05/07/2008

Mais uma tentativa de criminalizar o MST

O MST está sofrendo uma verdadeira ofensiva de forças conservadoras no Rio Grande do Sul. Não só querem impedir a divisão da terra, como determina a Constituição, mas pretendem criminalizar os que lutam pela Reforma Agrária e impedir a continuidade do Movimento.

Para tanto, essas forças politicas defensoras de poderosos interesses de grupos econômicos de empresas transnacionais, que estão se instalando no Estado para controlar a agricultura, e os latifundiários, estão representadas hoje no governo de Yeda Crusius (PSDB), na Brigada Militar, no setores do Poder Judiciário local e no poder do monopólio da mídia.
Nesta terça-feira, o MST-RS apresentou uma denúncia formal, junto a comissão de Direitos Humanos do Senado Federal que se deslocou até Porto alegre, especialmente para acompanhar a situação. Neste momento difícil e importante para a democracia brasileira, o MST pede aos nossos amigos e amigas que enviem cartas de protesto para a Governadora Yeda Crusius e ao procurador geral de Justiça, que é nomeado pela governadora e coordena o Ministério Publico Estadual:

Nós abaixo-assinados, vimos à presença de Vossa Excelência manifestar nosso mais vêemente repúdio à iniciativa do Estado Maior da Brigada Militar do RS - PM 2, à iniciativa do Conselho Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, e à iniciativa do Ministério Público Federal, pelos motivos a seguir indicados. No dia 20 de setembro de 2007 o então Subcomandante Geral da BM Cel. QOEM, Paulo Roberto Mendes Rodrigues, encaminhou o relatório n. 1124-100-PM2-2007 cuja elaboração havia sido por ele determinada, ao comandante geral da BM, onde emite parecer sugerindo sejam tomadas todas as medidas possíveis para impedir que as três colunas do MST que rumavam ao Município de Coqueiros do Sul, fossem impedidas de se encontrar. No relatório houve uma investigação secreta sobre o MST, seus líderes, número de integrantes e atuação no RS. O relatório foi remetido ao Ministério Público do Estado do RS e ao Ministério Público Federal. O relatório da força militar do RS caracteriza o MST e a Via Campesina como movimentos que deixaram de realizar atos típicos de reivindicação social mas sim atos típicos e orquestrados de ações criminosas. Na conclusão do relatório é condenada a “corrente que defende a idéia de que as ações praticadas pelos movimentos sociais não deveriam ser consideradas crimes, mas sim uma forma legítima de manifestação”. As investigações também foram dirigidas sobre a atuação de deputados estaduais, prefeitos, integrantes do INCRA e supostos estrangeiros. Em função desta ação da Brigada Militar, o MPE ingressou com ACP impedindo as colunas do MST de entrarem nos quatro municípios da comarca de Carazinho no RS, e foram ingressadas com várias ações para retirar as crianças das famílias que marchavam. As iniciativas da Brigada Militar não ocorriam no Brasil deste o término da ditadura militar brasileira e são atentatórias a Constituição Federal de 1988 que proibiu as policias militares de atuarem na investigação de infrações penais e de movimentos sociais ou partidos políticos. O art. 144 da Constituição Federal estabelece que às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. A Brigada Militar invadiu a competência da Policial Civil e da Polícia Federal. No dia 3/12/07 o Conselho Superior do Ministério Público aprovou o relatório elaborado pelo promotor Gilberto Thums (processo nº 16315-09-00/07-9), referente ao procedimento administrativo instaurado pela Portaria 01/2007. O grupo de investigadores tinha por objetivo fazer um levantamento das informações sobre o MST. O relatório final do grupo de investigadores merece repulsa de toda a sociedade. Uma das decisões tomadas pelo Ministério Público foi no “ (...) sentido de designar uma equipe de Promotores de Justiça para promover ação civil pública com vistas à dissolução do MST e declaração de sua ilegalidade (...)” Como não bastasse a tentativa de declarar o MST ilegal, o Ministério Público decidiu “(...) pela intervenção nas escolas do MST a fim de tomar todas as medidas que serão necessárias para a readequação à legalidade, tanto no aspecto pedagógico quanto na estrutura de influência externa do MST.” A decisão do Ministério Público ofende o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, especialmente o artigo 22, nº 1. Este pacto foi reconhecido pelo Governo brasileiro através do Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. A decisão também ofende a Constituição Federal. O artigo 5º, inciso XVII, diz que “é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.” No dia 11 de março de 2008, o Ministério Público Federal denunciou oito supostos integrantes do MST por “integrarem agrupamentos que tinham por objetivo a mudança do Estado de Direito, a ordem vigente no Brasil, praticarem crimes por inconformismo político”, delitos capitulados na Lei de Segurança Nacional da finada ditadura brasileira, referindo na sua denúncia que os acampamentos do MST constituem “Estado paralelo” e que os atos contra a segurança nacional estariam sendo apoiados por organizações estrangeiras como a Via Campesina, as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, além de estrangeiros que seriam responsáveis pelo treinamento militar. As teses constantes na denúncia foram formuladas pelo proprietário da Fazenda Guerra, integrante da FARSUL em 2005, e ratificadas pelo Coronel da Brigada Militar Valdir Cerutti Reis, que participou da ditadura militar brasileira, tendo inclusive, atuado como infiltrado por dois anos no acampamento Natalino, sob o codinome de Toninho, onde tentava convencer acampados a abandonar o movimento e aceitar os lotes de terra oferecidos em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, pela ditadura militar. A ação do MPF foi impetrada contrariamente as conclusões do inquérito penal da Polícia Federal que investigou o MST durante todo o ano de 2007, e concluiu inexistirem vínculos do movimento com as FARC, presença de estrangeiros realizando treinamento de guerrilha nos acampamentos e inexistir a pratica de crimes contra a segurança nacional. O MST vem se notabilizando como um dos movimentos sociais mais importantes da nossa história, justamente pela sua opção de luta utilizando a não-violência. Portanto, receba nosso mais veemente repúdio pela decisão tomada no Conselho Superior do Ministério Público, pelo seu Estado Maior da Brigada Militar e pela decisão do Ministério Público Federal.
Declaramos nosso apoio à luta do MST.

Imitando as operações militares das FARC, narcogoverno da Colômbia resgata 15 reféns

Observadores suecos dizem que, um dia antes da operação, as FARC tinham aceitado libertar 40 reféns, entre eles Betancourt e os mercenários estadunidenses. Nesse caso, o narcogoverno colombiano pode ter interferido na operação de entrega para não dar esse trunfo à guerrilha.
Fê-lo com o apoio dos EUA, quando os reféns a libertar estavam Ingrid Betancourt e os três mercenários estadunidenses, poucos dias depois de uma sentença do Supremo Tribunal de Justiça que acusa o narcogoverno de «acções delituosas» na sua reeleição e coincidindo com a visita de McCain à Colômbia.
Os factos ocorrem um dia depois da reactivação da Quarta Esquadra da Marinha estadunidense e durante a visita de John McCain, candidato presidencial do partido Republicano estadunidense, a terras neo-granadinas. Entre os libertados estão os três militares estadunidenses reféns das FARC-EP, bem como membros da polícia e do exército colombianos.
O ministro da Defesa em alocução televisionada apresentou alguns detalhes da operação, que se inspirou segundo a Revista Semana na efectuada pelas FARC-EP há 5 anos, em que foram capturados os deputados del Valle, assassinados ao que parece por mercenários ao serviço do Estado numa tentativa de resgate e ferro e fogo.
Curiosamente, a acção ocorre horas depois de os mediadores da França e da Suiça, o ex-cônsul francês em Bogotá, Noel Saenz, e o diplomata suíço Jean-Pierre Gontard, informarem ter feito um contacto com as FARC para discutir o destino de Betancourt, segundo informaram agências internacionais. «Um negociador francês e um suíço passaram três dias numa área onde se acredita que operam importantes comandantes, como parte do esforço para a libertação dos reféns que incluem a franco-colombiana Ingrid Betancourt e três estadunidenses».
Le Fígaro disse numa edição antecipada da sua edição de quarta-feira que os negociadores se tinham reunido com uma pessoa próxima de Cano nas montanhas do sul do país sul-americano para, de acordo com «fontes oficiais colombianas», discutir o destino de Betancourt.
Observadores suecos falam da similitude da operação com o sanguinário ataque do exército colombiano a um acampamento das FARC no Equador, onde assassinaram Raul Reyes. Este ataque aconteceu quando as negociações para a libertação de reféns estavam bastante avançadas.
No caso actual, suspeita-se que também havia negociações avançadas com esses enviados.O El Tiempo informou em 1 de Julho, um dia antes da operação, que as FARC tinham aceite libertar 40 reféns, entre eles Ingrid Betancourt e os mercenários estadunidenses. Nesse caso, o narcogoverno colombiano pode ter interferido na operação de entrega para não dar esse trunfo à guerrilha.
Colaboração do regime estadunidense
O governo dos Estados Unidos colaborou na operação do Exército colombiano que resgatou 15 reféns que estavam em poder das FARC. Assim o reconheceu esta quarta-feira Gordon Johndroe, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional em Washington.
Apoiámos a operação. E proporcionámos apoio específico», afirmou Johndroe que, no entanto, recusou dar mais pormenores sobre o tipo de colaboração. «Este resgate há muito tempo que estava a ser planeado, e nós trabalhámos com os colombianos durante cinco anos, desde que os reféns foram capturados, para a sua libertação», acrescentou.
Johndroe precisou que o governo estadunidense soube da operação «desde o processo de planificação» e acrescentou que nessa fase participaram o embaixador estadunidense em Bogotá, William Brownfield, e o chefe do comando sul do exército, o almirante James Stavridis.
Ainda se desconhece a versão da insurreição e o estado e paradeiro dos guerrilheiros capturados. Espera-se a reacção de centenas de presos políticos nas prisões colombianas, que viam na troca de prisioneiros a possibilidade de recuperar a liberdade e como primeiro passo para um processo de negociação política dialogada para o conflito social e armado cujas causas, sublinha reiteradamente a insurreição colombiana, continuam vigentes.
.
ABP / YVKE Mundial / La Haine
.
Tradução de José Paulo Gascão

REPÚDIO À CRIMINALIZAÇÃO DO MST

Nós, cidadãs e cidadãos brasileiros, membros de organizações sociais e políticas, queremos manifestar à sociedade brasileira e à comunidade internacional nossa indignação e mais veemente repúdio às medidas tomadas pelo Ministério Público e pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul contra o MST.Em setembro de 2007 o Subcomandante Geral Cel. Paulo Roberto Mendes Rodrigues encaminhou ao Ministério Público um relatório elaborado pela própria Brigada Militar que caracteriza o MST e a Via Campesina como movimentos que deixaram de realizar "atos típicos de reivindicação social" e que passaram a orquestrar "atos típicos de organizações criminosas" e "paramilitares".Tais medidas da BM avançam sobre a competência das Polícias Civil e Federal, ofendendo a Constituição de 1988. Deputados estaduais, prefeitos, integrantes do INCRA e supostos estrangeiros foram investigados secretamente.No dia 2 de dezembro de 2007 o Conselho Superior do Ministério Público aprovou o relatório elaborado pelo promotor Gilberto Thums que designa "[...] uma equipe de Promotores de Justiça para promover ação civil pública com vistas à dissolução do MST e declaração de sua ilegalidade [...]". Bem como, o Minstério Público decidiu "[...] pela intervenção nas escolas do MST a fim de tomar todas as medidas que serão necessárias para a readequação à legalidade, tanto no aspecto pedagógico quanto na estrutura de influência externa do MST."No dia 11 de março de 2008, contrariando inquérito da Polícia Federal que investigou o MST em 2007, o Ministério Público Federal denunciou oito supostos integrantes do MST por "integrarem agrupamentos que tinham por objetivo a mudança do Estado de Direito, a ordem vigente no Brasil, praticarem crimes por inconformismo político", delitos capitulados na Lei de Segurança Nacional da finada ditadura.A denúncia referia-se aos acampamentos do MST como "Estado paralelo" e apontava a exisência de apoio das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), além de estrangeiros responsáveis pelo treinamento paramilitar.Soma-se a tais medidas, o processo de intensificação da repressão policial às ações políticas do MST. Marchas pacíficas, protestos, ocupações são atacados com extrema violência da parte da Brigada Militar. As imagens divulgadas chocam pela brutalidade: bombas jogadas em meio a famílias com crianças, balas de borracha disparadas à altura das cabeças e espancamentos.É contra essas medidas de cunho autoritário e ditatorial que vimos a público manifestar nosso apoio ao MST.Democracia não pode ser uma palavra vazia. Dissolver o MST, torná-lo ilegal, processar e criminalizar suas ações e seus militantes políticos para "quebrar sua espinha dorsal" significa, sem meias palavras: cassar os direitos democráticos dos trabalhadores rurais sem-terra. Tal criminalização dos movimentos sociais e da pobreza representa um ataque às liberdades democráticas e não pode ser tolerado em um país que se pretende livre. Desde a redemocratização e do fim da ditadura militar essa é a ameaça mais contundente aos direitos civis e políticos, que tem como próximo passo atingir, inclusive, outras organizações populares e lutadores de nosso povo.Uma das propostas do relatório vai ao extremo: sugere o cancelamento do registro eleitoral dos sem-terra acampados ou assentados numa região para evitar sua influência política. Sufrágio sem direito de organização política já é uma farsa. Cassação do sufrágio é ditadura escancarada.Nenhum cidadão consciente da história recente do Brasil pode se calar perante tamanha, evidente e concreta ameaça à democracia e aos Direitos Humanos. É vergonhosa a ofensa ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e à Constituição de 1988 que asseguram o direito de associação para fins lícitos.O MST é um movimento social de caráter popular que luta pela Reforma Agrária e pela Justiça Social e Soberania Popular. As elites brasileiras precisam aprender que questões sociais devem ser resolvidas com POLÍTICA E NÃO COM POLÍCIA!A única maneira de acabar com o MST é acabar com o latifúndio, com o agronegócio e com milhões de famílias sem-terra dando-lhes oportunidade de trabalho e renda na produção de alimentos. Essa é a proposta política de Reforma Agrária também garantida na Constituição Federal, cujo cumprimento o MST exige através das ocupações e lutas em todo o Brasil há quase 25 anos.Por isso conclamamos aos que lutam a somarem-se ao Ato Público em Repúdio à Criminalização do MST Promovida Pelo Ministério Público Do Rio Grande Do Sul que realizaremos no Teatro da Universidade Católica de São Paulo (TUCA), Rua: Monte Alegre,1024-Perdizes, às 19 horas.

ABAIXO O AUTORITARISMO DA BRIGADA MILITAR E DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO SUL!TODO APOIO AOS TRABALHADORES/AS RURAIS SEM TERRA, AO MST E À VIA CAMPESINA!POR REFORMA AGRÁRIA! PELA DEMOCRACIA! E POR JUSTIÇA SOCIAL E SOBERANIA POPULAR!

04/07/2008

TODA SOLIDARIEDADE AO MST E AOS MOVIMENTOS SOCIAIS

(Nota do Comitê Central do PCB)
As instituições não se confundem com as pessoas que as integram. O Ministério Público, por destinação constitucional, deve ser defensor do "regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127 da CF/88). Ora, é da essência de uma verdadeira democracia a existência de movimentos sociais, como o MST, indispensável à almejada reforma agrária que modernizará o País.
A postura de um membro do Ministério Público do Rio Grande do Sul, clamando por uma "dissolução" e "quebra da espinha dorsal do MST", lembra as terríveis, antidemocráticas e anti-humanas palavras do representante do Ministério Público da Itália de Mussolini, no julgamento do pensador Antonio Gramsci: "por vinte anos devemos impedir que este cérebro funcione". Não querer que um movimento social "funcione" é engessar a democracia e criar um ambiente político similar ao estado mórbido do fascismo.
Movimento social não pode ser tratado como caso de polícia, sob pena de retrocedermos às páginas obscuras da Ditadura Militar, que envergonham a nossa História. Está em curso no Brasil um processo de criminalização do movimento operário e popular. Para tentar frear a luta dos trabalhadores, proliferam-se os ataques à organização sindical e ao direito de greve, através de "interditos proibitórios", multas e demissões de sindicalistas.
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) manifesta sua irrestrita e militante solidariedade ao MST e aos movimentos sociais em geral, chamando a atenção do povo brasileiro para a necessidade de repudiarmos todas as iniciativas de criminalização das lutas populares. As oligarquias, com a complacência do governo, querem calar consciências, disseminando o medo, numa tentativa de aprisionar o povo brasileiro em um modelo de sociedade reacionário, anti-democrático, elitista e excludente.
Liberdade e autonomia para os movimentos sociais!
Julho de 2008

03/07/2008

CHÉRI À PARIS / CRÔNICAS FRANCESAS

Pequenos espaços, grandes problemas
— E aí escolheram a resposta mais criativa. — Que pergunta? — "Qual a diferença entre a mulher e a televisão?" — E o que você respondeu? — O controle remoto!
.
(27/06/2008)
Julien Drouot não acreditou quando o cara da tevê anunciou o seu nome, e sacudiu Annie, que dormia ao lado.
— Eu ganhei. Ganhei, Annie. É minha!
— Ganhou o quê, Julien?
— A televisão de 150 polegadas, tela plana, totalmente digital, som estéreo futurista e disco rígido interno. Tem até despertador automático, com uma imagem holográfica do Charles Aznavour cantando La Bohème na nossa própria sala. Uma maravilha tecnológica.
— Que história é essa?
— Eles fizeram uma pergunta, e aí escolheram a resposta mais criativa.
— Que pergunta?
— "Qual a diferença entre a mulher e a televisão?"
— E o que você respondeu?
— O controle remoto!
— Você continua de uma finesse sem par, Julien. Mas me diga então onde vamos colocar essa outra tevê. Não vai caber nos nossos quinze metros quadrados.
— São dezesseis e meio, Annie. E eu já pensei em tudo. A gente pode botá-la no lugar daquele objeto marrom ali na parede, que eu nem sei bem pra que serve.
— Aquele objeto marrom ali na parede é o armário de louça. E você não sabe pra que serve porque nunca lavou um só copo na vida.
— Não é verdade. Semana passada eu lavei dois. Tá certo que um deles escorregou e quebrou, mas o outro ficou inteirinho.
— Foi por essas e outras que ontem comprei um lava-louças.
— Um lava-louças? E em que lugar vamos pôr esse monstro?
— Não se preocupe, Julien. Minha mãe vai ajudar a organizar tudo.
— Sua mãe?
— Ela chega na quinta.
— Agora são dois monstros...
— Dessa vez não fica muito tempo não, só um mês.
— Um mês?
— Chato, né? Eu também queria que fosse mais, mas ela disse que não gosta de incomodar.
— Por mim, tudo bem. Só que a velha vai ter que dividir o sofá com o Clement Diderot, que vem passar uma semana em Paris e pediu pra dormir aqui em casa.
— Clement Diderot, o gordo roncador?
— O próprio. Ele vem defender o título do Campeonato Francês de Arroto.
— Ele é asqueroso! Minha mãe não vai agüentar ficar aqui.
— Olha que sorte: eu conheço um hotel baratinho e super limpo a quatorze estações de metrô daqui. Quinze, talvez. Ela vai adorar.
— Você nunca fica feliz quando minha mãe vem.
— Não é verdade. Ela diz coisas que eu adoro.
— Jura?
— Claro.
— O quê?
— "Estou indo embora", por exemplo.
— Julien, você é um grande cretino.
— Annie, você é uma chata de galochas.
— Amanhã me mudo pra casa da minha amiga Marie.
— Não precisa se incomodar. Vou agora mesmo pro apartamento do Pierre. Sábado passo pra pegar minhas coisas.
— Aproveita e leva as suas cuecas furadas, que só entopem as gavetas.
— Pode deixar. Assim você vai ter mais espaço pra todos aqueles tubos e potes de pastas e pomadas.
— Saiba que são cremes de beleza caríssimos.
— E por que não funcionam?
— Suma!
— Fui.
Julien sai e bate a porta. Mas volta minutos depois, com a voz doce e um sorriso no rosto, e entrega um bilhete à Annie. Ela sorri também.
— Annie, pensei bem e tenho uma coisa super importante pra te dizer.
— Diga, mon amour.
— Você pode mandar a televisão nova pra esse endereço aqui?
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil

O Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde

por André Forte
Não há muito a dizer sobre Oscar Wilde enquanto romancista: O Retrato de Dorian Gray foi o único romance escrito por si, entre dezenas de peças de teatro e reflexões sobre estética, e é considerado um dos últimos trabalhos de ficção gótica de terror. Este romance é, em última análise, o resumo dos seus ensaios sobre essa temática, já que, através das suas personagens, argumenta sobre ela constantemente – e de forma bastante convincente, saliente-se. Foi uma forma inteligente de substituir as palestras que ainda teria de dar pelo mundo fora (e muitas foram as que realmente deu).Ainda que filho único de Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray é obra de um grande romancista. Por várias razões: o enredo, o discurso narrativo, as personagens, o enquadramento histórico… tudo características deliciosamente desenvolvidas.Comecemos pela base, o enredo. O título não podia ser nem mais explícito nem menos óbvio – diz-nos a história toda sem, no entanto, nos revelar ponta dela. Um rapaz belíssimo e o seu retrato – e sobre a trama nada mais é possível revelar sem que metade do encanto se perca; é um livro dependente de todas as páginas. A forma como a partir desta base, actualmente transformada num cliché da literatura, se desenvolve uma narrativa única é fenomenal. Através de uma caracterização das classes altas da Inglaterra do século XIX, Oscar Wilde distorceu os preconceitos que se tem de uma sociedade civilizada, tornou-os mais grotescos e evidentes, colocando o leitor numa perspectiva especialmente feliz em relação a eles, podendo este descortiná-los – e julgá-los, porque não? Aqui o enquadramento histórico é de extrema importância e feito com excelência, desde as descrições dos espaços e das roupas à própria denúncia dos vícios da classe alta; as menções feitas às facções mais baixas da hierarquia social, através de breves ilustrações feitas dos seus locais quotidianos, surgem pontualmente e acabam por não ter grande impacto no enredo. No entanto, o dia-a-dia do meio em que se insere o protagonista é introduzido de forma demorada e cativante ao longo de toda a história, até à última página. À semelhança de tudo neste romance: nada, tirando algumas personagens, fica inalterado ao longo da leitura, fidelíssima ao tempo da trama.Curiosamente, em O Retrato de Dorian Gray, as personagens suplantam o narrador no desempenho do seu papel graças a uma escrita baseada em diálogos. O discurso do narrador limita-se a pequenas contextualizações espacio-temporais, não lhe cabendo, sequer, a função caracterizadora das personagens – estas discutem todas essas trivialidades entre si, adquirindo uma vida pouco normal num romance, tornando-se independentes de didascálias e de outras intervenções (neste caso) inúteis. Cabe, portanto, ao leitor analisar personagens que lhe estão realmente próximas. A escrita torna-se, por isso, ligeira, ainda que não exageradamente graças ao conteúdo, que muitas vezes adquire alguma densidade – nomeadamente nos diálogos.Naturalmente, com uma narrativa deste género, os diálogos não são meras trocas de palavras: são verdadeiros argumentos, construídos com lógica e inteligentemente colocados na personagem que lhes compete, o que não os torna cansativos. Pelo contrário, estes tornam-se deliciosos e são, como já tinha referido, o veículo das ideias sobre estética desenvolvidas por Oscar Wilde, ainda que de forma dissimulada.Há três personagens que, ao longo do enredo, merecem destaque: Dorian Gray, obviamente, Lord Henry Wotton e Basil Hallaway. Sendo a história sobre Dorian Gray, nada vou revelar sobre ele; Henry Wotton, um nobre, é a representação de um hedonismo puro e vicioso, vestido de princípios para mero fogo de vista; e Basil é um pintor, amigo de ambos os supra falados, um ser cheio de ideais e que vive segundo eles. Imediatamente se nota uma espécie de dualismo na história, presente desde a primeira cena. A beleza da história é, precisamente, observar o jogo deste dualismo no seu desenvolvimento, e o papel preponderante que tem.Este romance é aquilo que se pode considerar imprescindível, não por ser uma obra genial, digna de todos os louvores, mas sim por ser uma história que acabou por se tornar num cânone do género em que se inscreve. Naturalmente, é um marco pela forma como está escrito e como é enquadrado, mas não é um livro incrível. De qualquer forma, é impossível não se degustar o tempo ganho a ler O Retrato de Dorian Gray.

Fonte: Orgia literária

02/07/2008

Estados Unidos se retiram do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Por Graciela Ramírez

Os Estados Unidos acabam de retirar-se do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A brusca saída do governo de Bush evidencia a fraqueza, a decadência e a profunda crise pela qual passa o país mais poderoso do planeta.
Longe de mostrar força, que só tem no plano armamentista como potência imperial, a retirada dos EUA. do CDH deixa claro o enorme desprestígio da administração Bush, que de acordo com os próprios norte-americanos é a pior de sua história.
O cineasta Michael Moore comenta em sua página web que acabam de completar 1347 dias de guerra e ocupação militar no Iraque. "Estamos mais tempo no Iraque do que nos levou toda a Segunda Guerra Mundial. [...] Depois de três anos e meio nem sequer fomos capazes de conquistar uma simples estrada. [...] É uma guerra perdida porque nunca teve o direito à vitória; perdida porque foi iniciada por homens que nunca estiveram numa guerra, por homens que se escondem atrás de outros, enviados para lutar e morrer (1).
O descrédito do governo Bush, devido a sua ilegal e falsa guerra contra o terrorismo, está enchendo de vergonha o próprio povo norte-americano. Os informes de organismos internacionais, cada dia mais abundantes, denunciam métodos assustadores de tortura, vôos secretos da CIA, multiplicação de campos de concentração, como os de Abu Ghraib e Guantánamo, somando-se a sua histórica cumplicidade com o Estado sionista de Israel contra o povo palestino. No informe da Anistia Internacional de 2008, as violações dos EUA aos direitos humanos ocupam várias páginas (2).
O mesmo país que atribuiu-se o direito de regular a conduta do mundo nesta questão é o que hoje pretende desprestigiar o trabalho que vem desenvolvendo a CDH. Com isto demonstra, mais uma vez, sua falta de responsabilidade e de respeito com as Nações Unidas.
Por que se retiraram?
Na verdade, muitos observadores já previam isso, desde o momento em que foi designado aos EEUU um posto como observador ante o Conselho, já que nesta ocasião não tinham possibilidades de manipular a favor de seus interesses como fizeram na extinta Comissão de Direitos Humanos. A mesma infeliz Comissão em que terroristas de origem cubana como Armando Valladares ou Luis Zúñiga Rey ocupavam os máximos postos, para afronta da Pátria de Lincoln.
Aos EUA falta capacidade moral para enfrentar as críticas sistemáticas do atual Conselho e seus relatóríos sobre a violação dos direitos humanos. Não têm argumentos para responder às resoluções do Comitê de Direitos Humanos da ONU e do Grupo de Detenções Arbitrárias sobre o tratamento cruel e desumano dado aos prisioneiros da Base Naval de Guantánamo, assim como ainda não responderam ao parecer do grupo sobre o caráter arbitrário e ilegal das detenções dos Cinco cubanos (3). Do mesmo modo, não responderam aos informes críticos de outros relatórios, como o de Martin Scheinin, Relator contra o Terrorismo.
O grau de insatisfação dos EUA com o Conselho aumentou com a vitória esmagadora de Cuba durante o sexto período de seções (4). Isto provocou a imediata reação da congressista cubano-americana Ileana Ros Lehtinen, que lançou uma resolução ante a Câmara de Representantes para suspender indefinidamente o repasse dos fundos que os EUA estavam obrigados a dar ao Conselho. Ao retirar-se e solicitar a anulação de seus compromissos econômicos, nada mais fazem que fortalecer a credibilidade do Conselho de Direitos Humanos perante a comunidade internacional, que longe de lamentar-se, decidiu, com a Sra. Louise Arbour à frente, defender sua honra, sua independência e seu prestígio.
Enquanto preparava a informação para este artigo veio à minha memória a denúncia realizada pelo chanceler cubano Felipe Pérez Roque, há apenas um mês, sobre a conspiração de diplomatas norte-americanos para reduzir a condenação de terroristas como Santiago Álvarez e a entrega de somas de dinheiro, utilizando os próprios diplomatas como vulgares transportadores, a pessoas a cargo do governo dos EUA como a Sra. Martha Beatriz Roque (5).
É contraditório que o país que pretende impor sua falsa guerra contra o terrorismo e se diz o máximo defensor dos direitos humanos, mantenha presos, há dez anos, cinco cubanos que tentaram advertir seu povo sobre os planos terroristas que se tramavam em Miami, assim como abandone um organismo como o Conselho de Direitos Humanos da ONU, retirando seus fundos e passando-os, em muito maior quantidade, às mãos de terroristas e mercenários.
Gore Vidal nos dizia em relação ao duplo sentido da administração Bush e sua profunda decadência: "O caso dos Cinco é uma prova a mais de que temos uma crise de direito, uma crise política e uma crise constitucional" (6).
Notas:
(1) Carta de Michael Moore - 10 -06-200.
(2) Informe Amnesty International 2008 - 28-05-200.
(3) Opinião do Grupo de Detenções Arbitrárias da ONU - 27-05-200.
(4) Vitória de Cuba sobre a necessidade de por fim ao ilegal bloqueio norte-americano à ilha.
(5) Cuba questiona Bush e seu Governo. Conferência de Imprensa de Felipe Pérez Roque, Ministro de Relações Exteriores de Cuba. 22-05-200.
(6) Gore Vidal, escritor e dramaturgo norte-americano.

Os contos de Flannery O’Connor

Há quem tenha comparado Flannery O’Connor com Tchekhov, o que pode não dizer muito, já que se popularizou certa idéia, bastante redutora, de que qualquer conto de “atmosfera” seria tchekhoviano. Mas a comparação pode ser procedente, se considerarmos a objetividade da frase de Tchekhov, e a materialidade de suas descrições, muito ao gosto de O’Connor.
Por Gregório Dantas
Nascida na Georgia em 1925, Flannery O’Connor faleceu ainda jovem, aos 39 anos, em 1964. Teve uma vida difícil: sofreu durante grande parte da vida de uma grave doença, lúpus, que já matara seu pai e a obrigou a viver toda a vida ao lado da mãe. Escreveu ensaios e romances (como Sangue sábio, sua estréia literária, de 1952), mas seria mais lembrada por suas histórias curtas, lançadas agora no Brasil em uma caprichada edição da Cosac Naify. O volume Contos completos de Flannery O’Connor traz 31 histórias, além de recomendações de leitura e um posfácio iluminador, assinado pelo escritor Cristóvão Tezza, material muito útil para o público brasileiro, pouco familiarizado com a obra da escritora.
Antes de examinar os principais temas e recursos estilísticos da autora, Tezza mapeia as características da literatura vinda do sul dos Estados Unidos e atenta para o fato de que, em um meio tão conservador, cabia ao escritor adotar uma postura crítica frente ao que via: “Um escritor, naquele meio, para merecer este nome, terá de ‘se fazer’, necessariamente, alguém de fora, e contra. Nas palavras irônicas de Faulkner, ‘viver em qualquer lugar do mundo em 1955 e ser contra a igualdade de raça e de cor é como viver no Alasca e ser contra a neve’”.
Escritora realista, comprometida com a realidade sulista, era inevitável que entre os temas de eleição de Flannery O’Connor estivessem o racismo e o fundamentalismo religioso. E um bom exemplo de como esses temas se entrecruzam é “Refugiado de guerra”, um de seus contos mais importantes. Enredo: a empregada de uma grande propriedade rural, Mrs. Shortley, vê com desconfiança a chegada de uma família de europeus, refugiados da Grande Guerra. Sua patroa, Mrs. McIntyre, é uma viúva que mantém a duras penas o comando de seus funcionários e a produtividade de sua fazenda, e vê como um pequeno milagre a chegada da trabalhadora família de expatriados.
Em questão, está uma rígida estrutura de castas, que poderia ser descrita na seguinte linha decrescente: brancos ricos, brancos pobres, negros. Que lugar ocuparão os refugiados nessa ordem social? A certa altura, sugere-se que, assim como as mulas um dia se tornaram obsoletas com a chegada do trator, os negros podem perder seu trabalho para os refugiados de guerra, um povo forte, ordenado e rigoroso cumpridor de seus afazares. Trata-se de uma visão de mundo arcaica, obviamente intolerante, legitimada por uma noção bastante dogmática de desígnios divinos. E a decadência desse sistema de valores fica evidente na maneira como os elementos estrangeiros, essas “pessoas deslocadas, como se diz”, desequilibram a ordem estabelecida, a ponto de fazê-la ruir, praticamente sozinha.
Há muitos personagens deslocados nos contos de Flannery O’Connor: solitários, pessoas em viagem ou sem pouso certo, como o senhor idoso do primeiro conto, “O gerânio”. Levado pelas circunstâncias a abandonar o lugar onde passou toda a vida para viver em Nova York, o velho Dudley sente-se preso no pequeno apartamento, indignado com a liberdade concedida aos negros e compadecido com o tratamento concedido a um gerânio, posto à janela do prédio da frente. O velho Dudley é um claro exemplo de um dos grandes méritos de Flannery O’Connor, a descrição de personagens ambivalentes, que nos causam repulsa e simpatia: apesar de ser representante do racismo mais enraizado, o leitor se compadece desse personagem sem lugar, e fora de seu tempo. A escritora fala da nostalgia sem que seu texto, contudo, seja nostálgico no sentido mais corriqueiro da palavra. Não há idealizações nem simplificações, a não ser por parte de alguns personagens.
Em relação à intolerância e ao fundamentalismo religioso, Flannery O’Connor, por ser católica, talvez tenha tido um maior distanciamento para descrever os rigores e o conservadorismo do modo de vida protestante, que dominava o sul dos EUA. Escritora assumidamente cristã, a literatura de O’Connor não é doutrinária, embora trate de temas como a responsabilidade moral, o pecado, a redenção e a fé. Muitos títulos de seus contos incorporam frases prontas ou expressões consolidadas pelo discurso religioso: “Os aleijados entrarão primeiro”, “Ninguém pode ser mais pobre que os mortos”, “Um templo do Espírito Santo”, “Um homem bom é difícil de encontrar”. Parecem ditados ou dizeres populares, destes que se repetem a todo momento e por gerações, como que evocando verdades eternas e imutáveis; mas a vida é sempre mais complicada, e a realidade dos contos nega impiedosamente tais certezas.
Além disso, os pecados se inscrevem nas faces e nos corpos dos homens. Mutilações e deficiências são comuns nos personagens de Flannery O’Connor. Em “A vida que você salva pode ser a sua”, uma senhora idosa assiste à chegada, em sua propriedade, de quem parece ser um vagabundo andarilho, chamado Mr. Shiftlet. Apesar de maneta, o homem é logo aceito para trabalhar na propriedade, e assume um discurso ético, da retidão moral. Infelizmente, a senhora e sua neta descobrirão, da pior maneira, que a vontade de reparação dos caprichos do destino não se alinha com o desejo nem com a índole pessoal das pessoas.
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil

01/07/2008

Josué de Castro, pensador indispensável

No momento em que a humanidade se depara com crises simultâneas de mudança climática e escassez de alimentos, vale a pena revisitar um pernambucano que dirigiu a FAO. Há meio século, ele já sugeria que só se pode combater a fome distribuindo renda e respeitando os limites da natureza
O encontro recente da FAO — Organismo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura — reuniu a maioria dos governos e presidentes de várias nações para debater sobre a fome e a pobreza no mundo. Ao dizer em suas premissas que o encontro de Roma oferecia uma ocasião histórica de retomar a luta contra a fome e a pobreza, se poderia supor que o governo brasileiro iria aproveitar desta reunião de cúpula para relembrar o centenário de um brasileiro nordestino, conterrâneo do Presidente Lula da Silva. Nascido no estado de Pernambuco, o médico, geógrafo e sociólogo Josué de Castro (1908-1973) foi o pioneiro no combate à fome no mundo. Ele representou do Brasil na conferencia da FAO em Genebra em 1947, tornando-se presidente deste organismo internacional no período de 1952 a 1956. É autor de dois livros conhecidos mundialmente, traduzidos em 24 línguas: Geografia da Fome e Geopolítica da Fome.
O conterrâneo de Lula, Josué de Castro, viveu seu exílio em Paris, ficando conhecido por sua incansável luta contra a fome e a miséria. Dizia que não adiantava somente produzir os alimentos, era necessário também que pudessem ser comprados e consumidos pelos grupos humanos necessitados. Josué de Castro aproveitou-se do otimismo reinante do pós-guerra para chamar atenção das grandes potências, alertando que já era tempo de sair da economia colonial para a economia baseada na reciprocidade da cooperação, levando em conta os interesses comuns. Ele salientava que essa reciprocidade não ia provocar a falência das metrópoles colonizadoras, bastava vontade política para libertar o homem da miséria. Entretanto, até hoje os paises ricos não aplicam a reciprocidade na cooperação, principalmente na área da agricultura. Os países pobres não têm condições de competir com uma agricultura altamente protecionista e subvencionada. Só em 2007, cerca de 320 bilhões de dólares foram concedidos aos agricultores dos paises ricos. No mesmo ano, os preços dos alimentos básicos subiram entre 20 a 70%. A continuar este ritmo, assistiremos a um verdadeiro “tsunami” silencioso da fome, como alguns evocaram durante na Cimeira da FAO em Roma.
O humanista Josué de Castro cultivava, desde a década de 1950, uma visão sistêmica do desenvolvimento. Segundo ele, a questão da fome não seria resolvida somente com o aumento de produtividade agrícola e distribuição de alimentos: era necessário pensar também nos que trabalhavam a terra nos paises pobres. Dizia sim à produtividade, mas com uma melhor repartição do fruto do progresso. Dizia sim à produtividade, mas chamava atenção para degradação dos solos. Não escondia sua admiração pelo sábio inglês Albert Howard (1873-1947), um dos fundadores da agricultura biológica, que desde 1943 contesta o uso de fertilizantes químicos para uma boa conservação do solo. Daí que a leitura ou releitura, hoje, da Geopolítica da Fome, pelos organizadores do encontro da FAO, seria uma bela homenagem ao grande humanista que dirigiu os destinos da instituição nos anos 50. O resgate da memória é sempre uma condição sine qua non para se projetar o futuro.
Que balanço temos hoje do papel da FAO e de outras Instituições que integram o sistema das Nações Unidas no combate a fome e a pobreza? Tivemos, desde o século 20, uma proliferação de encontros internacionais, fóruns, reuniões de cúpula etc. Muitos discursos, relatórios e inúmeras convenções internacionais. As conferências internacionais da ONU passaram a ser excelentes tribunas para os atores globais demonstrarem, aos canais de televisões internacionais, que estão comovidos com a fome que continua a se alastrar, e perplexos com a degradação sócio-ambiental do planeta.
A crise de civilização exige um novo modo de viver e de pensar. Trata-se de alcançar não apenas um melhor nível de conforto, mas também uma melhor qualidade de vida em todos os sentidos
Segundo os protagonistas do poder político em escala mundial, chegou a hora de fazer proposições inovadoras, concretas e realistas e definir novos paradigmas de desenvolvimento! Bla-bla-blá e pouca vontade política para agir de forma conseqüente. Até quando os países mais pobres do planeta esperarão que a ajuda pública ao desenvolvimento atinja a meta prevista, de 0,7% do Produto Nacional Bruto dos paises ricos? Nos últimos dez anos, esta contribuição caiu em 30%. Segundo a OCDE, em 2007 ela representava apenas 0,28% do PNB dos mais favorecidos. A proteção ambiental compromete hoje menos de 1% do orçamento total da ONU.
Os países ricos impuseram, ao longo do século passado, estratégias de desenvolvimento que pilharam e devastaram o meio ambiente e destruíram relações sociais sem levar em conta a especificidade cultural e dinâmica locais. As desigualdades sociais, o aumento da pobreza, as diferenças de renda entre os países, a degradação dos ecossistemas rurais e urbanos são indicadores do fracasso das políticas de desenvolvimento e do atual modelo da governança global. Esse modelo difunde imagem de uma sociedade reunificada em torno de valores comuns da ideologia neoliberal, onde primam a competitividade, o "livre"-comércio, o individualismo, produzindo um modo de ser e de pensar consensual em torno do capitalismo. Esse modelo tornou-se prisioneiro de suas próprias contradições, os governos soberanos das grandes potências delegaram os poderes a uma governança mundial que constrói legitimidade sem democracia representativa e resolve os conflitos internacionais sem necessidade de contar com maioria. E ainda deixa de fora dos processos de decisões os governos dos chamados paises do Sul. Basta ver as inúmeras tentativas feitas para mudar as regras de funcionamento da OMC. A realidade só emerge como consciência, como problema, quando apresenta uma reação para a qual não achamos resposta.
O crescimento econômico vem se movendo há séculos entre dois infinitos: o infinito dos recursos naturais da Terra e o infinito do desenvolvimento econômico. Chega a seus limites a crença de que poderíamos crescer indefinidamente, produzir o máximo possível, explorar sem barreiras os recursos dos solos, ter cada vez mais acesso à tecnologia, ter e ter mais. A questão do desenvolvimento como sinônimo de progresso econômico, de conforto material, de consumo perdulário desencadeou, ao longo dos tempos, um processo de degradação socio-ambiental em larga escala, comprometendo a vida de muitas espécies, inclusive a espécie humana. E esta é a mais ameaçada, sobretudo quando se trata de populações empobrecidas.
Para os dirigentes da FAO e chefes dos governos presentes no encontro de Roma bastava buscar resposta concreta para esta questão: como salvar a vida do ser humano pobre, explorado, preservando o equilíbrio da natureza? Estamos diante de uma crise de civilização que exige uma reformulação do nosso modo de viver e de pensar. Trata-se de alcançar não apenas um melhor nível de vida, mas também uma melhor qualidade de vida em todos os sentidos. Este é o momento para redefinir valores, comportamentos e idéias à luz de uma nova ética que defenda o equilíbrio entre natureza e intervenção humana — um desenvolvimento harmônico e não predatório, que assegure condições dignas de existência às gerações futuras.

MAIS

2008 marca o centenário do nascimento de Josué de Castro (5/9/1908), que morreu no exílio, em Paris, há 35 anos (24/9/2003). Para maiores informações sobre sua vida e obra, pesquisar em www.josuedecastro.com.br. Há também um verbete na Wikipedia
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil

30/06/2008

Empresas anglo-americanas intensificarão lobby pelo controle do nosso petróleo


Escrito por Valéria Nader

Enquanto caminham a pleno vapor as notícias de novas reservas de petróleo na província do pré-sal - incluindo as reservas de Carioca, Tupi e Júpiter na Bacia de Campos -, sente-se a mão cada vez mais pesada de poderosos lobbies externos para ficar com a mina de ouro.

Halliburton, Repsol e outras mais contam, ademais, com o braço amigo de influentes figuras que, beneficiando-se do prodigioso espaço concedido pela mídia, salientam que as atuais descobertas de petróleo não foram frutos exclusivos de 50 anos de trabalho da Petrobras. Teriam resultado, outrossim, da nova Lei do Petróleo de FHC, a qual estabeleceu o fim do monopólio da União na exploração desse combustível e aumentou o número de empresas atuando no país.

E não param por aí as benesses que essa concepção pode receber. Encontra muitas vezes escandalosa guarida em uma preocupante interseção entre interesses privados e públicos.

A AEPET – Associação de Engenheiros da Petrobrás –, tendo em vista mais uma indicação de apropriação indébita de nossos recursos, já está propondo mudanças na Lei do Petróleo criada no governo FHC em carta enviada ao Congresso. É para comentar as justificativas a essa mudança e o contexto atual de exploração de petróleo em nosso país que conversamos com o engenheiro da AEPET Fernando Siqueira.

Todo apoio à greve dos servidores da regulação federal


Assembléia em São Paulo rejeita integralmente a proposta apresentada pelo Governo e defende o início do Movimento Grevista com rejeição integral da proposta nas demais regiões do país.
Após muita enrolação e desrespeito, com a apresentação de diversas propostas confusas, nesta sexta-feira (20/06/2008), o governo apresentou uma nova proposta de tabela remuneratória. A proposta desconsidera o projeto de carreira apresentado pela categoria e aumenta a segregação entre os servidores novos e antigos, que apesar de prestar o mesmo serviço são remunerados de forma desigual. Além de manter a gigantesca distorção causada pelo fato de a maior parte da remuneração dos funcionários continuar sendo composta por gratificação (cerca de 70% em alguns casos), que não são incorporados em caso de aposentadoria.A proposta do governo é totalmente contrária à concepção de carreira defendida pelo funcionalismo: uma carreira típica de Estado, com pagamentos por subsídios, ou seja, um salário por inteiro, com valores incorporados e livre de apêndices. Essa proposta foi protocolada em abril deste ano pela categoria, em forma de Proposta de Medida Provisória, e, lamentavelmente, foi ignorada pelo governo durante a negociação.Diante disso, a categoria deliberou, na assembléia dos Servidores realizada no Aeroporto de Guarulhos no dia 23 de junho, pela rejeição integral da proposta apresentada pelo governo, ressaltando o caráter de segregação e divisionismo da proposta do governo, que pretende, em última análise, viabilizar a construção de uma nova concepção de serviço público empenhada em redusir a força das atividades reguladoras em nome das metas de mercado. A assembléia indicou a deflagração do movimento grevista em São Paulo, indicando que este deva ser construído nacionalmente com a rejeição integral das propostas nas demais regiões do país.A Intersindical na última reunião de sua coordenação nacional, apresenta indistinto apoio a luta dos companheiros, se colocando a disposição para somar na construção do movimento.
Coordenação Nacional da INTERSINDICAL