis Carlos Prestes. Tal debate dividiu o Comitê Central do PCB, onde alguns militantes acusavam Prestes e seus seguidores de possuírem tendências pequeno-burguesas. Por fim, o Comitê Central do PCB encaminha a decisão do então Secretário Geral Astrojildo Pereira de entrar em contato com Prestes, estava exilado na Bolívia.13
A mesma divergência teve repercussão devastadora na Juventude, causando a primeira grande cisão na organização. Posterior a esse “racha” um momento bastante peculiar foi inaugurado nos organismos do Partido, inclusive na juventude. É o que se convencionou chamar de obrerismo, espécie de proletarização objetiva e política dos militantes do PCB e da JCB, decorrente dos novos ditames do MCI.
A Juventude e o obrerismo
O movimento comunista brasileiro começa a amadurecer e, portanto, a esboçar uma formulação original sobre a realidade brasileira. Este momento de criatividade e originalidade dos comunistas brasileiros teria seu ponto culminante no III Congresso do PCB e no I Congresso da JCB que ocorreriam, respectivamente, em 28, 29, 30 e 31 de Dezembro de 1928 e 01, 02, 03 e 04 de Janeiro, em Niterói. As formulações políticas dos citados congressos logo sofreriam intervenções pela nova doutrina política da Internacional Comunista – o Komintern.
No interior do PCB e, conseqüentemente, no interior da Juventude Comunista, essa conjuntura fez surgir a discussão sobre o caráter da revolução brasileira, os mecanismos de intervenção do PCB e da Juventude no conjunto dos movimentos sociais e do próprio Estado.
Trata-se de um momento de grandes adversidades conjunturais e políticas, de grande repressão por parte do governo, onde vários comícios chegaram a ser dispersos com tiros pela policia. Entretanto, o PCB e a JCB passaram por um fortalecimento político e numérico, mesmo diante da confusão gerada pelas disputas no MCI e pelas novas táticas deste, ganhando espaço e ampliando sua intervenção na sociedade. 14
No plano internacional, o MCI se definia numa forte luta interna que percorreu toda a década de 1920, culminando na vitória do segmento de Joseph Stálin. Configurou-se a política chamada Classe contra Classe, que nada mais era que uma confrontação direta, onde a forte manifestação de um obrerismo (da palavra obra, labor, trabalho) influenciava todos os Partidos filiados ao Komintern.
O I Congresso da JC aponta a necessidade de intensificar a atuação dos jovens comunistas no interior dos sindicatos e desenvolver mais atividades nos setores recreativos e culturais, dando uma maior atenção aos Centros de Jovens Proletários. Leôncio Basbaum demonstra a importância das atividades empreendidas nos centros para a JC: “ele já nos havia trazido excelentes rapazes e moças para a JC e também havíamos decidido esforçar-nos junto aos sindicatos para a criação de departamentos juvenis, a fim de atrair para eles os operários mais jovens (...)”.15
Tanto o PCB quanto a JC conseqüentemente sofrem a crescente influência do obrerismo, o que engessou as organizações, levando-as para um estreito isolamento político. E é nesse clima que ambas entram na década de 1930.
Após sofrer duras criticas por parte do Komintern contra o Bloco Operário Camponês (BOC) – que em 1928 elegeu dois vereadores para o Distrito Federal – , o PCB desfaz o bloco e começa a afastar do Comitê Central os intelectuais, adequando-se às mudanças de linha do obrerismo.
Os primeiros anos da década de 1930, já sob o governo de Getúlio Vargas, os movimentos sociais foram marcados pela inibição e tentativa de institucionalização dos mesmos. A busca de Vargas na construção de um Estado forte e soberano, sem oposições em movimentos reivindicatórios, foi contribuída e facilitada pela adoção por parte do PCB da política obreira, que a afastou o próprio Partido dos movimentos sociais e do conjunto da classe trabalhadora.16
Do sectarismo à amplitude: Frente Popular/ Frente Única Contra o Fascismo
Com o crescimento do movimento fascista na Europa, o Komintern se vê obrigado a recuar de sua política estreita e sem resultados. Nos primeiros anos da década de 1930, começa a rever a política de confrontamento direto, buscando aliança com os setores democráticos contra a ameaça fascista. Em 1935 é levado à frente do Komintern o herói na luta contra o fascismo Dimitrov, que efetua uma verdadeira guinada na linha política do MCI.
Em relatório apresentado por Dimitrov no VII Congresso do Komintern, buscou pela construção das frentes únicas contra o progresso do fascismo, apresentando suas características e o seu avanço. O documento destacou o tema das frentes anti-fascistas na juventude, onde procurou fazer um balanço das atividades das Juventudes Comunistas:
"Nossas Juventudes Comunistas continuam sendo, numa serie de países capitalistas, organizações sectárias, desligadas das massas. Sua debilidade principal reside em que se esforçam ainda em copiar as formas e métodos de trabalho dos Partidos Comunistas, e esquecem que as juventudes comunistas não são o Partido Comunista da Juventude. Não percebem que são uma organização com tarefas especiais. Seus métodos e formas de trabalho, de educação, de luta, hão de adptar-se ao nível concreto e as exigências da juventude”.17
No Brasil, sentia-se a necessidade de integrar a JC a um movimento mais amplo diante da fascistização do Estado com Getulio Vargas e da sociedade com a criação da Ação Integralista. Era a uma oportunidade de sair do isolamento a qual se encontrava e de fato começar a intervir novamente na sociedade. Foi neste espírito que a organização participou ativamente da Conferencia Nacional de Estudantes Antifascista.
Nesta ocasião, ocorreram grandes mobilizações promovidas pela Juventude Comunista e, paralelamente, uma série de conflitos físicos entre os comunistas e os integralistas18. Os mais famosos confrontos foram à chamada Batalha da Sé, em São Paulo, com diversos feridos e quatro mortos, sendo um militante da Juventude Comunista, e no Rio de Janeiro houve fortes confrontos na Cinelândia, centro cultural da cidade.19 Tornava-se cada vez maior a necessidade de intensificação da luta contra a fascistização do Estado e da sociedade. A conjuntura posta obrigava a Juventude Comunista a diversificar suas formas de resistência e lutas.
A criação do jornal "Juventude", em 1935, é um reflexo dessa política de resistência ao avanço da direita no país. Esse jornal, que sucedera o Jovem Proletário, ampliando o dialogo da juventude com as novas demandas, conclamava a unidade incondicional dos segmentos anti-fascistas. Em um documento do CC do PCB, de Maio de 1935, apontava a necessidade de se organizar, além dos espaços da JC, os "mais amplos e variados organismos de massas, culturais, recreativos e esportivos e etc nas cidades e no campo”.20
A resolução apontava para que a JC formasse comitês juvenis da Aliança Nacional Libertadora (ANL), e indicava, também, como prioridade organizar o Congresso da Juventude Proletária, Estudantil e Popular, para que tal deliberasse por sua adesão a ANL, fazendo um trabalho paralelo entre os estudantes, entre os jovens operários das fábricas, sindicatos e etc. A idéia era “formar e ampliar a JC dentro de amplos organismos de massa juvenis".21
Destaca-se a participação dos jovens comunistas nos comícios em todo o país, sendo muitos presos. Em atos simbólicos, eram feitas ironias contra os integralistas, onde enforcavam galinhas verdes em alusão as fardas verdes usadas pelo movimento fascista.
A Juventude Comunista ampliava sua participação nos espaços da ANL, assim como seu raio de dialogo coma juventude, começando inclusive a mudar seu perfil, agora com um número crescente de estudantes, em Março, foi aclamado no Teatro João Caetano por proposta de um dirigente da JC, o nome de Prestes para presidente de honra da ANL. Que agora chamava o conjunto dos trabalhadores a derrubar o governo de Vargas e proclamava todo poder a ANL. Em resposta a crescente radicalidade da ANL, o governo de Vargas colocou a organização na ilegalidade, desencadeando uma série de atos arbitrários por parte do Estado, com fechamento de sedes, prisões e espancamentos. Se radicalizava a realidade brasileira, e num ambiente de confronto, ocorre o levante comunista de novembro de 1935. O fracassado Levante Comunista, 1935 fortaleceu ainda mais o argumento do Estado em repreender os comunistas, o momento seguinte foi fortemente marcado pelo desmantelamento do Partido e das organizações a ele ligado, inclusive a Juventude Comunista.22
A partir desse momento que perdurou até meados de 1940, a JC inaugurou numa fase de sobressaltos e incertezas, pois manteve suas atividades e seu funcionamento de forma ilegal e clandestina.
Considerações Finais
Desde sua fundação, passando por inúmeras reorganizações (a União da Juventude Comunista foi reativada no segundo semestre de 2006), a JC construiu uma identidade de aproximação com os jovens brasileiros que contribuiu para a consolidação de uma cultura reivindicatória, onde as demandas e necessidades postas eram transformadas em bandeiras e lutas assim como participante ativa em diversos movimentos como a própria criação da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Inegavelmente a história da Juventude Comunista assim como o de seu referencial ideológico e político, PCB, confunde-se com a história do Brasil, denotando a vital importância de um estudo mais aprofundado do tema e seu conhecimento pela sociedade.

*Heitor Cesar R. de Oliveira e Maria Fernanda M. Scelza (Historiadores e Comunistas)
Notas:
i Tal texto se trata de resultados ainda preliminares de uma pesquisa maior que envolve toda a história da UJC
ii Trata-se da disputa no interior da Social Democracia internacional (II Internacional, a Internacional Socialista) que se fortaleceria no momento de crise política causado pela Grande Guerra Mundial
3 A descrição do momento citado e suas limitações poderão ser compreendidas em LÊNIN, V. I. O Estado e a Revolução. SP: HUCITEC, pp. 15.
4 Ver Programa e Estatutos da Internacional Comunista. Lisboa: Edições Maria da Fonte, 1975.
5 VINHAS, Moises . O Partidão: a luta por um partido de Massas. SP: HUCITEC, pp. 34.
6 PEREIRA, Astojildo. Ensaios históricos e políticos. SP: Alfa-Ômega, 1979. 58.
7 BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos: memórias. SP: Alfa-Ômega, 1978. p. 45
8 Idem ao 7. pp. 45
9 Ao longo dos anos, a juventude comunista do Brasil recebeu inúmeros nomes, como Juventude Comunista (JC), Juventude Comunista Brasileira (JCB), Federação da Juventude Comunista Brasileira (FJCB) e União da Juventude Comunista (UJC), nome que permanece até os dias de hoje.
10 Idem ao 5. pp. 47
11 BASBAUM, Leôncio. A Historia Sincera da Republica. vol. II. pp. 215.
12 Lei posta em vigor no ano de 1927. Tinha como meta a censura da imprensa e a restrição das reuniões. Objetivava atingir, sobretudo, o Movimento Tenentistas e o Bloco Operário Camponês (BOC).
13 LIMA, Heitor Ferreira. Caminhos Percorridos. SP: Brasiliense, 1982. pp. 62.
14 ROEDEL, Hiran e outros. PCB 80 anos. RJ: Fundação Dinarco Reis, 2002. pp. 122.
15 Idem ao 7. pp. 64
16 Idem ao 5. 68.
17 DIMITROV. A Unidade Operária Contra o Fascismo. MG: Aldeia Global Livraria, 1978. pp. 59-60.
18 Movimento nacionalista de nítida caracterização fascista. Os integralistas possuíam como principal liderança o intelectual Plínio Salgado e foram aliados de Getúlio Vargas no início do governo, sendo perseguidos posteriormente.
19 Idem ao 14. pp. 123.
20 VIANNA, Marly (org.). Pão, terra e liberdade: memória do Movimento Comunista de 1935. RJ/ SP: Arquivo Nacional/ Universidade Federal de São Carlos, 1995. pp. 53.
21 Idem ao 20. pp. 53.
22 UJC. Resolução Politica do Congresso nacional de Reorganização – Histórico da UJC. RJ: Fundação Dinarco Reis, 2006. pp. 10.

04/08/2010

Nizan Guanaes, Aldo Rebelo e os sonhos com a língua portuguesa

Rodrigo de Oliveira Fonseca*

As posições dominantes em uma sociedade são contraditórias, como os sonhos. Nutrem-se ao mesmo tempo de verdades profundas e de ignorâncias, de bom senso e preconceitos. Às vezes estas posições vêm imbuídas de bons valores iluministas, em prol de um olhar mais racional e totalizante, superando velhos hábitos cristalizados na cultura e portando projetos de futuro. Outras vezes, trazem os nobres valores do romantismo, com palavras de luta, resgate e defesa do que somos e pelo quê somos.
Abaixo, duas intervenções públicas em defesa da língua portuguesa, a de um publicitário e a de um político. O quanto elas são diferentes? Onde elas convergem?
Tempo de cuidar das palavras
Nesta terça-feira, 27 de julho, Nizan Guanaes, famoso publicitário e presidente do grupo ABC de marketing – o 20º maior do mundo –, publicou no caderno Mercado da FSP um curioso artigo intitulado Vamos falar português. Com uma incrível e saudável crueza, disse o que muitos gramáticos e estudiosos da língua titubeiam em afirmar: “está provado: a força da língua está ligada à força da economia”. É pra nenhum materialista botar defeito!
O texto de Nizan reflete sobre um passado em que “nossa maneira de desqualificar as pessoas era dizer: ele só fala português”. Já aí temos uma mostra da maravilha que é o universo da língua, o baú de contradições e conflitos que ela trabalha: no uso desse pronome possessivo na primeira pessoa do plural (em “nossa maneira”), pretensamente inclusivo, não nos incluímos eu e milhões de brasileiros que jamais falaríamos um disparate como esse para desqualificar alguém. Não esqueçamos, entretanto, o veículo e o caderno (o público) para o qual foi escrito Vamos falar português.
No Brasil de hoje, segue o articulista, os números da economia finalmente são bons e o país encontrou o seu desenho político, fazendo com que tenhamos “tempo, foco e motivação para cuidar das palavras”. Nizan, considerado um dos embaixadores do Brasil no cenário internacional dos negócios, defende que se espalhe o português pelo mundo, e diz que nessa notável missão podemos contar também com Angola e Moçambique, que devem crescer os mesmos 6% ou 7% que o Brasil em 2010.
Nova inserção do Brasil no mundo
Acontece que estes nossos irmãos, com quem compartilhamos um mesmo espaço e projeto econômico e social ao longo de muitos e muitos anos de exploração colonial escravista (sobretudo os angolanos, na maior transferência forçada de gentes da história), estabelecem hoje “conosco” outras relações. Nós “temos”, por exemplo, algo que eles não têm: Votorantim, Camargo Correa, Odebrecht, todas com seus cimentos e tapumes em diversas partes do globo; nós “temos” uma mineradora como a Vale, doada na Era FHC com financiamento do BNDES a despeito de mais de cem ações na justiça, hoje a maior empresa do mundo em produção de minério de ferro.
Vamos então falar o bom português: a Votorantim, a partir da recente aquisição de parte de uma cimenteira portuguesa, começou a entrar na África (como na Europa e na Ásia) e já está em vinte países. A Camargo Correa, a despeito das investigações de lavagem de dinheiro no exterior e de ser a empresa que mais levou ouro com o Panamericano no Rio e com as obras do PAC, atua em mais de vinte países, e dentre eles, Angola. A Vale tem presença nos cinco continentes, e é mais uma das multis brasileiras instaladas em Angola e Moçambique. A Odebrecht, por sua vez, é hoje, nada mais nada menos, que a maior empregadora dos angolanos, in loco...
Nizan tem ou não tem motivos para dizer que o Brasil mudou? Com base nisso, ele sonha uma nova relação do empresariado brasileiro com a língua portuguesa, um “sonho que não é um sonho”, como ele diz, e que novamente define de forma crua e certeira: este sonho é “uma ação econômica, industrial, diplomática, política, desportiva, militar”. Se tem uma coisa que todo bom publicitário entende é de sonhos que não são sonhos. O que esperar desse? Talvez a reforma ortográfica, que tantos protestos gerou em Portugal, seja apenas um sinal desse sonho do empresariado brasileiro em afirmar-se no mercado internacional, no caso, com as grandes editoras de cá.
O Brasil tem hoje 127 empresas com faturamento maior que 500 milhões de dólares ao ano, e quase um terço delas atua no exterior (Exame, 09/09/2009). No período colonial, o que mais saía da América portuguesa para a África portuguesa era cachaça e tabaco. Em troca, “recebemos” aqui cerca de 4 milhões de africanos escravizados vivos (não esqueçamos todo o “desperdício” que havia no caminho), dentre outras commodities da época como marfim, cobre e ouro – como afirma o historiador Luiz Felipe Alencastro em O trato dos viventes (Companhia das Letras). Hoje, ainda que mantenhamos uma elevadíssima exportação de mercadorias de baixo valor agregado, como aquelas do agrobusiness, exporta-se capital como nunca antes na história desse país, que já é crescidinho o bastante para não manter um atrelamento isento de pequenas dissensões com o Tio Sam e assim poder fazer dinheiro até mesmo nos países malquistos pelo Tio, como Equador, Venezuela, Bolívia e Cuba. As empreiteiras brasileiras estão aí com toda a força e sede. Esse novo Brasil, afinal, precisa de empresários como Nizan, que possam exportar, sem pudores, e custando o que custar, o capital, as palavras e os sonhos de alguns brasileiros – que não são sonhos para todos.
Outro sonho na mesma língua
Por falar em agrobusiness, esta é uma excelente oportunidade de lembrarmos outro grande defensor da última flor do Lácio, o deputado Aldo Rebelo, que este ano se destacou pelo empenho patriótico na dura luta contra “as ações que contrariam os interesses do Brasil em favor dos interesses externos”, enquadrando o discurso ecológico como alienígena. Além desse surpreendente feito para quem o crê (ainda) comunista, lembro ainda de outro, também gravíssimo, de 2004, quando ele ostentava o pomposo título de “Secretário de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República”, e foi responsável por costurar um pacto entre governo e militares para restringir as investigações sobre os desaparecidos políticos do regime de 1964. “As feridas históricas precisam ser fechadas”, justificou no programa Roda Viva.
É de fato um sonhador, o deputado, que em 1999 também se comportou a favor de fechamentos, esquecimentos e silêncio, ainda que de outra forma. Aparecendo nacionalmente como grande defensor da língua portuguesa, no sonho de uma língua fechada a estrangeirismos, acabava nos pedindo para esquecer que todo o nosso léxico português é fruto de trocas e empréstimos, assim como nos pedia silêncio em relação a novas trocas e empréstimos, querendo frear o desenvolvimento da nossa língua usando uma versão chinfrim do discurso anti-imperialista.
Quanto às polpudas doações de campanha que recebeu das exportadoras de capitais Vale, CSN, Camargo Correa e Votorantim, o deputado não é contra. Doações estas que também podem ser consideradas trocas e empréstimos, dada a forma como a política brasileira funciona...
O sonho de Aldo com a língua portuguesa materializou-se no projeto de lei 1676/99, que declarava lesivo ao patrimônio cultural brasileiro “todo e qualquer uso de palavra ou expressão em língua estrangeira” (art. 4º) e determinava a sua substituição em 90 dias da publicação da lei (art. 5º).
O deputado ignorou os vários apelos da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), da Associação de Linguistica Aplicada do Brasil (ALAB), assim como os que vinham da Academia Brasileira de Letras e de diversos escritores que usaram os espaços da mídia para tentar fazer um debate com as propostas do parlamentar. O que quase todos falavam é que por trás das (quem sabe?) boas intenções do seu patriotismo contra os abusos do emprego de estrangeirismos, encontrava-se uma ignorância muito grande quanto à vida real da língua. Uma excelente fonte de consulta às objeções colocadas pelos estudiosos da linguagem é o livro Estrangeirismos, guerras em torno da língua, organizado por Carlos Alberto Faraco (Parábola Editorial), mas podemos também lembrar aqui, mais uma vez, a maior contribuição de Nizan Guanaes em seu recente artigo: “está provado: a força da língua está ligada à força da economia”.
Aliás, a razão pela qual eu escrevo agrobusiness, e não “agronegócio”, em português, é econômica, visto que este filão é, em grande parte, pertencente a bancos estrangeiros. É melhor chamar as coisas pelo seu nome mais apropriado, o que acaba mostrando o furo ideológico da patriotada de Aldo Agrobusiness Rebelo.
Aldo, um novo Policarpo Quaresma?
Será possível imaginar que língua falaríamos se não tivéssemos trocas econômicas, políticas e culturais? Ou melhor, quem seríamos nós? De onde vem, afinal, o idioma oficial do país? O que nossa formação social colonial e escravista fez com ele? O que o poder econômico de São Paulo e Rio de Janeiro – herdeiro do velho papel da corte na unificação política das regiões americanas colonizadas por Portugal – faz com as várias línguas faladas e distintas formas de falar a língua oficial em todo o país? Todos os dias, todas as horas, a língua em seus usos é cenário de conflitos encarniçados, nos quais os detentores dos meios e seus repetidores adoram dizer que o brasileiro não sabe falar direito... E aí, Nizan, aquela sua antiga maneira de desqualificar as pessoas, aparece aqui de modo mais corriqueiro e mais duro, afirmando que o brasileiro não fala bem o português, uma “língua muito difícil”!
Dentre as dificuldades do português, aquelas que certamente mais afetam o povo não são as que impedem uma boa leitura de Camões e Machado de Assis. A desgraça mesmo está na nossa dificuldade em lidar com a língua dos médicos, dos advogados, da produção acadêmica, dos ministros da fazenda, dos projetos de lei e dos políticos em geral. Estas sim línguas bem estrangeiras, muitas vezes utilizadas de má fé, abusando das nossas deficiências de formação escolar.
Uma infinidade de palavras estrangeiras aportaram por aqui, sobretudo, pela força econômica, das modas e das tecnologias, mas aqui elas foram transformadas pela criatividade espontânea do seu uso cotidiano. A vida na periferia seria melhor caso tivéssemos menos acesso às palavras dos povos que hoje são, tecnológica e economicamente, mais poderosos?
O deputado do PCdoB paulista, caso siga com essas patriotadas, pode acabar tendo o triste fim de Policarpo Quaresma. Não podemos negar o idealismo do personagem de Lima Barreto. O que é preciso ver é o quanto que ideais deste tipo quase sempre se prestam a nada, a simples exotismos, a diversionismos, e algumas vezes, acabam se prestando ao oposto do que parecem enunciar.
Por exemplo, o governo fascista do Estado Novo (1937-45) tentou “depurar” o país das culturas e idiomas não oficiais, e quis impor palavras como ludopédio ao povo, criação de laboratório baseada na dissecação do cadáver do latim, em substituição a um estrangeirismo então muito popular, football. O que aconteceu, afinal? Hoje somos “o país do futebol” – o que certamente não deve escapar da estratégia de Nizan Guanaes para avançarmos sobre o mundo.
Mesmo preocupado com o real excesso do uso de palavras do inglês pelas empresas, que exploram o capital simbólico da suposta distinção e sofisticação de quem usa este vocabulário – atraindo consumidores assim influenciáveis –, e muitas vezes abusam das lacunas de nossa formação escolar, Aldo se mostra despreocupado com formas de presença muito mais efetivas e sérias do imperialismo no país. Um exemplo foi o seu notável empenho na aprovação da Lei de Biossegurança, em 2005, que facilitou a vida das multinacionais dos transgênicos no Brasil (leia-se Bayer, Syngenta e Monsanto). Há que se ver também o quanto Aldo, quando ocupou nada mais nada menos que a presidência da Câmara, não se notabilizou como defensor da educação pública ou defensor das línguas indígenas que o país deixa morrer a cada dia. Ao invés de promover o conhecimento das 180 línguas autóctones que resistem a duras penas, Aldo se preocupa com o que para ele não deveríamos falar ou usar tanto.
Sonhos de falar mais português lá fora e não falar tanto inglês aqui
Entre o empresário materialista que diz claramente o que pensa e o político idealista que se finge de louco – mas não rasga dinheiro – pessoalmente prefiro o primeiro, ainda que não embarque em nenhum dos dois “sonhos”. Eles, em sua superfície, podem até ser a narração de boas intenções, de afirmação cultural, mas carregam uma violência simbólica projetável no exterior e no território nacional, a ser imposta aos povos em suas diversidades.
O sonho que não é sonho de Nizan Guanaes assim se apresenta no final do artigo Vamos falar português: “nós somos brasileiros, não é nossa natureza colonizar ninguém. Mas, em vez de subjugá-los com nossa língua, podemos iluminá-los”. O objeto indireto referido na última sentença, os seres a quem podemos iluminar, são principalmente os falantes de espanhol, e em seguida os de italiano e francês, primos de língua. A publicidade das agências de Guanaes pode ser um exemplo do que entende por iluminação, e a expansão progressiva dos capitais de alguns brasileiros no mundo deve abrir mercado para estas luzes de neon. Sim, os discursos imperialistas estão sempre carregados de belas justificativas civilizatórias.
O sonho que não é sonho de Aldo Rebelo, é por sua vez uma política 100% reacionária. Ignora o internacionalismo que caracteriza historicamente os comunistas mais sérios. E ignora a forma como Marx entendeu a linguagem: consciência prática dos homens, que se desenvolve e se realiza nos intercâmbios, na necessidade fundamental de intercâmbios entre os seres.
Este sonho de Aldo é mais um exemplo de sua reiterada loucura em querer (ou fingir que quer) unificar diferenças muitas vezes antagônicas, como as que opõem os pequenos produtores da agricultura familiar e o agrobusiness, os torturados e os torturadores, a esquerda e a direita, na base de pressupostos sempre equivocados e resultados que, no caso de terem chances de se concretizar, apontam mesmo para propósitos mal-intencionados.
Ao invés de “defender a língua” do processo de globalização capitalista, deveria preocupar-se o deputado com alguns drásticos efeitos deste processo sobre “os falantes” brasileiros, exatamente o que não fez quando facilitou o ingresso das multinacionais dos transgênicos no país. As invasões dos anglicismos são tão perigosas como o foram os galicismos há cem anos atrás, os empréstimos do francês que nos ofereceram sutiãs, maiôs e abajures!
Outro sonho: educação e respeito
O que nos dignificará enquanto povo é a possibilidade de, num futuro próximo, afirmarmos e assegurarmos, com todas as letras – sejam as do português, do inglês ou do nheengatu –, nossa aversão às guerras, à devastação ambiental, às contaminações e à exploração dos trabalhadores, no território nacional e no mundo. Isso fará de nós um povo melhor, um povo não tutelado pelos projetos e pela língua dos brasileiros que nos dirigem na economia e na política, e que com isso não se contentam, querendo também nos dirigir na língua.
Chega de imposições e tutela. Com mais educação e respeito saberemos lidar de forma mais humana e generosa com os povos os quais já estivemos em condições de maior igualdade, como os da América hispânica e, sobretudo, os da África – que hoje os nossos empresários tentam recolonizar. Com educação e respeito lidaremos melhor tanto com as luzes de neon da publicidade, como com o abuso de estrangeirismos nos produtos comerciais, mas também, e principalmente, com os abusos feitos no nosso próprio idioma. Educação para o consumo, para a política, para ter poder sobre a própria língua, na qual todos somos poliglotas, visto que sempre negociamos entre o que dizemos aqui e o que dizemos ali, não com base em cursinhos privados, mas na nossa sensibilidade e vontade de acertar.
Que possamos falar o que quisermos, do jeito que quisermos, nas línguas que pudermos. E que possamos estudar o máximo, para saber direitinho todas as línguas do poder, de modo a podermos nos expressar com dignidade e inteligência, sem ceder às luzes que ofuscam interesses de uns poucos, nem às trevas que nos imobilizam e amedrontam diante de falsas ameaças, no instante mesmo em que as reais passeiam livremente em meio à nossa cegueira súbita.
Línguas artificiais, interesses concretos
Nizan e Aldo demonstram uma concepção de língua bastante artificial, tal como é a língua dos publicitários e a língua dos gramáticos. De um lado, uma língua que fala demais (diz muito mais do que diz, jogando com nossos desejos e preconceitos), de outro, uma língua que fala de menos (mero formalismo, inculcando uma culpa por não sabemos “falar direito”).
Mas vamos terminar com isso falando um português mais claro, num arroubo de bom materialismo. O que une estes dois sonhos com a língua portuguesa são os vultosos capitais das empreiteiras e demais empresas que lá fora abrem mercados e aqui dentro reproduzem mandatos. Enquanto o publicitário e o político discutem as palavras, os donos da Votorantim, Camargo Correa & Cia fazem as festas que quiserem. E pagam bem, sem reclamar.
*Rodrigo de Oliveira Fonseca é membro do Comitê Central do PCB

03/08/2010

MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO – PCB

02 Agosto 2010

MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO – PCB
CONSTRUIR O PODER POPULAR
AVANÇAR NA LUTA PELO SOCIALISMO


O PCB apresenta sua candidatura à Presidência da República. Na campanha, apresentaremos propostas e caminhos de luta para a superação dos graves problemas que afligem a grande maioria da população. Muito mais que pedir votos, contribuiremos para os trabalhadores brasileiros fazerem uma reflexão sobre seu futuro e o futuro do país.
A crise econômica internacional revela a face real e crua do capitalismo. Ela desvendou o caráter de classe do sistema: enquanto os governos da burguesia injetaram trilhões de dólares para salvar os banqueiros e a elite parasitária, os trabalhadores estão perdendo seus empregos, direitos e salários. Mais e mais homens, mulheres e crianças passam a viver na miséria absoluta.
A continuidade do capitalismo é uma ameaça à própria vida, à natureza e à espécie humana. Este sistema está completamente falido; mas não cairá de podre, se os trabalhadores não o derrotarem. Fará de tudo para aprofundar a exploração e atacar mais os sindicatos e as organizações populares. De tudo farão para explorar as reservas de recursos naturais e a biodiversidade do planeta.
Mesmo ferido pela crise, o sistema imperialista afia suas garras para manter essa ordem envelhecida e desumana. Promove a guerra contra povos inteiros, como no Iraque e no Afeganistão, arma Israel para apoiar sua política genocida e a expulsão dos palestinos de suas terras, realiza provocações e campanhas permanentes contra os povos que decidem resistir aos seus interesses. Na América Latina, promove golpe militar em Honduras, mantém o embargo criminoso contra Cuba e reativa a IV Frota para ameaçar os povos e garantir o controle sobre as riquezas naturais da região. Bases militares são criadas em vários países para cercar os governos progressistas, principalmente da Venezuela.
O Brasil tem realizado ações no plano internacional que demonstram alguma autonomia e mesmo algum grau de conflito em relação aos interesses dos Estados Unidos e seus aliados. Mas é clara a vinculação da política externa brasileira aos interesses do capital, tanto no que diz respeito às empresas brasileiras, que participam de obras e empreendimentos por toda a América Latina, quanto às empresas estrangeiras que atuam no território brasileiro.
Do projeto burguês de inserção do Brasil, como potência, ao capitalismo internacional faz parte a estratégia brasileira de integração regional: se a proposta da ALCA (projeto agressivo do imperialismo para impor a dependência econômica e política às nações do continente) foi enterrada com ajuda do Brasil, não há interesse da parte do governo brasileiro em fortalecer a ALBA, integração soberana e anti-imperialista da América Latina, liderada por Cuba, Venezuela e Bolívia. E as forças militares brasileiras são mantidas no Haiti, a pedido dos EUA, para manter o domínio sobre aquele povo.
A política econômica de Lula é semelhante à política de FHC, adaptada ao atual quadro internacional. O Brasil se transformou no paraíso do grande capital. Enquanto banqueiros e grandes capitalistas enchem as burras de dinheiro, o governo deixa de realizar a reforma agrária, leiloa nossas reservas de petróleo, se omite diante da criminalização dos movimentos populares e da privatização da saúde e da educação.
A miséria e as precárias condições de vida que afligem a maioria da população brasileira têm uma causa central: o sistema capitalista, mantido pela dominação da classe proprietária dos meios de produção sobre o conjunto da classe trabalhadora. No Brasil, construiu-se um capitalismo desenvolvido, com relações sociais burguesas plenamente consolidadas.
Nesse quadro, somente uma grande frente anticapitalista e anti-imperialista - envolvendo organizações políticas, movimentos populares e setores progressistas da sociedade - será capaz de organizar e mobilizar os trabalhadores, não apenas para as eleições, como é praxe nos partidos burgueses e reformistas, mas principalmente para lutar pelas transformações sociais, econômicas e políticas necessárias para a superação do capitalismo.
A disputa entre as maiores coligações partidárias nestas eleições é apenas superficial, pois não coloca em jogo a natureza do Estado brasileiro, vinculado aos interesses do grande capital financeiro e industrial. O PCB rejeita a falsa polarização imposta pelos meios de comunicação, que querem transformar essas eleições em mera escolha de quem será o melhor gerente para o capitalismo brasileiro e tentar afastar a população de uma alternativa popular para o Brasil.
O PCB está lançando uma campanha política, não apenas uma campanha eleitoral. Será uma CAMPANHA MOVIMENTO, uma CAMPANHA MANIFESTO, em que não apresentaremos propostas para humanizar e moralizar o capitalismo, que é intrinsecamente desumano e corrupto. Denunciaremos a farsa da democracia burguesa. Deixaremos claro que nossas propostas somente poderão se tornar realidade com o apoio, a mobilização e a organização dos trabalhadores, reunidos em uma ampla Frente Anticapitalista e Anti-imperialista.
O PCB vai qualificar o debate, colocar o dedo na ferida. Apresentamos aqui os eixos políticos do nosso PROGRAMA ANTICAPITALISTA E ANTI-IMPERIALISTA PARA O BRASIL, para serem aprofundados durante e depois da campanha eleitoral.
1 – DEMOCRACIA DIRETA: O PODER POPULAR
Construção do Poder Popular, para desenvolver a democracia direta e fortalecer a organização do povo.
Plebiscitos e referendos sobre temas de interesse nacional; ampliação do direito de iniciativa legislativa popular.
Congresso Nacional unicameral, com extinção do Senado.
Reforma política, com financiamento público das campanhas; voto em lista; liberdade de organização partidária.
Abertura dos arquivos da ditadura e criação de uma Comissão de Verdade; revogação da anistia aos torturadores.
Democratização e controle social dos meios de comunicação.
2 – MUDANÇA RADICAL NA POLÍTICA ECONÔMICA E NO PAPEL DO ESTADO
Estatização e controle público das empresas estratégicas e das instituições financeiras.
Estado forte e eficiente, sob controle e a serviço dos trabalhadores.
Planejamento econômico estatal, com participação dos trabalhadores.
Produção em larga escala de produtos essenciais à vida, a preço de custo.
Incentivo à pesquisa para desenvolvimento social com qualidade de vida.
Reforma urbana; democratização do uso do solo e redução das desigualdades sociais.
Reforma agrária; prioridade à agricultura familiar e cooperativas, em detrimento do agronegócio; produção de alimentos para o mercado interno.
Ruptura com a política do FMI; suspensão do pagamento das dívidas interna e externa;
Fim da autonomia do Banco Central; recriação e fortalecimento dos bancos públicos estaduais e regionais.
Taxação dos lucros das grandes empresas, do sistema financeiro e das grandes fortunas; isenção de imposto de renda sobre salários.
Monopólio estatal do petróleo, com a reestatização plena da Petrobrás; extinção da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e anulação dos contratos de risco e leilões.
Utilização dos lucros com a exploração do petróleo vinculada ao enfrentamento dos problemas sociais.
Gerência dos recursos do pré-sal pela Petrobrás, garantida sua distribuição aos Estados na proporção inversa do IDH.
Reestatização da Vale do Rio Doce e de todas as empresas estatais estratégicas privatizadas.
3 – MAIS E MELHORES DIREITOS
Garantia de emprego e recuperação do poder de compra dos salários.
Redução da jornada de trabalho sem redução salarial; fim do banco de horas e elevada taxação das horas extras.
Elevação imediata do salário mínimo.
Previdência social universal; fim do fator previdenciário; aumento real dos proventos e pensões.
Universalização, através de progressiva estatização, do acesso à educação e à saúde; qualificação e melhor remuneração dos servidores públicos.
Erradicação do analfabetismo.
Reforma do sistema judiciário, com acesso universal à assistência jurídica.
Contra a mercantilização da arte, da produção intelectual e do conhecimento; liberdade de produção artística e intelectual.
Legalização do aborto; assistência à gestação, ao parto, ao pós-parto e ao desenvolvimento pleno da criança.
Direito à moradia, com financiamento público de habitações populares; universalização do saneamento básico.
Estatização e planejamento integrado dos transportes, com expansão da rede metroviária, ferroviária e aquaviária.
4 – FIM DA DESTRUIÇÃO CAPITALISTA DO MEIO AMBIENTE
Política sustentável de meio ambiente; recuperação das áreas degradadas, proteção aos biomas; reordenação da produção para uso racional de energia e dos recursos naturais.
Defesa das terras indígenas, quilombolas e ribeirinhas.
Suspensão imediata da construção da Usina de Belo Monte e revisão de todas as obras do PAC;
Defesa da Amazônia e do Aquífero Guarani, em conjunto com os países vizinhos que compartilham estas riquezas naturais.
Revitalização do Rio São Francisco como pré-requisito para a transposição de suas águas para as populações de regiões secas e não para o agronegócio.
Produção de energia a partir de fontes renováveis e alternativas, como o biodiesel, energias eólica e solar.
Tratamento estratégico para as reservas dos recursos minerais brasileiros, com ritmo de extração determinado pelas necessidades internas.
5 – SOBERANIA E SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL
Posição soberana e independente nas relações internacionais.
Luta pela substituição da ONU por um novo organismo mundial, democrático e voltado para a superação das desigualdades em nível planetário e para a paz entre os povos.
Política externa anti-imperialista, privilegiando relações de interesse recíproco com países periféricos e emergentes.
Respeito à autodeterminação dos povos e a seu direito de resistência frente à opressão interna e à dominação estrangeira.
Revogação do acordo militar Brasil/Estados Unidos e retirada das tropas brasileiras do Haiti, com sua substituição por médicos, engenheiros e professores.
Luta pela retirada da IV Frota e das instalações militares norte-americanas da América Latina.
Ingresso do Brasil na ALBA, integração solidária e soberana da América Latina.
Solidariedade irrestrita à Revolução Socialista Cubana e aos processos de mudanças na Venezuela, Bolívia e outros países.
Renegociação do acordo de Itaipu com o Paraguai e devolução de seu Arquivo Nacional.
Reconhecimento das FARC como organização política insurgente; iniciativas para assegurar negociações de paz com justiça social na Colômbia.
Rompimento do Tratado de Livre Comércio com Israel, baseado apenas em material bélico.
Apoio à construção do Estado Palestino democrático, popular e laico, sobre o solo pátrio palestino.
Reestruturação das Forças Armadas brasileiras e mobilização popular, para a defesa contra a agressividade imperialista.
PCB – Partido Comunista Brasileiro
Comissão Política Nacional
Agosto de 2010

02/08/2010

Uma lógica irrefutável

Júlio Anguita*
02.Ago.10
Os gurus do capitalismo “sabem perfeitamente que as reduções de salários, pensões e despesa pública, acrescentados à facilidade e à baixeza dos despedimentos e à subsequente precariedade, não criam emprego, nem tão pouco relançam a economia; ainda por cima, reconhecem-no publicamente. Utilizam o pretexto da racionalidade económica como cortina ideológica que encobre - sob a capa de cientismo - os seus interesses como classe dominante. Têm a consciência de que não podem deixar nem uma fresta aberta por onde os dominados - se se organizarem – os podem obrigar a capitular e a pagar as contas dos roubos, manipulações, enganos, artimanhas e demais delitos que conduziram a esta situação de crise.”
Na década dos noventa e em plena fabulação europeísta, economistas espanhóis integrados no status explicavam, sem equívocos, que o Tratado de Maastricht com os seus limites ao défice, era uma autêntica reforma constitucional pela via dos factos e à margem do Parlamento. E ainda se chegou a dizer que o sistema de Segurança Social «não devia ser demasiado generoso…outra coisa é o que diz a Constituição (que em todo o caso, não é um modelo de racionalidade económica)».
Quinze anos depois, Sarkozy pretende uma reforma que incorpore na sua constituição a obrigatoriedade de impedir o défice. Obama declarou algo semelhante. Rajoy aceitou-a sem rodeios e o Governo espanhol põem-na diligentemente em prática deixando à Constituição de 1978 em muitas más condições em matéria de Direitos Fundamentais.
Desde os quatro pontos cardiais em que se constituíram o FMI, a OCDE, a UE e o BCE que se insiste em realizar profundas e urgentes reformas laborais. Os governantes declaram perante os seus povos que se deve ganhar a confiança dos mercados (vocábulo exotérico com que se encobrem, escondem e se ocultam entidades tão concretas como bancos, financeiros, investidores, agiotas e governos que os acolhem no seu seio). Os poderes públicos aceitam aquela expressão de Tietmeyer quando foi presidente do Bundesbank: «os políticos devem acatar as decisões dos mercados». Onde está a Democracia?
Estes gurus sabem perfeitamente que as reduções de salários, pensões e despesa pública, acrescentados à facilidade e à baixeza dos despedimentos e à subsequente precariedade, não criam emprego, nem tão pouco relançam a economia; ainda por cima, reconhecem-no publicamente. Utilizam o pretexto da racionalidade económica como cortina ideológica que encobre - sob a capa de cientismo - os seus interesses como classe dominante. Têm a consciência de que não podem deixar nem uma fresta aberta por onde os dominados - se se organizarem – os poderem obrigar a capitular e a pagar as contas dos roubos, manipulações, enganos, artimanhas e demais delitos que conduziram a esta situação de crise. Querem deixar claro que não há alternativa ao seu poder, aos seus interesses, aos seus métodos e às suas montagens ideológicas. Conhecem melhor que ninguém que não há nada mais politico do que a Economia. Tratam que os outros não compreendam. Reconhecem, de facto, que existe a luta de classes e dedicam-se a ganhá-la sempre.
Isto tem sido possível por o mundo social, ideológico, sindical, político e ético, que diz representar os dominados, há já algum tempo que se alinhou com os valores e práticas do chamado pensamento débil, como a aceitação da lógica dos outros, apesar de esporádicos, débeis e inúteis protestos, de vez em quando. Pensem os leitores no apoio incondicional e acrítico de determinadas organizações e criadores de opinião ao processo de montagem de esta patuscada chamada UE. A lógica dominante carece, no momento actual, de um oponente estruturado e com suficiente entidade para exercer a réplica e a contra-proposta eficazes.
Porque uma lógica só se combate com outra diferente, de confronto, alternativa e organizada. Uma lógica que situe a ciência económica como um instrumento ao serviço das necessidades humanas e não como a realização absoluta de um logos externo e independente das decisões e vontades de cidadania.
Essa outra lógica, ligada à humanidade próxima e concreta, nega, consequentemente, todas e cada uma das três divindades do deus capitalismo. O mercado, a competitividade e o crescimento sustentável que, não só surgiram ao longo desta crise como mecanismos inúteis para a resolver, como também foram a causa dela e das anteriores. Mas além disso, a simples formulação de algumas delas, como é o caso da competitividade predicada para todas e cada uma das nações do planeta é, em si mesma, uma contradição insuperável ao extremo.
Está na hora de determinar decididamente a preeminência da Democracia, dos Direitos Humanos e da Carta da Terra. Esta contém valores, atitudes e propostas radicalmente diferentes às que, fracassadas, são reiteradamente maquilhadas como verdades inquestionáveis. Somente a partir duma lógica e práticas alternativas, conceitos como austeridade, racionalidade, planificação, eficiência, produtividade, solidariedade, sentido comum e ética cívica têm o seu significado exacto.
E não é uma questão de grandes declarações, mas de organizar-se toda a Europa para dar a resposta alternativa, continuada e estrategicamente organizada. As tentativas angustiadas de mobilização circunscrevem-se a cada país enquanto a agressão provém da UE no seu conjunto. Onde está a Confederação Europeia dos Sindicatos?
Recordemos como nos prolegómenos da 1ª Guerra Mundial, o patrioteirismo chauvinista arrastou muitas organizações operárias para uma loucura bélica que objectivamente não lhes dizia respeito. Agora, é preciso e urgente organizar o calhamaço sócio-político de uma Europa unida institucionalmente, com um orçamento comum digno de tal nome, uma fiscalidade partilhada, uma economia coordenada e uma só voz no concerto internacional. Isso não virá deles.
Se a ditadura dos mercados não é contestada, se a alienação economicista se assume com fé de carvoeiro ou se a docilidade e as inércias eleitoralistas, que esbatem o conflito essencial, não é esquecida, só nos restará a reedição das lágrimas de Boabdil de Granada [1].
Nota do tradutor:[1]: Foi o último rei mouro (Abu Abd Allah Muhammad ibn Ali) de Granada e que chorou quando abandonou a cidade para ir para o exílio].
* Júlio Anguita foi secretário-geral do Partido Comunista Espanhol
Este texto foi publicado em www.rebelion.org