18/06/2010

EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE BRASILEIRO E DA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS SAUDÁVEIS: NÃO AO SUBSTITUTIVO DO CÓDIGO FLORESTAL!

No último dia 09 de junho de 2010, o Dep. Federal Aldo Rebelo (PCdoB/SP) apresentou o seu relatório à Comissão Especial, criada na Câmara dos Deputados, para analisar o Projeto de Lei nº. 1876/99 e outras propostas de mudanças no Código Florestal e na Legislação Ambiental brasileira. O referido relatório, de mais de 250 páginas, apresenta a proposta de substituição do Código Florestal (Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965).
Apesar de ser de 1965, o Código Florestal é bastante atual, pois está baseado em uma série de princípios que respondem às principais preocupações em torno do uso sustentável do meio ambiente.
Nesse sentido, as entidades populares, agrárias e ambientalistas, reconhecendo a necessidade de atualizar as leis, sempre defenderam o aperfeiçoamento do Código Florestal, especialmente para adequá-lo à realidade da agricultura familiar e camponesa. Há a concreta necessidade de se criar regulamentações que possibilitem ao Código atender às especificidades da agricultura familiar. Além disto, é essencial uma série de políticas públicas de fomento, crédito, assistência técnica, agroindustrialização e comercialização, as quais garantirão o uso sustentável das áreas de reserva legal e proteção permanente.
Estas mudanças, no entanto, são muito distintas das propostas no Projeto de Lei (PL). Isso porque, segundo cálculos de algumas entidades da área ambiental, a aplicação do mesmo resultará na emissão entre 25 bilhões a 30 bilhões de toneladas de gás carbônico só na Amazônia. Isso representa em torno de seis vezes a redução estimada de emissões por desmatamento que o Brasil estabeleceu como meta. Consequentemente, esta emissão impediria o país de cumprir esta meta assumida na conferência do clima de Copenhague.
Podemos afirmar que todo o texto do Projeto de Lei é insatisfatório, privilegiando exclusivamente os desejos das forças mais arcaicas do Brasil: os latifundiários. Dentre os principais pontos crítico do PL, podemos citar:: anistia completa aos desmatadores; a abolição da Reserva Legal para agricultura familiar; a possibilidade de compensação desta Reserva fora da região ou da bacia hidrográfica; e a transferência do arbítrio ambiental para os Estados e Municípios.
Primeiro, de acordo com o substitutivo, a responsabilidade de regulamentação ambiental passará para os estados. É fundamental entendermos que os biomas e rios não estão restritos aos limites de um ou dois Estados, portanto, não é possível pensar em leis estaduais distintas capazes de garantir a preservação dos mesmos. Por outro lado, esta estadualização representa, na prática, uma flexibilização da legislação, pois segundo o próprio texto, há a possibilidade de redução das áreas de Preservação Permanentes em até a metade se o estado assim o entender.
Em segundo lugar, o Projeto acaba por anistiar todos os produtores rurais que cometeram crimes ambientais até 22 de julho de 2008. Os desmatadores que descumpriram o Código Florestal terão cinco (5) para se ajustar à nova legislação, sendo que os mesmos não poderão ser multados neste período de moratória e ficam também cancelados embargos e termos de compromisso assinados por produtores rurais por derrubadas ilegais. A recuperação dessas áreas deverá ser feita no longínquo prazo de 30 anos!
Em terceiro lugar, o Projeto desobriga a manutenção de Reserva Legal para propriedades até quatro (4) módulos fiscais, as quais representam em torno de 90% dos imóveis rurais no Brasil. Essa isenção significa, por exemplo, que imóveis de até 400 hectares podem ser totalmente desmatados na Amazônia – já que cada módulo fiscal tem 100 hectares na região –, o que poderá representar o desmatamento de aproximadamente 85 milhões de hectares. É fundamental entendermos que a Constituição Federal estabeleceu a Reserva Legal a partir do princípio de que florestas, o meio ambiente e o patrimônio genético são interesses difusos, pertencente ao mesmo tempo a todos e a cada cidadão brasileiro indistintamente. E é fundamental ter claro que nenhum movimento social do campo apresentou como proposta essa abolição da RL, sempre discutindo sobre a redução de seu tamanho (percentagem da área total, principalmente na Amazônia) ou sobre formas sustentáveis de exploração e sistemas simplificados de autorização para essa atividade.
Ainda sobre a Reserva Legal, o texto estabelece que, nos casos em que a mesma deve ser mantida, a compensação poderá ser feita fora da região ou bacia hidrográfica. Além disso, esta recomposição poderá ser feita por meio do plantio de espécies exóticas. Isso significa que a supressão de vegetação nativa pode ser compensada, por exemplo, por monoculturas de eucaliptos, pinus, ou qualquer outra espécie, descaracterizando o bioma e empobrecendo a biodiversidade.
O Projeto de Lei traz ainda uma conseqüência nefasta, ou seja, a anistia dos desmatadores ou a isenção em respeitar o mínimo florestal por propriedade, destrói a possibilidade de desapropriação daquelas propriedades que não cumprem a sua função ambiental ou sócio-ambiental, conforme preceitua a Constituição Federal em seu art. 186, II.
Em um momento onde toda a humanidade está consciente da crise ambiental planetária e lutando por mudanças concretas na postura dos países, onde o próprio Brasil assume uma posição de defesa das questões ecológicas nacionais e globais, é totalmente inadimissível que retrocedamos em uma legislação tão importante como o Código Florestal. É inaceitável que uma legislação de 1965 seja mais moderna, ética e preocupada com o futuro da sociedade brasileira do que uma proposta de 2010.
A proposta do deputado Aldo Rebelo atenta violentamente contra a sua história de engajamento e dedicação às questões da sociedade brasileira. Ao defender um falso nacionalismo, o senhor deputado entrega as florestas brasileiras aos grandes latifundiários e à expansão desenfreada do agronegócio. Ao buscar combater supostas influencias de ONGs internacionais, se esquece que na realidade que é internacional é o agronegócio brasileiro, subordinado ao capital financeiro estrangeiro e às transnacionais do setor agropecurário e agroquímico. A sua postura em defesa do agronegócio o coloca imediatamente contrário à agricultura camponesa e familiar, a qual diz defender.
Por isso, nós, intelectuais, artistas e organizações sociais abaixo-assinadas, exigimos a total rejeição do Projeto de Lei de autoria do deputado Aldo Rebelo.

VIA CAMPESINA
MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS SEM TERRA
MPA – MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES
MMC – MOVIMENTO DAS MULHERES CAMPONESAS
FETRAF – FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA FAMILIAR
CIMI – CENTRO INDIGENÍSTA MISSIONÁRIO
CPT – COMISSÃO PASTORAL DA TERRA
CNASI – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE ASSOCIAÇÕES DOS SERVIDORES DO INCRA
Pedimos sua urgente adesão a este manifesto, escrevendo para Luiz Zarref: zarref@gmail.com
Secretaria Geral do MST
Secretaria operativa da Via campesina Brasil.

17/06/2010

O método, em Israel

9/6/2010
Pepe Escobar,
“The Roving Eye”, Asia Times Online --

http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/LF09Ak01.html

Por que Israel, em operação deliberada e metódica, planejada com uma semana de antecedência* – segundo declarações de altos comandantes israelenses, falando em hebraico, dias antes do ataque –, atacou barco civil, desarmado, em operação humanitária, e que viajava sob bandeira de Comoros? (Diferente da Turquia, Comoros é signatária do Estatuto de Roma da Corte Criminal Internacional de Justiça, que tem competência para julgar crimes de guerra cometidos contra barcos dos estados-membros.)

Por que os fuzileiros israelenses atiraram contra nove ativistas desarmados, para matar, com balas calibre 9mm à queima-roupa, entre os olhos, na testa, na parte detrás da cabeça, no peito, nas costas e nas pernas – inclusive contra um cidadão dos EUA? (A lista final de mortos pode chegar a 15, porque ainda há seis ativistas desaparecidos; a rádio do exército de Israel falou de 16 mortos na 2ª-feira pela manhã, logo depois do ataque ao Mavi Marmara, parte da Flotilha da Liberdade.)

Como Israel pensaria que se safaria dessa, apenas com censurar vídeos e fotos – e depois se safaria outra vez apenas por recusar qualquer investigação por comissão internacional independente, que examinaria o incidente e a posterior manipulação do noticiário?

Por que, pensando em termos geopolíticos, Israel declararia guerra de facto a toda a comunidade internacional – dos países muçulmanos, aos membros da OTAN e a toda a opinião pública internacional?

Haverá aí mero “governo disfuncional”, como Bradley Burston escreveu no diário israelense Ha'aretz? E, estrategicamente falando, haverá método nessa loucura? Ou o método é só a loucura?

Medo. Muito medo.

Pode haver resposta muito simples a todas essas questões: medo.

Consideremos as possíveis motivações dos israelenses. Um dos motivos chaves para que Israel atacasse a flotilha humanitária seria mandar “um sinal” à Turquia sobre o acordo nuclear mediado por Turquia e Brasil, para troca de combustível nuclear do Irã – dado que o sucesso do acordo pôs por águas abaixo a ideia de ataque militar contra o Irã. Interessa a Israel que haja conflito aberto entre Washington e Teerã – o que implica usar o lobby israelense em Washington para sabotar o semidesejo do presidente Obama de encontrar algum tipo de acordo com Teerã para seu programa de enriquecimento de urânio.

Israel deseja uma Turquia fraca – fora do circuito tanto do Oriente Médio quanto da União Europeia (UE). A Turquia é poder emergente regional chave, hoje com boas relações com os vizinhos. A Turquia é chave para os EUA: 70% de tudo que abastece as tropas norte-americanas no Iraque chega até elas pela base de Incirlik na Turquia. Há soldados turcos fazendo a guerra (que é dos EUA) no Afeganistão. Para não falar que a Turquia – em palavras do próprio Obama – é ponte vital entre o Ocidente e o mundo muçulmano.

A Casa Branca produziu resposta frouxa, “Os EUA lamentam profundamente as mortes e os feridos, e trabalha para compreender as circunstâncias que cercaram essa tragédia”. Foi sinal de Washington, dirigido à Turquia, de que a mediação de Turquia e Brasil no acordo de troca de combustível nuclear não é exatamente bem-vinda. (...)

Mas, por mais que Israel deseje ver a Turquia às voltas com problemas imensos tanto com a Síria como com a Grécia, além de já enfrentar a difícil questão interna dos curdos, Ankara absolutamente não está tremendo de medo, ante a “mensagem” dos israelenses. Em termos de poder militar convencional, a Turquia é força superior a Israel e, não bastasse, é importante aliada de EUA e OTAN.

Outro motivo chave dos israelenses é minar e, de fato, trabalhar para abortar, quaisquer negociações produtivas de paz com palestinos e sírios – e tirar a Turquia do campo de jogo. A Turquia está muito profundamente envolvida na tragédia dos palestinos. Há tempos trabalha para aproximar os partidos Fatah e Hamás. Motivo crucial, dos israelenses, parece ser sabotar qualquer iniciativa de paz liderada pelos turcos para resolver o problema palestino – o que inclui a necessidade crucial de o Oriente Médio ser desnuclearizado – o que é anátema para a Israel jamais declarada, mas nem por isso menos, nuclear.

Amarrando tudo isso, há o elemento crucial do próprio medo. Hoje, as antes mitificadas invencíveis Forças de Defesa de Israel [ing. Israeli Defense Forces (IDF), o exército de Israel] já combateram contra o Hezbollah no Líbano em 2006 e contra o Hamás em Gaza em 2008. Sabem o que lhes custou enfrentar a dura realidade de que seus tanques são vulneráveis aos foguetes lança-granadas russos; sabem que seus barcos são vulneráveis aos mísseis do Hezbollah comprados da China. E não há dúvidas de que, a qualquer momento, seus aviões estarão vulneráveis aos mísseis terra-ar S-300 russos.

O novo eixo que está surgindo

O Curdistão iraquiano é hoje virtualmente independente – como Washington desejava. Israel é robustamente ativo em todos os pontos do Curdistão iraquiano. Ao mesmo tempo, os EUA apóiam ativamente os separatistas do Partido Trabalhista Curdo, que tem base no Iraque, na Anatólia Oriental, tanto quanto apóiam os separatistas do Partido Vida Livre do Curdistão [ing. Party of Free Life of Kurdistan (PJAK)] no Irã, e os separatistas curdos na Síria. Os estrategistas militares turcos dedicaram-se exaustivamente a analisar esses desenvolvimentos cruciais. Conclusão dos turcos: a OTAN não é exatamente a panaceia dos sonhos turcos. E resolveram focar o Oriente Médio.

Assim se chegou ao pesadelo perfeito dos israelenses. O novo eixo no Oriente Médio está constituído: Turquia, Irã e Síria. Antes, eram só Irã e Síria. E não há quem conteste a legitimidade histórica dessa trindade, porque aí se unem os xiitas iranianos, a Síria secular e a Turquia sunita pós-otomanos.

Há inúmeros efeitos colaterais fascinantes dessa fertilização de todos por todos – como mais de um milhão de iraquianos, muitos dos quais muito bem educados, que encontram vida nova na Síria. Mas o efeito mais notável desse eixo é que detonou a velha lógica do ‘divide e governe’ do colonialismo ocidental, imposta ao Oriente Médio por mais de um século. O destino da Turquia pode não estar firmemente conectado à Europa e seus medos que, afinal de contas, não quer abraçar a Turquia; a Turquia prepara-se para voltar à liderança do mundo muçulmano.

A vida do novo eixo não vai ser fácil. Operações clandestinas dos EUA já tentaram desestabilizar o governo sírio do presidente Bashar al-Assad – sem sucesso. O mesmo se diga da ação secreta da CIA na província do Cistão-Baluquistão no sudeste do Irã, tentando desestabilizar o governo de Teerã. E os mesmos ‘comandos’ mascarados (nem sempre) e clandestinos (sempre) trabalham para impor nova ditadura militar na Turquia. Mas enquanto a secretária de Estado ia-se tornando cada dia mais vociferante, Assad, Hassan Nasrallah do Hezbollah e o presidente Ahmadinejad do Irã reuniram-se em fevereiro na Síria e organizaram a parceria.

Detalhe crucial, a Rússia saltou para dentro desse barco, para ocupar o vácuo gerado pelos EUA. O presidente Dmitry Medvedev já esteve em Ankara e Damasco e posicionou-se claramente a favor da reconciliação entre Fatah e Hamas, e pela criação de um Estado palestino funcional, que existirá ao lado de Israel.

Até o comandante geral do Comando Central dos EUA, general David (“estou-me posicionando para 2012”) Petraeus já teve de admitir publicamente que Israel, aliado estratégico dos EUA, – tornara-se carga demasiadamente pesada a pesar nas costas dos objetivos estratégicos dos EUA, por causa da colonização sempre buscada da Palestina e do bloqueio imposto a Gaza.

A Rússia, por seu lado, apóia o novo eixo político-econômico de Turquia-Síria-Irã. Preparam-se agora as leis necessárias para permitir viagens sem exigência de vistos, entre Ankara e Moscou. As empresas russas Rosatom e Atomstroyexport estão concluindo a construção da usina nuclear iraniana em Bushehr; estará pronta em agosto. Estão também discutindo a construção de outras usinas; e já têm apalavrado um acordo para construir uma usina nuclear na Turquia, negócio de 20 bilhões de dólares (no qual a Síria também tem interesse). As empresas de gás Stroitransgaz e Gazprom levarão gás sírio até o Líbano – porque Israel impede que o Líbano extraia seu gás de reservas submarinas consideráveis. A Rússia está em movimento. Em breve, Teerã receberá os mísseis S-300 pelos quais já pagou. E a Síria, em breve, terá nova base naval.

No Oleoduto-stão, Rússia e Turquia são irmãs em armas. A Rússia construirá oleoduto crucialmente importante, de Samsun a Ceyhan, para levar o petróleo russo do Mar Negro ao Mediterrâneo. Não bastasse, a Turquia está a um passo de conectar-se ao gasoduto russo South Stream – o que, sim, será desafio ao enrolado empreendimento de Nabucco, apoiado por EUA e UE.

A Rússia – como a Turquia – também quer o Oriente Médio completamente desnuclearizado, o que implica desnuclearizar Israel. Assunto que será discutido na Agência Internacional de Energia Atômica.

Assim se explica que Israel tenha muito medo do novo eixo Turquia, Síria e Irã, tanto quanto teme o apoio russo àquele eixo. Está nascendo um novo Oriente Médio, no qual só há um lugar para Israel: o isolamento.

A estratégia “de cachorro louco” de Israel – concebida pelo ex-líder militar Moshe Dayan – não é exatamente um exercício de integração. Até Anthony Cordesman, conhecido analista centristas e ícone do establishment no Center for Strategic and International Studies, publicou ensaio essa semana, sob o título “Israel as a Strategic Liability?” [port. “Israel como confiabilidade estratégica?”[1][1]].

É possível que Washington “Grande Irmão” continue – eternamente – cega a tudo isso; mas se você for Estado e escolher estratégia que o torna parente próximo da África do Sul no crepúsculo do apartheid – e em momento, vale lembrar, que Israel tentava vender armas atômicas àquele governo de apartheid – nem adianta perdermos tempo com procurar método na sua loucura. É só loucura.

Pepe Escobar recebe e-mails em pepeasia@yahoo.com .

16/06/2010

Sintomas mórbidos de um fascismo de novo tipo.

Humberto Carvalho*.
“Ojo bolche, Taquara te vigila”
(“Abre os olhos bolchevique, Taquara te vigia”,
slogan de uma organização de extrema
direita que se via pintado em muros,
antes da ditadura militar, no Uruguai)
A crise capitalista tende a sair do campo econômico e a se transformar em crise política, pela invisibilidade de alternativas dos agentes políticos do capital em indicar mudanças de rumo.
Embora “a História não se repita, a não ser como farsa”, é inevitável a comparação desta crise com a de 29 e os anos de depressão que se seguiram.
Na crise de 29, nos EUA, houve sinalização de mudanças com a adesão de F. D. Roosevelt às idéias keynesianas que evitaram a transformação da crise econômica, naquele país, numa crise política.
Na Alemanha, ao contrário, não houve sinalização de mudanças e o quadro se degenerou, com a eleição de Hitler, em 1933, iniciando-se o nazismo.
Na Itália, devido à crise que já existia no país, antes da crise geral de 29, numa espécie de antecipação ao “crash” da bolsa de Nova Iorque, já em 22, Mussolini assumia o poder como uma maneira de por um fim às perturbações sociais decorrentes da crise italiana, iniciando-se o domínio fascista.
Hoje em dia, nos EUA, os setores conservadores, como o representado por Bush, apontam descaradamente a guerra como uma bandeira de um novo impulso da economia a partir do ciclo destruição-reconstrução e da realização de maciços investimentos no complexo industrial-militar com indução e subvenções estatais. Mas, esses setores sofreram um sério revés eleitoral, para setores ditos mais “liberais”, como o representado por Barack Obama que, entretanto, não abandonou o uso da força para impor a vontade imperialista.
Se Obama não sinalizar mudanças internamente, como, por exemplo, as introduzidas por F. Delano Roosevelt na Grande Depressão, tudo indica que a crise econômica, nos EUA, se transformará em crise política, dando espaço para um “neofascismo”. A esse respeito, diga-se que o problema do desemprego, um dos grandes chamarizes das eleições americanas, foi analisado pelo professor Edward Luttwak, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais da Universidade George Washington. O estudo foi traduzido no Brasil pela revista Novos Estudos do CEBRAP, em novembro de 1994. O professor Luttwak focaliza o caso dos EEUU e considera não ter sido este problema respondido satisfatoriamente nem pelos republicanos nem pela esquerda moderada abrindo, portanto, um espaço provavelmente a ser ocupado por uma espécie de partido fascista melhorado. Sintomaticamente, o título do artigo é: "Por que o Fascismo é a Onda do Futuro".
Na Europa, vários partidos racistas, apontando falsamente que o problema do desemprego é a presença de imigrantes africanos e asiáticos, repetem a idéia de um bode expiatório, nos moldes nazi-fascistas. Inclusive, esses partidos alcançam expressivos resultados eleitorais, especialmente em eleições regionais e locais.
Juan Diego Garcia, da Argenpress, no lúcido artigo “El renascer del fascismo” (“O renascer do fascismo” que vai, aqui, traduzido do espanhol) aponta o Tea Party, nos EUA, como um exemplo dessa “onda do futuro”:
“O ‘Tea Party’ (Partido do Chá) nos Estados Unidos constitui a expressão do fundamentalismo cristão, com sua carga de xenofobia, racismo exacerbado e tradicionalismo (sem esquecer seu discurso da defesa do livre mercado), um programa que recolhe as duas grandes vertentes do pensamento burguês atual, a neoliberal (no campo econômico) e a conservadora ( no âmbito da moral pública e da vida cotidiana). A estratégia desse movimento de extrema direita não exclui nenhum dos conhecidos métodos do terror: pressões, intimidações, manipulações e ameaças de morte, numa atmosfera de cumplicidade suspeita e de impunidade garantida que traz à memória os anos negros da KKK ou o da caça às bruxas do macarthismo.”
O mesmo autor apresenta as características desse fascismo de novo tipo:
“O novo fascismo tem suas formas próprias e sua linguagem particular mas coincide basicamente com o anterior, incluindo o inevitável ‘bode expiatório’. Agora, ademais de judeus, comunistas e ciganos, trata-se de muçulmanos, negros, latino-americanos e imigrantes pobres em geral. Como na dura atmosfera da Grande Crise que precedeu ao fascismo, hoje se produz uma grande concentração no ramo do poder executivo em detrimento do suposto equilíbrio dos poderes, convertendo os parlamentos e o poder judiciário em simples instrumentos dóceis do executivo que, por sua vez, resulta prisioneiro de grandes conglomerados de interesses (encabeçados pelo capital financeiro e especulativo); também se produz a negação do jogo político tão caro ao ideário democrático burguês, substituído por instâncias opacas que funcionam sem nenhum controle democrático, como ocorre com os governos de fato. As decisões-chaves são tomadas prioritariamente nos centros econômicos e nas instituições financeiras, em detrimento dos parlamentos ou dos conselhos de ministros. O poder legislativo se limita a dar legalidade às propostas oriundas do executivo que, por sua vez, atua segundos as ‘sugestões’ de grupos de interesses privados nacionais e estrangeiros. O recorte sistemático do espaço político,a invasão crescente da privacidade e o manejo de conflitos com táticas de ‘guerra urbana’ como ocorreu recentemente na Dinamarca e na Grécia transformam o direito de protesto num risco,em contraste com a tolerância com a atuação dos bandos de rua do novo fascismo. Em síntese, há um panorama de conflito bélico interior e exterior com presságios nada tranqüilizantes.”
(Fonte: http://www.argenpress.info/2010/04/el-renacer-del-fascismo.html)
Vejamos os sintomas politicamente doentios que indicam o diagnóstico de um fascismo de novo tipo, de um “neofascismo”.
O fortalecimento de partidos como o Likud, em Israel, que protagoniza eventos típicos de barbárie fascista como a intervenção militar na Faixa de Gaza e o contínuo genocídio do povo palestino, periclitando a paz em todo o Oriente Médio, com o beneplácito do mundo “ocidental e cristão”.
A intervenção militar americana no Haiti, desrespeitando a já duvidosa “missão de paz” da ONU, num momento em que os haitianos mais necessitavam de ajuda humanitária para reconstruir o país, vitima de uma catástrofe.
A verdadeira guerra aos imigrantes, declarada pelos EUA, com o estabelecimento de considerável número de forças armadas na fronteira com o México, onde foi construído um “muro da vergonha” e através de leis persecutórias e incriminadoras de imigrantes.
O golpe de estado em Honduras que se manteve, apesar das pressões internas e externas, e onde continua a dura repressão à oposição.
A ameaçadora reativação da IVª Frota americana com um poderio bélico maior que a soma de todas as forças armadas dos países latino-americanos.
O estabelecimento de bases militares dos EUA na América do Sul, numa clara ameaça à paz na região, com o silêncio subserviente da maioria dos governos liberais ou social democratas.
A construção de um aeroporto militar norte-americano, na cidade de Mariscal Estigarribia, no Paraguai, que possibilita o controle da região da tríplice fronteira (Brasil, Argentina e Bolívia). Nessa região se assenta a maior reserva mundial de água doce, o Aqüífero Guarani, indicando que futuras guerras do imperialismo se darão pelo domínio da água no mundo.
O recente acordo militar Brasil-EUA com a criação de uma central de inteligência, sob o pretexto de combate ao narcotráfico, capaz de “controlar” a vida dos brasileiros.
Os constantes ataques aos mais elementares direitos humanos na Colômbia, onde se matam, diariamente, lideranças sindicais e oposicionistas e se combate, por todos os meios, legais e ilícitos, os chamados “crimes de consciência”.
Os recentes acontecimentos na Tailândia, onde se pôs fim aos protestos públicos através de uma grande mobilização e ação das forças armadas daquele país que destruiu o bairro onde se concentravam os chamados “camisas vermelhas”, com matança indiscriminada de pessoas.
Na Grécia, diante da resistência heróica às medidas propostas pelo governo, arquitetadas pela UE e FMI, o que restará para a direita a não ser a ditadura, ou pior, para impor as “medidas de austeridade”?
Os defensores do desacreditado neoliberalismo vinculados a movimentos de extrema direita, como se viu claramente no último “Fórum da Liberdade”, em Porto Alegre, a exemplo do “anarco-capitalista” David Friedman acompanhado de representantes do Movimento Endireita Brasil.
A deliberada confusão entre o direito de resistência – que é reconhecido até na Declaração de Independência dos EUA - com terrorismo, feita por todos os que querem estabelecer um clima de pânico para tirar proveito político.
A adoção de um “Memorando Anticomunista” pelo Parlamento Europeu, dando início a uma forte campanha não só ideológica, mas de repressão aos comunistas e simpatizantes.
As recentes proibições do uso de símbolos comunistas e da criminalização da ideologia e de partidos comunistas, com deturpação da História na equiparação do comunismo ao nazi-fascismo, em países como a Polônia, a Hungria, a Romênia, a Estônia, a Letônia, a Lituânia e a Moldávia.
A repressão violenta a manifestações de professores, servidores públicos e trabalhadores, em alguns Estados do Brasil, os esforços despendidos, inclusive por instituições que deveriam se apresentar como “neutras” (as manifestações de alguns Ministros do STF e de representantes do Ministério Público de alguns Estados), na tentativa de criminalizar movimentos sociais como o MST, são exemplos, também, desse fascismo de novo tipo.
*Membro do CC do PCB

15/06/2010

Novo Código Florestal é uma bofetada no país

12 Junho 2010
por Leonardo Sakamoto – 08.06.2010
O deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP) apresentou hoje seu relatório na comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa as propostas de reforma do Código Florestal.
Entre as mudanças, sugere que as propriedades rurais de até quatro módulos fiscais em todo o país fiquem desobrigadas de manter área de reserva legal (aquele tanto de terra que é mantida com sua cobertura original para conservação). Organizações da sociedade civil que se manifestaram contra as mudanças do projeto, como o Greenpeace, dizem que grandes proprietários vão poder fracionar a terra apenas no papel, vendo-se, na prática, livres de respeitar reserva. Mesmo que a lei proíba essa manobra, a confusão fundiária que reina no interior do país a garantiria. Na Amazônia, quatro módulos equivalem a 400 hectares.
De acordo com o projeto, a área de reserva legal na Amazônia será de 80% para propriedades em áreas de floresta, 35% em áreas de savana e 20% em formações campestres. No restante do país, o valor será único: 20%. Com isso, o Cerrado perderia 15%, dando lugar a lavouras de cana, a soja, o algodão e, é claro, a produção de carvão vegetal.
As Áreas de Proteção Permanente (APPs), como margens de nascentes, córregos, rios, lagos, represas, topo de morros, dunas, encostas, manguezais, restingas e veredas, também levaram pancada. Um exemplo é a faixa mínima de mata ciliar, que passa a ser de 15 metros, podendo chegar a 7,5 m, uma vez que os Estados poderiam diminuir até 50% disso. Vale lembrar que garantir a qualidade da vegetação ao longo de rios e córregos é a diferença entre um futuro com ou sem água.
O projeto também conta com uma anistia a quem cometeu infrações ambientais antes de 22 de julho de 2008. Ou seja, regularizando-se sob as novas regras (mais leves que as atuais), estaria perdoado. É a política de fato consumado: é proibido, mas faço mesmo assim porque no futuro a lei vai mudar ou eu serei perdoado.
As propostas ainda têm um longo caminho para serem aprovadas pelo Congresso Nacional, além de terem de passar pela sanção presidencial antes de virar lei. Como o pacote muda muita coisa, dificilmente passará dessa forma e deve sofrer alterações. De forma otimista, acho que foi como um bode na sala. E cheira tão mal quanto.
Um tarimbado ambientalista disse que Aldo provocou, com seu relatório, a ira de muitos membros tradicionais da bancada ruralista na Câmara dos Deputados. Pois, agora que ele fez todo o serviço, seus colegas ficaram sem ter o que defender diante de seus eleitores.
Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Já foi professor de jornalismo na USP e, hoje, ministra aulas na pós-graduação da PUC-SP. Trabalhou em diversos veículos de comunicação, cobrindo os problemas sociais brasileiros. É coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
Publicado originalmente em www.blogdosakamoto.uol.com.br

14/06/2010

A crise econômica capitalista internacional – a posição da Grécia. As avaliações do KKE.

Por Eleni Belu, membro do Birô Político do CC do KKE
A economia capitalista internacional está sofrendo uma profunda crise caracterizada basicamente por uma grande sincronização. Manifestou-se inicialmente em 2007 nos Estados Unidos, no setor da construção, através de uma depreciação do capital nas companhias financeiras, dada a ampla circulação de títulos precários usados para investimentos no setor imobiliário.
O perigo do colossal colapso financeiro dos Estados Unidos – que mantém fortes posições no mercado internacional de capitais financeiros – causou uma queda gradual e generalizada dos preços nas bolsas mais importantes do mundo. Foi a “ponta do iceberg” da manifestação de uma crise generalizada de superprodução e superacumulação de capital.
Uma versão otimista dos dados e análises atuais das organizações econômicas internacionais indicam o ano de 2010 como o de maior recessão. Já houve um aumento no número de desempregados de 25 milhões e estima-se que outros 40 milhões se somem até o final do ano.
Em 2009 estima-se que o PIB mundial cairá 1,7%, segundo o Banco Mundial, e 2,75% segundo a OCDE. Estima-se que o comércio internacional cairá 13,2% em 2009. O Fundo Monetário Internacional estima que a depreciação do capital financeiro foi de 4,1 trilhões de dólares desde a manifestação da crise até agora.
O estouro da crise econômica na Grécia
Na economia grega a crise se manifestou com certo atraso em comparação com o resto da Zona do Euro. Entrou em fase de recessão em 2009, enquanto em 2008 era freada a expansão do PIB. O elemento mais importante é que o setor industrial (setor de mineração, setor manufatureiro, energia e água), segundo as estatísticas burguesas, entrou em fase de recessão em 2005 e afundou 4% em 2007-2008.
Em 2008, todos os ramos da indústria manufatureira estavam em recessão, exceto o ramo da indústria alimentícia (crescimento de 1,2%). A crise no setor manufatureiro se reflete no grande declínio dos bens industriais (aproximadamente 7%). O setor da construção sofreu um grande descenso (-9,4%).
Durante o período de 2002-2008, notou-se uma tendência de queda importante da produção na maioria dos produtos agrícolas básicos – exceto o trigo, o milho e o pêssego. Segundo os dados proporcionados pelo Eurostat, o rendimento agrícola real caiu 7,1% em 2008, devido ao estancamento dos preços de venda dos produtores e do grande aumento dos preços de produtos industriais. Segundo o Eurostat, o rendimento agrícola líquido associado ao valor líquido acrescentado em relação ao custo foi reduzido, em 2008, a 80,1%, em comparação com o ano 2000. (=100) [1].
Em 2008 houve uma grande queda de preços na bolsa de Atenas. Seu valor total de mercado (como porcentagem do PIB), no final de 2008, foi estimado em, aproximadamente, 1/3 do valor correspondente ao do final de 2007 (dezembro de 2008: 28%, dezembro de 2007: 86%) [2]. Uma parte importante desta queda foi devida à retirada massiva de investidores estrangeiros em outubro de 2008.
Independentemente da fase de ciclo da crise, uma característica particular da economia grega é sua condição financeira agravada e deficiente no longo prazo. O freio no crescimento do PIB, que se acelerou no segundo semestre de 2008, piorou drasticamente as condições de concessão de empréstimo no país.
As últimas análises preveem uma queda de 1% no PIB de 2009. A amplitude da recessão na economia grega dependerá do rumo da crise:
a. Nos países balcânicos, onde existem importantes investimentos de companhias com sede na Grécia. Isto tem a ver, sobretudo, com economias que apresentam altas taxas de crescimento capitalista. Por exemplo, a Romênia cresceu 7,7% em 2008, enquanto se espera um descenso de 1,8% em 2009; a Bulgária cresceu 4,4% em 2008, enquanto se espera um descenso de 1% em 2009 [3].
b. No comércio internacional, do qual uma grande parte é realizada por meio de transporte marítimo, o que constitui uma importante fonte de renda.
c. De países europeus importantes, como a Alemanha e a Grã-Bretanha, procede uma grande parte dos turistas que visitam a Grécia, não somente em número absoluto de turistas, mas também quanto ao número de estâncias e gastos.
Os efeitos do alto investimento da União Europeia, em comparação com o declínio industrial e agrícola, são contraditórios.
Tudo o que foi mencionado demonstra que a explosão da crise na economia grega vai ser profunda. Há quem diga que durará dois anos. Agravará as contradições sociais existentes através do aumento das greves, do emprego em tempo parcial e da ampliação das relações trabalhistas flexíveis. Segundo as medições burguesas, a pobreza já cresceu, com particular concentração (em torno de 1/4) em crianças de até 15 anos, assim como pessoas entre 18 e 24 anos.
É evidente que os índices de pobreza refletem só uma parte da mesma. Não refletem o fato de que os salários não estão à altura do crescimento do PIB e da produtividade, numa fase de reprodução ampliada da Grécia.
A análise do KKE há dez anos
Para avaliar a atual crise e prever uma saída da recessão em nível internacional e na Grécia, acreditamos que seria útil mencionar a análise geral sobre a crise que fizemos há dez anos. Também deveríamos lembrar nossa previsão sobre o período posterior a essa crise.
Em 1998 se produziu outra fase de recessão. Começou nos países que até então se consideravam como “milagres econômicos” e eram caracterizados como “tigres asiáticos”. Afetou as economias do sudeste asiático, assim como a do Japão e de países da América Latina. Em 2000, se manifestou também nos Estados Unidos, ainda que com certo atraso. O PIB caiu 1%, enquanto o fluxo internacional de capitais para investimento direto e o comércio internacional sofreram uma importante redução.
Foi neste momento que a reflexão sobre a fortaleza do sistema capitalista reapareceu pela primeira vez depois da vitória da contrarrevolução na URSS e nos países que haviam construído o socialismo. A burguesia expressou a preocupação pela possibilidade de que sua política, em algum momento, tivesse dificuldades para controlar o descontentamento e a reação dos trabalhadores e dos povos diante das consequências da crise.
As diversas teorias sobre as causas da crise eram parte do esforço para controlar a situação e garantir a estabilidade do poder do capital. Estas teorias centraram-se na forma como funcionavam as bolsas, enfatizavam a transparência na gestão dos fundos de investimento de alto risco (hedge funds) e nas condições dos empréstimos do FMI e do BM aos estados.
Em outras palavras, centraram-se na aparente disfunção na esfera da circulação do capital em sua forma monetária.
Nesse momento, o KKE deduziu que havia ocorrido uma crise de superprodução, de superacumulação de capital, igual às de anos anteriores, sendo a crise de 1973 o exemplo mais ilustrativo. Mantivemos a posição de que era uma crise de superacumulação do capital, independentemente de sua forma inicial.
Diferentemente das disputas burguesas – começando pelo próprio FMI – relativas às medidas de gestão para a aceleração da saída da recessão ou para uma suposta previsão da recessão nos Estados Unidos e nos outros países capitalistas, o KKE havia dito que a saída da recessão, a recuperação e a progressão para um novo rumo ascendente da reprodução ampliada capitalista levariam ao surgimento de uma nova crise de superacumulação, mais profunda e mais sincronizada que a anterior.
Além disso, o KKE avisou que as condições de trabalho, os salários e as condições de vida da classe operária nesses países não melhorariam, mas, ao contrário, piorariam, inclusive na fase de desenvolvimento capitalista.
Esta previsão se baseava no fato de que o grau de participação na produção capitalista mundial e no mercado estava mudando em benefício das novas economias emergentes, possuidoras de uma grande população doméstica e força de trabalho muito barata. As derrotas contrarrevolucionárias, a erosão oportunista, a crise do movimento comunista e, em geral, o retrocesso do movimento operário e a assimilação das organizações sindicais pelo sistema capitalista levaram a isso.
Assim, sob condições de reprodução capitalista ampliada, a tendência à redução de renda dos trabalhadores prevaleceu, enquanto, por outro lado, aumentou o grau de exploração.
Esta tendência se concretizou em decisões estratégicas unificadas. Na União Europeia, por exemplo, estas decisões se codificaram na Estratégia de Lisboa, que promove a restrição dos direitos dos trabalhadores e pensionistas para chegar ao objetivo da denominada “redução do custo de trabalho” no mercado da UE.
No período seguinte, nos primeiros dez anos do século XXI, houve novas fusões e aquisições, ampliou-se a interconexão internacional do capital, intensificaram-se a competição capitalista internacional e a formação de alianças e uniões regionais mais ou menos coesas.
A tendência às mudanças entre as economias capitalistas desigualmente emergentes se fortaleceu. Isso leva ao fim do equilíbrio de forças no mercado capitalista internacional que se formou há 70 anos. Ao mesmo tempo, essa tendência se expressou através de novas exigências estatais e interestatais em favor de mudanças nos acordos e cooperações internacionais, como, por exemplo, nos acordos da OMC, na composição de órgãos do FMI e do Banco Mundial, na composição das reservas internacionais de divisas, nas divisas utilizadas no comércio de materiais industriais e na expansão do G7.
Durante o ciclo prévio da crise capitalista internacional, isso era facilmente detectável. No entanto, na atual crise, se converteu em uma tendência irreversível. Sobre essa base se desenvolveu o novo ciclo da crise econômica capitalista internacional, o atual. Começou nos Estados Unidos, transferiu-se para a Zona do Euro – talvez com maior profundidade – e engloba ao mesmo tempo a Grã-Bretanha, o Japão, a Rússia, Turquia e países da América Latina. Até agora, há um impacto na China e na Índia através de uma queda na taxa de crescimento.
Análise do KKE para a atual crise econômica mundial
Espera-se que a atual recessão seja de maior duração que a anterior e que a transição para uma nova fase de revitalização e crescimento seja apenas perceptível. No entanto, o mais importante são as previsões que podemos fazer sobre a posição da classe operária e, em geral, da maior parte dos trabalhadores autônomos, na fase de recuperação da recessão.
Consideramos que a mesma tendência que se manifestou nas duas décadas anteriores – de deterioração – continuará e piorará. A única via para evitar isso é uma aparente revitalização político-ideológica e organizativa do movimento comunista internacional, a emancipação do movimento sindical do governo e do sindicalismo amarelo, o abandono dos mecanismos de manipulação da UE (exemplo: o CES – Conselho Econômico e Social – etc.), a emancipação político-ideológica de mais forças operárias da enganosa influência exercida pela denominada socialdemocracia, através de velhas ou novas formações políticas.
As contradições internas do capitalismo e o antagonismo capitalista internacional alcançaram um nível no qual a classe operária, os trabalhadores autônomos – que estão próximos em termos de rendimentos e padrão de vida – e os setores mais baixos da classe média unicamente podem frear o processo de deterioração de sua posição se contra-atacarem, se abandonarem as ciladas políticas do compromisso, do consenso, da aceitação de uma suposta “colaboração de classes” para fazer frente à crise.
O movimento operário e sindical perde suas características de movimento que luta por salários, redução da jornada de trabalho, etc., quando seus órgãos dirigentes, tais como a Confederação Geral Grega do Trabalho (GSEE), conseguem acordos com a Federação de Empresas Industriais Gregas (SEB) para fazer frente, em conjunto, à crise.
O movimento operário e popular pode e deve ser reagrupado com uma orientação claramente antiimperialista, antimonopolista e anticapitalista. Deve utilizar, em todo país, qualquer brecha aberta pela vacilação político-ideológica e organizativa.
Afirmamos que, quando culminar o próximo ciclo da crise, quando vier a fase seguinte de recessão, a gestão burguesa terá que enfrentar grandes dificuldades, serão formados sucessivos governos sem estabilidade, serão agravados os desacordos no seio da EU, e a defesa ideológica do sistema capitalista será profundamente golpeada
Com um pouco de imaginação criativa, baseada na análise científica, poderíamos dizer que nos dirigimos a um novo 1929 ou talvez um novo 1937. Estas previsões também são feitas pelos analistas burgueses e os centros imperialistas de estudos estratégicos em nível nacional ou transnacional.
O papel específico da socialdemocracia no resgate do sistema
Para salvar o sistema, liberais e socialdemocratas, de Sarcozy a Obama, Brown e Lothar Bisky, todos prometem um “capitalismo humano, saudável”.
A socialdemocracia internacional tem uma importante atividade, centrando seu esforço para culpar unicamente o “neoliberalismo” pela crise, sua suposta fórmula ineficaz e a equivocada proporção existente entre o poder do mercado e a regulamentação estatal, regional e internacional.
A socialdemocracia internacional se esforçou para convencer as massas operárias e populares de que elaborou uma nova fórmula. Em outras palavras, os socialdemocratas argumentam que encontraram a proporção adequada entre, de um lado, a política que promove a concentração e centralização de capital, com o apoio aos monopólios, e, do outro, a política que controla as irregularidades do mercado por meio de um ou vários bancos controlados pelo Estado ou por meio da nacionalização de várias empresas problemáticas na indústria e no transporte. As noções da “Economia Verde” e a “melhor distribuição” constituem os complementos essenciais deste esforço.
As medidas imediatas propostas pela socialdemocracia não puderam desviar-se da direção de apoio aos grupos monopolistas e da reprodução capitalista. É significativo o chamado que fez a Comissão Stiglitz aos membros do G-20 para que centrassem sua ação no aumento da liquidez da economia real, apoiando novas prestações. No Simpósio em Atenas, G. Papandreu, presidente da Internacional Socialista e, atualmente, primeiro ministro da Grécia, enfocou de novo a necessidade de garantir a adequação de capital dos grupos financeiros. Esta política põe em risco os rendimentos populares, visto que o pagamento das amortizações futuras será feita pelos contribuintes, a maioria dos quais são empregados e autônomos.
A “Economia Verde”, na realidade, é uma proposta de gestão dos problemas ambientais segundo os interesses e as decisões do capital monopolista. Dirige os investimentos para a adoção de novas tecnologias, impulsionando o desenvolvimento capitalista, enquanto um dos seus objetivos é a redução da dependência energética da UE.
Novas formações políticas, como o PEE (Partido da Esquerda Europeia), apareceram no seio da socialdemocracia, principalmente a corrente que reivindica a existência de empresas estatais, juntamente com o domínio dos monopólios, no “socialismo democrático”. Afirmam que descobriram – com mais efetividade que outros partidos – o equilíbrio entre o “mercado” e a “regulação”, o capital “privado” e o “estatal”. Além disso, afirmam que, para que esta solução seja a mais efetiva, as contradições no seio da UE deveriam ser eliminadas por meio do fortalecimento de suas estruturas e da formação de um governo da UE.
Na realidade, funcionam como obstáculo ideológico-político no desenvolvimento da luta de classes, na maturação da consciência política, fomentando ilusões de um capitalismo mais humano e justo, mediante uma justa redistribuição da riqueza. Ocultam conscientemente que a fonte da riqueza é a exploração do trabalhador pelo capital e que as relações na esfera da distribuição se definem pelas relações de propriedade sobre os meios de produção.
Apresentam a crise atual como crise do “capitalismo cassino” e consideram que se deve ao fato que o mercado global há 30 anos não foi submetido a nenhum controle político. Acreditam, tal como a socialdemocracia em seu conjunto, que a causa da crise é a denominada gestão “neoliberal”.
De fato, adaptam a velha linha socialdemocrata de reformas à atual situação da UE. No lugar de monopólios estatais que sirvam aos monopólios privados, propõem o monopólio interestatal europeu. Sobre a gestão governamental da nação-estado, sugerem um forte governo interestatal supostamente capaz de expressar os interesses gerais na UE e resolver as contradições entre seus estados membros.
Neste marco, o Partido da Esquerda Europeia sustenta que o sistema financeiro deve ser submetido ao controle público e social. Pede que mude o papel do Banco Central Europeu para que possa alinhar-se com critérios como o emprego, o desenvolvimento social e ecológico, etc.
Na realidade, seus representantes são “mais papistas que o papa”, já que proporcionam um pretexto socialista “de esquerda” ao fortalecimento dos 73 mecanismos repressivos existentes e a aparição de outros novos.
O papel específico deste partido consiste na renovação da socialdemocracia para servir ao sistema com mais eficiência. Serve à manipulação ideológica quando semeia a ilusão por uma UE favorável aos povos, por uma gestão em favor dos povos, sobre a base do domínio econômico dos monopólios.
A desigualdade e as contradições no seio da UE são inevitáveis
A atual crise econômica na Zona do Euro agravou as contradições entre os estados membros, inclusive em seu núcleo central, como o KKE havia previsto e afirmado.
Apesar da interrelação de capitais, apesar da estratégia comum contra a classe operária, o estado-nação continua sendo o órgão que garante o domínio econômico dos monopólios e serve à concentração e centralização do capital, em antagonismo com outros processos similares em outros estados membros da UE.
A desigualdade capitalista existe na fase de reprodução ampliada, assim como na de recessão, e se manifesta em nível geral da produção, na produção laboral, na proporção das indústrias, nos salários, nas exportações e importações de mercadorias percentualmente no PIB, na entrada e saída de capitais.
Esta desigualdade se reflete na situação financeira de cada estado, nos diferentes tamanhos da dívida pública e nos déficits, nos diferentes tipos de juros em cada estado, tal como é estabelecido pelo mercado internacional com base na posição de cada estado na Zona do Euro e no sistema imperialista internacional.
Esta desigualdade impossibilita a formação de uma política financeira comum, inclusive, em condições de recessão. Isto foi visto em diferentes propostas, como as da Alemanha e Grã-Bretanha, sobre as medidas e pacotes de gestão da crise, assim como na formação de taxas de juros acima das que fixava o Banco Central Europeu.
As diferentes visões sobre o Pacto de Estabilidade, sobre se este se inclina pela flexibilidade financeira ou pela estabilidade monetária, expressam as diferentes necessidades dos estados membros, e não uma falta de órgãos de governo da UE ou um excesso de poder do Banco Central Europeu, como afirmam o PEE e o SYN/SYRIZA.
Nas atuais condições de recessão, a desigualdade se manifestou na economia grega com maior gravidade que nas fases anteriores. Problemas crônicos se agravaram, como a dívida pública, o déficit comercial e o estancamento, no longo prazo, da indústria manufatureira.
A tendência à mudança da correlação de forças no mercado internacional
Está claro que a intensificação do desenvolvimento desigual é um fenômeno generalizado na UE e no sistema imperialista internacional. A característica geral da depreciação do capital durante a crise não se manifesta proporcionalmente em todos os estados, setores e empresas (de capital privado ou por ações). Assim, a recessão e a fase de estabilização e revitalização ocasionam reorganizações da correlação de forças entre as várias empresas, setores e economias em nível estatal.
No entanto, mudanças importantes se incubam num período amplo que inclui mais de um ciclo de crise econômica. A crise atual cristaliza as mudanças na correlação de forças incubadas nos últimos 30 anos, aproximadamente em 3 ciclos de crise que afetaram a maioria das economias capitalistas avançadas. Nos últimos 10 anos estas mudanças se aceleraram.
No período de 1980-2008, a tendência à queda da participação dos Estados Unidos, da Zona do Euro e do Japão no PIB foi dominante. De forma contrária, a participação da China aumentou (440% no período de 1980-2007), e a China alcançou a terceira posição, atrás da Zona do Euro. Além disso, a participação da Índia e da Rússia no PIB também aumentou (a Índia, 110% no período de 1980-2007, e Rússia, 19,3% no período de 2000-2007).
A participação da Zona do Euro caiu rapidamente no período de 2000-2007 (12,8%), igual à participação da Grécia (aproximadamente o dobro da média da Zona do Euro). A tendência para a piora da participação se mantém, em 2008 e 2009, quanto aos Estados Unidos, à Zona do Euro (incluindo a Grécia) e o Japão.
As mesmas tendências se refletem na participação proporcional nas entradas e saídas (inflow/outflow) mundiais de capital para investimentos diretos, embora com algumas diversificações; mas, concretamente, no período entre 1980 e 2006, a China, a Rússia e a Índia viram subir sua participação no crescimento de entradas e saídas (com flutuações), enquanto os Estados Unidos viram como sua participação caía. O Japão mantém sua parte em saídas, enquanto a Zona do Euro aumenta sua participação em entradas e saídas, mantendo a primeira posição internacional. No período de 1980-2006, a participação grega nas entradas foi reduzida (de 1,22 a 0,41%), enquanto sua participação em saídas aumentou (de 0% em 1990 a 0,34% em 2006). Durante esse período, a Grécia se converte em exportador líquido de capitais.
A participação nas exportações e importações mundiais constitui outro índice importante. No período de 1980-2007, a participação nas importações e exportações refletiu as seguintes tendências: os Estados Unidos tiveram uma perda na participação das exportações (de 11,1% em 1980 a 8,41% em 2007), igual ao Japão (de 6,42% a 5,13%). A Zona do Euro manteve praticamente igual sua proporção, com flutuações, mantendo a primeira posição (1980: 30,75%, 1990: 35,05%, 2007: 29,19%). No entanto, a perda de 6% no período de 1990-2007 não deve ser subestimada. A Grécia sofreu uma perda na sua participação (1980: 0,25%, 2007: 0,17%).
A participação da China denotou um incremento espetacular de 890% (1980: 0,89%, 2007: 8,81%), ficando na segunda posição, à frente dos Estados Unidos. A Rússia e a Índia também mostram uma tendência a subir, mas ainda tem pouca participação (em 2007, a Rússia teve uma participação de 2,57% e a Índia, de 1,05%).
A tendência na participação nas importações mundiais é a seguinte: a Zona do Euro mantém a primeira posição nas importações com uma tendência à queda (1980: 34,28%, 2007: 28%). A Grécia continua no mesmo nível (1980: 0,51%, 2007: 0,53%). A participação do Japão se reduz (1980: 6,81%, 2007: 4,41%), enquanto a dos Estados Unidos cresce (1980: 12,39%, 2007: 14,35%) e mantém a segunda posição em importações, igual à da China (1980: 0,96%, 2007: 6,8%), que tem a terceira posição. Além disso, a Rússia e a Índia refletem um aumento limitado de sua participação.
Também está se reorganizando o âmbito privado (ou de fundos corporativos). Segundo a lista dos 1000 homens mais ricos da Grã-Bretanha, publicada na edição semanal do “Sunday Times”, a metade dos dez primeiros aumentou sua riqueza durante a crise em 1.054 milhões de euros (43%), enquanto o resto viu cair sua riqueza em 33.738 milhões de euros (-242%).
Em condições de recessão, enquanto o número de companhias com perdas se incrementa, há empresas que ainda acumulam lucros, com taxas reduzidas ou crescentes. No segundo caso, por exemplo, inclui-se a empresa alemã Siemens, que no primeiro trimestre de 2009 alcançou lucros de 1.010 milhões de euros, enquanto no primeiro trimestre de 2008 seus lucros foram de 412 milhões de euros (incremento de 145%), com um incremento anual de vendas de 5%.
Fenômenos similares acontecem na economia grega. A estimativa de lucros dos 8 principais bancos (National, Eurobank, Pireaus, Cyprus, Marfin, Agricutural Bank oj Greece e Emporiki) para o primeiro trimestre de 2009 era de 610 milhões de euros, enquanto no primeiro trimestre do ano passado os lucros foram de 1.195 milhões de euros, o que mostra uma queda de 50%.
A reclassificação das ações também se leva a cabo em um subsetor como o do transporte aéreo, entre a Olympic Airways e a Aegean Airlines. A reclassificação também se promove por meio de amortizações como as do Grupo Marfin (Vivartia e Olympic Airways) e da fusão já incubada de novas empresas financeiras na Grécia.
Esta tendência é óbvia no mercado internacional, particularmente nos setores nos quais a crise de superprodução se manifestou inicialmente, como a indústria automobilística.
Assim, um novo ciclo de centralização de capitais, que havia se depreciado na fase de recessão, está se preparando para entrar numa fase de crescimento, por meio do processo produtivo, do processo de exploração da força de trabalho.
A saída da recessão busca ganhar um lucro adicional conquistando novos mercados. Cresce o antagonismo, são discutidas velhas regulamentações e estabelecidas outras novas, inclusive, aproveitando as condições criadas pelas guerras imperialistas.
Estas tendências podem ser resumidas da seguinte maneira:
• Os Estados Unidos continuam sendo a primeira potência no PIB, mas com uma deterioração de todos os outros índices.
• O crescimento da China é impressionante, ainda que não esteja à altura da produtividade global (per capita).
• A posição competitiva das mercadorias da Zona do Euro melhorou (ao contrário da posição da Grécia, que se deteriorou). A posição da China melhorou ostensivamente, enquanto que, por outro lado, é bastante óbvia a deterioração da posição competitiva dos Estados Unidos e do Japão.
• A posição competitiva da Índia e da Rússia se mantém baixa, mas com uma tendência à alta.
• A posição da Grécia se reflete de forma contraditória. Por um lado, sua participação no PIB é baixa, e sua posição em relação às exportações piora, caracterizada, principalmente, por uma participação relativamente menor que sua participação no PIB, enquanto melhora a posição que ocupa na saída de capitais.
O índice “posição de investimento internacional líquido” para a Grécia continua sendo negativa (soma de Investimentos Diretos, Investimentos na Bolsa, Derivados, outros investimentos, Reservas de Divisas), em 183.944 bilhões de euros em 2008, embora caia a porcentagem do PIB (2006: -83,6%, 2007: -94%, 2008: -75,7%) [4].
Em combinação com o desenvolvimento de outros índices econômicos, já mencionados, podemos afirmar que, durante o período de integração na CEE – e particularmente na Zona do Euro –, a economia grega perdeu quanto à sua posição competitiva na produção industrial doméstica (principalmente a indústria manufatureira), mas aumentou a acumulação de capital e a exportação de investimentos diretos.
Devemos assinalar neste ponto que, entre os mil mais ricos com atividade econômica na Grã-Bretanha, há 10 gregos, 4 dos quais estão entre os 100 primeiros (D. Leventis, M. Laimos, F. Niarchos, St. Hatziioannou). Esses dados confirmam a afirmação do XVIII Congresso do KKE de que a Grécia ocupa uma posição intermediária no sistema imperialista internacional, mantendo a mesma posição – a penúltima – na Zona do Euro, mas com uma posição melhorada no mercado dos Balcãs.
Sobre certas interpretações burguesas relativas à crise
Todo esse desenvolvimento capitalista desigual e contraditório na Grécia, na UE, nos Estados Unidos e em nível internacional não tem nenhuma relação com as teorias relativas ao “capitalismo cassino”, ao “superconsumo”, etc.
Sobre o “capitalismo cassino”
Refere-se a uma teoria que culpa o sistema financeiro pela crise e pela recessão na produção industrial. Na melhor das hipóteses, culpa as estruturas e regulamentações existentes no sistema financeiro em nível internacional, entre as quais estão inclusos o FMI, o Banco Mundial e os Órgãos de Avaliação (empresas, na realidade) e as instituições estatais – Agências de Qualificação Creditícia.
O isolamento dos fenômenos de parasitismo e a caracterização dos mesmos, como o “capitalismo cassino” ou como distorções do sistema financeiro em nível internacional é, no mínimo, uma excessiva simplificação – se não um engano indiscutível.
Não foi por acaso que os Acordos de Bretton Woods foram arruinados na crise de 1971-1973.
A decadência e o parasitismo (por exemplo, o fato de que, em 2008, os derivados econômicos em nível internacional foram equivalentes a 976% do PIB) são resultado do desenvolvimento capitalista em sua fase monopolista, resultado da propriedade por ações dos meios de produção, resultado da fusão do capital industrial com o bancário, ou seja, do capital financeiro. Essa é a base do capital fictício (por exemplo, os denominados “títulos podres”) ou dos preços fictícios na bolsa do capital industrial e comercial. Essa é a base do parasitismo.
Não é estranho que a superacumulação de capital apareça em companhias financeiras que operam como centro de acumulação de todo tipo de renda não investida (dos capitalistas e dos trabalhadores) e sua transformação em capital.
A própria natureza do capitalismo predispõe uma tendência à superprodução e à superacumulação de capital e em sua própria natureza também há uma tendência à expansão do capital fictício, assim como o cancelamento obrigatório da superprodução e a desvalorização de capital.
O crédito leva à superprodução e à superacumulação de capital até o inevitável momento em que a superprodução, a produção capitalista ampliada finalize. Será interrompida quando alcance seus limites e quando as consequências da anarquia e a deterioração (capital fictício) da produção capitalista tenham intensificado a contradição entre capital e força de trabalho.
Sobre a “distorção do superconsumo” do desenvolvimento capitalista
Alguns teóricos projetam a necessidade de “novos modelos” para a economia grega. Afirmam que o extremamente rápido desenvolvimento da Grécia durante o período de 2000-2008, segundo os índices de qualidade de vida da ONU (a Grécia ocupava o posto 24 de 175), foi resultado do superconsumo e do superendividamento do estado, dos lares e das empresas. Garantem que este “modelo” esgotou suas possibilidades, enquanto que um novo modelo deverá ser necessariamente mais controlado, mais produtivo e mais austero. Em relação direta com isso está a declaração feita pelo Presidente do Banco da Grécia.
Esse ponto de vista tenta conscientemente reforçar o conceito do capitalismo na consciência popular. A dependência direta que as pessoas têm do sistema bancário (hipotecas, empréstimos ao consumidor e cartões de crédito), expressa nos denominados “superendividamento” e o “superconsumo”, é uma característica do capitalismo desenvolvido. Isso é evidente com o superendividamento dos Estados Unidos, que tomou a forma de uso massivo de “dinheiro de plástico” – os cartões.
A teoria do superconsumo ou seu oposto, o infraconsumo, não leva em conta a força motriz da produção capitalista, que é o lucro, a apropriação de mais-valia e não a produção de valores de uso para a satisfação das necessidades sociais. Oculta o fato de que, inicialmente, a anarquia e a desigualdade se expressam entre os próprios capitalistas, que compram e vendem mercadorias entre si mesmos, usadas então na produção capitalista; não leva em conta que a anarquia se expressa entre os ramos da produção industrial.
A anarquia e a desigualdade da reprodução capitalista se expressam em primeiro e principal lugar, por um lado, no intercâmbio entre os capitalistas da categoria de produção de produtos industriais e, por outro lado, entre aqueles capitalistas da categoria de produção de produtos para o consumo direto.
Como fator secundário relacionado, a anarquia se expressa na esfera da circulação de mercadorias de consumo direto, na área que se refere ao intercâmbio entre o consumidor e o empresário. Isto é, se expressa secundariamente como uma debilidade no gasto do consumidor, devido à entrada da classe operária neste mercado, cuja intensificação está claramente em direta relação com o grau de exploração.
Numa crise, a reprodução ampliada capitalista é abruptamente interrompida. Com uma recessão, a restauração das desproporções mais extremas tem lugar, em parte, instantaneamente para que se ponha em marcha um novo ciclo de reprodução ampliada capitalista anárquica.
Resumindo a crise
O que está acontecendo hoje – a desvalorização de capital em toda forma (comercial, financeiro) e a desvalorização da força de trabalho (como mercadoria) – ocorreu repetidamente no passado, com sua primeira aparição no começo do século XIX, e voltará a ocorrer novamente no futuro, enquanto existir o capitalismo.
A inevitabilidade da crise se encontra no DNA do capitalismo, encontra-se no contraditório caráter mercantil da produção capitalista de mercadorias, em sua anarquia e desigualdade, em sua tendência de garantir inicialmente o lucro adicional capitalista com a introdução de nova maquinaria mais produtiva, assim como com a exploração de capital industrial em países com força de trabalho mais barata, fatores que agravam a contradição entre capital e força de trabalho, a contradição entre o caráter social da produção e a apropriação privada de seus produtos, devido à propriedade privada dos meios de produção. O mesmo impulso pelo lucro adicional leva à tendência decrescente da porcentagem média de lucro.
Uma economia capitalista precisa de uma força motriz que leve a reprodução capitalista a seus extremos, a acumular imensos lucros e a que a apropriação de mais-valia da classe operária adote uma forma de especulação monetária. Significa que esses imensos lucros, expressos em diferentes formas de capital e na esfera de sua circulação (fundos mútuos, bônus, ações em órgãos financeiros e companhias de fundos financeiros para gestão de capital – hedges funds), reproduzidos como capital, como valor autocrescente, devem ser reciclados no processo produtivo, sugando novo trabalho não remunerado como vampiros, para que se transformem em mercadoria, que em seguida se vende e se expressa como novo lucro.
A necessidade da propriedade social e do planejamento central – frentes de luta
A raiz da crise pode ser arrancada unicamente com a abolição da propriedade capitalista, com o fim da anarquia da produção capitalista, com o planejamento central de uma reprodução ampliada, tendo como objetivo a produção de valores de uso para a sempre crescente e ampliada satisfação das necessidades sociais.
Somente sobre a base de uma indústria socialista pode ser mudada a distribuição da força de trabalho, os meios e materiais de produção da riqueza social. Só assim se pode apoiar a produção agrícola cooperativa, o dinheiro pode perder sua substância como forma de valor, como meio de distribuição de mais-valia, pode desaparecer o caráter especulativo do Banco Central.
Esse é o futuro: economia popular, socialista, a alternativa real à barbárie capitalista.
Essa é a necessidade de hoje, a qual é rejeitada bem diretamente pelas forças liberais burguesas ou, indiretamente, pelas autodenominadas correntes “socialistas democráticas”, que distorcem e difamam sua expressão histórica inicial na União Soviética.
No entanto, é um fato histórico que, na década de 30, havia dois mundos: um mundo destroçado pela competição e a crise capitalista, e um mundo socialista que se caracterizava não só por impressionantes taxas de produção industrial, como também por impressionantes taxas de desenvolvimento na prosperidade social.
A verdade confirmada historicamente é que a propriedade social e o planejamento central foram derrotados quando a luta de classes não teve o conhecimento e a força para levar a cabo a destruição de toda forma de propriedade individual, de toda fonte de riqueza individual.
Devido a essas posições relativas ao outro rumo da produção social e da organização da sociedade, o KKE é acusado de remeter a satisfação das necessidades imediatas do povo trabalhador ao socialismo.
Isso é uma mentira consciente dos partidos burgueses e oportunistas.
O KKE foi e será firme em seu apoio às exigências de direitos do povo trabalhador, da juventude, dos pensionistas, com coerência em suas palavras e fatos, porque tem um rumo estratégico.
Por essa razão, foi e será capaz de defender coerentemente o direito ao trabalho em tempo integral e estável, à garantia de proteção social aos desempregados, à maternidade, aos estudantes universitários que trabalham, aos direitos sindicais, aos rendimentos dos agricultores, aos direitos dos pequenos proprietários, dos imigrantes e refugiados políticos, pela educação gratuita e exclusivamente pública, pela saúde, pelas pensões, pela proteção do maio ambiente, pelo combate às consequências negativas e antipopulares de nossa inclusão na UE e na OTAN.
O fortalecimento político do KKE significa o fortalecimento de uma força que pode lutar pelos direitos, uma força de resistência contra os novos ataques antioperários e antipopulares dos patrões e do governo, assim como uma força para arrancar novas conquistas, uma força para os interesses operários e populares hoje e no futuro.
[1] Eurostat Statistics in focus, 18/2009.
[2] Report by the Governor of the Bank of Greece for 2008, p.36.
[3] Source: Bank of Greece, p.67.
[4] Relatório do Governador do Banco da Grécia, p. 157.

13/06/2010

Fidel: A suástica do Führer parece ser hoje a bandeira de Israel


Na terça-feira, 8 de junho, escrevi a reflexão "No limiar da tragédia", por volta do meio-dia, e, mais tarde, vi o programa televisivo "Mesa-Redonda", de Randy Alonso, que é exibido normalmente às 18h30.

Nesse dia, destacados e prestigiosos intelectuais cubanos que participavam da Mesa, perante as agudas perguntas do diretor, responderam com eloquentes palavras que respeitavam grandemente minhas opiniões, mas que não acreditavam que haveria razão para que o Irã recusasse a possível decisão, já conhecida, que adotaria o Conselho de Segurança, na manhã de 9 de junho, em Nova Iorque, sem dúvida alguma combinada entre os líderes das cinco potências com direito ao veto: os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, com os da Rússia e da China.

Nesse instante, expressei às pessoas próximas que costumam acompanhar-me: "Lamento imensamente não ter podido finalizar minha reflexão expressando que ninguém desejava mais que eu estar enganado!", mas era já tarde, não podia atrasar seu envio ao site CubaDebate e ao jornal Granma.

No dia seguinte, às 10h, sabendo que essa era a hora da reunião, pensei em sintonizar a CNN em espanhol, que, com certeza, daria notícias do debate no Conselho de Segurança. Pude assim escutar as palavras com que o presidente do Conselho apresentava um projeto de resolução, promovido dias antes pelos Estados Unidos, apoiado pela França, Grã-Bretanha e Alemanha.

Falaram também vários representantes dos principais países envolvidos no projeto. A representante dos Estados Unidos explicou por que seu país aprovava isso, com o pretexto já sabido de sancionar o Irã por ter violado os princípios do Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

Por sua vez, o representante da Turquia - nação cujos navios foram vítimas do brutal ataque das forças de elite de Israel, que, transportadas em helicópteros, assaltaram na madrugada de 31 de maio a flotilha que levava alimentos para o milhão e meio de palestinos sitiados num fragmento de sua própria Pátria - manifestou a intenção de seu governo de se opor a novas sanções ao Irã.

A CNN, no espaço que dispunha para notícias, apresentou várias imagens de mãos leventadas, na medida em que expressavam com gestos visíveis sua posição, entre elas, a do representante do Líbano, país que se absteve durante a votação.

A presença serena dos membros do Conselho de Segurança que votaram contra a Resolução se expressou com a direita firme de uma mão de mulher, a representante do Brasil, que tinha exposto antes com tom seguro as razões pelas quais sua Pátria se opunha ao acordo.

Faltava ainda um monte de notícias sobre o tema; sintonizei a Telesur, que durante horas satisfez a incontável necessidade de informação.

O presidente Lula da Silva expressou na cidade de Natal, ao nordeste do país, duas frases lapidárias: que as sanções aprovadas eram impostas por "aqueles que acreditam na força e não no diálogo", e que a reunião do Conselho de Segurança "poderia ter servido para discutir o desarmamento dos que já têm armas atômicas".

Nada de estranho se tanto Israel como Estados Unidos e seus estreitos aliados com direito a veto no Conselho de Segurança , França e Grã-Bretanha, queiram aproveitar o enorme interesse que desperta o Mundial de futebol para tranqüilizar a opinião internacional, indignada pela criminosa conduta das tropas de elite israelenses na Faixa de Gaza.

É, portanto, muito provável que o golpe arteiro se dilate algumas semanas, e inclusive, seja esquecido pela maioria das pessoas nos dias mais calorosos do verão boreal. É preciso observar o cinismo com que os líderes israelenses responderão as entrevistas da imprensa nos próximos dias, em que serão bombardeados com perguntas. Oportunamente, eles irão elevando o rigor de suas exigências antes de apertar o gatilho. Anseiam repetir a história de Mossadegh, em 1953, ou levar o Irã à idade de pedra, uma ameaça da qual gosta o poderoso império em seus tratos com o Paquistão.

O ódio do Estado de Israel contra os palestinos é tal, que não hesitaria em enviar o milhão e meio de homens, mulheres e crianças desse país aos crematórios nos quais foram exterminados pelos nazistas milhões de judeus de todas as idades.

A suástica do Führer parece ser hoje a bandeira de Israel. Esta opinião não nasce do ódio, mas do sentimento de um país que se solidarizou e prestou auxílio aos judeus nos duros dias da Segunda Guerra Mundial, quando o Governo pró-americano de Batista tratou de enviar de volta de Cuba uma embarcação carregada deles, que escapavam da França, Bélgica e Holanda, por causa da perseguição nazista.

Conheci muitos membros da numerosa comunidade judaica radicada em Cuba, quando triunfou a Revolução; visitei-os e falei com eles várias vezes. Nunca os expulsamos de nosso país. As diferenças com muitos deles surgiram por ocasião das leis revolucionárias que afetaram interesses econômicos, e, por outro lado, a sociedade de consumo atraía a muitos, frente aos sacrifícios que implicava a Revolução. Outros permaneceram em nossa Pátria e prestaram valiosos serviços a Cuba.

Uma etapa nova e tenebrosa abre-se para o mundo.

Ontem, às 0h44 falou Obama sobre o acordo do Conselho de Segurança.

Eis algumas notas do que expressou o presidente, tomadas da CNN em espanhol.

"Hoje, o Conselho de Segurança da ONU votou, por maioria, a favor de uma sanção contra o Irã por seus repetidos descumprimentos…".

"Esta resolução é a sanção mais forte que enfrenta o governo iraniano e envia uma mensagem inequívoca sobre o compromisso da comunidade internacional de frear a expansão das armas nucleares."

"Por anos, o governo iraniano descumpriu suas obrigações recolhidas no Tratado de Não-Proliferação Nuclear."

"Enquanto os líderes iranianos se escondem por trás de retórica, suas ações os comprometeram".

"De fato, quando tomei posse, há 16 meses, a intransigência iraniana era forte".

"Oferecemos-lhes perspectivas de um melhor futuro se cumprissem suas obrigações internacionais".

"Aqui não há duplo padrão".

"O Irã violou suas obrigações sob as resoluções do Conselho de Segurança, para suspender o enriquecimento de urânio".

"Por isso, estas medidas tão severas".

"São as mais rigorosas que já enfrentou o Irã".

"Isto demonstra a visão partilhada de que, no Oriente Médio, a ninguém convêm desenvolver estas armas".

Estas frases que selecionei de seu breve discurso são mais que suficientes para demonstrar quão fraca, débil e injustificável é a política do poderoso império.

O próprio Obama admitiu em seu discurso, na universidade islâmica de Al-Azhar, no Cairo, que "em meio à Guerra Fria, os Estados Unidos desempenharam um papel na derrubada de um governo iraniano eleito democraticamente", apesar de que não disse quando nem com que propósitos. É possível que nem sequer se lembrasse como o levaram a cabo contra Mossadegh, em 1953, para instalar no governo a dinastia de Reza Pahlevi, o xá do Irã, ao qual armaram até os dentes, como seu principal gendarme nessa região do Oriente Médio, onde o déspota acumulou uma imensa fortuna, derivada das riquezas petroleiras desse país.

Naquela época, o Estado de Israel não possuía uma só arma nuclear. O império tinha um enorme e insuperável poder nuclear. Então, os Estados Unidos pensaram na arriscada ideia de criar, em Israel, um gendarme no Oriente Médio, que hoje ameaça uma parte considerável da população mundial e é capaz de atuar com a independência e o fanatismo que o caracterizam.

Fidel Castro Ruz
10 de junho de 2010
11h59.
Fonte: Granma e Terra