23/10/2010

A Face Fundamentalista do Brasil

Por RUDÁ RICCI

Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais , do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa. E-MAIL: ruda@inet.com.br. SITE: www.tvcultiva.com.br. Blog: rudaricci.blogspot.com

A origem da palavra fundamentalismo, tal como compreendemos nos dias atuais, data do século XIX, nos EUA. Desde então, passamos a associar a palavra à noção de dogmatismo, à baixa ou nula flexibilidade e tolerância a tudo que não se enquadra nos cânones, na Verdade Absoluta. O Brasil criou uma aura de tolerância, tendo na miscigenação e no sincretismo as provas apresentadas ao mundo. Na verdade, nosso passado é recheado de páginas de intolerância, principalmente com a cultura negra. O Estado brasileiro perseguiu a capoeira e religiões africanas. Mas, mesmo assim, para forjarmos nossa identidade social esquecemos estas páginas de nossa história.

Eis que, no final do primeiro turno das eleições presidenciais, pelas portas dos fundos, ressurge o Brasil fundamentalista. E pelas mãos das igrejas. Das duas vertentes cristãs, católicos e protestantes. Não toda igreja, é verdade. Mas suas correntes fundamentalistas, carismáticas. Os fundamentalistas cristãos vêm se revelando o agrupamento mais organizado das igrejas católicas e protestante brasileiras. Superaram os católicos vinculados à teologia da libertação e os protestantes tradicionais (luteranos, presbiterianos, anglicanos, batistas e metodistas), mais abertos às mudanças e hábitos culturais, mais tolerantes e reflexivos. Contudo, pelos protestantes, algumas igrejas pentecostais e neo-pentecostais avançaram, pouco a pouco, sobre o mundo da política e pela formação de fiéis mais afeitos a pregações engajadas e emocionais. O movimento pentecostal se formou no início do século 20, em Los Angeles , nos Estados Unidos. Seus adeptos crêem na manifestação do Espírito Santo por meio de sinais como curas milagrosas, profecias e visões e o dom de falar em línguas estranhas enquanto rezam. Algo similar às crenças dos carismáticos católicos. No Brasil, o pentecostalismo teve diferentes fases. Uma das primeiras Igrejas, surgida no início do século 20, foi a Assembléia de Deus (igreja à qual Marina Silva está vinculada), que reúne o maior número de adeptos dessa tendência. As décadas de 1970 e 1980 marcam o advento do neo-pentecostalismo, à qual pertencem a Igreja Universal do Reino de Deus, a Sara em Nossa Terra e a Renascer em Cristo, que defendem modelos empresariais de gestão, um amplo uso da mídia e pregam a chamada Teologia da Prosperidade, segundo a qual sinais de riqueza exterior são indicativos do amor divino.

Os evangélicos eram 4,8 milhões de brasileiros, em 1970. Dez anos depois, eram 7,9 milhões. Em 1991 já eram 13,7 milhões. E em 2000 chegaram aos 26 milhões.

Já os católicos carismáticos surgiram nos Estados Unidos em meados dos anos 1960. Reforçam a experiência pessoal com Deus, mística, não racional. Para se ter uma noção da lógica e origem desta corrente no interior da igreja católica, vale reproduzir a experiência de Ralph Keiner e sua esposa, em 1967, citada como essência do início do movimento de renovação carismática. Numa reunião envolvendo poucas pessoas, os Keiner começam a suplicar recebessem o "Batismo no Espírito Santo". Ralph recebe o suposto dom de línguas (fenômeno chamado no meio acadêmico de glossolalia). Em 4 de março do mesmo ano um grupo de estudantes se reúne para pedir a imposição de mãos para receber o Espírito Santo. Há registros de manifestações emocionais agudas, lembrando alguns relatos de histeria coletiva.

Os carismáticos católicos apresentam um alto índice de fiéis que defendem o engajamento político. Reagem declaradamente à Teologia da Libertação.

A BBC divulgou pesquisa realizada pelo instituto religioso norte-americano Pew Forum on Religion and Public Life em que se projetava que 49% da população de Recife, São Paulo e Porto Alegre se diziam evangélicos ou católicos carismáticos.

É esta força política, quase desconhecida dos meios de comunicação e grandes representações e organizações públicas, de massa, que emergiu no final do primeiro turno das eleições presidenciais. Involuntariamente, definiu uma agenda conservadora para o país, algo que os partidos políticos mais à direita não conseguiam produzir desde a eleição de Lula. E colocam em risco toda a agenda pluralista e pautada pela ampliação dos direitos civis que foi plasmada nas articulações populares que confluíram para a Constituinte de 1987.

Em parte, esta força conservadora e fundamentalista surge à margem da ausência pedagógica do lulismo. O lulismo desarticulou o sistema partidário e se furtou a disputar ideologicamente o país. Ao contrário, procurou avançar a partir de acordos fragmentados e procurou selar um acordo de interesses, um pacto nacional entre empresariado, organizações sindicais e forças partidárias. Esqueceu que o conservadorismo não se organiza apenas em instituições. Trata-se de uma força moral, intolerante.

Ao abdicar da disputa ideológica, o lulismo abriu espaço para o fundamentalismo religioso tupiniquim e se vê em palcos de aranha. Não terá tempo para fazer este debate em pouco mais de três semanas. Para vencer neste segundo turno, terá que aceitar a agenda ultra-conservadora. Se assim for, se consolida como gestor da ordem. Vencerá uma batalha de Pirro.

22/10/2010

Adeus social-democracia, olá esquerda anticapitalista

Teodoro Santana*
A queda da social-democracia em toda a Europa não obedece a uma melhor ou pior gestão de seus líderes. Pelo contrario, deve-se a uma implacável necessidade histórica. Aliás, ao desaparecimento do papel histórico da social-democracia.
Os partidos chamados "socialistas" representaram as políticas do "Estado do bem-estar", de fazer dos trabalhadores dos países imperialistas partícipes das migalhas dos fabulosos benefícios saqueados do Terceiro Mundo, na forma de salários mais altos, concessões sociais e certo nível de vida. De modo que estas políticas social-democratas criavam um colchão que amortizavam a luta de classes e estabeleciam um "cordão sanitário" diante do "comunismo" que representava a URSS e os países socialistas da Europa do Leste.
A imensa maioria dos trabalhadores europeus associou, dessa forma, sua vida relativamente cômoda com a social-democracia, que falava sempre em seu nome (e até, como no caso espanhol, com seu nome) diante das políticas abertamente antitrabalhistas dos partidos de direita.
Mas dois acontecimentos históricos vieram transformar radicalmente a situação. Por um lado, a queda do socialismo soviético, tornando desnecessário esse "colchão" diante do "perigo do Leste". Não em vão, a queda da URSS abriu caminho às políticas de extrema direita capitalista (o chamado "neoliberalismo"), encabeçadas por Reagan, nos Estados Unidos e Tatcher, no Reino Unido.
Por outro lado, a crise de agonia do capitalismo, principalmente nas grandes potências imperialistas, era incapaz de gerar os inúmeros volumes de capital necessários para sustentar sua acelerada carreira a lugar nenhum. Já não sobram nem as migalhas que iam parar nas mãos da classe trabalhadora. Trata-se de raspar o caldeirão para juntar até as raspas. E isso significa diminuir salários, reduzir pensões, baratear demissões e liquidar qualquer resistência operária, incluindo a dos sindicatos mais reformistas. Isto é, a luta de classes escancarada e hostil.
O dilema para os partidos "socialistas" é: persistir nas políticas do "estado do bem-estar", com o risco de serem varridos por um sopro pelas oligarquias capitalistas que os apoiaram e até financiaram quando lhes interessava sua existência, ou adotar as políticas da direita capitalista "pelo bem da classe operária". O primeiro, não apenas, não vão deixá-lo fazer (e nem lhes passa pela cabeça radicalizar-se nem fazer políticas verdadeiramente socialistas); e o segundo supõe perder cada vez mais o apoio da imensa maioria das trabalhadoras e dos trabalhadores, e não ganhar nada no espaço da direita.
O fato de o colapso da social-democracia não ser absoluto e rápido, é devido à confiança que alguns setores ainda mantêm de voltar aos "bons velhos tempos", associados à social-democracia. E, evidentemente, ao temor de que os partidos de direita façam igual ou pior. À medida que a fantasia da "recuperação econômica" vai se evaporando, vai ocorrendo o mesmo com relação ao apoio aos partidos "socialistas".
Inclusive, dentro da social-democracia, vão aparecendo correntes que resistirão a este desvio direitista e suicida, e cujo acontecer dependerá muito das particularidades destes partidos em cada país. É previsível, em todo caso, a aparição de correntes de esquerda e fortes contradições internas.
Neste cenário, é dramática a divisão e a dispersão da esquerda anticapitalista, fator que não aparece na equação e que, caso aparecesse, aproveitaria uma oportunidade histórica única para mudar o curso dos acontecimentos. A unidade de todas as forças da esquerda – comunistas, socialistas revolucionárias, sindicatos - em torno de um programa anti-imperilista é, portanto, urgente e inadiável.
Boicotar este processo, bombardeá-lo com as velhas inércias de protagonismos baratos e mesquinhez, sempre reprovados, converte-se em uma atitude verdadeiramente criminosa em um momento em que temos a possibilidade de abrir caminho ao futuro, à esquerda anticapitalista, ao socialismo.

(*) Teodoro Santana é membro do Comitê Central do Partido Revolucionario de los Comunistas de Canarias (PRCC)


Tradução: Valeria Lima

21/10/2010

O exemplo da França

OS EDITORES DE ODIARIO.INFO
21.Out.10
Nas últimas semanas em gigantescas manifestações quase 15 milhões de franceses saíram as ruas para protestar contra a lei que somente permite a reforma aos 62 anos. Foram seis as mobilizações populares, e uma greve geral indefinida tem paralisado grande parte da actividade económica e dos serviços públicos.
Na manifestação do dia 15 participaram segundo os organizadores mais de 3,5 milhões de pessoas das quais 330.000 em Paris. As grandes universidades aderiram ao protesto assim como os estudantes de mais de 1.200 liceus. As refinarias não funcionam e a falta de combustível começou a afectar os aeroportos.
O movimento, o de maior amplitude das últimas décadas, conta com a simpatia da maioria da população que identifica na lei de Sarkozy uma grave ameaça não apenas à segurança social, mas a direitos conquistados pelos trabalhadores em séculos de lutas.
«Deixem os jovens e os desempregados trabalhar e os “antigos” repousar», foi um dos cartazes exibidos nos desfiles pelos trabalhadores.
A popularidade de Sarkozy caiu nestes dias para o nível mais baixo atingido por qualquer presidente da França desde o final da II Guerra Mundial.
O governo espera que a aprovação pelo Senado da lei contribua para um refluxo do protesto nacional, mas os sindicatos mais combativos lembram que em 2006, as manifestações forçaram a Assembleia Nacional a revogar a chamada lei do primeiro emprego já promulgada pelo presidente Chirac.
A decisão de Sarkozy de, se necessário, reabrir as refinarias com recurso à força, poderá endurecer a luta do povo francês.
Seja qual for o desfecho da grande luta em curso, saudamos o combate dos trabalhadores franceses, saudado em todo o mundo pelas forças progressistas como exemplo de resistência à ofensiva do grande capital, na linha das grandes tradições revolucionárias do povo da França.
No momento em que o governo reaccionário de Sócrates tenta em Portugal aumentar a idade da reforma, actualmente de 65 anos, a recusa dos franceses em permitir que ela ultrapasse o patamar dos 60 não somente mobiliza solidariedades em toda a Europa como constitui um valioso encorajamento para as poderosas lutas que os trabalhadores portugueses têm em curso, com grande destaque para a Greve Geral do próximo dia 24 de Novembro.

19/10/2010

O heroísmo dos mineiros – O espetáculo do Presidente do Chile

Nota da FEDERAÇÃO SINDICAL MUNDIAL

A Federação Sindical Mundial, desde o primeiro momento em que ocorreu o trágico acidente na mina de San José, publicou um comunicado em que culpa o governo do Chile e os patrões da mineradoras pelo delito cometido contra os mineiros.
Os dirigentes da FSM no Chile, durante todo o tempo, acompanharam de perto os acontecimentos, pressionando, atuando e exigindo o resgate dos nossos 33 irmãos. A Confederação Mineira do Chile se manteve dignamente na linha de frente na batalha como organização classista, que luta pelo setor e pela classe trabalhadora. A UIS Metal da FSM também esteve presente durante os acontecimentos.
Agora, findo o resgate dos 33 trabalhadores, gritemos todos juntos:
- Viva o heroísmo dos mineiros do Chile.
- Pelo fim do espetáculo do presidente do Chile.
Este memoráveis 69 dias mostraram ao mundo as grandes qualidades com as que unicamente os trabalhadores contam. Disciplina, coletividade, luta, resistência, paciência, força, modéstia. Estas são as qualidades mostradas pelos 33 porque todos eles são filhos da classe trabalhadora.
Por outro lado, está o espetáculo, a hipocrisia, as mentiras, o estilo de vida representado pelo Presidente do Chile, porém também a cobiça dos meios de comunicação.
São duas classes sociais diferentes, dois mundos diferentes com princípios distintos, valores, culturas e comportamentos.
Irmãos de classe, mineiros do Chile, agradecemos. Estamos muito orgulhosos de vocês. Estamos muito orgulhosos da classe trabalhadora e de seus valores. Agora, continuaremos a luta! A FSM, em junho de 2009, interveio na OIT, junto aos mineiros do Chile para lutar pelos convênios de saúde e segurança. Lamentavelmente, a OIT, na realidade, até a data de hoje, nada fez para que se apliquem os convênios aprovados.
Exigimos mais uma vez:
- Que se apliquem os convênios internacionais sobre saúde e segurança nas minas. Que o governo chileno ratifique de imediato os convênios da OIT.
- Que se tomem todas as medidas exigidas pelo movimento sindical classista neste setor.
- Que se castiguem os capitalistas e proprietários de minas, como a empresa San Esteban, que se negam a tomar medidas de segurança nos lugares de trabalho.
- Que se solucionem e se atendam as reivindicações dos mineiros chilenos, que se paguem seus salários e que não caiam no esquecimento quando as luzes da popularidade se apagarem.
- Que todas as minas sejam do Estado e que os monopólios e transnacionais cessem as especulações e explorações das fontes de recursos naturais. Estas fontes pertencem ao povo e não aos capitalistas.


O SECRETARIADO DA FSM

18/10/2010

Tropa de Elite II e o flerte com o senso comum

Alex Lélis (Militante do PCB de Campinas)
Ontem, quinta-feira 14 de outubro, eu e a Andréia resolvemos seguir o fluxo e assistir o líder de bilheterias do momento “ Tropa de Elite II”.
Chegamos mais de 1 hora antes do inicio da seção para podermos nos acomodar a contento e também para nos inserirmos no “clima”.
Compramos o bilhete, demos uma volta no shopping e 30 minutos depois de nos munirmos do kit cinema (pipoca, refrigerante e chocolate) me dirigi para a fila da sala. Pela primeira vez na vida experimentei a sensação de ser o primeiro da fila no cinema. Me senti o verdadeiro “homem massa” como diz Gramsci ou o “Zé povinho” como diz meus “clientes” da Fundação Casa.
Depois de 15 minutos de espera na fila e de quase comer toda a pipoca que era para o filme todo, finalmente pude entrar na sala e escolher o melhor lugar para ver o filme. A expectativa era grande já que o primeiro filme havia me deixado surpreendido com sua complexidade e pelo seu conservadorismo beirando ao fascismo com a idéia central da criminalização da pobreza.
Após ver o filme e tentando digerir tudo que vi e senti de todo o clima do cinema pensei em escrever algo.
Primeiramente acho legal levar em consideração as reações do público durante a exibição do filme e no final ─ a exemplo de Gramsci quando ia ver as peças de Pirandelo.
Do ponto de vista da empatia do público o filme bate recorde. Foi evidente que a maioria das pessoas gostaram do filme e se identificaram com a tese do autor. Por isso cabe pensar: o que a história apresenta que leva o público ao delírio?
Na verdade penso que Tropa de Elite II flerta com o senso comum brasileiro e apresenta duas idéias centrais que são parte desse senso comum.
Primeira idéia que vem já do primeiro filme é a criminalização da pobreza, algo que já destaquei acima, e da necessidade do extermínio do pobre criminoso.
Segunda idéia, essa a novidade desse segundo filme é a idéia da corrupção dos agentes públicos, da polícia militar, dos políticos e de todos os agentes do Estado que o narrador chama de sistema.
Nesse sentido, o autor, ao meu ver, cai no engodo muito difundido hoje de que o problema do Brasil é um problema ético, que a política é um mar de lamas e que por isso o combate a pobreza criminosa não é o suficiente para resolver o problema da violência no Brasil, já que a violência gera lucro para a polícia corrupta e também lucro e votos para os políticos, sejam os de direita (diretamente ligados à corrupção), sejam os de esquerda, que também se beneficiam eleitoralmente da violência e da corrupção como algo a ser denunciado. Essa “industria da denuncia” renderia os votos da esquerda demagógica.
Na verdade a tese é de que tudo é uma merda!!! Uma idéia que “todos” concordam . Mas o mais surpreendente é que o BOPE , A TROPA DE ELITE, sai ilesa da história como se fossem a única reserva moral do Brasil e com isso fortalece a tese do combate, feito pelo BOPE, da pobreza criminosa e dos políticos corruptos. Porém, mesmo assim de nada adiantará, pois como diz o narrador “o sistema é foda” e se recompõe, algo como um Brasil “Cronicamente Inviável”.
Por tudo isso o filme é um sucesso, pois não apresenta nenhuma novidade. Flerta com o senso comum do publico, reforçando-o e o expressa na tela do cinema, além é claro das belas cenas de ação que nada deixam a perder para o cinema estadunidense. Com isso, servirá para encher os bolsos dos diretores e o pior, para reforçar preconceitos.