09/05/2009

Estão-nos mentindo sobre os piratas

Quem imaginaria que em 2009, os governos do mundo declarariam uma nova Guerra aos Piratas? No instante em que você lê esse artigo, a Marinha Real Inglesa – e navios de mais 12 nações, dos EUA à China – navega rumo aos mares da Somália, para capturar homens que ainda vemos como vilãos de pantomima, com papagaio no ombro. Mais algumas horas e estarão bombardeando navios e, em seguida, perseguirão os piratas em terra, na terra de um dos países mais miseráveis do planeta. Por trás dessa estranha história de fantasia, há um escândalo muito real e jamais contado. Os miseráveis que os governos 'ocidentais' estão rotulando como "uma das maiores ameaças de nosso tempo" têm uma história extraordinária a contar – e, se não têm toda a razão, têm pelo menos muita razão.
Os piratas jamais foram exatamente o que pensamos que fossem. Na "era de ouro dos piratas" – de 1650 a 1730 – o governo britânico criou, como recurso de propaganda, a imagem do pirata selvagem, sem propósito, o Barba Azul que ainda sobrevive. Muita gente sempre soube disso e muitos sempre suspeitaram da farsa: afinal, os piratas foram muitas vezes salvos das galés, nos braços de multidões que os defendiam e apoiavam. Por quê? O que os pobres sabiam, que nunca soubemos? O que viam, que nós não vemos? Em seu livro Villains Of All Nations, o historiador Marcus Rediker começa a revelar segredos muito interessantes.
Se você fosse mercador ou marinheiro empregado nos navios mercantes naqueles dias se vivesse nas docas do East End de Londres, se fosse jovem e vivesse faminto–, você fatalmente acabaria embarcado num inferno flutuante, de grandes velas. Teria de trabalhar sem descanso, sempre faminto e sem dormir. E, se se rebelasse, lá estavam o todo-poderoso comandante e seu chicote [ing. the Cat O' Nine Tails, lit. "o Gato de nove rabos"]. Se você insistisse, era a prancha e os tubarões. E ao final de meses ou anos dessa vida, seu salário quase sempre lhe era roubado.
Os piratas foram os primeiros que se rebelaram contra esse mundo. Amotinavam-se nos navios e acabaram por criar um modo diferente de trabalhar nos mares do mundo. Com os motins, conseguiam apropriar-se dos navios; depois, os piratas elegiam seus capitães e comandantes, e todas as decisões eram tomadas coletivamente; e aboliram a tortura. Os butins eram partilhados entre todos, solução que, nas palavras de Rediker, foi "um dos planos mais igualitários para distribuição de recursos que havia em todo o mundo, no século 18 ".
Acolhiam a bordo, como iguais, muitos escravos africanos foragidos. Os piratas mostraram "muito claramente– e muito subversivamente– que os navios não precisavam ser comandados com opressão e brutalidade, como fazia a Marinha Real Inglesa." Por isso eram vistos como heróis românticos, embora sempre fossem ladrões improdutivos.
As palavras de um pirata cuja voz perde-se no tempo, um jovem inglês chamado William Scott, volta a ecoar hoje, nessa pirataria new age que está em todas as televisões e jornais do planeta. Pouco antes de ser enforcado em Charleston, Carolina do Sul, Scott disse: "O que fiz, fiz para não morrer. Não encontrei outra saída, além da pirataria, para sobreviver".
O governo da Somália entrou em colapso em 1991. Nove milhões de somalianos passam fome desde então. E todos e tudo o que há de pior no mundo ocidental rapidamente viu, nessa desgraça, a oportunidade para assaltar o país e roubar de lá o que houvesse. Ao mesmo tempo, viram nos mares da Somália o local ideal onde jogar todo o lixo nuclear do planeta.
Exatamente isso: lixo atômico. Nem bem o governo desfez-se (e os ricos partiram), começaram a aparecer misteriosos navios europeus no litoral da Somália, que jogavam ao mar contêineres e barris enormes. A população litorânea começou a adoecer. No começo, erupções de pele, náuseas e bebês malformados. Então, com o tsunami de 2005, centenas de barris enferrujados e com vazamentos apareceram em diferentes pontos do litoral. Muita gente apresentou sintomas de contaminação por radiação e houve 300 mortes.
Quem conta é Ahmedou Ould-Abdallah, enviado da ONU à Somália: "Alguém está jogando lixo atômico no litoral da Somália. E chumbo e metais pesados, cádmio, mercúrio, encontram-se praticamente todos." Parte do que se pode rastrear leva diretamente a hospitais e indústrias européias que, ao que tudo indica, entrega os resíduos tóxicos à Máfia, que se encarrega de "descarregá-los" e cobra barato. Quando perguntei a Ould-Abdallah o que os governos europeus estariam fazendo para combater esse 'negócio', ele suspirou: "Nada. Não há nem descontaminação, nem compensação, nem prevenção."
Ao mesmo tempo, outros navios europeus vivem de pilhar os mares da Somália, atacando uma de suas principais riquezas: pescado. A Europa já destruiu seus estoques naturais de pescado pela superexploração – e, agora, está superexplorando os mares da Somália. A cada ano, saem de lá mais de 300 milhões de atum, camarão e lagosta; são roubados anualmente, por pesqueiros ilegais. Os pescadores locais tradicionais passam fome.
Mohammed Hussein, pescador que vive em Marka, cidade a 100 quilômetros ao sul de Mogadishu, declarou à Agência Reuters: "Se nada for feito, acabarão com todo o pescado de todo o litoral da Somália."
Esse é o contexto do qual nasceram os "piratas" somalianos. São pescadores somalianos, que capturam barcos, como tentativa de assustar e dissuadir os grandes pesqueiros; ou, pelo menos, como meio de extrair deles alguma espécie de compensação.
Os somalianos chamam-se "Guarda Costeira Voluntária da Somália". A maioria dos somalianos os conhecem sob essa designação. [Matéria importante sobre isso, em http://wardheernews .com/Articles_ 09/April/ 13_armada_ not_solution_ muuse.html: "The Armada is not a solution".] Pesquisa divulgada pelo site somaliano independente WardheerNews informa que 70% dos somalianos "aprovam firmemente a pirataria como forma de defesa nacional".
Claro que nada justifica a prática de fazer reféns. Claro, também, que há gângsteres misturados nessa luta – por exemplo, os que assaltaram os carregamentos de comida do World Food Programme. Mas em entrevista por telefone, um dos líderes dos piratas, Sugule Ali disse: "Não somos bandidos do mar. Bandidos do mar são os pesqueiros clandestinos que saqueiam nosso peixe." William Scott entenderia perfeitamente.
Por que os europeus supõem que os somalianos deveriam deixar-se matar de fome passivamente pelas praias, afogados no lixo tóxico europeu, e assistir passivamente os pesqueiros europeus (dentre outros) que pescam o peixe que, depois, os europeus comem elegantemente nos restaurantes de Londres, Paris ou Roma? A Europa nada fez, por muito tempo. Mas quando alguns pescadores reagiram e intrometeram- se no caminho pelo qual passa 20% do petróleo do mundo... imediatamente a Europa despachou para lá os seus navios de guerra.
A história da guerra contra a pirataria em 2009 está muito mais claramente narrada por outro pirata, que viveu e morreu no século 4º AC. Foi preso e levado à presença de Alexandre, o Grande, que lhe perguntou "o que pretendia, fazendo-se de senhor dos mares." O pirata riu e respondeu: "O mesmo que você, fazendo-se de senhor das terras; mas, porque meu navio é pequeno, sou chamado de ladrão; e você, que comanda uma grande frota, é chamado de imperador." Hoje, outra vez, a grande frota europeia lança-se ao mar, rumo à Somália – mas... quem é o ladrão?

07/05/2009

A gripe e a indústria

Por Mike Davis
01.05.2009 - A gripe suína mexicana, uma aberração genética provavelmente concebida no lodo fecal de um chiqueiro industrial, subitamente ameaça o mundo inteiro com uma febre. Os casos na América do Norte revelam uma infecção que está viajando em maior velocidade do que o último foco oficial de pandemia, a gripe de Hong Kong, em 1968.
Roubando o protagonismo de nosso último assassino oficial (o vírus H5N1), este representa uma ameaça de magnitude desconhecida. Parece menos letal que o Sars [Síndrome Respiratória Aguda Severa, na sigla em inglês] em 2003, mas, como gripe, pode ser mais duradouro.
Uma vez que as domesticadas gripes estacionárias do tipo A matam nada menos que um milhão de pessoas por ano, um modesto incremento de força, especialmente se vier combinado com uma elevada incidência, poderia produzir uma carnificina equivalente a uma guerra de grande dimensão.
No entanto, uma de suas primeiras vítimas foi a fé consoladora e firmemente predicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de que havia a possibilidade de se conter as pandemias com respostas imediatas e independentes das burocracias sanitárias e da qualidade dos serviços de saúde pública locais.
Desde as primeiras mortes por H5N1, em 1997, em Hong Kong, a OMS, com o apoio da maioria das administrações nacionais na área da saúde, promoveu uma estratégia centrada na identificação e no isolamento de um foco pandêmico em seu local de aparecimento, seguidos de um uso massivo de antivirais e – se disponíveis – vacinas à população.
Uma legião de céticos criticou esse enfoque de contra-insurgência viral, assimalando que os micróbios podem, agora, voar ao redor do mundo – quase literalmente no caso da gripe aviária – muito mais rapidamente do que a OMS ou os funcionários locais possam reagir ao aparecimento original. Tais especialistas observaram, também, o caráter primitivo, e frequentemente inexistente, da vigilância da conexão entre as doenças humanas e animais.
Sem preparo
Mas o mito de uma intervenção audaz, preventiva (e barata) contra a gripe aviária resultou valiosíssimo para a causa dos países ricos que, como os EUA e o Reino Unido, preferem investir em suas próprias “linhas Maginot” [sistema de fortificações construídas pela França ao longo de suas fronteiras com a Alemanha e a Itália, após a Primeira Guerra Mundial] biológicas a incrementar drasticamente a ajuda às frentes epidêmicas avançadas de ultramar.
Tal mito tampouco teve preço para as grandes transnacionais farmacêuticas, que enfrentam uma guerra sem quartel com os países em desenvolvimento empenhados em exigir a produção pública de antivirais genéricos chave, como o Tamiflu, patenteado pela Roche.
A versão da OMS e dos centros de controle de doenças – de que já estamos preparados para uma pandemia, sem maior necessidade de novos investimentos massivos em vigilância, infra-estrutura científica e regulatória, saúde pública básica e acesso global a fármacos vitais – será, agora, posta à prova pela gripe suína. Não é improvável que o sistema de alertas falhe, visto que ele, simplesmente, não existe. Nem sequer na América do Norte ou na União Européia.
Talvez não seja surpreendente que o México careça tanto de capacidade quanto de vontade política para lidar com enfermidades avícolas e pecuárias, mas acontece que a situação é só um pouco melhor ao norte da fronteira, onde a vigilância de desfaz em um infeliz mosaico de jurisdições estatais e as grandes empresas pecuárias enfrentam as regulações sanitárias com o mesmo desprezo com que costumam tratar os trabalhadores e os animais.
Prognóstico antigo
Analogamente, uma década inteira de advertências dos cientistas fracassou em garantir transferências de sofisticada tecnologia viral experimental aos países situados na rotas pandêmicas mais prováveis. O México conta com especialistas sanitários de reputação mundial, mas tem que enviar a mostra a um laboratório de Winnipeg, no Canadá, para decifrar seu genoma. Assim, perde-se toda uma semana.
Mas ninguém estava menos alerta que as autoridades de controle de enfermidades em Atlanta, nos EUA. De acordo com o Washington Post, o CDC [Centro de Controle de Enfermidades, em inglês], radicado em Atlanta, não se deu conta do aparecimento do vírus até seis dias depois que o México tinha começado a impôr medidas de urgência.
Não há desculpa aceitável. O paradoxal da gripe suína é que, mesmo que totalmente inesperada, ela já havia sido prognosticada com grande precisão. Há seis anos, a revista Science publicou uma matéria que punha em evidência que, “depois de anos de estabilidade, o vírus da gripe suína da América do Norte deu um salto evolutivo vertiginoso”.
Desde sua identificação durante a Grande Depressão, o vírus H1N1 da gripe suína somente havia experimentado um leve desvio no seu genoma original. Depois, em 1998, um foco da doença começou a dizimar porcas em uma fazenda da Carolina do Norte, nos EUA, e versões mais novas e violentas passaram a surgir a cada ano, incluída uma variação do H1N1 que continha os genes internos do H3N2 (causador da outra gripe de tipo A que se contagia entre humanos).
Os investigadores entrevistados pela Science se mostravam preocupados com a possibilidade de que um desses híbridos pudesse se converter em um vírus de gripe humana – acredita-se que as pandemias de 1957 e 1968 foram causados por genes avícolas e humanos misturados no interior de porcos –, e defendiam a criação, com urgência, de um sistema oficial de vigilância para a gripe suína. Advertência, inútil dizer, que encontrou ouvidos surdos de Washington, mais disposto, na época, a jogar milhares de milhões de dólares pelo esgoto das fantasias bioterroristas.
Indústria petroquímica
O que provocou tal aceleração da evolução da gripe suína? Faz muito tempo que os virólogos estão convencidos de que o sistema de agricultura intensiva da China meridional é o principal vetor da mutação gripal: tanto do “desvio” estacionário, quanto do episódico “intercâmbio” genômico.
Mas as corporações da produção pecuária romperam o monopólio natural da China sobre a evolução da gripe. O setor se transformou, nestas últimas décadas, em algo que se parece mais com a indústria petroquímica do que com o feliz sitio familiar que pintam os livros escolares.
Em 1965, por exemplo, havia, nos EUA, 53 milhões de porcos, divididos em mais de um milhão de propriedades rurais. Hoje, 65 milhões destes animais se concentram em 65 mil instalações. Isso significou passar dos antiquados chiqueiros a gigantescos infernos fecais, onde – entre esterco e sob um calor sufocante, prontos a intercambiar agentes patógenos à velocidade do raio – se amontoam dezenas de milhares de animais com sistemas de imunização mais que debilitados.
Em 2008, uma comissão convocada pelo Pew Research Center publicou um relatório sobre a “produção animal em fazendas industriais”, onde se destacava o perigo agudo de que “a contínua circulação de vírus característica de enormes varas ou rebanhos incremente as oportunidades de aparição de novos vírus por meio de mutação ou recombinação, episódios que poderiam gerar vírus mais eficientes na transmissão entre humanos”.
A comissão alertou também que o uso promíscuo de antibióticos nos grandes estabelecimentos de criação de porcos estava propiciando o auge de infecções por estafilococos resistentes, enquanto os dejetos residuais causavam o surgimento de Escherichia coli e pfiesteria (o protozoário que matou um bilhão de peixes nos estuários da Carolina do Norte e contagiou dezenas de pescadores).
Obstrução das investigações
Qualquer melhora na ecologia desse novo agente patógeno teria que enfrentar o poder monstruoso dos grandes conglomerados empresariais avícolas e pecuários, como o Smithfield Farms (suínos e bovinos) e o Tyson (avícola). A comissão denunciou uma obstrução sistemática de suas investigações por parte das grandes empresas, incluídas algumas ameaças nada recatadas de cortar o financiamento dos investigadores que cooperassem com a comissão.
Trata-se de uma indústria muito globalizada e com influências políticas. Assim como o gigante avícola Charoen Pokphand, radicado em Bangcok, na Tailândia, foi capaz de desbaratar as investigações sobre seu papel na propagação da gripe aviária no sudeste asiático, o mais provável é que a epidemiologia forense que buscará as causas do surgimento da gripe suína enfrente a muralha de pedra da indústria da carne de porco.
Isso não quer dizer que nunca encontraremos provas: já corre o rumor, na imprensa mexicana, de um epicentro da gripe situado em torno de uma gigantesca filial da Smithfield no estado de Veracruz.
No entanto, o mais importante – sobretudo, pela ameaça persistente do vírus H5N1 – é a floresta, não as árvores: a fracassada estratégia anti-pandêmica da OMS, a progressiva deterioração da saúde pública mundial, a mordaça aplicada pelas grandes transnacionais farmacêuticas aos medicamentos vitais e a catástrofe planetária que é uma produção pecuária industrializada e ecologicamente insustentável. (Rebelión – www.rebelion.org)
Mike Davis é professor de história na Universidade da California (UCI), e autor de “O Monstro na Nossa Porta: a Ameaça Global da Gripe Aviária.
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Tradução: Igor Ojeda

03/05/2009

CASA DA AMÉRICA LATINA: NOTA DE APOIO À FERNANDO LUGO

A Casa da América Latina repudia veementemente o bombardeio golpista desencadeado pelas forças conservadoras paraguaias e internacionais contra o governo progressista de Fernando Lugo.
O ataque cerrado a Lugo se fundamenta na pueril acusação de paternidade de crianças nascidas de mulheres maiores de idade e idôneas à época do enlace amoroso com o acusado. Não há qualquer crime neste fato, até porque Lugo, como bispo, sempre combateu o Celibato e as pregações ultra-conservadoras da igreja católica.
O que se esconde atrás deste frágil biombo de acusação é um líder político que derrotou uma oligarquia perversa, mantida no poder durante mais de quarenta anos, a custa da corrupção e opressão. O que realmente incomoda estes golpistas espúrios é que Lugo tem origem humilde, foi combatente político perseguido pela ditadura de Stroesner, assim como seu pai e dois irmãos, abraçou a Teologia da Libertação, pertenceu e organizou as Comunidades Eclesiais de Base e comandou ocupações de latifúndios pelos Sem Terra de seu país. Eles sabem perfeitamente para onde marcha o novo Paraguai sob a liderança de Lugo.
Em relação ao assédio sofrido internacionalmente, é muito explicita a sua motivação, Lugo se alinha e fortalece o avanço libertário que, em boa hora, toma conta da América Latina, ao lado de Chaves, Morales, Rafael Correia e outros.
No tocante ao Brasil, setores conservadores estão interessados em desestabilizar o governo progressista de Lugo em função da questão energética de Itaipú, que é objeto de justa contestação por parte dos paraguaios.
A Casa da América Latina e todas as forças democráticas e antiimperialistas jamais se calarão em defesa do honrado cidadão e Presidente legítimo do Paraguai, Fernando Lugo, e do povo desta nação amiga, historicamente tão golpeada pelo imperialismo.