23/12/2010

Manifestação Pública de Organizações de Direitos Humanos sobre os acontecimentos no Alemão e na Vila Cruzeiro

Há três semanas, as favelas do Alemão e da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, se tornaram o palco de uma suposta “guerra” entre as forças do “bem” e do “mal”. A “vitória” propagada de forma irresponsável pelas autoridades – e amplificada por quase todos os grandes meios de imprensa – ignora um cenário complexo e esconde esquemas de corrupção e graves violações de direitos que estão acontecendo nas comunidades ocupadas pelas forças policiais e militares. Mais que isso, esta perspectiva rasa – que vende falsas “soluções” para os problemas de segurança pública no país – exclui do debate pontos centrais que inevitavelmente apontam para a necessidade de profundas reformas institucionais.
Desde o dia 28 de novembro, organizações da sociedade civil realizaram visitas às comunidades do Alemão e da Vila Cruzeiro, onde se depararam com uma realidade bastante diferente daquela retratada nas manchetes de jornal. Foram ouvidos relatos que denunciam crimes e abusos cometidos por equipes policiais. São casos concretos de tortura, ameaça de morte, invasão de domicílio, injúria, corrupção, roubo, extorsão e humilhação. As organizações ouviram também relatos que apontam para casos de execução não registrados, ocultação de cadáveres e desaparecimento.
Durante o processo, a sensação de insegurança e medo ficou evidente. Quase todos os moradores demonstraram temor de sofrerem represálias e exigiram repetidamente que o anonimato fosse mantido. E foi assim, de forma anônima, que os entrevistados compartilharam a visão de que toda a região ocupada está sendo “garimpada” por policiais, no que foi constantemente classificado como a “caça ao tesouro” do tráfico.
A caça ao tesouro
É um escândalo: equipes policiais de diferentes corporações, de diferentes batalhões, se revezam em busca do dinheiro, das jóias, das drogas e das armas que criminosos teriam deixado para trás na fuga; em lugar de encaminhar para a delegacia tudo o que foi apreendido, as equipes estão partilhando entre elas partes valiosas do “tesouro”. Aproveitando-se do clima de “pente fino”, agentes invadem repetidamente as casas e usam ameaças e técnicas de tortura como forma de arrancar de moradores a delação dos esconderijos do tráfico. Não bastasse isso, praticam a extorsão e o roubo de pequenas quantias e de telefones celulares, câmeras digitais e outros objetos de algum valor.
Apesar deste quadro absurdo, o governo do estado do Rio de Janeiro tenta mais uma vez esvaziar e desviar o debate, transformando um momento de crise em um momento triunfal das armas do Estado. Nem as denúncias que chegaram às páginas de jornais – como, por exemplo, as que apontam para a fuga facilitada de chefes do tráfico – foram respondidas e investigadas. Independente disso, os relatos que saem do Alemão e da Vila Cruzeiro escancaram um fato que jamais pode ser ignorado na discussão sobre segurança pública no Rio de Janeiro: as forças policiais exercem um papel central nas engrenagens do crime. Qualquer análise feita por caminhos fáceis e simplificadores é, portanto, irresponsável. E muitas vezes, sem perceber, escorregamos para estas saídas.
Direcionar a “culpa” de forma individualizada, por exemplo, e fazer a separação imaginária entre “bons” e “maus” policiais é uma das formas de se esquivar de debates estruturais. Penalizar o policial não altera em nada o cenário e não impede que as engrenagens sigam funcionando. Nosso papel, neste sentido, é avaliar os modelos políticos e as falhas do Estado que possibilitam a perversão da atividade policial. Somente a partir deste debate será possível imaginar avanços concretos.
Diante do panorama observado após a ocupação do Alemão, as organizações de direitos humanos cobram a responsabilidade dos Governos e exigem que o debate sobre a reforma das polícias seja retomado de forma objetiva. Nossa intenção aqui não é abarcar todos os muitos aspectos desta discussão, mas é fundamental indicarmos alguns aspectos que achamos essenciais.
Falta de transparência e controle externo
A falta de rigor do Estado na fiscalização da atuação de seus agentes, a falta de transparência nos dados de violência, e, principalmente, a falta de controle externo das atividades policiais são fatores que, sem dúvida, facilitam a ação criminosa de parte da polícia – especialmente em comunidades pobres, distantes dos olhos da classe média e das lentes da mídia. E os acontecimentos das últimas semanas realmente nos dão uma boa noção de como isso acontece.
Apesar dos insistentes pedidos de entidades e meios de imprensa, até hoje, não se sabe de forma precisa quantas pessoas foram mortas em operações policiais desde o dia 22. Não se sabe tampouco quem são esses mortos, de que forma aconteceu o óbito, onde estão os corpos ou, ao menos, se houve perícia, e se foi feita de modo apropriado. A dificuldade é a mesma para se conseguir acesso a dados confiáveis e objetivos sobre número de feridos e de prisões efetuadas. As ações policiais no Rio de Janeiro continuam escondidas dentro de uma caixa preta do Estado.
Na ocupação policial do Complexo do Alemão em 2007, a pressão política exercida por parte deste mesmo coletivo de organizações e movimentos viabilizou, com a participação fundamental da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, um trabalho independente de perícia que confirmou que grande parte das 19 mortes ocorridas em apenas um dia tinham sido resultado de execução sumária. Foram constatados casos com tiros à queima roupa e pelas costas, disparados de cima para baixo, em regiões vitais, como cabeça e nuca. Desta vez, não se sabe nem quem são, quantos são e onde estão os corpos dos mortos..
Para que se tenha uma ideia, em uma favela do Complexo do Alemão representantes das organizações estiveram em uma casa completamente abandonada. No domingo, dia 28, houve a execução sumária de um jovem. Duas semanas depois, a cena do homicídio permanecia do mesmo jeito, com a casa ainda revirada e, ao lado da cama, intacta, a poça de sangue do rapaz morto. Ou seja, agentes do Estado invadiram a casa, apertaram o gatilho, desceram com o corpo em um carrinho de mão, viraram as costas e lavaram as mãos. Não houve trabalho pericial no local e não se sabe de nenhuma informação oficial sobre as circunstâncias da morte. Provavelmente nunca saberemos com detalhes o que de fato aconteceu naquela casa.
“A ordem é vasculhar casa por casa...”
Por outro lado, o próprio Estado incentiva o desrespeito às leis e a violação de direitos quando informalmente instaura nas regiões ocupadas um estado de exceção. Os casos de invasão de domicílio são certamente os que mais se repetiram no Alemão e na Vila Cruzeiro. Foi o próprio coronel Mario Sérgio Duarte, comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, quem declarou publicamente que a “ordem” era “vasculhar casa por casa”, insinuando ainda que o morador que tentasse impedir a entrada dos policiais seria tratado como suspeito. Mario Sérgio não apenas suprimiu arbitrariamente o artigo V da Constituição, como deu carta-branca à livre atuação dos policiais.
Em qualquer lugar do mundo, a declaração do coronel seria frontalmente questionada. Mas a naturalidade com que a fala foi recebida por aqui reflete uma construção histórica que norteia as ações de segurança pública do estado do Rio de Janeiro e que admite a favela como território inimigo e o morador como potencial criminoso. Em comunidades pobres, o discurso da guerra abre espaço para a relativização e a supressão dos direitos do cidadão, situação impensável em áreas mais nobres da cidade. De fato, a orientação das políticas de sucessivos governos no Rio de Janeiro tem sido calcada em uma visão criminalizadora da pobreza.
Em meio a esse caldo político, as milícias formadas por agentes públicos – em especial por policiais – continuam crescendo, se organizando como máfia por dentro da estrutura do Estado e dominando cada vez mais bairros e comunidades pobres no Rio de Janeiro. No Alemão e na Vila Cruzeiro, comenta-se que parte das armas desviadas por policiais estaria sendo incorporadas ao arsenal destes grupos. Especialistas avaliam com bastante preocupação a forma como o crime está se reorganizando no estado.
Mas isto continua tendo importância secundária na pauta dos Governos. De olhos fechados para os problemas estruturais do aparato estatal de segurança, seguem apostando em um modelo militarizado que não é direcionado para a desarticulação das redes do crime organizado e do tráfico de armas e que se mostra extremamente violento e ineficaz.
Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2010
Assinam:
Justiça Global
Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência
Conselho Regional de Psicologia – RJ
Grupo Tortura Nunca Mais - RJ
Instituto de Defensores de Direitos Humanos
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis

22/12/2010

DECISÃO DA OEA SOBRE LEI DE ANISTIA FAVORECE LUTA PELA COMISSÃO DA VERDADE NO BRASIL

(Nota Política do PCB)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Brasil por não punir os responsáveis pelo desaparecimento de pessoas envolvidas na guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1974, um dos movimentos de resistência armada contra a ditadura empresarial-militar que se apoderou do Estado brasileiro em 1964. A sentença foi dada quinze anos após a apresentação da denúncia por entidades defensoras dos direitos humanos no Brasil.

A Corte, sediada em San Jose, Costa Rica, é um organismo judicial independente que interpreta e aplica a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é um dos países signatários. Segundo a sentença emitida, o Estado brasileiro violou o direito à justiça, ao ter se recusado a cumprir a obrigação internacional de investigar, processar e punir os responsáveis pelos desaparecimentos e mortes promovidos pela repressão política. De acordo ainda com a sentença, a Lei de Anistia de 1979 não pode ser usada como escudo para desobrigar o Estado brasileiro da apuração dos casos e condenação dos criminosos que agiram em nome da famigerada “Lei de Segurança Nacional”. Trata-se de decisão tomada em direção absolutamente contrária à aberração produzida em abril deste ano pelo Supremo Tribunal Federal, cuja interpretação da Lei de Anistia favorece a impunidade dos responsáveis por torturas, perseguições e mortes durante a ditadura militar.

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos favorece a retomada das lutas pela implementação da Comissão Nacional de Verdade, proposta do Programa Nacional de Direitos Humanos que, por pressão dos setores reacionários e cumplicidade do governo Lula, até hoje não saiu do papel. Na contramão do Direito internacional, o arquiconservador Ministro Nélson Jobim – que continuará à frente da pasta da Defesa no governo Dilma – já se manifestou contrário a cumprir a sentença, apesar de o Itamaraty reconhecer que o Brasil é obrigado a cumprir a decisão, por ser signatário da Convenção dos Direitos Humanos.

É inadmissível que o governo do PT e em cuja base de apoio está o PC do B, partido que reivindica a guerrilha do Araguaia, recuse-se a abrir os arquivos da ditadura e punir os carrascos dos que lutaram pela liberdade em um dos períodos mais sinistros da nossa história. O PCB solidariza-se com todas as organizações de esquerda que optaram pela luta armada contra o regime autoritário no Brasil, reconhecendo a bravura daqueles militantes, mesmo entendendo tratar-se de um erro político à época, marcado pelo formato vanguardista e distanciado das massas, ao tentar transplantar para a nossa realidade formas de luta adotadas em outras experiências revolucionárias no mundo, sem a devida análise sobre o estágio da luta de classes no Brasil.

A solidariedade do PCB aos grupamentos revolucionários que perderam quadros destacados da luta socialista para a repressão não é retórica, pois um dos maiores objetivos da ditadura sempre foi destruir e calar os comunistas e, em particular, nosso partido. Entre 1974 e 1975, foram assassinados dezenas de militantes do PCB. Seus corpos continuam desaparecidos, inclusive da quase totalidade dos membros do Comitê Central que não haviam ido para o exílio, ficando aqui para dirigir o Partido na clandestinidade (Célio Guedes, David Capistrano, Elson Costa, Hiram Pereira de Lima, Itair José Veloso, Jayme Miranda de Amorim, João Massena de Melo, José Montenegro de Lima, Luiz Maranhão Filho, Nestor Veras, Orlando Bonfim e Walter Ribeiro).

Urge retomar as lutas para viabilizar de fato uma COMISSÃO DA VERDADE, que, nos moldes das que já foram criadas na Argentina, no Chile, no Uruguai e em outros países que viveram ditaduras, promova a abertura dos arquivos da ditadura e puna exemplarmente torturadores e assassinos que agiram em prol do regime militar. Somente uma grande mobilização das organizações democráticas e de esquerda será capaz de pressionar o governo para a sua implantação.

Rio de Janeiro, dezembro de 2010.

Comissão Política Nacional do PCB (Partido Comunista Brasileiro)

21/12/2010

Uma reflexão necessária

por Maristela R.Santos Pinheiro
Comitê de Solidariedade a Luta do Povo Palestino - RJ
vivaintifada@gmail.comdez/2010

O povo palestino luta desesperadamente contra a assassina ocupação de seu território histórico há mais de 63 anos. Exibem ao mundo uma firmeza e uma garra própria dos povos que lutam por sua libertação, apesar do absoluto apoio da famosa “comunidade internacional” a Israel, que cumpre o papel estratégico de base militar cuja função é resguardar os interesses imperiais na área, rica em petróleo.
Durante décadas, quando ainda todos acreditavam na possibilidade da solução de dois estados, o espectro político local, que compunha o universo político social palestino, unitariamente defendeu que se cumprisse a resolução 181 da ONU que garantia, como compensação à resolução que criava arbitrariamente o Estado de Israel na Palestina histórica, a “criação” de um estado palestino ao lado dos territórios ocupados em 1948 por Israel.
Durante este período, era uma compreensão comum de que esta agenda poderia ser minimamente garantida, tanto do ponto de vista geográfico/territorial que envolve questões como soberania, independência econômica, militar, viabilidade política, etc., como do limite político possível, naquele momento, dada a correlação de forças que se seguiu a partir de 67. Em 15 de novembro de 1988, o Conselho Nacional Palestino proclamou a Independência do Estado Palestino, nos 22% do território histórico, ou seja nos territórios que compreendem a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Este. Este ato teve o reconhecimento de 126 países.
No entanto, os EUA, UE e a “comunidade internacional” fizeram vistas grossas para essa agenda. Em política, isso tem um significado claro: estava dado o firme apoio imperial para que a formação de dois estados na Palestina histórica não ocorresse, quando era possível. Decorre daí que a ocupação de todo o território, a política de limpeza étnica lenta, gradual, violenta e desumana na Cisjordânia e violentamente dramática em Gaza seguisse seu rumo da pior forma possível, contra todas as convenções e leis do direito público, civil e humano internacionais:
O sionismo estava, como sempre esteve, desde o início da ocupação, de mãos livres para agir dentro da Palestina histórica:
A construção de estradas em toda sua extensão aumenta o poder do exército sionista em todo território, os chekpoints montados nessas estradas – barreiras militares - impedem a livre circulação dos palestinos entre as cidades da Cisjordânia ou entre estas e Gaza, ou nos territórios ocupados em 1948. E são portas de entrada para as ocupações diárias das aldeias, para a cruel e fascista limpeza étnica que acontece em todo território. Em particular, neste momento, Jerusalém e Hebron são alvos prioritários da política que visa limpar o território árabe da presença árabe. Essas cidades sofrem com o esmagamento da cultura milenar árabe e com a destruição de bairros inteiros, como por exemplo a situação de El Bustan, bairro de Jerusalém declarado ilegal, onde vivem milhares de famílias, sob o argumento mitológico/falso de que o rei Davi brincava ali. Em nome dessa insanidade, o Estado expulsa e reprime violentamente a resistência do bairro, vitimando, inclusive crianças, de forma fatal.
As torturas aos presos, a denúncia de tráfico de órgãos, a prisão e assédio das crianças, com objetivo claro de quebrar as resistências dos pais nos Comitês Populares que insistem em protestar e resistir são uma rotina na vida dos palestinos.
Eles não tem direitos, seja social, político, civil, trabalhista ou humano. Para o Estado sionista construído no solo palestino, eles, os árabes não fazem parte da sociedade, não tem acesso nenhum a: saúde, educação, administrar as milionárias doações em dinheiro – administração e guarda fica a cargo de Israel que vai liberando o dinheiro de acordo com seus interesses junto a AP. Ou mesmo decidir sobre os programas das ONGs que necessariamente passam por autoridades assumidamente sionistas que dirigem todo o processo, prejudicando o acesso dos palestinos aos empregos, ou decidindo instalar indústrias extremamente maléficas ao meio ambiente nos campos agricultáveis dos camponeses palestinos. Os 22% do território foram retalhados, como numa colcha de retalhos, e ocupados de tal forma a destruir a organização social e a possibilidade de se conformar nele um país.
Caros amigos e camaradas, amantes solidários dessa dura luta que trava o povo palestino! A situação política e humanitária na Palestina ocupada sob o fuzil de um exército sionista muito bem armado, colonos muito bem armados com metralhadoras, milícias muito bem armadas toma proporções assustadoras, fascistas!
Na Palestina ocupada, o estado judeu, construído pela ONU, recepciona os colonos, estrangeiros judeus que chegam todos os dias no aeroporto, com passaporte, documentos de cidadão israelense, uma casa para morar, construída sob os escombros de um bairro palestino, escola boa e barata para as crianças, emprego no exército e uma boa mesada durante um ou dois anos. Se, por acaso, o imigrante judeu tiver certa idade, já pode entrar na Palestina ocupada requerendo sua aposentadoria. Eles podem conformar milícias armadas e podem andar armados com metralhadoras. Podem também, como acontece em Hebron/Cisjordânia incendiar e atirar contra uma casa palestina, assim se empenham, junto com o exército, na promoção da limpeza étnica e na construção de um Estado Judeu puro. Todos têm o compromisso em reproduzir as condições e a situação política que mantenham e sigam garantindo seus privilégios. Contam com a garantia da impunidade por fazer da vida de cada família palestina um inferno!Quando soube da notícia que o Estado brasileiro havia reconhecido o Estado Palestino desejei imensamente ter uma máquina do tempo. Mas, não existe máquina do tempo, assim como não existe acasos em política.
Busquei avidamente uma resposta para esse gesto tardio do governo Lula. Por que não fez isso há 8 anos atrás? Talvez, talvez ainda fizesse um pouco a diferença. Por que tomou essa atitude, no tempo que está esvaziando a gaveta e quando o que resta para os palestinos são cercas, muros, bloqueios, estradas judias, barreiras militares, colônias judias, exército, milícia e colonos judeus super armados e atirando para matar, e quanto à linha verde, não passa de uma sombra no mapa, um pesadelo diário entre a vida, a morte ou a prisão?
Após algumas pesquisas atrás de respostas, me confrontei com alguns fatos que podem responder as nossas reflexões. (Não precisei ir ao sítio do Wikileaks, as consultas foram feitas no sitio do Itamaraty.)· O Acordo de Livre Comércio (ALC) assinado em Montevidéu, em 18 de dezembro de 2007, é apresentado pelo governo brasileiro como o primeiro acordo do Mercosul com um parceiro extra-regional .
· Em 2008, o crescente intercâmbio bilateral com o Brasil atingiu o patamar histórico de US$1,6 bilhões , mais de três vezes superior ao que era em 2002.
· Durante a visita de Shimon Peres ao Brasil, em novembro de 2009, foram assinados acordos nas áreas de cooperação jurídica, de turismo, de cooperação técnica de co-produção cinematográfica.
· Em julho de 2009 , um Acordo bilateral sobre serviços aéreos entre o Brasil e Israel , entre outras coisas libera o espaço aéreo brasileiro para Israel, veja o parágrafo 2.
“Com submissão às disposições deste Acordo, as empresas aéreas designadas por cada uma das Partes gozarão dos seguintes direitos:
a) sobrevoar o território da outra Parte sem pousar;
b) fazer escalas no território da outra Parte, para fins não comerciais; e
c) fazer escalas em pontos das rotas especificadas no Quadro de Rotas deste Acordo para embarcar ou desembarcar tráfego internacional de passageiros, bagagem, carga ou mala postal, separadamente ou em combinação.”
· Em julho de 2010, a Declaração conjunta da IV Cúpula Brasil-União Européia assinada pelos devidos representantes legais diz o seguinte, no artigo 18:
“Reconheceram os esforços mútuos em prol da paz no Oriente Médio e de uma solução de dois Estados, com dois Estados democráticos, Israel e Palestina, convivendo lado a lado em paz e segurança, e de uma paz abrangente no Oriente Médio, baseada nas Resoluções pertinentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas; os termos de referência da Conferência de Madrid, incluindo terra por paz; o “Mapa do Caminho”; e os acordos previamente alcançados pelas Partes na Iniciativa Árabe para a Paz. Instaram as Partes a se comprometerem sinceramente nas Conversações de Aproximação, com vistas a alcançar esse objetivo e trabalhar para a retomada de negociações bilaterais diretas que levem à resolução da disputa entre as partes em 24 meses.”
· Em março de 2010, o governo brasileiro recebe a Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton e deste encontro sai um interessante “Comunicado conjunto” onde no penúltimo parágrafo as partes se comprometem a:
“Ressaltaram que tanto Brasil quanto Estados Unidos estão comprometidos com abrangente processo de paz entre Israel e seus vizinhos árabes. Compartilham visão de uma região onde dois Estados democráticos e economicamente viáveis, Israel e Palestina, vivem lado a lado, em paz, dentro de fronteiras seguras e reconhecidas.”
Dá para perceber que o imperialismo estadunidense e europeu estão pontuando a questão dos dois estados na agenda das relações internacionais.
Se optarmos por acreditar nas intenções dessas declarações, sem levar em consideração que elas não respondem a realidade diária da cruel ocupação militar sionista em toda parte do território palestino, antes mesmo de agradecer a boa vontade do governo brasileiro, deveríamos agradecer ao imperialismo europeu e americano que estão “estranhamente” defendendo e buscando apoio internacional para essa posição, a de dois estados.
Mas minhas reflexões estão me empurrando para outro cenário, mais duro, mais triste, mais dramático....
Cenário onde os interesses e a agenda de luta do povo palestino não estão sendo levados em consideração nesse gesto do imperialismo, ao contrário, há nele uma perversidade estratégica que tem como um dos seus objetivos obrigar a AP sentar à mesa de negociações aceitando gentilmente as condições de Israel. Mas, obviamente, uma AP renascida e fortalecida na Palestina, pelo apoio internacional.
Por outro, mais ‘nobre’, preocupados com a dinâmica crescente da discussão sobre a legitimidade do “Estado judeu”, a estratégia poderia ser eficiente na medida em que sua viabilidade débil, esquizofrênica, congelaria a situação dos palestinos fragmentados em aldeias e pequenas cidades sitiadas por estradas judias, exército e colônias do Estado judeu, sem uma palavra sobre o retorno dos refugiados, ou Jerusalém capital, sem soberania, sem direito a constituir defesa armada. Ou seja, todos se movimentam e tudo se mantém como está. Nada se altera!
Essa estratégia é, ainda, um bom argumento para mandar os 1,5 milhões de árabes que vivem dentro dos territórios ocupados em 1948, por Israel, para “fora” . Dessa forma, o Estado judeu resolve definitivamente o incomodo declarado, motivo pela qual as instituições judias buscam uma solução, além do que fica, para todos os efeitos, naturalizado o “estado judeu”, somente para os judeus.
Ou ainda, interessa ao imperialismo alimentar retoricamente essa esperança, e manipular os sentimentos de todos que, animados, deixam baixar a guarda para a injusta e criminosa situação que vive o povo palestino. Afinal, qualquer gesto político nesse sentido é desejado como uma saída.
Como efeito colateral da estratégia, os Estados, como o Brasil, Rússia, Índia, China, Uruguai, Argentina, vários países da Europa, etc... lavam suas inocentes mãos e podem continuar aumentando suas relações comerciais com Israel, desta vez, sem culpas e cobranças.
Não, não vou compartilhar dos agradecimentos ao governo brasileiro, nem ao imperialismo americano, nem ao europeu.
Na Palestina já existe um Estado, mas ele é fascista! Ele é racista! Este Estado precisa ser combatido, derrotado, destruído completamente, como foi a Alemanha nazista.
Por uma Palestina livre , laica e soberana para todos.Pelo retorno dos refugiados!Boicote Israel!
Palestina livre!
Viva a Intifada! Resistência até a vitória!
www.vivapalestina.com.br
www.palestinalivre.org

20/12/2010

Grécia: Mobilização maciça na greve geral de 15 de Dezembro

por KKE
No dia 15 de Dezembro verificou-se a 14ª greve geral no espaço de um ano (desde 17/Dez/2009) contra as bárbaras medidas anti-povo do governo social-democrata, com o apoio da UE e do FMI.
A mobilização nesta greve de 24 horas, convocada pela Frente Militante de Todos os Trabalhadores (PAME), abrangeu todas as esferas da vida económica e social do país: Produção suspensa nas fábricas, transportes públicos parados, aeroportos e portos que cessaram de funcionar, escolas e universidades fechadas e hospitais a trabalharem só nas emergências.
Milhares de comunistas, membros do KKE e da KNE, juntamente com outros militantes, estavam na linhas de piquete desde o amanhecer de 15 de Dezembro a defenderem a greve nos portões das fábricas, nas rampas dos navios e em todo o local de trabalho onde fosse necessário.
Em 15/Dez o PAME organizou manifestações em 63 cidades, nas quais participou a grande maioria dos trabalhadores grevistas, mostrando deste modo que cada vez mais trabalhadores estão a virar as costas às lideranças sindicais comprometidas das federações no sector público e privado (GSEE e ADEDY), as quais participaram tanto abertamente como em segredo nos diálogos sociais que decidiram estas medidas selvagens contra ostrabalhadores.
Os auto-empregados e os agricultores pobres e médios manifestaram-se junto com os trabalhadores e empregados, enquanto era evidente por toda a parte a maciça participação da juventude (estudantes e trabalhadores) nas mobilizações da greve.
Nas vésperas da greve nacional
Deve-se notar que nas vésperas da greve a maioria governamental aprovou no Parlamento legislação que aboliu acordos de negociação colectiva, cortou salários, aumentou a tributação indirecta para os estratos populares e reduziu a tributação sobre o grande capital.
Especificamente a legislação estabelece:
A redução geral de salários (de 10 a 25%) de trabalhadores nas antigas indústrias estatais e nas companhias de serviços públicos
Abolição de acordos de negociação colectiva a nível de indústria no sector privado e sua substituição por "acordos especiais a nível de companhia", sem quaisquer restrições e com cortes nos salários acima de 30 e 40%
Generalização de demissões, todas as formas de relações de trabalho flexíveis (emprego em tempo parcial, emprego por rotação, despedimentos colectivos temporários, etc), mudanças drásticas em turnos, férias, licenças, bónus ficarão ao arbítrio do patronato.
A redução de horas extras em 10%
O período de experiência para um novo empregado será aumentado de 2 meses para 12 meses, de modo a que os empregadores possam empregar trabalho barato através desta forma de "reciclagem"
O aviso prévio para demissão é reduzido a um mês
Alívio fiscal maciço para o capital
O KKE combateu no parlamento esta legislação anti-povo, ao mesmo tempo que os comunistas e as forças sindicais com orientação de classe que estão reunidas no PAME desempenharam um papel importante nas greves em uma série de sectores, os quais tem avançado desde o princípio da semana.
Na terça-feira 14/Dez, foi efectuada uma reunião entre a secretária-geral do CC do KK, Aleka Papariga, com o primeiro-ministro do país, G. Papandreu, a pedido deste último. "Não houve consenso com nada. Nossa avaliação é que a guerra real está a começar agora". Isto é uma posição clara e não negociável do KKE em relação às políticas do governo e dos seus aliados e também em relação às tentativas de promover um clima de consenso em relação ao extermínio do povo. Foi o que reiterou a secretária-geral do CC do Partido, nas declarações imediatamente após a reunião, a qual fora solicitada pelo primeiro-ministro para tratar das questões que serão discutidas na próxima cimeira da UE.
No comício em Atenas
Dezenas de milhares de trabalhadores e jovens participaram na manifestação de massa organizada pelo PAME na Praça Omonoia, no centro da cidade. Dali seguiu-se uma marcha maciça através das ruas de Atenas que passou pelo Parlamento na Praça da Constituição.
No entanto, os media internacional mais uma vez concentraram-se sobre os incidentes isolados dos mecanismo de provocação da polícia e não sobre as centenas de milhares de trabalhadores que se manifestaram em dúzias de cidades gregas.
Aleka Papariga, chefe da delegação do KKE que participou no comício central do PAME em Atenas e na marcha maciça que se seguiu, fez as seguintes declarações aos jornalistas: "Não ao consentimento. Não ao cessar fogo. Medidas secretas e oficiais foram programadas para serem executadas até 2014.
"Ou o povo será levado à bancarrota ou o sistema político, nós combateremos contra isso, lutaremos e finalmente os derrubaremos. Não há outra opção. Vinte anos atrás os trabalhadores podiam obter algumas vitórias através das suas lutas, mas hoje precisamos de mudança radical e só o povo pode produzi-la".
Pontos básicos do principal discurso do comício
O orador central do comício, Giorgios Perros, membro do secretariado do PAME, saudou em nome do PAME, PASEBE, PASY, MAS e OGE os milhares de trabalhadores, jovens, desempregados, empregados, auto-empregados, que hoje unem os seus punhos, a sua força, a sua luta conjunta e também a sua necessidade de reforçar a luta contra o inimigo comum – o governo, os monopólios, seus representantes políticos, a UE, os quais em conjunto de um modo unificado golpeiam a vida da nossa classe e que também arruínam os auto-empregados e liquidam os agricultores pobres.
E acrescentou: "A responsabilidade do movimento orientado de classe aumenta dia a dia. As grandes lutas, os conflitos duros com as transnacionais estão diante de nó. Nós nos prepararemos e cumpriremos.
Ninguém deve assentir e aceitar as novas medidas bárbaras que condenam a nós e aos nossos filhos à pobreza, desemprego, insegurança. Ninguém deve acreditar mais nas mentiras e na chantagem do governo PASOK e ND. O novo crime anti-trabalhadores que ataca salários e direitos trabalhistas não tem relação com o défice a dívida.
Eles condenam famílias da classe trabalhadora à pobreza de modo a que os grandes homens de negócios que ontem fizeram uma fortuna façam agora ainda mais lucros.
O comício e a greve de hoje são especialmente importantes. Eles não são apenas mais uma greve e manifestação.
Eles são especiais não só por causa da sua dimensão e militância
Eles são especiais não só porque exprimem a rejeição total e a condenação destas medidas bárbaras e opressivas do governo, da associação de industriais e da Troika. Nós o rejeitamos e devolvemos ao governo, ao primeiro-ministro, seus ministros, os deputados do governo e também os do ND e LAOS com as suas falsas e hipócritas lágrimas quanto aos tormentos dos trabalhadores. Eles não estão simplesmente a atacar direitos mas a salvaguardar e fortalecer a ditadura dos monopólios.
Eles são especiais, porque este comício, esta greve, pode tornar-se o ponto de partida para desenvolvimentos e mudanças no movimento trabalhista e sindical.
Apelamos a que concordem com uma linha unificada de luta:
1) Devemos resistir em toda fábrica e empresa contra contratos a nível de companhia ditados pelos empregadores
2) Devemos criar em toda fábrica e vizinhança um movimento de solidariedade
3) Assumamos hoje a responsabilidade para que a luta pelos sindicatos adquira um carácter de massa.
Apelamos a que concordem sobre uma questão crucial para o futuro do movimento e das lutas.
Fortalecimento do PAME por toda a parte:
Devemos mudar e reverter a correlação de forças
Isso tem de ser algo que preocupe todos nós
Devemos livrar o movimento sindical do veneno do governo e do sindicalismo a reboque do patronato.
Neste ponto do discurso Giorgios Perros sublinhou que:
É uma mentir que a redução drástica dos salários já inaceitáveis, o esmagamento dos nossos direitos trabalhistas, estejam a ser executados a fim de impedir demissões e tratar do desemprego. A verdade é que o desemprego aumentará e trabalhadores serão demitidos sob este regime de trabalho sem direitos e salários de fome. A crise capitalista, a competição capitalista e o fortalecimento dos monopólios dão origem ao desemprego e aumentam-no. Ninguém deve esperar um salvar de parte alguma.
A mensagem de desobediência e desafio não se restringe ao nosso país. Ela tem percorrido a Europa. Ela ajudou e contribuiu para a organização de lutas, para o contra-ataque contra as políticas anti-povo. De modo a que novas forças possam ser libertadas das engrenagens do governo e do sindicalismo ao serviço do patronato, dos partidos da plutocracia e da rua de mão única da UE.
Tem-se tornado cada vez mais claro que dois mundos estão a participar neste conflito, duas estratégias. Por um lado o mundo dos monopólios, com todos os seus sustentáculos, e por outro o mundo do trabalho, com os seus sindicatos, o movimento com orientação de classe, com solidariedade, com o espírito de auto-sacrifício que as luta de classe exige.
Não tenhamos ilusões. Naturalmente a política anti-povo não foi derrubada. Temos um grande benefício que é bastante significativo e devemos utilizá-lo. Está a ser formada uma corrente de forças que tem um melhor entendimento do que em qualquer outra época da espécie de movimento que é necessária, e que um movimento com as características que desejamos não se desenvolve sem obstáculos. A necessidade de uma confrontação em plena escala com o patronato e o sindicalismo pró-governamental e uma mudança no equilíbrio de forças é melhor compreendida. Assim como a necessidade de afastar os partidos da plutocracia, e aqueles que pretendem branquear as políticas da UE...
Não deve haver a ilusão de que uma greve seja suficiente para responder à destruição da vida da classe trabalhadora. A luta é difícil e exige muito esforços, sacrifício, paciência, boa preparação, planeamento, controle, actividade e trabalho de propaganda. Precisamos de forças bem preparadas e determinadas para impor rupturas na correlação de forças.
Nenhum compromisso ou recuo face às dificuldades, eles devem ser lidados e ultrapassados através da actividade.
Não basta condenar as políticas anti-povo. Os resultados das mobilizações e greves não podem ser julgados em um dia. As greves e manifestações continuarão depois de a legislação ser votada. Elas devem ser uma etapa de preparação para a classe trabalhadora, os auto-empregados, os agricultores pobres, efectuarem um contra-ataque em escala total.
Existem hoje as pré-condições objectivas para uma outra forma de organização da nossa sociedade a qual terá como característica básica a decisão dos trabalhadores e dos estratos populares para transformar a propriedade dos monopólios em propriedade social popular. Energia, telecomunicações, transportes, riqueza mineral, indústrias manufactureiras, a terra e outras ferramentas do desenvolvimento devem tornar-se propriedade do povo.
Isto deve ser desenvolvimento de um modo científico, através do planeamento central, levando em conta as necessidades das várias indústrias e regiões. O controle social dos trabalhadores será salvaguardado neste caminho de desenvolvimento e o nosso país deixará a UE e a NATO. Só então o povo viverá bem.
Não podemos dar um passo atrás. Não temos medo da plutocracia. Temos fé na classe trabalhadora. Estamos certos de que a classe trabalhadora marchará em frente a passos firme, fortalecerá o movimento com orientação de classe e libertar-se-á dos parasitas da plutocracia, dos seus representantes políticos e sindicais.
Mudanças radicais estão na ordem do dia. O poder nas mãos do povo e a organização da economia tendo como critério a satisfação das necessidades do povo. A violência dos monopólios deve e pode ser derrotada.
16/Dezembro/2010
O original encontra-se em http://inter.kke.gr/News/2010news/2010-12-16-strike
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

19/12/2010

DECLARAÇÃO DE TSHWANE

O 12º Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários teve lugar em Tshwane, África do Sul, de 3 a 5 de Dezembro sob o lema «O aprofundamento da crise sistêmica do capitalismo. As tarefas dos comunistas em defesa da soberania, do aprofundamento das alianças sociais, o fortalecimento da frente antiimperialista na luta pela paz, pelo progresso e pelo Socialismo».

102 delegados em representação de 51 partidos participantes de 43 países e de todos os continentes do mundo reuniram-se para avançar o trabalho das nossas reuniões prévias, e para promover e desenvolver uma ação comum e convergente à volta de uma perspectiva comum.

O APROFUNDAMENTO DA CRISE CAPITALISTA

A situação internacional continua a ser dominada pela persistência e desenvolvimento do capitalismo. Esta realidade vem confirmar as análises esboçadas nas Declarações dos nossos encontros internacionais de 10 e 11 em S. Paulo e Nova Deli. A atual crise do capitalismo põe em relevo as suas limitações históricas e a necessidade do seu derrube revolucionário. Mostra a intensificação das contradições básicas do capitalismo que existem entre o caráter social da produção e a sua apropriação privada capitalista.

A crise é sistêmica – apesar das ilusões capitalistas em contrário antes de 2008, o capitalismo não pode escapar à sua tendência sistêmica interna de atravessar ciclos de desenvolvimento e de estagnação. A atual crise global é uma manifestação particularmente severo de um debilitamento capitalista provocada pela superprodução capitalista. Agora, tal como no passado, não há saída, dentro da lógica do capitalismo, para estas crises periódicas para além da própria crise, marcada pela massiva e socialmente irracional destruição de bens – incluindo despedimentos massivos, encerramento de fábricas e o ataque sistemático aos salários, às pensões, à segurança social e à erosão do sustento do povo. Esta é a razão pela qual, nos nossos anteriores encontros, afirmamos corretamente que a atual crise não era apenas atribuível a erros subjetivos, à avareza dos banqueiros ou a especuladores financeiros. Continua a tratar-se de uma crise marcada pelos traços sistêmicos do próprio capitalismo.

A persistente crise acentua-se por significativas alterações na correlação internacional de forças. De forma particular, está em curso uma queda relativa da hegemonia econômica dos EUA, uma estagnação geral da produção nas economias capitalistas mais avançadas, e a emergência de novos poderes econômicos, nomeadamente da China. A crise intensificou a concorrência entre os centros imperialistas e também entre os poderes estabelecidos e os emergentes. Isto inclui a guerra das divisas dirigida pelos EUA, a concentração e centralização do poder econômico e político nos EUA que aprofunda o seu caráter de bloco imperialista dirigido pelos seus poderes capitalistas, uma agudização da confrontação inter-imperialista pelos mercados e o acesso a matérias-primas, a expansão do militarismo, incluindo alianças agressivas (por exemplo a Cimeira da NATO em Lisboa com a sua «nova» e perigosa concepção estratégica), a profusão de pontos de tensão e agressão localizados (particularmente no Médio oriente, na Ásia e em África), golpes de estado na América Latina, a intensificação das tendências neo-imperialistas de avivar os conflitos étnicos e o aumento da militarização através, entre outras coisas, do AFRICOM.

Simultaneamente, tornou-se claro que a trajetória do capitalismo com a sua maximização de lucros, a irrefletida destruição dos recursos naturais e do ambiente em geral representa um sério perigo para a sustentabilidade da própria civilização humana. As elites políticas dos estados capitalistas dominantes com as suas propostas de «tecnologias verdes» e transação de níveis de emissão de CO2 no melhor dos casos representam ajustamentos que aumentam os lucros do capital ao mesmo tempo em que aumentam a mercantilização da natureza, e transferem o custo da crise da mudança climática para nações menos desenvolvidas. A crise do sistema capitalista que enfrentamos como gênero humano está diretamente ligada à incapacidade do capitalismo se reproduzir salvo com uma voraz procura da acumulação. É uma crise que só pode superar-se com a abolição do próprio capitalismo.

Confrontado com estas realidades, o capitalismo tem de defender-se em todo o lado, procurando preservar os seus lucros e transferir o peso da crise para a classe operária através da intensificação da exploração baseada no gênero e na idade, nos pobres da cidade e do campo, e numa ampla variedade de camadas médias. A exploração intensifica-se, o Estado é usado para resgatar os banqueiros privados e sociedades financeiras enquanto expõe as gerações futuras a níveis insustentáveis da dívida, e redobra os esforços para reduzir as conquistas sociais.

Em todo o mundo capitalista são abolidos os direitos laborais, sociais, econômicos, políticos e de segurança social. Ao mesmo tempo, os sistemas políticos tornam-se mais reacionárias, restringem as liberdades democráticas e civis, especialmente os direitos sindicais. As reduções, incluindo os enormes cortes no sector público, estão a ter um impacte devastador nos trabalhadores, particularmente nas mulheres trabalhadoras. Há também tentativas de desviar o descontentamento e a insegurança popular para a demagogia reacionária, o racismo e a xenofobia, bem como a legitimação de forças fascistas. Estas são expressões de tendências antidemocráticas e autoritárias marcadas, também, por uma escalada dos ataques e campanhas anticomunistas em muitos países do mundo. Em África, Ásia e América Latina constatamos a imposição aos nossos povos de novos mecanismos de opressão nacional e classista, por meios econômicos, financeiros, políticos e militares e ainda o desenvolvimento de um exército de ONG’s pró imperialistas.

No entanto, para as massas populares, particularmente de África, +Ásia e América Latina, é importante recordar que já antes da atual crise econômica global a vida em capitalismo era uma crise permanente, uma luta diária pela simples sobrevivência. Inclusive antes da atual crise global, mil milhões de pessoas viviam em pocilgas sórdidas, e metade da população mundial sobrevivia com menos de dois dólares por dia. Com a crise estas realidades agravaram-se massivamente.

A maior parte destes pobres urbanos e rurais, juntamente com familiares que trabalham como emigrantes vulneráveis em países estrangeiros são as vítimas marginalizadas do desenvolvimento agrário capitalista acelerado em curso em África, Ásia e América Latina. O capitalismo global, encabeçado pelas maiores corporações do sector agro-industrial, declarou guerra a quase metade da humanidade. – três mil milhões de camponeses que vivem em África, Ásia e América Latina.

Ao mesmo tempo estabelecem-se barreiras inumanas contra os imigrantes e refugiados. Há um sempre crescente aumento de bairros urbanos degradados e meios humanos povoados por desesperadas massas marginalizadas envolvidas numa variedade de atividades de sobrevivência. A acelerada transformação agrária capitalista em países com um nível mais baixo de desenvolvimento capitalista tem consequências genocidas.

A IMPORTÂNCIA DAS LUTAS DE RESISTÊNCIA DA CLASSE TRABALHADORA E DAS FORÇAS POPULARES

Em todo o mundo, as tentativas de fazer cair o peso da crise sobre os trabalhadores e os pobres enfrentam a resistência popular e da classe trabalhadora.

Nos últimos anos o assalto antipopular contra os direitos laborais, a segurança social e os salários provocaram uma escalada das lutas populares, particularmente na Europa.

A agressão imperialista no Médio Oriente, na Ásia e na América Latina continua a enfrentar a decidida resistência popular.

Em África e na América Latina as forças anti-imperialistas, os sindicatos e os movimentos sociais multiplicaram as suas lutas pelos direitos populares e contra o saque das multinacionais. Em alguns casos, estas lutas levaram à emergência de governos progressistas, governos patrióticos populares que se assumem programaticamente pela soberania nacional, os direitos sociais, o desenvolvimento e pela proteção dos seus recursos e a biodiversidade nacionais, dando um novo e renovado impulso à luta anti-imperialista.

Na atual realidade, é um imperativo histórico que os Partidos Comunistas e Operários participem no fortalecimento e transformação destas batalhas defensivas populares em lutas ofensivas pela aquisição de direitos operários e populares mais amplos e a abolição do capitalismo.

Ao avançar com esta agenda estratégica, os comunistas põem o acento tônico na importância que têm a organização da classe trabalhadora, o desenvolvimento das lutas do movimento operário numa direção de classe, na luta pela conquista do poder político para os trabalhadores e os seus aliados.

No âmbito desta luta damos particular importância:

• À defesa, consolidação e avanço da soberania nacional popular;
• Ao aprofundamento das alianças sociais;
• Ao fortalecimento da frente antiimperialista pela paz, o direito a um trabalho estável e a tempo inteiro, a direitos laborais e sociais tais como a educação e a saúde gratuitas.

A DEFESA, CONSOLIDAÇÃO E AVANÇO DA SOBERANIA POPULAR

Perante a intensificação da agressão do capital transnacional, a luta contra a ocupação imperialista de países, contra a dependência econômica e política e para a defesa da soberania popular é cada vez mais relevante. Nestas lutas é importante que os comunistas integrem estas lutas com a luta para a emancipação social e de classe.

Ao lutarem contra o imperialismo, os comunistas lutam por relações internacionais equitativas entre os estados e os povos, na base do benefício mútuo.

A defesa, consolidação e avanço da soberania popular são de importância particular para África e para os outros povos que sofreram décadas e mesmo séculos de opressão colonial e semi-colonial. 2010 marca o 50º aniversário do começo formal da descolonização em África. Mais, por todo o lado incluindo na diáspora africana, o cruel legado do tráfico de escravos, do despojo e da rapina coloniais persiste. Apesar de 50 anos de descolonização formal, por todo o lado se reforça a intervenção imperialista, a dominação dos monopólios, o que acontece com a ajuda do capital doméstico. A luta contra eles exige o protagonismo e a unidade ativa das massas populares, e o ampliar dos direitos democráticos populares.

APROFUNDAR AS ALIANÇAS DE CLASSE

A persistência da crise do capitalismo e a sua anti-civilizacional defesa estão a criar as condições para a construção de amplas alianças sociais, anti-monopólio e anti-imperialistas capazes de ganhar o poder e promover mudanças profundas, progressistas, radicais e revolucionárias.

A unidade da classe trabalhadora é um fato fundamental para assegurara construção de alianças sociais efetiva com o campesinato, a massa dos pobres urbanos e rurais, as camadas médias e os intelectuais. É necessário dar particular atenção às aspirações e desafios com que defronta a juventude.

A questão da terra, a reforma agrária e o desenvolvimento rural são questões importantes para o desenvolvimento da luta popular em países menos desenvolvidos. Estas questões estão inextricavelmente ligadas à soberania e à segurança alimentar, habitação sustentável, defesa da biodiversidade, proteção dos recursos naturais, e á luta contra os monopólios agro-industriais e os seus agentes locais.

Nestas lutas, as aspirações legítimas e progressistas dos povos indígenas em defesa das suas culturas, línguas e ambientes têm um papel importante.

O PAPEL DOS COMUNISTAS NO FORTALECIMENTO DA FRENTE ANTI-IMPERIALISTA PELA PAZ, A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL, O PROGRESSO E O SOCIALISMO

A crise do imperialismo e a sua contra-ofensiva levam ao desenvolvimento e á diversificação das forças que assumem objetivamente uma posição patriótica e anti-imperialista. Em todo o mundo, nas diversas realidades nacionais, os comunistas têm a responsabilidade de alargar e reforçar a frente política e anti-imperialista, as lutas pela paz, a sustentabilidade ambiental, o progresso, e de os integrar no combate pelo socialismo. O papel independente dos comunistas e o fortalecimento dos Partidos Comunistas e Operários é essencial para assegurar uma perspectiva anti-imperialista coerente de movimentos e frentes mais amplas.

Deve dar-se uma atenção especial à relação existente entre as várias lutas de resistência e a ofensiva ideológica necessária à visibilidade da alternativa socialista e à defesa e desenvolvimento do socialismo científico. A luta ideológica do movimento comunista é de essencial importância para repelir o anticomunismo contemporâneo, para confrontar a ideologia burguesa, as teorias anticientíficas e as correntes oportunistas que rejeitam a luta de classes, e para combater o papel das forças sociais-democratas que defendem e aplicam políticas antipopulares e pró-imperialistas, apoiando a estratégia do capital. Temos um papel chave na definição das armadilhas teóricas e sobretudo práticas entre os diferentes cenários da luta popular no desenvolvimento da solidariedade de classe internacionalista.

Vivemos uma época histórica onde a transição do capitalismo ao socialismo se tornou um imperativo da civilização. A crise do capitalismo ressalta uma vez mais a natureza inseparável das tarefas de libertação nacional e social e da emancipação nacional e de classe.

Face ao aprofundamento da crise capitalista, a experiência da construção socialista demonstra as condições de superioridade do socialismo.

O fortalecimento da cooperação entre os Partidos Comunistas e Operários e fortalecimento da frente anti-imperialista devem caminhar lado a lado.

Nós, Partidos Comunistas e Operários reunidos em Tshwane, numa situação marcada pela arremetida contra os trabalhadores e as forças populares, mas também com muitas possibilidades para o desenvolvimento da luta, expressamos a nossa profunda solidariedade para com os trabalhadores e os povos nas suas intensas lutas, reiterando a nossa determinação de atuar e lutar lado a lado com as massas trabalhadoras, jovens, mulheres e todos os sectores populares que são vítimas da exploração e opressão capitalistas.

Reafirmamos o nosso apelo ao mais amplo leque de forças populares para que se una a nós na luta comum pelo socialismo que é a única alternativa para o futuro da humanidade.

Salientamos as seguintes e vias principais para o desenvolvimento das nossas ações conjuntas e convergentes:

1. Com o aprofundamento da crise, centralizar-nos-emos no desenvolvimento das lutas operárias e populares pelos direitos laborais e sociais, o fortalecimento do movimento sindical e a sua orientação de classe; a promoção de uma aliança social com os camponeses e outras camadas populares. Daremos atenção especial aos problemas das mulheres e dos jovens que se encontram entre as primeiras vítimas da crise capitalista

2. Face á múltipla agressão imperialista e à agudização das rivalidades inter-imperialistas, intensificaremos a luta anti-imperialista pela paz, contra as guerras imperialistas e a ocupação, contra a perigosa «nova» estratégia e as bases militares estrangeiras da NATO, pela abolição de todas as armas nucleares. Alargaremos uma ativa solidariedade internacionalista com todos os povos e movimentos que enfrentam e resistem à opressão, ameaças e agressão imperialistas.

3. Lutaremos resolutamente contra o anticomunismo, as leis, medidas e perseguição anticomunistas, agiremos judicialmente pela legalização dos PCs onde estes estejam ilegalizados. Defenderemos a história do movimento comunista e a contribuição do socialismo no avanço da civilização humana.

4. Afirmaremos a nossa solidariedade com as forças e povos que iniciaram e lutam pela construção do socialista. Reafirmamos a nossa solidariedade com o povo cubano e a sua revolução socialista, continuaremos a opor-nos vigorosamente ao bloqueio e a apoiar a campanha internacional pela liberdade dos Cinco Cubanos.

5. Contribuiremos, no contexto específico das nossas realidades nacionais a reforçar as organizações anti-imperialistas de massas como a FMS, CMP, FMJD, FDIM. Particularmente damos as boas-vindas e saudamos o 17º Festival Mundial das Juventudes Democráticas que terá lugar na África do Sul de 13 a 21 de Dezembro de 2010.


Tradução de odiario.info a partir do texto oficial.


16/12/2010

Declínio e queda do império americano: Quatro cenários para o fim do século americano em 2025

por Alfred W. McCoy [*]
Uma aterragem suave para a América daqui a 40 anos? É melhor não apostar. O desaparecimento dos Estados Unidos, enquanto superpotência global, pode chegar muito mais depressa do que se imagina. Se Washington está convencido que o fim do Século Americano será lá para 2040 ou 2050, uma avaliação mais realista das tendências internas e globais sugere que em 2025, apenas daqui a 15 anos, pode estar tudo acabado excepto a gritaria. Apesar da aura de omnipotência que a maior parte dos impérios projecta, uma olhadela para a sua história devia lembrar-nos que eles são organismos frágeis. A sua ecologia de poder é tão frágil que, quando as coisas começam a correr mesmo mal, os impérios normalmente esboroam-se com uma rapidez impiedosa: um ano apenas para Portugal, dois anos para a União Soviética, oito anos para a França, 11 anos para os otomanos, 17 anos para a Grã-Bretanha e, com toda a probabilidade, 22 anos para os Estados Unidos, a contar do ano crucial de 2003. Os futuros historiadores identificarão provavelmente a imprudente invasão do Iraque da administração Bush nesse ano como o início da queda da América. Mas, ao contrário do banho de sangue que marcou o fim de tantos impérios do passado, com cidades a arder e massacres de civis, este colapso imperial do século vinte e um pode ocorrer de modo relativamente calmo através dos rebentos invisíveis do colapso económico ou da guerra cibernética. Mas não tenham dúvidas: quando finalmente acabar o domínio global de Washington, todos os dias haverá recordações dolorosas do que tal perda de poder significa para os americanos qualquer que seja o seu estilo de vida. Como meia dúzia de países europeus descobriram, o declínio imperialista tende a ter um impacto bastante desmoralizante numa sociedade, impondo pelo menos uma geração de privações económicas. À medida que a economia arrefece, a temperatura política sobe, estimulando frequentemente uma grave turbulência interna. Os dados económicos, educativos e militares indicam que, no que se refere ao poder global dos EUA, as tendências negativas convergirão rapidamente em 2020 e provavelmente atingirão uma massa crítica por volta de 2030. O Século Americano, tão triunfalmente proclamado no início da II Guerra Mundial, estará esfarrapado e moribundo em 2025, na sua oitava década, e pode pertencer ao passado em 2030. Significativamente, em 2008, o National Intelligence Council dos EUA reconheceu pela primeira vez que o poder global da América estava de facto numa trajectória de declínio. Num dos seus relatórios futuristas periódicos, Global Trends 2025, o Conselho citava "a transferência da riqueza e do poder económico globais actualmente em curso, grosso modo do ocidente para o oriente" e "sem precedentes na história moderna", como o principal factor no declínio da "força relativa dos Estados Unidos – mesmo na área militar". Mas, tal como muita gente em Washington, os analistas do Conselho previam uma aterragem muito prolongada e muito suave para o predomínio americano global e albergavam a esperança de que, de certa forma, os EUA iriam "manter competências militares únicas… para projectar globalmente o poder militar" durante as próximas décadas. Não vão ter essa sorte. Segundo as actuais projecções, os Estados Unidos vão encontrar-se em segundo lugar, atrás da China (já a segunda maior economia do mundo) em produtividade económica por volta de 2026, e atrás da Índia em 2050. Do mesmo modo, a inovação chinesa está numa trajectória para a liderança mundial em ciências aplicadas e em tecnologia militar algures entre 2020 e 2030, na altura em que o actual suprimento de brilhantes cientistas e engenheiros da América se reformarem, sem uma substituição adequada por uma geração mais nova com deficiente instrução. Em 2020, segundo os planos actuais, o Pentágono jogará uma última cartada para um império moribundo. Lançará uma tripla cobertura letal de modernas armas aeroespaciais robóticas como a última esperança de Washington para manter o poder global apesar da redução da sua influência económica. Mas nesse ano, a rede global chinesa de satélites de comunicações, apoiada pelos super-computadores mais poderosos do mundo, também estará plenamente operacional, fornecendo a Beijing uma plataforma independente para o armamento do espaço e um poderoso sistema de comunicações para ataques de mísseis ou cibernéticos em todos os quadrantes do globo. Embrulhada numa arrogância imperial, tal como Whitehall ou o Quai d'Orsay antes dela, a Casa Branca parece imaginar ainda que o declínio americano será gradual, suave e parcial. No discurso sobre o Estado da Nação em Janeiro passado, o presidente Obama voltou a garantir que "eu não aceito um segundo lugar para os Estados Unidos da América". Dias depois, o vice-presidente Biden ridicularizou a ideia de que "estamos destinados a cumprir a profecia [do historiador Paul] de Kennedy de que vamos ser uma grande nação que falhou porque perdemos o controlo da nossa economia e exagerámos". Do mesmo modo, ao escrever na edição de Novembro da revista institucional Foreign Affairs, o guru da política neoliberal Joseph Nye afastou qualquer conversa sobre o crescimento económico e militar da China, desdenhando "metáforas enganadoras de declínio orgânico" e negando que estivesse em marcha qualquer deterioração do poder global dos EUA. Os americanos vulgares, que vêem os seus empregos a fugir para além-mar, têm uma perspectiva mais realista do que os seus lideres mimados. Uma sondagem de opinião de Agosto de 2010 chegou à conclusão de que 65% dos americanos estão convencidos de que o país já se encontra "numa situação de declínio". A Austrália e a Turquia, tradicionais aliados militares dos EUA, já estão a usar as suas armas fabricadas por americanos em manobras aéreas e navais conjuntas com a China. Os parceiros económicos mais próximos da América já estão a distanciar-se de Washington quanto à oposição às taxas de câmbio da China. Quando o presidente regressou da sua visita à Ásia no mês passado, um cabeçalho tristonho do New York Times resumia a situação desta maneira: "A visão económica de Obama é rejeitada no palco mundial, a China, a Grã-Bretanha e a Alemanha desafiam os EUA, Conversações comerciais com Seul também falham". Vista numa perspectiva histórica, a questão não é se os Estados Unidos vão perder o seu incontestado poder global, mas qual o grau de rapidez e de violência que o declínio terá. Em vez do pensamento desejoso de Washington, vamos utilizar a própria metodologia futurista do National Intelligence Council para sugerir quatro cenários realistas para ver como o poder global dos EUA pode chegar ao fim nos anos 20, seja com um golpe ou com um gemido (acompanhados de quatro análises correspondentes da situação actual). Os cenários futuros incluem: declínio económico, choque petrolífero, desventuras militares e III Guerra Mundial. Embora estas não sejam as únicas possibilidades no que se refere ao declínio americano ou mesmo ao seu colapso, constituem uma visão sobre um futuro próximo.
Declínio económico: Situação actual
Existem presentemente três ameaças principais para a posição dominante da América na economia global: perda de peso económico graças à quota minguante do comércio mundial, declínio da inovação tecnológica americana e fim da situação privilegiada do dólar enquanto divisa de reserva global. Em 2008, os Estados Unidos já tinham descido para o número três nas exportações globais de mercadorias, com apenas 11% em comparação com 12% para a China e 16% para a União Europeia. Não há nenhuma razão para crer que esta tendência se vá inverter. A liderança americana na inovação tecnológica também está em decadência. Em 2008, os EUA ainda eram o número dois a seguir ao Japão nos pedidos de patentes mundiais com 232 mil, mas a China estava a aproximar-se rapidamente com 195 mil, graças a um aumento fulgurante de 400% desde 2000. Um arauto de maior declínio: em 2009 os EUA atingiram o último lugar na classificação entre os 40 países analisados pela Information Technology & Innovation Foundation no que se refere a "mudança" em "competitividade global com base na inovação" durante a década anterior. A dar mais peso a estas estatísticas, o Ministério da Defesa da China divulgou em Outubro o super-computador mais rápido do mundo, o Tianhe-1A, tão poderoso, disse um especialista dos EUA, que "estoira com a actual máquina nº 1" na América. Acrescentem a isto a clara evidência de que o sistema educativo dos EUA, a fonte dos futuros cientistas e inovadores, tem vindo a ficar para trás em relação aos seus competidores. Depois de liderar o mundo durante décadas, no que se refere a gente entre os 25 e os 34 anos de idade com graus universitários, o país mergulhou para 12º lugar em 2010. O Fórum Económico Mundial classificou os Estados Unidos com um medíocre 52º lugar entre 139 países quanto à qualidade do ensino universitário de matemática e ciências em 2010. Actualmente, quase metade de todos os estudantes formados em ciências nos EUA são estrangeiros, a maioria dos quais regressará aos seus países, em vez de se manter aqui como acontecia anteriormente. Por outras palavras, em 2025, os Estados Unidos enfrentarão provavelmente uma escassez crítica de cientistas talentosos. Estas tendências negativas estão a estimular críticas cada vez mais duras ao papel do dólar como divisa de reserva mundial. "Os outros países já não estão dispostos a comprar a ideia de que os EUA sabem o que é o melhor em política económica", observou Kenneth S. Rogoff, um antigo economista de topo do Fundo Monetário Internacional. Em meados de 2009, quando os bancos centrais mundiais detinham um valor astronómico de 4 milhões de milhões de dólares em notas do Tesouro americano, o presidente russo Dimitri Medvedev insistia que era tempo de acabar com "o sistema unipolar mantido artificialmente" baseado "numa divisa de reserva que antigamente era forte". Simultaneamente, o governador do banco central da China sugeria que o futuro poderá assentar numa divisa de reserva global "desligada de países individuais" (ou seja, o dólar dos EUA). Considerem isto como indicadores de um mundo futuro, e duma possível tentativa, conforme referiu o economista Michael Hudson, "para acelerar a falência da ordem mundial financeiro-militar dos Estados Unidos".
Declínio económico: Cenário 2020
Em 2020, depois de anos de gordos défices alimentados por intermináveis guerras em países distantes, e conforme esperado há muito, o dólar dos EUA perde finalmente o seu estatuto especial como divisa de reserva mundial. Subitamente, o custo das importações dispara. Impossibilitado de pagar os défices enormes através da venda ao estrangeiro das notas do Tesouro agora desvalorizadas, Washington é finalmente forçado a reduzir o seu inchado orçamento militar. Debaixo da pressão interna e externa, Washington faz regressar lentamente as forças americanas das centenas de bases ultramarinas para um perímetro continental. Mas agora já é tarde demais. Confrontados com uma superpotência moribunda incapaz de pagar as contas, a China, a Índia, o Irão, a Rússia e outras potências, grandes e regionais, desafiam provocadoramente o domínio dos EUA sobre os oceanos, o espaço e o ciber-espaço. Entretanto, no meio de preços altos, de um desemprego sempre crescente e de uma queda continuada dos salários reais, as divisões internas resultam em choques violentos e debates fracturantes, muitas vezes sobre questões totalmente irrelevantes. Na crista de uma onda política de desilusão e desespero, um patriota da extrema-direita conquista a presidência com retórica retumbante, exigindo respeito para com a autoridade americana e ameaçando retaliação militar ou represálias económicas. O mundo não liga nenhuma quando o Século Americano termina em silêncio. Choque petrolífero: Situação actual Uma consequência do poder económico moribundo da América tem sido a sua dificuldade nos abastecimentos globais de petróleo. Ultrapassando a economia ávida de gasolina da América, a China passou a ser o maior consumidor de energia este Verão, uma posição que os EUA mantiveram durante mais de um século. O especialista em energia Michael Klare argumenta que esta mudança significa que a China vai "assumir o comando na definição do nosso futuro global". Em 2025, o Irão e a Rússia vão controlar quase metade do abastecimento mundial de gás natural, o que potencialmente lhes dará uma vantagem enorme sobre a Europa faminta de energia. Acrescentem as reservas de petróleo a esta mistura e, conforme alertou o National Intelligence Council, dentro de apenas 15 anos, a Rússia e o Irão poderão "emergir como os reis da energia". Apesar duma espantosa capacidade de invenção, as grandes potências petrolíferas estão neste momento a esgotar as grandes bacias de reservas petrolíferas que são de extracção fácil e barata. A grande lição do desastre petrolífero do Deep Horizon no Golfo do México não foi o padrão negligente de segurança da BP, mas o simples facto que toda a gente viu no "pequeno ecrã": os gigantes da energia já não têm alternativa senão procurar aquilo que Klare designa por "petróleo difícil" a quilómetros abaixo da superfície do oceano para conseguir manter os seus lucros. A agravar o problema, os chineses e os indianos tornaram-se repentinamente enormes consumidores de energia. Mesmo que os abastecimentos de combustíveis fósseis se mantivessem constantes (o que não acontece), a procura, e portanto os custos, aumentará certamente – e de forma acentuada. Outras nações desenvolvidas estão a enfrentar esta ameaça de uma forma agressiva dedicando-se a programas experimentais para desenvolver fontes de energia alternativas. Os Estados Unidos seguiram um caminho diferente, fazendo muito pouco para desenvolver energias alternativas ao mesmo tempo que, nos últimos trinta anos, duplicaram a sua dependência das importações de petróleo estrangeiro. Entre 1973 e 2007, as importações de petróleo aumentaram de 36% da energia consumida nos EUA para 66%.
Choque petrolífero: Cenário 2025
Os Estados Unidos mantêm-se tão dependentes do petróleo estrangeiro que qualquer pequena evolução adversa no mercado global de energia em 2025 provoca um choque petrolífero. Em comparação, o choque petrolífero de 1973 (quando os preços quadruplicaram em poucos meses) não é nada. Irritados com a queda do valor do dólar, os ministros do Petróleo da OPEP, num encontro em Ryadh, exigem os pagamentos futuros da energia num "cabaz" de ienes, iuans e euros. O que só contribui para aumentar o custo das importações do petróleo dos EUA. Na mesma altura, enquanto assinam uma nova série de contratos de entrega a longo prazo com a China, os sauditas estabilizam as suas próprias reservas de divisas estrangeiras mudando para o iuan. Entretanto, a China injecta milhares de milhões na construção de um enorme oleoduto trans-Ásia e no financiamento da exploração no Irão do maior campo de gás natural do mundo, em South Pars no Golfo Pérsico. Com a preocupação de que a Marinha dos EUA já não seja capaz de proteger os petroleiros que viajam do Golfo Pérsico para abastecer a Ásia oriental, uma coligação de Teerão, Riad e Abu Dabi forma uma inesperada nova aliança do Golfo e afirma que a nova frota da China de porta-aviões ligeiros passará a patrulhar o Golfo Pérsico a partir duma base no Golfo de Oman. Sob uma forte pressão económica, Londres concorda em cancelar o aluguer aos EUA da sua base na ilha de Diego Garcia no Oceano Indico, enquanto Camberra, pressionada pelos chineses, informa Washington que a Sétima Frota deixou de ser bem-vinda para usar Fremantle como porto de abrigo, expulsando assim na prática a Marinha dos EUA do Oceano Indico. Duma penada, e após alguns avisos sucintos, a 'Doutrina Carter', segundo a qual o poder militar dos EUA iria proteger eternamente o Golfo Pérsico, é posta de parte em 2025. Todos os elementos que há muito garantiam aos Estados Unidos abastecimentos ilimitados de petróleo a baixo preço daquela região – logística, taxas de câmbio e poder naval – evaporam-se. Nesta altura, os EUA ainda conseguem cobrir uns insignificantes 12% das suas necessidades energéticas a partir da sua alternativa embrionária da indústria energética e mantém-se dependente das importações de petróleo para metade do seu consumo de energia. O choque petrolífero que se segue atinge o país como um furacão, disparando os preços para alturas impressionantes, tornando as viagens uma proposta extremamente cara, colocando os salários reais (que há muito estavam em declínio) em queda livre e tornando não competitivas as poucas exportações americanas que ainda restam. Com os termóstatos a descer, os preços da gasolina a furar o tecto, e os dólares a fugir mar fora em troca do petróleo caro, a economia americana fica paralisada. Com as alianças há muito desgastadas no fim e as pressões fiscais a aumentar, as forças militares americanas começam finalmente uma retirada encenada das suas bases ultramarinas. Em poucos anos, os EUA estão funcionalmente na falência e o relógio aproxima-se da meia-noite do Século Americano.
Aventuras militares desastrosas: Situação actual
Contrariando o bom senso, à medida que o seu poder enfraquece, os impérios embarcam frequentemente em aventuras militares desastrosas e mal aconselhadas. Este fenómeno é conhecido entre os historiadores do império como "micro-militarismo" e parece envolver esforços psicologicamente compensadores para salvar o estigma da retirada ou da derrota ocupando novos territórios, mesmo que breve e catastroficamente. Estas operações, irracionais mesmo do ponto de vista imperialista, representam muitas vezes gastos hemorrágicos ou derrotas humilhantes que só aceleram a perda do poder. Em todas as épocas, os impérios bélicos sofrem de uma arrogância que os leva a mergulhar cada vez mais profundamente em aventuras desastrosas até que a derrota se transforma em derrocada. Em 413 AC, uma Atenas enfraquecida enviou 200 barcos para serem massacrados na Sicília. Em 1921, uma Espanha imperialista moribunda enviou 20 mil soldados para serem dizimados pelos guerrilheiros berberes em Marrocos. Em 1956, um Império Britânico em decadência destruiu o seu prestígio atacando o Suez. E em 2001 e 2003, os EUA ocuparam o Afeganistão e invadiram o Iraque. Com a arrogância que define os impérios ao longo dos milénios, Washington aumentou o número de efectivos no Afeganistão para 100 mil, alargou a guerra até ao Paquistão, e prolongou o seu compromisso até 2014 e para além disso, namorando desastres grandes e pequenos neste cemitério de impérios com armas nucleares, infestado por guerrilhas.
Aventuras militares desastrosas: Cenário 2014
O 'micro-militarismo" é tão irracional, tão imprevisível, que cenários aparentemente irreais rapidamente são ultrapassados pelos acontecimentos reais. Com as forças militares americanas esticadas desde a Somália às Filipinas e as tensões crescentes em Israel, no Irão e na Coreia, são múltiplas as combinações possíveis para uma crise militar desastrosa no estrangeiro. Estamos a meio do Verão de 2014 e uma reduzida guarnição americana no Kandahar em guerra no sul do Afeganistão é súbita e inesperadamente invadida por guerrilheiros talibãs, enquanto a aviação americana está no chão por causa duma tempestade de areia que impede a visão. São feitas pesadas baixas e, em retaliação, um comandante americano envergonhado envia bombardeiros B-1 e caças F-16 para demolir bairros suburbanos da cidade que se julga estarem sob controlo dos talibãs, enquanto helicópteros equipados com metralhadoras AC-130U "Spooky" varrem os escombros com um devastador fogo de canhões. Imediatamente, os mullahs começam a pregar a jihad nas mesquitas por toda a região, e unidades do exército afegão, treinados por forças americanas para dar a volta à guerra, começam a desertar em massa. Então, os combatentes talibãs desencadeiam uma série de ataques extremamente sofisticados, visando as guarnições dos EUA em todo o país, fazendo aumentar as baixas americanas. Em cenas que fazem recordar Saigão em 1975, helicópteros americanos resgatam soldados e civis americanos nos telhados de Cabul e Kandahar. Entretanto, irritados com o beco sem saída interminável que já dura há décadas no que se refere à Palestina, os lideres da OPEP impõem um novo embargo petrolífero aos EUA como protesto pelo seu apoio a Israel, assim como pela matança de número incontável de civis muçulmanos nas suas guerras em curso por todo o Grande Médio Oriente. Com os preços da gasolina a subir em espiral e as refinarias a ficarem secas, Washington toma a decisão de enviar forças de Operações Especiais para conquistar os portos petrolíferos do Golfo Pérsico. Isto, por sua vez, incentiva uma onda de ataques suicidas e a sabotagem de oleodutos e de poços de petróleo. Enquanto nuvens negras se acumulam no céu e os diplomatas se levantam na ONU para denunciar asperamente as acções americanas, comentadores em todo o mundo fazem ressuscitar a história para brandir este "Suez da América", uma referência explícita à derrocada de 1956 que marcou o fim do Império Britânico.
III Guerra Mundial: Situação actual
No Verão de 2010, as tensões militares entre os EUA e a China começaram a aumentar no Pacífico ocidental, outrora considerado um 'lago' americano. Ainda um ano antes ninguém teria previsto uma evolução destas. Tal como Washington se aproveitou da sua aliança com Londres para se apropriar de grande parte do poder global da Grã-Bretanha depois da II Guerra Mundial, também a China está a utilizar agora os proveitos do seu comércio de exportações para os Estados Unidos para financiar o que parece vir a ser um desafio militar ao domínio americano nas águas da Ásia e do Pacífico. Com os seus recursos cada vez maiores, Beijing está a reclamar um vasto arco marítimo desde a Coreia à Indonésia há muito dominado pela Marinha dos EUA. Em Agosto, depois de Washington ter manifestado um "interesse nacional" no Mar do Sul da China e de ali ter efectuado exercícios navais para reforçar essa pretensão, o Global Times oficial de Beijing respondeu asperamente, dizendo, "O confronto de forças EUA-China em relação à questão do Mar do Sul da China fez subir a parada quanto à decisão de qual vai ser o verdadeiro futuro governante do planeta". No meio de tensões crescentes, o Pentágono relatou que Beijing já detém "a capacidade de atacar… porta-aviões [americanos] no Oceano Pacífico ocidental" e visar "forças nucleares por todo… o continente dos Estados Unidos". Ao desenvolver "capacidades ofensivas de guerra nuclear, espacial e cibernética", a China parece determinada a competir pelo domínio daquilo a que o Pentágono chama "o espectro de informação em todas as dimensões do campo de batalha moderno". Com o desenvolvimento em curso do poderoso super míssil Longo Alcance V, assim como com o lançamento de dois satélites em Janeiro de 2010 e outro em Julho, num total de cinco, Beijing deu sinal de que o país estava a dar passos rápidos na direcção de uma rede "independente" de 35 satélites para capacidades de posicionamento global, de comunicações e de reconhecimento até 2020. Para conter a China e alargar a sua posição militar globalmente, Washington pretende montar uma nova rede digital de robótica aérea e espacial, capacidades avançadas de guerra cibernética e vigilância electrónica. Os estrategas militares esperam que este sistema integrado envolva a Terra numa grelha cibernética capaz de ofuscar exércitos inteiros no campo de batalha ou de caçar um simples terrorista no campo ou na favela. Em 2020, se tudo correr conforme planeado, o Pentágono vai lançar um escudo de três camadas de pequenos aviões espaciais de controlo remoto – que vão da estratosfera até à exosfera, armados com mísseis ágeis, ligados por um elástico sistema de satélite modular e manobrados inteiramente por vigilância telescópica. Em Abril passado, o Pentágono fez história. Alargou as operações dos aviões de controlo remoto até à exosfera lançando calmamente o X-37B, um veículo espacial não tripulado, para uma órbita baixa a 410 km acima do planeta. O X-37B é o primeiro de uma nova geração de veículos não tripulados que vão marcar o total armamento do espaço, criando uma arena para futuras guerras diferente de tudo o que já se viu.
III Guerra Mundial: Cenário 2025
A tecnologia do espaço e a guerra cibernética são coisas tão novas e sem estarem testadas que até os cenários mais estranhos podem vir a ser ultrapassados por uma realidade que ainda é difícil de conceber. Mas se utilizarmos apenas o tipo de cenários que a própria Força Aérea usou no seu Jogo de Capacidades Futuras 2009, podemos obter "uma melhor compreensão de como o ar, o espaço e o ciber espaço se sobrepõem na guerra" e começar a imaginar como poderá ser realmente travada uma próxima guerra mundial. São 11:59 da noite de quinta-feira de Acção de Graças em 2025. Enquanto os ciber-compradores se apinham nos portais da Melhor Compra para beneficiar dos grandes descontos na última palavra de aparelhos electrónicos domésticos chineses, os técnicos da Força Aérea dos EUA no Telescópio de Vigilância Espacial em Maui engasgam-se com o café quando os seus ecrãs panorâmicos se apagam subitamente. A milhares de quilómetros, no centro de operações do Ciber-Comando dos EUA, no Texas, os ciber-guerreiros depressa detectam binários maliciosos que, embora lançados anonimamente, mostram as distintas impressões digitais do Exército de Libertação de Pequim. O primeiro ataque aberto é um ataque que ninguém previra. "Vírus" chineses apoderam-se do controlo da robótica a bordo de um avião "Vulture" americano, de controlo remoto, não tripulado, alimentado a energia solar, quando ele se encontra a 70 mil pés de altitude sobre o Estreito Tsushima entre a Coreia e o Japão. Este dispara subitamente toda a carga de mísseis transportada na sua enorme envergadura de 120 metros, enviando dezenas de mísseis letais que mergulham inofensivamente no Mar Amarelo, desarmando eficazmente essa arma formidável. Decidido a combater o fogo com fogo, a Casa Branca autoriza um ataque de retaliação. Confiante em que o seu sistema satélite F-6 "Fractionated, Free-Flying" é impenetrável, os comandantes da Força Aérea na Califórnia transmitem códigos robóticos para a flotilha de aviões espaciais de controlo remoto X-37B que se deslocam numa órbita a 400 km acima da Terra, ordenando-lhes que lancem os seus mísseis "Triple Terminator" contra os 35 satélites da China. Resposta zero. Quase em pânico, a Força Aérea lança o seu Cruise Vehicle Hipersónico Falcon para um arco a 160 km acima do Oceano Pacífico e, 20 minutos depois, envia os códigos de computador para disparar mísseis contra sete satélites chineses em órbitas vizinhas. Subitamente os códigos de lançamento deixam de estar operacionais. À medida que os vírus chineses alastram descontroladamente pela arquitectura dos satélites F-6, enquanto os super-computadores americanos de segunda categoria não conseguem decifrar o diabolicamente complexo código do vírus, deixam de funcionar sinais de GPS vitais para a navegação dos navios e aviação americana em todo o mundo. Porta-aviões começam a andar em círculos no meio do Pacífico. Esquadrões de caças aterram. Mortíferos aviões de comando remoto voam sem rumo, despenhando-se quando se esgota o combustível. Subitamente, os Estados Unidos perdem o que a Força Aérea americana há muito chamava "o supremo terreno elevado ": o espaço. Em poucas horas, o poder militar que dominara o globo durante quase um século, foi derrotado na III Guerra Mundial sem uma única baixa humana.
Uma Nova Ordem Mundial?
Mesmo que os acontecimentos futuros venham a ser mais sensaborões do que estes quatro cenários sugerem, todas as tendências significativas apontam para um declínio muito mais impressionante do poder global americano em 2025 do que tudo o que Washington parece estar hoje a encarar. À medida que em todo o mundo os aliados começam a realinhar as suas políticas para terem conhecimento dos crescentes poderes asiáticos, o custo de manter 800 ou mais bases militares ultramarinas vai tornar-se simplesmente insustentável, acabando por forçar uma retirada encenada numa Washington ainda renitente. Com os EUA e a China numa corrida para armar o espaço e o ciber-espaço, é inevitável que aumentem as tensões entre as duas potências, tornando pelo menos possível um conflito militar em 2025, embora isso não seja garantido. A complicar ainda mais as coisas, as tendências económicas, militares e tecnológicas acima traçadas não funcionarão isoladamente. Tal como aconteceu aos impérios europeus depois da II Guerra Mundial, essas forças negativas vão mostrar-se inquestionavelmente sinérgicas. Vão combinar-se de formas perfeitamente inesperadas, vão criar crises para as quais os americanos não estão minimamente preparados e vão ameaçar precipitar a economia numa súbita espiral descendente, mergulhando esta nação numa geração ou mais de miséria económica. Enquanto o poder dos EUA recua, o passado oferece um espectro de possibilidades para uma futura ordem mundial. Numa das pontas deste espectro, não se pode pôr de lado a ascensão de uma nova superpotência global, embora isso seja pouco provável. Tanto a Rússia como a China revelam ainda culturas auto-referenciais, escritas difíceis não romanas, estratégias de defesa regional e sistemas legais subdesenvolvidos, que lhes negam instrumentos chave para um domínio global. Portanto, de momento, parece que não há no horizonte nenhuma superpotência que possa suceder aos EUA. Numa versão sombria, medonha, do nosso futuro global, uma coligação de corporações transnacionais, de forças multilaterais como a NATO e duma elite financeira internacional talvez pudesse forjar um único elo supra-nacional, possivelmente instável, que tornaria sem sentido continuar a falar de impérios nacionais. Enquanto as corporações desnacionalizadas e as elites multinacionais governariam assumidamente um mundo assim em enclaves urbanos seguros, a multidão seria relegada para a desolação urbana e rural. No 'Planeta Favela' (Planet of Slums) , Mike Davis apresenta pelo menos uma visão parcial de um mundo desses. Defende que os mil milhões de pessoas já amontoadas em fétidos bairros pobres, tipo favelas, em todo o mundo (e que chegarão aos dois mil milhões em 2030) formarão "as 'cidades falhadas, selvagens' do Terceiro Mundo… o campo de batalha característico do século vinte e um". À medida que a noite se instala nalgumas das futuras super-favelas, "o império pode impor tecnologias orwelianas de repressão" como "helicópteros com metralhadoras, tipo vespas, a caçar inimigos enigmáticos pelas ruas estreitas dos bairros pobres… Todas as manhãs os bairros respondem com bombistas suicidas e explosões eloquentes". A meio caminho do espectro de possíveis futuros, pode emergir um novo oligopólio global entre 2020 e 2040, com potências em ascensão como a China, a Rússia, a Índia e o Brasil colaborando com potências em decadência como a Grã-Bretanha, a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos para imporem um domínio global ad hoc, parecido com a aliança solta dos impérios europeus que governaram metade da humanidade por volta de 1900. Outra possibilidade: a ascensão de hegemonias regionais num regresso a algo que faz recordar o sistema internacional que funcionou antes de tomarem forma os impérios modernos. Nesta ordem mundial neo-westfaliana, com as suas imagens infindáveis de micro-violência e de exploração sem controlo, cada hegemonia dominará a sua região – a Brasília na América do Sul, Washington na América do Norte, Pretória na África do Sul, e por aí afora. O espaço, o ciber-espaço e as profundezas marítimas, libertos do controlo do antigo "polícia" planetário, os Estados Unidos, até podem tornar-se áreas públicas globais, controladas por um Conselho de Segurança das Nações Unidas alargado ou qualquer órgão ad hoc. Todos estes cenários são extrapolações de tendências existentes para um futuro no pressuposto de que os americanos, cegos pela arrogância de décadas de um poder historicamente sem paralelo, não possam ou não queiram tomar medidas para gerir a erosão descontrolada da sua posição global. Se o declínio da América está de facto numa trajectória de 22 anos, de 2003 a 2005, então já esbanjámos a maior parte da primeira década desse declínio com guerras que nos afastaram dos problemas a longo prazo e, tal como a água despejada nas areias do deserto, desperdiçaram milhões de milhões de dólares de que precisamos desesperadamente. Se restam apenas 15 anos, ainda se mantém alta a possibilidade de esbanjá-los todos. O Congresso e o presidente encontram-se actualmente manietados; o sistema americano está inundado de dinheiro público destinado a emperrar as obras; e poucas indicações há de que quaisquer questões de significado, incluindo as nossas guerras, o nosso estado de segurança nacional, o nosso esfomeado sistema de educação, e o nosso antiquado fornecimento de energia, sejam tratadas com a necessária seriedade para assegurar o tipo de aterragem suave que podia maximizar o papel e a prosperidade do nosso país num mundo em mudança. Os impérios da Europa acabaram e o império da América está a acabar. É cada vez mais duvidoso que os Estados Unidos venham a ter algo parecido com o êxito da Grã-Bretanha em moldar uma ordem mundial sucedânea que proteja os seus interesses, preserve a sua prosperidade e exiba o carimbo dos seus melhores valores.
[*] Professor de história na Universidade de Wisconsin-Madison, colaborador frequente de TomDispatch, autor de Policing America's Empire: The United States, the Philippines, and the Rise of the Surveillance State (2009). É também o lider do projecto "Empires in Transition" , um grupo de trabalho global de 140 historiadores de universidades de quatro continentes. Os resultados das suas primeiras reuniões em Madison, Sidney, e Manila foram publicados como Colonial Crucible: Empire in the Making of the Modern American State e as conclusões da sua última conferência aparecerão no próximo ano em "Endless Empire: Europe's Eclipse, America's Ascent, and the Decline of U.S. Global Power".
O original encontra-se em www.tomdispatch.com/... .
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .