18/10/2008

Procura-se um líder

Por: CESAR BENJAMIN

Quando a demanda cai, as empresas investem menos; a demanda cai ainda mais, e o processo se realimenta.

MAIS DE US$ 2 trilhões de dinheiro público já foram despejados em socorro a bancos e a instituições assemelhadas, e outros trilhões ainda serão necessários. Atônitas, as sociedades pagarão. Mesmo assim, ficarão expostas a uma recessão global prolongada ou a uma depressão profunda. Questões relativas a desenvolvimento, a justiça social e a bem-estar desapareceram do horizonte. Vinte anos de um falso consenso conservador resultaram nisso.
Não se sabe quando a fase aguda da crise será contornada, nem a que preço. Mesmo que haja momentos de calmaria aparente, ainda teremos muitos episódios agudos, pois a massa de recursos fictícios que perambulam pelo mundo é dezenas de vezes maior do que o produto real. Além disso, a crise colocou em xeque o principal mecanismo de sustentação da demanda mundial: o endividamento dos consumidores norte-americanos.
Nos últimos anos, avanços tecnológicos, alterações institucionais e a absorção de grandes contingentes de população laboriosa e barata na Ásia achataram os rendimentos do trabalho nos países desenvolvidos, ao mesmo tempo em que os gastos públicos se reduziam. Para manter aquecida a demanda, os Estados Unidos ampliaram as facilidades de crédito. As duas curvas -a da renda e a do crédito- não podem se dissociar indefinidamente. Com o esgotamento desse ciclo, não se vê por onde a demanda será retomada. Sem ela, não haverá crescimento, mesmo com maciças injeções de recursos nos sistemas financeiros.
O Brasil pagará alto preço por ter subordinado sua economia ao grande cassino. O passivo externo líquido é gigantesco, as contas externas já estavam em trajetória ruim, o núcleo endógeno da nossa economia foi enfraquecido desde a década de 1990 e as portas nunca estiveram tão abertas à fuga de capitais. Perdemos muitos graus de liberdade na definição da política econômica.
As reservas que acumulamos são inseguras, pois não têm origem em saldos na conta corrente. E a posição das grandes empresas brasileiras é incerta, pois as políticas do Banco Central as estimularam a especular com o dólar. Ainda não sabemos quantas foram pegas no contrapé. Quando a demanda cai, as empresas investem menos. A demanda cai ainda mais, e o processo se realimenta. Nesses contextos, as economias precisam contar com um agente capaz de realizar e de coordenar investimentos que contrariem a espiral recessiva. Nenhuma empresa privada pode desempenhar esse papel, sob pena de, simplesmente, falir. Só os Estados podem fazê-lo. Daí a importância de uma reação ativa à atual crise internacional. Foi o que fizemos na seqüência do colapso ocorrido em 1929. A questão é saber se o Estado brasileiro mantém capacidade para reagir e se terá vontade de acioná-la coerentemente. Forças de natureza supranacional, alojadas principalmente no Banco Central, controlam a nossa política econômica. E forças de natureza subnacional, representadas no Legislativo, apoderam-se de nacos do Estado, em troca de garantir a governabilidade no curto prazo. Esse arranjo perverso do sistema político mantém o Brasil na condição de plataforma de valorização do capital financeiro e exportador de recursos naturais.
Na época da bonança, o presidente Lula conseguiu compatibilizar essa condição com suspiros de crescimento econômico e algumas políticas distributivas. Nos próximos dois anos, isso se tornará mais difícil em nosso país. No lugar de um acomodador de interesses, o Brasil precisará de um líder.

Fonte: Folha de S. Paulo.

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