16/06/2010

Sintomas mórbidos de um fascismo de novo tipo.

Humberto Carvalho*.
“Ojo bolche, Taquara te vigila”
(“Abre os olhos bolchevique, Taquara te vigia”,
slogan de uma organização de extrema
direita que se via pintado em muros,
antes da ditadura militar, no Uruguai)
A crise capitalista tende a sair do campo econômico e a se transformar em crise política, pela invisibilidade de alternativas dos agentes políticos do capital em indicar mudanças de rumo.
Embora “a História não se repita, a não ser como farsa”, é inevitável a comparação desta crise com a de 29 e os anos de depressão que se seguiram.
Na crise de 29, nos EUA, houve sinalização de mudanças com a adesão de F. D. Roosevelt às idéias keynesianas que evitaram a transformação da crise econômica, naquele país, numa crise política.
Na Alemanha, ao contrário, não houve sinalização de mudanças e o quadro se degenerou, com a eleição de Hitler, em 1933, iniciando-se o nazismo.
Na Itália, devido à crise que já existia no país, antes da crise geral de 29, numa espécie de antecipação ao “crash” da bolsa de Nova Iorque, já em 22, Mussolini assumia o poder como uma maneira de por um fim às perturbações sociais decorrentes da crise italiana, iniciando-se o domínio fascista.
Hoje em dia, nos EUA, os setores conservadores, como o representado por Bush, apontam descaradamente a guerra como uma bandeira de um novo impulso da economia a partir do ciclo destruição-reconstrução e da realização de maciços investimentos no complexo industrial-militar com indução e subvenções estatais. Mas, esses setores sofreram um sério revés eleitoral, para setores ditos mais “liberais”, como o representado por Barack Obama que, entretanto, não abandonou o uso da força para impor a vontade imperialista.
Se Obama não sinalizar mudanças internamente, como, por exemplo, as introduzidas por F. Delano Roosevelt na Grande Depressão, tudo indica que a crise econômica, nos EUA, se transformará em crise política, dando espaço para um “neofascismo”. A esse respeito, diga-se que o problema do desemprego, um dos grandes chamarizes das eleições americanas, foi analisado pelo professor Edward Luttwak, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais da Universidade George Washington. O estudo foi traduzido no Brasil pela revista Novos Estudos do CEBRAP, em novembro de 1994. O professor Luttwak focaliza o caso dos EEUU e considera não ter sido este problema respondido satisfatoriamente nem pelos republicanos nem pela esquerda moderada abrindo, portanto, um espaço provavelmente a ser ocupado por uma espécie de partido fascista melhorado. Sintomaticamente, o título do artigo é: "Por que o Fascismo é a Onda do Futuro".
Na Europa, vários partidos racistas, apontando falsamente que o problema do desemprego é a presença de imigrantes africanos e asiáticos, repetem a idéia de um bode expiatório, nos moldes nazi-fascistas. Inclusive, esses partidos alcançam expressivos resultados eleitorais, especialmente em eleições regionais e locais.
Juan Diego Garcia, da Argenpress, no lúcido artigo “El renascer del fascismo” (“O renascer do fascismo” que vai, aqui, traduzido do espanhol) aponta o Tea Party, nos EUA, como um exemplo dessa “onda do futuro”:
“O ‘Tea Party’ (Partido do Chá) nos Estados Unidos constitui a expressão do fundamentalismo cristão, com sua carga de xenofobia, racismo exacerbado e tradicionalismo (sem esquecer seu discurso da defesa do livre mercado), um programa que recolhe as duas grandes vertentes do pensamento burguês atual, a neoliberal (no campo econômico) e a conservadora ( no âmbito da moral pública e da vida cotidiana). A estratégia desse movimento de extrema direita não exclui nenhum dos conhecidos métodos do terror: pressões, intimidações, manipulações e ameaças de morte, numa atmosfera de cumplicidade suspeita e de impunidade garantida que traz à memória os anos negros da KKK ou o da caça às bruxas do macarthismo.”
O mesmo autor apresenta as características desse fascismo de novo tipo:
“O novo fascismo tem suas formas próprias e sua linguagem particular mas coincide basicamente com o anterior, incluindo o inevitável ‘bode expiatório’. Agora, ademais de judeus, comunistas e ciganos, trata-se de muçulmanos, negros, latino-americanos e imigrantes pobres em geral. Como na dura atmosfera da Grande Crise que precedeu ao fascismo, hoje se produz uma grande concentração no ramo do poder executivo em detrimento do suposto equilíbrio dos poderes, convertendo os parlamentos e o poder judiciário em simples instrumentos dóceis do executivo que, por sua vez, resulta prisioneiro de grandes conglomerados de interesses (encabeçados pelo capital financeiro e especulativo); também se produz a negação do jogo político tão caro ao ideário democrático burguês, substituído por instâncias opacas que funcionam sem nenhum controle democrático, como ocorre com os governos de fato. As decisões-chaves são tomadas prioritariamente nos centros econômicos e nas instituições financeiras, em detrimento dos parlamentos ou dos conselhos de ministros. O poder legislativo se limita a dar legalidade às propostas oriundas do executivo que, por sua vez, atua segundos as ‘sugestões’ de grupos de interesses privados nacionais e estrangeiros. O recorte sistemático do espaço político,a invasão crescente da privacidade e o manejo de conflitos com táticas de ‘guerra urbana’ como ocorreu recentemente na Dinamarca e na Grécia transformam o direito de protesto num risco,em contraste com a tolerância com a atuação dos bandos de rua do novo fascismo. Em síntese, há um panorama de conflito bélico interior e exterior com presságios nada tranqüilizantes.”
(Fonte: http://www.argenpress.info/2010/04/el-renacer-del-fascismo.html)
Vejamos os sintomas politicamente doentios que indicam o diagnóstico de um fascismo de novo tipo, de um “neofascismo”.
O fortalecimento de partidos como o Likud, em Israel, que protagoniza eventos típicos de barbárie fascista como a intervenção militar na Faixa de Gaza e o contínuo genocídio do povo palestino, periclitando a paz em todo o Oriente Médio, com o beneplácito do mundo “ocidental e cristão”.
A intervenção militar americana no Haiti, desrespeitando a já duvidosa “missão de paz” da ONU, num momento em que os haitianos mais necessitavam de ajuda humanitária para reconstruir o país, vitima de uma catástrofe.
A verdadeira guerra aos imigrantes, declarada pelos EUA, com o estabelecimento de considerável número de forças armadas na fronteira com o México, onde foi construído um “muro da vergonha” e através de leis persecutórias e incriminadoras de imigrantes.
O golpe de estado em Honduras que se manteve, apesar das pressões internas e externas, e onde continua a dura repressão à oposição.
A ameaçadora reativação da IVª Frota americana com um poderio bélico maior que a soma de todas as forças armadas dos países latino-americanos.
O estabelecimento de bases militares dos EUA na América do Sul, numa clara ameaça à paz na região, com o silêncio subserviente da maioria dos governos liberais ou social democratas.
A construção de um aeroporto militar norte-americano, na cidade de Mariscal Estigarribia, no Paraguai, que possibilita o controle da região da tríplice fronteira (Brasil, Argentina e Bolívia). Nessa região se assenta a maior reserva mundial de água doce, o Aqüífero Guarani, indicando que futuras guerras do imperialismo se darão pelo domínio da água no mundo.
O recente acordo militar Brasil-EUA com a criação de uma central de inteligência, sob o pretexto de combate ao narcotráfico, capaz de “controlar” a vida dos brasileiros.
Os constantes ataques aos mais elementares direitos humanos na Colômbia, onde se matam, diariamente, lideranças sindicais e oposicionistas e se combate, por todos os meios, legais e ilícitos, os chamados “crimes de consciência”.
Os recentes acontecimentos na Tailândia, onde se pôs fim aos protestos públicos através de uma grande mobilização e ação das forças armadas daquele país que destruiu o bairro onde se concentravam os chamados “camisas vermelhas”, com matança indiscriminada de pessoas.
Na Grécia, diante da resistência heróica às medidas propostas pelo governo, arquitetadas pela UE e FMI, o que restará para a direita a não ser a ditadura, ou pior, para impor as “medidas de austeridade”?
Os defensores do desacreditado neoliberalismo vinculados a movimentos de extrema direita, como se viu claramente no último “Fórum da Liberdade”, em Porto Alegre, a exemplo do “anarco-capitalista” David Friedman acompanhado de representantes do Movimento Endireita Brasil.
A deliberada confusão entre o direito de resistência – que é reconhecido até na Declaração de Independência dos EUA - com terrorismo, feita por todos os que querem estabelecer um clima de pânico para tirar proveito político.
A adoção de um “Memorando Anticomunista” pelo Parlamento Europeu, dando início a uma forte campanha não só ideológica, mas de repressão aos comunistas e simpatizantes.
As recentes proibições do uso de símbolos comunistas e da criminalização da ideologia e de partidos comunistas, com deturpação da História na equiparação do comunismo ao nazi-fascismo, em países como a Polônia, a Hungria, a Romênia, a Estônia, a Letônia, a Lituânia e a Moldávia.
A repressão violenta a manifestações de professores, servidores públicos e trabalhadores, em alguns Estados do Brasil, os esforços despendidos, inclusive por instituições que deveriam se apresentar como “neutras” (as manifestações de alguns Ministros do STF e de representantes do Ministério Público de alguns Estados), na tentativa de criminalizar movimentos sociais como o MST, são exemplos, também, desse fascismo de novo tipo.
*Membro do CC do PCB

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