06/12/2008

Submersa na globalização, América Latina mostra-se cada dia menos blindada à crise

por Eduardo Gudynas
Muitos governos da América Latina insistiram que seus países estavam blindados perante a crise global. Expressando grande otimismo, em lugares como México, Argentina, Chile, Peru e Colômbia, repetia-se que as economias nacionais continuariam crescendo, enquanto a crise se restringiria aos países ricos. Porém, com o passar das semanas, é evidente que o descalabro financeiro afeta a América Latina e as idéias da blindagem estão sendo derrubadas.

Aquele otimismo se baseava em conceber que as economias latino-americanas poderiam descolar-se da crise global graças a fatores como as importantes reservas monetárias em vários países, acreditando que se manteriam as exportações a países como a China, a quem se considerava a salvo da crise financeira.

Assim como o presidente Lula minimizava a gravidade da crise durante setembro e outubro, outros presidentes, como Felipe Calderón do México ou Alan Garcia do Peru, também sustentavam que tais problemas não chegariam a seus países, e que, se isso acontecesse, de toda maneira contavam com ferramentas para enfrentá-los (ver entrevista com Reinaldo Gonçalves no Correio da Cidadania em 02/10). Alguns davam um passo a mais, como Cristina Fernandez de Kirchner, da Argentina, quando, em sua visita às Nações Unidas, assegurou que em seu país não se necessitavam correções; eram os outros que deveriam mudar.

Essa tese do descolamento ou a ilusão da blindagem se desfez em quase todos os casos. Rebaixaram-se as projeções de crescimento econômico da região a menos de 3% em 2009. As bolsas caíram não só em São Paulo, mas também no México, Buenos Aires e Santiago. As moedas nacionais se desvalorizaram frente ao dólar, enquanto em vários países se registra um aumento na fuga de capitais (na Argentina foram mais de 16,3 bilhões de dólares entre janeiro e setembro de 2008). Da mesma maneira que no Brasil algumas fábricas reduziram ou suspenderam sua produção, Argentina e México também o fizeram. A crise também chegou à China, onde a redução de suas expectativas de crescimento, as limitações do crédito e as reformas na produção agropecuária indicam que sua demanda por commodities sul-americanas se reduzirá.

Alguns governos seguem negando tais evidências. Um caso extremo, possivelmente, é representado pelo presidente peruano Alan Garcia, que considera seu país um paraíso econômico e diz que aqueles que criticam seus planos econômicos ou advertem sobre a transnacionalização de sua economia "deveriam ser colocados em uma balsa e lançados ao mar, para que assim desapareçam" (O Comércio, 20 de novembro de 2008).

O presidente do México, Calderón, afirma que seu país conta com os recursos para superar qualquer crise. Porém, o Banco do México acaba de reconhecer uma redução na atividade econômica, num contexto marcado pela queda do peso ao seu mínimo histórico, um desabamento do crédito interno (com altas porcentagens de inadimplência), perdas nas exportações e aumento do desemprego. A situação deste país se faz mais complicada por conta da íntima dependência que mantém com a economia dos EUA. A evidência histórica indica que qualquer queda no produto industrial estadunidense imediatamente arrasta todo o PIB mexicano. Espera-se um crescimento de menos de 1% para o país asteca em 2009.

A queda das remessas que os migrantes enviam dos EUA e da Europa será outro golpe adicional para o México, mas também para os países centro-americanos e algumas nações andinas (especialmente o Equador).

A crise internacional, ademais, pode se somar aos problemas domésticos de cada país. Por exemplo, na Colômbia, com a queda das chamadas pirâmides, empresas de especulação financeira que desembocaram em golpes em escalas massivas. Na Argentina, as contradições internas geram medidas com muitos pontos de interrogação. Enquanto o valor de seus principais produtos, como a soja, caiu dramaticamente e as exportações de produtos manufaturados se ressentem do momento, as contas públicas estão seriamente ameaçadas. A Argentina tampouco dispõe de acesso a créditos internacionais, como conseqüências do default (suspensão de pagamentos da dívida).

Dentro desse contexto, o governo de Cristina Fernandez nacionalizou os fundos privados de pensão. A medida tem um componente positivo ao recuperar o controle do Estado sobre a previdência social. Ao mesmo tempo, o governo ganha o acesso a uma carteira de cerca de 30 bilhões de dólares e ingressos mensais de 300 milhões de dólares, sob muitas dúvidas a respeito da efetividade dos mecanismos de controle e transparência. Muitos temem que o dinheiro não seja usado nas aposentadorias, mas sim para equilibrar as contas estatais e para a campanha legislativa de 2009.

Na semana passada, o governo argentino voltou a surpreender com mais medidas: benefícios para repatriar os capitais do exterior sem investigar a origem dos fundos, extinção de dívidas e até uma reorganização do gabinete, com a criação do Ministério da Produção. Mais uma vez há interrogações: por exemplo, ao não se requerer uma análise da origem dos capitais repatriados, desaparecerão muitas causas judiciais por questões como fraudes fiscais, além de não faltarem advertências de que isso abre as portas para a lavagem de dinheiro. Apesar de todas essas medidas, as estimativas indicam que a economia argentina crescerá menos de 1% em 2009 ou se estancará.

A queda nos preços dos produtos de exportação e o fechamento de muitos mercados golpeiam em todos os países. Isso se observa em rubros como a mineração, na qual no Peru se suspendem empreendimentos e fecham-se pequenas cooperativas e empresas mineradoras, enquanto que na agricultura e pecuária se espera uma contração na Argentina e no Uruguai. A restrição ao crédito internacional é palpável e os papéis de países latino-americanos perdem valor nos mercados internacionais. Os bancos centrais de México, Chile e Argentina devem utilizar suas reservas para segurar a queda da cotação de suas moedas.

Mesmo no Chile, onde o governo central conta com um fundo anti-cíclico nutrido pelas exportações de cobre, são evidentes os problemas. O nível de endividamento interno é alto, os preços de sua principal exportação (cobre) despencaram e o déficit de conta corrente aumentará de 1% em 2008 para estimados 2,7% em 2009. O sistema de previdência social está quebrando devido ao fato de os investimentos dos fundos de pensão privados terem sofrido perdas de ao menos 27% no ano, especialmente pelas aplicações realizadas no exterior.

Os governos de esquerda também brincaram com a otimista idéia da blindagem e hoje sofrem com esses problemas. A queda do preço do petróleo para 50 dólares é um duro golpe nas reformas de Hugo Chávez na Venezuela, assim como no seu esquema de cooperação internacional. As exportações de Equador e Bolívia sofrem um problema similar, o que gera muitas restrições econômicas para o próximo ano.

Essa breve revisão da situação latino-americana mostra que o ano de 2009 será muito complicado e não existe uma blindagem perfeita. A América Latina encontra-se muito mais submersa na globalização econômica do que alguns estavam dispostos a admitir e os passados êxitos econômicos eram mais dependentes do boom das matérias primas que de novas medidas de ministros da economia.

Apesar disso, parecem abundar mais as receitas que negam a necessidade de mudanças substanciais do que novas e audazes medidas a fim de se avançar rumo a outras estratégias de desenvolvimento. Lançar ao mar dentro de balsas quem advertir sobre tais problemas, como apregoa o presidente peruano Alan Garcia, apenas alimenta o desencanto cidadão com a política. Porém, essa falta de novas idéias é uma enorme oportunidade para que a sociedade civil possa renovar o debate sobre o desenvolvimento.

Eduardo Gudynas é analista de informação no D3E (Desenvolvimento, Economia, Ecologia e Eqüidade), centro de investigações dos assuntos latino-americanos sediado em Montevidéu.

Traduzido por Gabriel Brito.
Fonte: Correio da Cidadania

03/12/2008

Solidariedade ao povo do Equador

Nota Política do PCB – Partido Comunista Brasileiro
A Comissão Política Nacional do Partido Comunista Brasileiro (PCB) manifesta sua solidariedade ao povo e ao governo do Equador em relação ao recente litígio comercial e diplomático envolvendo os dois países. Como todos se recordam, a empreiteira brasileira Odebrecht foi responsável pela construção da hidroelétrica de San Francisco, no Equador, obra que realizou com tantas falhas técnicas que a usina, ao ser concluída, deixou de funcionar, tal o nível de rachaduras e problemas na sua estrutura.
Coerentemente, o governo do Equador expulsou a empreiteira Odebrecht do País, interrompeu os contratos suplementares que ainda existiam com esta empresa e anunciou que iria questionar o pagamento da dívida ao BNDEs, que financiou a obra, junto a um tribunal internacional de arbitragem, em conseqüência das irregularidades cometidas pela empreiteira.
Diante dessa situação, o governo brasileiro, em vez de criticar a empreiteira em função do prejuízo causado ao povo do Equador e dos danos provocados à imagem do Brasil, chamou de volta o embaixador brasileiro em Quito, numa medida truculenta e inteiramente atípica nas relações bilaterais. Agindo assim, o governo transformou um problema comercial entre o Equador e uma empresa privada numa crise diplomática.
Com esta medida, na verdade, o governo Lula cede às pressões da direita mais reacionária brasileira e da mídia vendida ao imperialismo norte-americano, que por todos os meios quer criar conflitos artificiais, desmoralizar e satanizar os governos progressistas da região, impedir a integração latino-americana e transformar o Brasil num gendarme dos países irmãos da região, tudo isso para satisfazer os interesses da política de Washington na América Latina.
O Partido Comunista Brasileiro, coerente com seu internacionalismo militante, conclama o governo Lula a rever sua posição, reconhecer o grande prejuízo que a Odebrecth causou ao povo irmão equatoriano, e buscar uma solução negociada da crise, de forma a respeitar a soberania equatoriana e dar continuidade ao processo de integração latino-americana.
Rio de Janeiro 28 de novembro de 2008

02/12/2008

Declaração Política do XX Congresso do Partido Comunista Colombiano

"É hora de avançar rumo à democracia econômica e social, para assentar as bases de uma nova sociedade"
1 - O sistema capitalista mundial assiste a uma de suas mais profundas e agudas crises, ainda não expressada totalmente, em que os aspectos econômicos e financeiros se entrelaçam com aspectos energéticos, alimentares, sociais e ambientais, ao mesmo tempo em que também são evidentes os sinais de deterioração política e cultural. A crise mostra de maneira escancarada os limites históricos do sistema e gera novas condições para a luta mundial e para a ação coletiva organizada contra o capitalismo, assim como para a produção de novas subjetividades a favor dos ideais da emancipação humana e do socialismo. A crise conduz a uma nítida revalorização e vigência do marxismo como teoria e fundamento da ação política dos trabalhadores e das classes contra-hegemônicas.
2 - A crise coloca em questão a hegemonia imperialista estadunidense de Bush, suas pretensões de controle econômico e territorial do mundo, mas, sobretudo, sua política de intervencionismo militar de guerra preventiva com o pretexto da "luta mundial contra o terrorismo". Nesse sentido, o mandato de Barack Obama, para além das mudanças de tom e de forma na estratégia imperialista, representa a tentativa de encontrar uma saída capitalista da crise e de recompor as forças do capitalismo mundial.
3 - A crise capitalista mundial se constitui em um fator que acelera a crescente deterioração do regime de "segurança democrática" de Álvaro Uribe. Com efeito, junto aos sinais evidentes de decomposição avançada das configurações criminosas e mafiosas do regime político, aos sinais de debilitação da unidade no bloco do poder, a crise põe em questão o "modelo econômico" da ultradireita, para mostrar que os sucessos do recente processo de neoliberalização na Colômbia respondiam em realidade à conjuntura favorável do ciclo econômico. A nova situação que gerou a crise pretende minimizar-se e mostrar-se simplesmente como "uma desaceleração do crescimento econômico".
4- A crise coincide sobretudo com um movimento social e popular em ascensão, que sintetiza e estimula, através de diversas formas, os acúmulos, não só na resistência, mas nas aspirações políticas, sociais, econômicas e culturais do povo trabalhador a favor da mudança e da transformação da sociedade. Destacamos o espírito renovado da luta do povo colombiano nessas mobilizações; ressaltamos a atitude valorosa e heróica da greve dos cortadores de cana, dos trabalhadores das estatais, das ações do movimento sindical e de outras múltiplas e inumeráveis mobilizações sociais e populares. Todas elas são uma mostra a mais da deterioração do regime de "segurança democrática", e uma demonstração de que o terrorismo de Estado, e em geral, os componentes do projeto político econômico da ultradireita, que pretende se prolongar com uma segunda reeleição de Uribe, ou com a continuação do uribismo sem Uribe, podem ser derrotados se conseguirmos consolidar uma ampla mobilização social e popular organizada.
5 - O rompimento do projeto uribista não representa o final das pretensões das classes dominantes de estabelecerem um regime de excepcionalidade permanente, nem a conclusão do projeto de acumulação capitalista baseado no saque, no deslocamento forçado de milhões de colombianos e colombianas, nas violações dos direitos humanos, principalmente através de grandes projetos mineiro-energéticos, de agro-combustíveis e de infra-estrutura, e de grandes benefícios monopolistas às empresas multinacionais, ao grande empresariado capitalista, assim como à grande propriedade latifundiária e aos latifundiários. Mas sim põe em evidência a contradição fundamental da sociedade colombiana na atualidade, entre um regime autoritário, criminoso e militarista, representante dos interesses financeiros dos latifundiários e pró-imperialistas, por um lado, e os interesses e aspirações democráticas e emancipatórias da maioria da sociedade e em especial do povo trabalhador, por outro; e indica, ao mesmo tempo, para onde deve ser canalizada a ação política organizada.
6 - A tendência histórica da acumulação capitalista na Colômbia, como também as configurações atuais do regime político, impõem leituras mais complexas do conflito social e armado e de sua dinâmica, que transcendem os enfoques meramente militares, os quais levam a afirmações equivocadas no sentido de que nos encontraríamos no fim do conflito e inclusive no pós-conflito. Às causas históricas do conflito armado, se agregam atualmente outras que resultam precisamente das dinâmicas territoriais da acumulação capitalista. Nesse sentido, a necessidade do intercâmbio humanitário e de uma saída política negociada ao conflito social e armado representa uma urgência histórica e uma tarefa insubstituível. É por isso que os comunistas apoiamos toda iniciativa nessa direção e chamamos a uma ampla mobilização social e popular pela paz democrática com justiça social e econômica.
7- A constituição de um amplo movimento político a favor da paz democrática que derrote os projetos de militarização da sociedade e de uma "solução militar" ao conflito, que pretendem colocar a população como bandeira da contra-insurgência e buscam disciplinar e organizar a sociedade entre "amigos e inimigos do terrorismo", ou ainda de promover em meio aos setores democráticos teses contra-insurgentes, se constitui numa tarefa central. Os problemas da sociedade colombiana não se explicam pela persistência do conflito social e armado. Este é que se deve a eles. Deve-se entender que não há e não haverá paz na Colômbia sem mudanças políticas, econômicas e sociais.
8 - A deterioração paulatina do projeto da ultradireita num contexto de crise mundial do capitalismo, de novas dinâmicas territoriais da guerra e de um movimento social e popular em ascensão, abre possibilidades para considerar a opção de um novo poder e de um governo democrático na Colômbia. O Partido Comunista faz um chamado ao povo colombiano, às forças progressistas, democráticas e de esquerda, aos movimentos sociais e populares, indígenas e afro-descendentes, a trabalharem unidos nessa direção. Chegou a hora de sintonizar mais decididamente as lutas colombianas com os processos de mudança, transformação e de nova integração latino-americana que se adiantam por parte de alguns governos progressistas e de esquerda na América Latina. É hora de avançar rumo à democracia econômica e social, para assentar as bases de uma nova sociedade.
9 - Nesse sentido, o Pólo Democrático Alternativo adquire o maior significado. Os comunistas manifestam seu compromisso de continuar construindo o Pólo, de fazer dele uma força coerente e conseqüente da esquerda colombiana, com vontade de poder, afinado com as demandas e aspirações sociais e populares; um Pólo que aglutine as mais amplas expressões organizadas do povo colombiano, e que seja expressivo do maior esforço de unidade das forças populares, democráticas e progressistas do país. Vamos ao segundo congresso do Pólo com a aspiração de que este se constitua na força política para a transformação democrática do país. A pré-candidatura de Carlos Gaviria Díaz é um passo importante no desenvolvimento desse propósito.
10 - O Congresso do Partido Comunista faz uma saudação e expressa sua admiração aos lutadores sociais e populares, aos operários e camponeses, aos indígenas, aos afro-descendentes, aos jovens e às mulheres, aos defensores dos direitos humanos, aos presos políticos, à militância comunista, e em geral, ao povo colombiano, e os convida a não cessarem em seu empenho por construir uma nova sociedade.
Bogotá, 16 de novembro de 2008.