18/10/2008

Procura-se um líder

Por: CESAR BENJAMIN

Quando a demanda cai, as empresas investem menos; a demanda cai ainda mais, e o processo se realimenta.

MAIS DE US$ 2 trilhões de dinheiro público já foram despejados em socorro a bancos e a instituições assemelhadas, e outros trilhões ainda serão necessários. Atônitas, as sociedades pagarão. Mesmo assim, ficarão expostas a uma recessão global prolongada ou a uma depressão profunda. Questões relativas a desenvolvimento, a justiça social e a bem-estar desapareceram do horizonte. Vinte anos de um falso consenso conservador resultaram nisso.
Não se sabe quando a fase aguda da crise será contornada, nem a que preço. Mesmo que haja momentos de calmaria aparente, ainda teremos muitos episódios agudos, pois a massa de recursos fictícios que perambulam pelo mundo é dezenas de vezes maior do que o produto real. Além disso, a crise colocou em xeque o principal mecanismo de sustentação da demanda mundial: o endividamento dos consumidores norte-americanos.
Nos últimos anos, avanços tecnológicos, alterações institucionais e a absorção de grandes contingentes de população laboriosa e barata na Ásia achataram os rendimentos do trabalho nos países desenvolvidos, ao mesmo tempo em que os gastos públicos se reduziam. Para manter aquecida a demanda, os Estados Unidos ampliaram as facilidades de crédito. As duas curvas -a da renda e a do crédito- não podem se dissociar indefinidamente. Com o esgotamento desse ciclo, não se vê por onde a demanda será retomada. Sem ela, não haverá crescimento, mesmo com maciças injeções de recursos nos sistemas financeiros.
O Brasil pagará alto preço por ter subordinado sua economia ao grande cassino. O passivo externo líquido é gigantesco, as contas externas já estavam em trajetória ruim, o núcleo endógeno da nossa economia foi enfraquecido desde a década de 1990 e as portas nunca estiveram tão abertas à fuga de capitais. Perdemos muitos graus de liberdade na definição da política econômica.
As reservas que acumulamos são inseguras, pois não têm origem em saldos na conta corrente. E a posição das grandes empresas brasileiras é incerta, pois as políticas do Banco Central as estimularam a especular com o dólar. Ainda não sabemos quantas foram pegas no contrapé. Quando a demanda cai, as empresas investem menos. A demanda cai ainda mais, e o processo se realimenta. Nesses contextos, as economias precisam contar com um agente capaz de realizar e de coordenar investimentos que contrariem a espiral recessiva. Nenhuma empresa privada pode desempenhar esse papel, sob pena de, simplesmente, falir. Só os Estados podem fazê-lo. Daí a importância de uma reação ativa à atual crise internacional. Foi o que fizemos na seqüência do colapso ocorrido em 1929. A questão é saber se o Estado brasileiro mantém capacidade para reagir e se terá vontade de acioná-la coerentemente. Forças de natureza supranacional, alojadas principalmente no Banco Central, controlam a nossa política econômica. E forças de natureza subnacional, representadas no Legislativo, apoderam-se de nacos do Estado, em troca de garantir a governabilidade no curto prazo. Esse arranjo perverso do sistema político mantém o Brasil na condição de plataforma de valorização do capital financeiro e exportador de recursos naturais.
Na época da bonança, o presidente Lula conseguiu compatibilizar essa condição com suspiros de crescimento econômico e algumas políticas distributivas. Nos próximos dois anos, isso se tornará mais difícil em nosso país. No lugar de um acomodador de interesses, o Brasil precisará de um líder.

Fonte: Folha de S. Paulo.

17/10/2008

PC Francês propõe medidas diante da


A luta contra os paraísos fiscais, a exigência de transparência bancária e o controle dos movimentos de capitais são propostas apresentadas pelo Partido Comunista Francês (PCF) diante da crise financeira.

Em um comunicado difundido à imprensa, o grupo político sugere pôr fim às privatizações de empresas e serviços e que o Estado controle a estratégia e gestão dos grupos privados existentes o que permitiria um melhor domínio para criar pólos monetários públicos.

O PCF propõe elaborar estratégias para reorientar o dinheiro para os salários, o poder aquisitivo, o emprego e a formação, o investimento, a saúde, a educação, a pesquisa e a todos os gastos socialmente úteis.

Também defendem que a França e a Europa estimulem a refundação de instituições internacionais econômicas e financeiras que tenham como objetivo favorecer um desenvolvimento duradouro de todos os povos.

Este passo deve ser acompanhado da criação de uma moeda comum mundial que ponha fim à hegemonia desastrosa do dólar, afirma o texto.

O partido apóia a defesa dos assalariados e famílias que nesta época de crise serão os mais afetados, cujas conseqüências já são visíveis no aumento do desemprego, da pobreza, do acesso à saúde, entre outros.

Nada de moralizar capitalismo

O PCF também repudiou qualquer tentativa de moralizar o capitalismo, de acordo com o comunicado do partido.

"É o próprio sistema que está em dificuldade, obcecado pelos lucros, pela rentabilidade e pelo enriquecimento de alguns em detrimento do interesse geral, do desenvolvimento de todos, e da conservação do planeta", acrescenta o texto.

O texto adverte que este sistema vai de crise em crise: social, alimentar, ecológica, financeira, e alimenta graves tensões e conflitos cada vez maiores.

Destacam também que a economia mundial entrou em recessão e corre o risco de tomar uma amplitude catastrófica, afetando os salários, o emprego, as aposentadorias, a moradia, o acesso à saúde e aos serviços públicos.

Os comunistas criticaram e classificaram como "insuficientes" as medidas anunciadas pelo presidente da República, Nicolás Sarkozy, a partir da cúpula emergente da União Européia celebrada no domingo último.

"O presidente chama 'à união nacional', mas propõe que esta seja feita em torno dos lucros do capital que estão inclusive na raiz da crise favorecendo de novo um sistema irresponsável", acrescentam.

"A mobilização de bilhões de euros para salvar os bancos não ataca as políticas e práticas que conduziram à catástrofe de hoje", acrescenta o comunicado do PCF.

O partido faz também um chamado urgente a organizações, sindicatos e personalidades de esquerda para mobilizar-se e oferecer alternativas para enfrentar a crise.

16/10/2008

O “Fator Previdenciário”, a idade mínima e os outros fatores

Por: Guilherme C. Delgado
Na semana de 8 de outubro do corrente, o "Correio da Cidadania" publicou o artigo "Contra o fator previdenciário", de autoria do advogado e colunista deste jornal Henrique Júdice. No texto do referido artigo, o autor comenta um trabalho por mim coordenado e publicado pelo IPEA em fevereiro de 2006 ("Avaliação de Resultados da Lei do Fator Previdenciário, 1999-2004" – TEXTO PARA DICUSSÃO N. 1161. Brasília - IPEA –Fevereiro de 2006), onde defendo a tese da idade mínima para aposentadoria, em substituição à regra atual da "Lei do Fator". Henrique Júdice discorda frontalmente desta tese, chegando a me instar explicitamente a descartá-la, sob pena de perda de prestígio biográfico. Idêntica admoestação é feita ao senador Paulo Paim, que liderou iniciativa legislativa (Proposta de Emenda Constitucional) que estabelece uma dada idade mínima, substitutiva à regra atualmente vigente (Lei do Fator).

A tese defendida pelo artigo de Júdice implicaria no retorno puro e simples à aposentadoria por tempo de contribuição – 35 anos para os homens e 30 para as mulheres. Isto retornaria à situação anterior a 1999, que possibilitaria aposentadorias a partir dos 46 anos para as mulheres e 51 para os homens. A partir das restrições impostas pela lei, estabelece-se uma fórmula algébrica, com fito explícito de expurgar financeiramente o valor das aposentadorias consideradas precoces, expurgo este que é anualmente elevado em função de uma média nacional de "expectativas de sobrevida" das pessoas em cada idade.

Tenho acordo no geral à crítica da Lei do Fator e desacordo para com a tese substitutiva do colega articulista. Em tal situação, o melhor caminho para esclarecer a opinião pública das razões de cada um é a justificação por meio da razão comunicativa. Esta, segundo o seu idealizador teórico (Habermas), é a forma dialógica de confrontar pretensões de verdade distintas de vários interlocutores, sem apelar para outra forma de coerção que não seja a do argumento.

Já defendi no passado a tese da aposentadoria por tempo de serviço pura e simples. Mas pesquisando o tema previdenciário e encarando os desafios e perspectivas da política social brasileira neste século, concluí que esse instituto precisaria ser alterado caso optássemos por universalizar o seguro social no Brasil. Há também os que optaram por mudar a regra anterior apenas por motivos fiscais, sem qualquer pretensão universalista.

Alguns outros fatores importantes co-determinam as regras previdenciárias no tempo histórico, sendo destacáveis dois grandes grupos de variáveis – relativas às tendências demográficas de longo prazo (exemplo: a relação de dependência "População em Idade Inativa / População em Idade Ativa) em primeiro lugar; e outras ligadas à própria relação do mercado de trabalho com a Previdência Social (exemplo: a relação segurados / População Economicamente Ativa).

Esses dois indicadores chaves estão se alterando no Brasil – no primeiro caso por meio de várias mudanças simultâneas (maior longevidade, queda nas taxas de natalidade etc.). Levará de três a quadro décadas para exibir o padrão europeu atual de envelhecimento da população. Isto tem conseqüências para os sistemas previdenciários, ao mesmo tempo distintas e similares, naquilo que diz respeito à acumulação de benefícios e respectivas despesas à Previdência Social

Mas a segunda mudança mais significativa, que na verdade deveria ser uma estratégia da política previdenciária, é a universalização do seguro social, cujo indicador aqui empiricamente sintetizado é a relação das Pessoas Seguradas / População Economicamente Ativa.

As evidências empíricas disponíveis mostram um inusitado movimento de filiação previdenciária desde 2001, levando em média dois milhões de novos segurados ao sistema (INSS) ano após ano. Porém, há ainda uma quantidade enorme de pessoas que buscam o sistema, mas não conseguem realizar todas as contribuições regulares (12 ao ano), e que atualmente representam metade dos 50 milhões de contribuintes do INSS –(dezembro de 1977).

Mesmo tendo havido todo esse processo recente de filiação, há um remanescente de exclusão ainda apreciável. A começar por esses "meio-segurados", a que nos referimos anteriormente (em 2007, 12,5 milhões de pessoas, segundo o Anuário Estatístico da Previdência, fizeram até seis contribuições anuais e outras 12,9 milhões fizeram de 7 a 11 contribuições). Afora esses semi-incluídos, temos os não segurados definitivos – número que gira entre um terço e 40% da População Economicamente Ativa (A PEA atual está em torno de 100 milhões de brasileiros).

Observe-se que as condições do segurado regular e dos tempos de carência requeridos são pré-requisitos essenciais ao acesso a benefícios. E quando aumenta a massa de segurados, com defasagens respectivas para diferentes benefícios com distintas carências (exemplos: aposentadorias, pensões e auxílios), elevam-se os estoques de benefícios em manutenção.

A combinação da relação demográfica de dependência (Inativos / Ativos) em crescimento com a elevação da inclusão previdenciária convergem no médio prazo para uma elevação forte dos estoques de benefícios em manutenção no sistema. Isto é previsível e deveria orientar uma reforma no sistema de financiamento, de sorte a dotar a Previdência de recursos, que se tornariam mais prementes em 10 a 15 anos adiante, mantido o ritmo atual de crescimento da filiação. Esta folga fiscal relativa (10 a 15 anos) pressupõe continuidade do ciclo de filiação, que por sua vez depende do crescimento econômico contínuo. Qualquer mudança de cenário traz problemas fiscais imediatos para o sistema.

Concluindo este já longo artigo, há um evidente "trade-off" entre ampliar benefícios aos atuais beneficiários da Previdência Social (há várias propostas neste sentido, todas de forte apelo popular) e o atendimento dos direitos dos novos segurados, dos "meio-segurados" e dos totalmente excluídos, que precisariam ingressar no sistema. Esta é uma linha de reforma do sistema que apóio, mirando o futuro e adaptando as regras previdenciárias à totalidade do mundo do trabalho e às condições demográficas que irão mudando do presente ao futuro (idade mínima em 2030 de 65 anos para homem e 60 para mulher).

Guilherme Costa Delgado, economista do IPEA, é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
Fonte: Correio da Cidadania

15/10/2008

O PCB E O SEGUNDO TURNO NAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS

A Comissão Política Nacional do PCB (Partido Comunista Brasileiro) - reunida nesta data, levando em conta a linha política do Partido e as resoluções do Comitê Central sobre as eleições municipais em curso – adota as seguintes deliberações sobre o segundo turno, no caso das capitais em que o nosso Partido está organizado:
1 – O PCB não apóia qualquer candidato nas eleições em segundo turno nas capitais em que a disputa se limita ao campo conservador, como é o caso de Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC), Manaus (AM) e Rio de Janeiro (RJ);
2 – No caso de Macapá (AP), por não haver diferenças nítidas entre as duas candidaturas - que se situam num mesmo campo político progressista, com algum nível de preocupação social -, o PCB se absterá de indicar qualquer candidato;
3 – O PCB apoiará, de forma unilateral e independente, sem participação nos eventuais governos, candidaturas que se contrapõem ao campo conservador, nos casos de Porto Alegre (Maria do Rosário - PT), Salvador (Walter Pinheiro – PT) e São Luís (Flávio Dino – PCdoB);
4 – No caso de São Paulo (SP), as propostas apresentadas pelas duas candidaturas não apresentam diferenças de fundo. Aliás, os dois já governaram a cidade, com projetos semelhantes. Por isso, disputam nesta campanha a autoria das mesmas realizações. Por estas razões e pelo baixo nível da campanha de ambos, o PCB não indica o voto em nenhum deles;
5 – Nos Municípios do interior, com mais de 200 mil eleitores, em que haverá segundo turno, o posicionamento do Partido será decidido pelo Comitê Regional respectivo, ouvido o Secretariado Nacional, tendo como referência a presente resolução.
6 – Finalmente, a CPN determina aos Comitês Regionais dos Estados da Paraíba e do Piauí a abertura de processo disciplinar contra os vereadores eleitos pelo PCB, respectivamente, nas cidades de São José de Caiana e Madeiro, com indicativo de expulsão dos quadros partidários, tendo em vista que se mantiveram em coligações que contrariaram frontalmente resoluções do Comitê Central amplamente divulgadas para a militância e os organismos partidários.
Rio de Janeiro, 14 de outubro de 2008 PCB - Comissão Política Nacional

14/10/2008

Jornalista apresenta provas da tentativa de intervenção dos EUA na Bolívia

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O repórter estadunidense denunciou que, desde o início dos anos 90, o governo de seu país tem visto o outrora dirigente cocalero “como uma ameaça para os planos dos Estados Unidos no hemisfério”.
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O jornalista estadunidense Jeremy Bigwood apresentou, neste sábado (11), uma série de provas e documentos que demonstram que o governo dos Estados Unidos interveio em diversas ocasiões na Bolívia com clara intenção de desestabilizar ao governo do presidente Evo Morales Ayma.

Através de seu Departamento de Estado, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, sigla em inglês) e o Fundo Nacional para a Democracia (NED), o governo estadunidense tentou desestabilizar e tirar Morales do cenário político.

Durante uma coletiva de imprensa, Bigwood apresentou seis documentos obtidos mediante a Lei para a Liberdade de Informação de seu país, que demonstram o intervencionismo de Washington na Bolívia por intermédio da Usaid, NED e do Departamento de Estado.

O jornalista denunciou que desde o início dos anos 90, o governo de seu país tem visto o outrora dirigente cocalero “como uma ameaça para os planos dos Estados Unidos no hemisfério”.

O primeiro documento apresentado é uma carta da embaixada dos Estados Unidos, datada de 25 de novembro de 2001, dirigida ao então presidente da Bolívia, Jorge Quiroga Ramírez, agora líder da principal força opositora Poder Democrático e Social (Podemos). Nesta, o governo dos Estados Unidos assinala que “Quiroga Ramírez não se moveu o suficiente contra Evo Morales”, então dirigente das seis federações do trópico de Cochabamba.

Outro documento mostra somas econômicas que, em 2004, o Fundo Nacional para a Democracia (NED) destinou à Câmara da Indústria, Comércio, Serviços e Turismo de Santa Cruz (Cainco).

Com esses recursos, de 128 mil dólares, Cainco realizou distintos seminários para, segundo Bigwood, desenvolver uma campanha de defesa da população para conseguir um respaldo social.

“Isto mostra que os fundos dos Estados Unidos estão destinados para afetar diretamente a Bolívia, a sua opinião pública e a sua legislação interna”, afirmou Bigwood.

Mais adiante – continuou – em 2006, o NED e a Usaid promoveram diferentes fóruns sobre o tema da autonomia e descentralização, principalmente em Santa Cruz, departamento em que mais promove a divisão e o separatismo, acompanhados por Beni, Tarija e até a pouco tempo Pando, formando o que se conhece como meia lua.

“Esta é evidência clara de que o governo dos Estados Unidos através de várias de suas entidades – e em especial Usaid – têm e continuam conspirando contra o governo legal da Bolívia”, afirmou Bigwood.

Bigwood é fotógrafo e repórter investigativo. Trabalhou nas publicações Times, Newsweek e News e no Wolrd Report.

A documentação foi obtida com o apoio de oficiais do exército estadunidense “que estão em desacordo com a política do sul do país contra a Bolívia”, afirma Bigwood.
Fonte: Brasil de Fato

13/10/2008

Grupo de Estudos Caio Prado Jr.

O Grupo de Estudos Caio Prado Jr. se reuniu pela terceira vez neste último sábado, dia 11 de outubro de 2008, justamente no dia em que Cartola completaria cem anos de nascimento. Não obstante a data comemorativa, não cantamos nem tocamos, debatemos, com muita energia a questão do Estado Capitalista e da Ideologia. Mais uma vez a reunião do grupo de estudos fui um êxito e reuniu vários camaradas do PCB, além de estudantes universitários e convidados.
Para darmos andamento às nossas atividades, estamos preparando para o mês de novembro, uma palestra sobre a crise ecônomica mundial. Novamente no segundo sábado do mês, de manhã, na sede do Sindicato dos Químicos Unificados de Campinas e Região.
Antecipadamente convidamos a todos a participarem de mais esta atividade.
Saudações
Grupo de Estudos Caio Prado jr.

CARTOLA: CENTENÁRIO DE UM POETA POPULAR


Angenor de Oliveira, que já foi pedreiro, tipógrafo, vendedor, lavador de carros emuitos outros, completaria cem anos como o maior compositor da MangueiraEle não se chamava Angenor. Tampouco usava uma cartola. Mas foi como Cartola que seeternizou em verde e rosa Angenor de Oliveira, que faria 100 anos neste dia 11 deoutubro. "Quando eu fui tirar a papelada para meu casamento é que eu percebi quemeteram um 'n' entre o 'a' e o 'g'", contou em sua última entrevista gravada(concedida à rádio Eldorado e transformada no LP "Documento Inédito", 1982)."Para não mexer naquela papelada toda eu deixei ficar Angenor mesmo". E a cartola? Na verdade, o que lhe rendeu o apelido foi um chapéu-coco que osambista usava quando trabalhava de pedreiro, para evitar chegar em casa com acarapinha salpicada de cimento. Durante seus 72 anos, o herói proletário deviolão em riste foi tipógrafo, vendedor, lavador de carros, porteiro, contínuo...E a lista segue.
O compositor com seus inseparáveis óculos escuros É que demorou 65 anos para que alguém se arriscasse a concedê-lo um disco demúsicas próprias. O publicitário, pesquisador e entusiasta da música brasileiraMarcus Pereira (morto em 1982) foi o responsável pela empreitada que resultou em"Cartola" (Discos Marcus Pereira, 1974). Antes disso, Cartola vendeu uma musiquinhaaqui, outra ali, esqueceu várias – "Hoje é fácil; naquela época, não tinhagravador pra lembrar", costumava dizer – e chegou a participar dos long plays"Fala Mangueira", de 1968; e "Raizes da Mangueira", de 1973. A verdade é que Agenor ou Angenor, cartola ou chapéu-coco, tanto faz. O importanteé que o carioca pobre do Catete, com instrução básica, é pai, padrinho, tio,irmão e padrasto de um dos maiores patrimônios do Brasil: o samba. Negro magro dehábitos simples, tal qual o samba, Cartola nasceu em meio a lágrimas ediscriminação. Conforme conta o livro "Todo Tempo Que Eu Viver" de Roberto Moura,a mãe de Cartola, Dona Ada, teve uma eclampsia durante o parto. Uma ambulância foichamada às pressas, mas não apareceu. Mandaram um portador descer até o asfaltopara buscar um médico. O rapaz voltou para dizer que o médico só subiria sobgarantia de que o pessoal poderia pagar a visita. Quando chegou, a paciente jáhavia morrido. Sem trabalho a fazer, restou-lhe tentar cobrar. Desceu o morrocorrendo, sob a ameaça de tomar um pau inesquecível.
O polivalente Cartola ataca de garçom Na infância, Cartola chegou a morar emLaranjeiras, na Zona Sul, mas não se entendeu muito bem por lá. Gostava mesmo erade acompanhar os desfiles do Dia dos Reis e do (proto) bloco carnavalesco do ranchodos Arrepiados. Foi a Mangueira, para onde se mudou aos oito anos de idade, que lheforjou a personalidade. Logo de cara, se juntou com uma meia dúzia a quem seu pai,Sebastião de Oliveira, espiava desconfiadíssimo. Seu Sebastião conhecia amalandragem, conhecia o samba – inclusive ensinou o filho a tocar cavaquinho eviolão –, mas sabia da fama (e da fauna) que passeava pelas rodas. Por isso,quando Cartola e seus amigos criaram uma pequena escola de samba, seu Sebastiãoexpulsou o moleque de casa. A escola se chamava Estação Primeira de Mangueira. Como surgiu o nome? "Muito simples", Cartola contou ao programa Ensaio, em 1974."Tinha uma estação com o nome de Mangueira, com uma árvore com o nome mangueiratambém. Aí, nasceu a Mangueira". Humildemente, o recém-chegado pediu aos colegasque verde e rosa – cores de seus adorados Arrepiados – fossem adotados para oestandarte da escola. Veio a calhar. Carlos Cachaça contou que já tinha havido umrancho em Mangueira chamado "Os Caçadores da Floresta", que usava as mesmas cores.Ficou verde porque lhe queriam rosa.Essas foram as cores da casa onde morou desde que se casou com Eusébia Silva doNascimento, a Dona Zica, em 1964. Os dois viveram juntos – primeiro em Mangueira edepois em Jacarepaguá – até que o sambista morreu, vítima de um câncer que sóele próprio sabia que tinha. Discreto e fechado como sempre, dizia para todo mundoque sofria de úlcera. Foi-se em 30 de novembro de 1981, ao som de seu clássico "AsRosas Não Falam". Sobre seu caixão, o estandarte de outra paixão verde e rosa: oFluminense.
Cartola com seu eterno amor, Dona Zica Encontro com Cartola
No final da década de 70, a então repórter do Jornal da Tarde Maria Amélia RochaLopes passou uma semana na Mangueira, entrevistando os maiores nomes do sambacarioca. Tomou cerveja no bar Buraco Quente onde nasceu, entre outros, o samba "OSol Nascerá" (Cartola/Elton Medeiros). Visitou a famosa casa verde e rosa, palco denoitadas homéricas. E comeu uma feijoada preparada por Dona Zica, em Jacarepaguá,para onde o casal havia se mudado - a pedido dela, para desgosto dele. "Ela diziaque era sempre uma romaria na Mangueira, que Cartola não tinha sossego", ri MariaAmélia.
Maria Amélia Rocha Lopes na Magueira, com Nelson Sargento (esq.) e Carlos Cachaça Não à toa, ela logo reparou que "Cartola estava lá só de corpo presente. Todasas histórias que ele gostava de lembrar estavam ligadas ao morro da Mangueira". Apreferida era a escolha das cores do estandarte da escola. Ele gostava tanto defalar nisso que tinha várias versões. Para Maria Amélia, disse que escolheu overde e o rosa porque "não há no mundo coisa mais bonita do que uma flor, com aspétalas cor de rosas e o cabinho verde". Logo que chegou ao sobrado do casal, Dona Zica e Cartola vieram recebê-la noportão, com um pedido simpático: "Não repare na bagunça". Bagunça que nãotinha. Aliás, era tudo muito organizadinho. O violão, por exemplo, ficava"sentado" em uma cadeira num cantinho da sala. "Era um lugar nobre. Quando tiravadali para sentar, ele colocava em cima da cama, todo arrumadinho. Ele era todocaprichoso com o violão".E Dona Zica era caprichosa com Cartola. Maria Amélia lembra que ela ficava guiandoo marido pela casa: "Ela mandava o tempo todo, mas era uma coisa bonitinha. 'Sentaaqui', 'levanta daí', 'vem comer', sabe? Era o tempo todo cuidando dele". Cartola,turrão, fingia não gostar. Olhava de canto como quem diz: "ela está me enchendo osaco!". "Mas ele gostava! Era aquela relação de amor antigo, tão bonita, tãodelicada".