05/03/2010

Vamos manter viva a universidade dos trabalhadores!

(Associação dos Amigos da Escola Florestan Fernandes)
José Arbex Jr.
(texto originalmente publicado na revista Caros Amigos)
Caros(as) amigos(as):
A Escola Nacional Florestan Fernandes pede a sua ajuda urgente para se manter em funcionamento (veja como contribuir, no final deste texto).
Situada em Guararema (a 70 km de São Paulo), a escola foi construída, entre os anos 2000 e 2005, graças ao trabalho voluntário de pelo menos mil trabalhadores sem terra e simpatizantes. Nos cinco primeiros anos de sua existência, passaram pela escola 16 mil militantes e quadros dos movimentos sociais do Brasil, da América Latina e da África. Não se trata, portanto, de uma “escola do MST”, mas de um patrimônio de todos os trabalhadores comprometidos com um projeto de transformação social. Entretanto, no momento em que o MST é obrigado a mobilizar as suas energias para resistir aos ataques implacáveis dos donos do capital, a escola torna-se carente de recursos. Nós não podemos permitir, sequer tolerar a ideia de que ela interrompa ou sequer diminua o ritmo de suas atividades.
A escola oferece cursos de nível superior, ministrados por mais de 500 professores, nas áreas de Filosofia Política, Teoria do Conhecimento, Sociologia Rural, Economia Política da Agricultura, História Social do Brasil, Conjuntura Internacional, Administração e Gestão Social, Educação do Campo e Estudos Latino-americanos. Além disso, cursos de especialização, em convênio com outras universidades (por exemplo, Direito e Comunicação no campo).
O acervo de sua biblioteca, formado com base em doações, conta hoje com mais de 40 mil volumes impressos, além de conteúdos com suporte em outros tipos de mídia. Para assegurar a possibilidade de participação das mulheres, foram construídas creches (as cirandas), onde os filhos permanecem enquanto as mães estudam.
A escola foi erguida sobre um terreno de 30 mil metros quadrados, com instalações de tijolos fabricados pelos próprios voluntários. Ao todo, são três salas de aula, que comportam juntas até 200 pessoas, um auditório e dois anfiteatros, além de dormitórios, refeitórios e instalações sanitárias. Os recursos para a construção foram obtidos com a venda do livro Terra (textos de José Saramago, músicas de Chico Buarque e fotos de Sebastião Salgado), contribuições de ONGs europeias e doações.
Claro que esse processo provocou a ira da burguesia e de seus porta-vozes “ilustrados”. Não faltaram aqueles que procuraram, desde o início, desqualificar a qualidade do ensino ali ministrado, nem as “reportagens” sobre o suposto caráter ideológico das aulas (como se o ensino oferecido pelas instituições oficiais fosse ideologicamente “neutro”), ou ainda as inevitáveis acusações caluniosas referentes às “misteriosas origens” dos fundos para a sustentação das atividades. As elites, simplesmente, não suportam a ideia que os trabalhadores possam assumir para si a tarefa de construir um sistema avançado, democrático, pluralista e não alienado de ensino. Maldito Paulo Freire!
Os donos do capital têm mesmo razões para se sentir ameaçados. Um dos pilares de sustentação da desigualdade social é, precisamente, o abismo que separa os intelectuais das camadas populares. O “povão” é mantido à distância dos centros produtores do saber. A elite brasileira sempre foi muito eficaz e inteligente a esse respeito. Conseguiu até a proeza de criar no país uma universidade pública (apenas em 1934, isto é, 434 anos após a chegada de Cabral) destinada a excluir os pobres.
Carlos Nelson Coutinho e outros autores já demonstraram que, no Brasil, os intelectuais que assumem a perspectiva da transformação social sempre encontraram dois destinos: ou foram cooptados (mediante o “apadrinhamento”, a incorporação domesticada nas universidades e órgãos de serviços públicos, ou sendo regiamente pagos por seus escritos, ou recebendo bolsas e privilégios etc.), ou os poucos que resistiram foram destruídos (presos, perseguidos, torturados, assassinados).
Apenas a existência de movimentos sociais fortes, nacionalmente organizados e estruturados poderia fornecer aos intelectuais oriundos das classes trabalhadoras ou com elas identificados a oportunidade de resistir, produzir e manter uma vida decente, sem depender dos “favores” das elites. Ora, historicamente, tais movimentos foram exterminados antes mesmo de ter tido tempo de construir laços mais amplos e fortes com outros setores sociais.
A ENFF coloca em cheque, esse mecanismo histórico. A construção da escola só foi possibilitada pela prolongada sobrevivência relativa do MST (completou 25 anos 2009, um feito inédito para um movimento popular de dimensão nacional), bem como o método por ele empregado, de diálogo e interlocução com o conjunto da nação oprimida. Esse método permitiu o desenvolvimento de uma relação genuína de colaboração entre a elaboração teórica e a prática transformadora.
É uma oportunidade histórica muito maior do que a oferecida ao próprio Florestan Fernandes, Milton Santos, Paulo Freire e tantos outros grandes intelectuais que, apesar de todos os ataques dos donos do capital, souberam apoiar-se no pouquíssimo que havia de público na universidade brasileira para elaborar suas obras.
Veja como você pode participar da
Associação dos Amigos da Escola Florestan Fernandes
Em dezembro, um grupo de intelectuais, professores, militantes e colaboradores resolveu criar a Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes, com três objetivos bem definidos: 1 – divulgar as atividades da escola, por todos os meios possíveis, incluindo sites, newsletter e blogs; 2 – iniciar uma campanha nacional pela adesão de novos sócios; 3 – promover uma série intensa de atividades, em São Paulo e outros estados, para angariar fundos, com privilégios especiais concedidos aos membros da associação.
O seu Conselho de Coordenação é formado por José Arbex Junior, Maria Orlanda Pinassi e Carlos Duarte. Participam do Conselho Fiscal: Caio Boucinhas, Delmar Mattes e Carlos de Figueiredo. A sede situa-se na Rua da Abolição n° 167 - Bela Vista - São Paulo – SP – Brasil - CEP 01319-030
Existem duas modalidades de associação: a plena e a solidária. A única diferença entre ambas as modalidades consiste no valor a ser pago. Ambas asseguram os mesmos direitos e privilégios estendidos aos associados.
Para ficar sócio pleno, você deverá pagar a quantia de R$ 20,00 (vinte reais) mensais; para tornar-se sócio solidário, você poderá contribuir com uma quantia maior ou menor do que os R$ 20,00 mensais. Esses recursos serão diretamente destinados às atividades da escola ou, eventualmente, empregados na organização de atividades para coleta de fundos (por exemplo: seminários, mostras de arte e fotografia, festivais de música e cinema).
Para participar e contribuir, envie a ficha de adesão (em anexo) preenchida e assinada, se tiver dúvidas procure a secretaria executiva através dos telefones: 3105-0918; 9572-0185; 6517-4780, ou do correio eletrônico: associacaoamigos@enff.org.br.

04/03/2010

Mauro Iasi: “É triste estarmos falando em lulismo”

Mauro Iasi, historiador, é fundador do PT e, atualmente, membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
1º/03/2010
Renato Godoy de Toledo
Em 1980, o senhor acreditava que o partido tornaria-se o mais importante do país em 30 anos? Se sim, imaginava que seria dessa forma?
Mauro Iasi – No contexto de 1980, nos preocupávamos menos com a “importância” do partido que estava nascendo e mais com a necessidade de expressão política dos setores explorados pelo capitalismo, como dizia o manifesto de fundação do PT. O PT, hoje, é um dos principais e um dos maiores partidos do cenário político brasileiro, no entanto, o preço pago para atingir tal dimensão foi, em grande medida, o abandono dos princípios e metas políticas que estavam presentes em sua origem.
Como o PT conseguiu tornar-se hegemônico eleitoralmente entre os mais pobres?
Sempre foi um objetivo do PT organizar e representar politicamente os trabalhadores, que inclui a grande maioria dos setores mais pobres e mesmo os chamados setores médios. A inflexão política do PT em direção aos setores médios coincide com sua opção institucional e eleitoral nos limites da ordem burguesa. Hoje, o PT é um partido de centro-esquerda com um programa e uma ação política que podemos considerar pequeno-burguesa. Seu respaldo em amplos setores dos trabalhadores representa mais uma hegemonia passiva do que de fato uma organização independente que colocaria os trabalhadores na cena política na defesa de seus interesses de classe. O apoio, eleitoral e midiático, dos setores mais empobrecidos deve-se a uma mescla de assistencialismo e características carismáticas que emanam da liderança de Lula, acima do partido e muitas vezes contra ele. O PT esperava colocar a classe trabalhadora com independência e autonomia no cenário político e de fato não é isso que vemos.
O eventual governo Dilma Rousseff pode postar-se à esquerda da gestão Lula?
Não creio que Dilma represente nenhum movimento mais à esquerda do que o perfil de centro-direita que caracteriza o governo Lula, de fato fundado em uma governabilidade conservadora que inclui alianças com empresariado, agronegócio e interesses financeiros. As alianças anunciadas na candidatura Dilma aprofundam a dependência de legendas conservadoras como o PMDB e a necessidade de manter pactos com os setores empresariais.
Em nenhum momento a pré-candidata acenou com alianças e propostas aos movimentos sociais e aos setores de esquerda. Como participante de destaque no atual governo, a ministra nunca se posicionou mais à esquerda, em nenhuma das questões de destaque, na condução da política econômica, no caráter do chamado PAC [Plano de Aceleração do Crescimento], na relação com os movimentos sociais ou, que seja, na mera explicitação de qualquer divergência com os rumos do governo Lula. Pelo contrário, ela tem sido um porta-voz fiel da atual linha e nada indica que irá ser diferente em um possível governo seu.
O senhor acredita na tese de que o Brasil pode viver nos próximos anos um “lulismo sem Lula”?
É muito triste que a experiência política do PT tenha chegado ao ponto de estarmos falando em “lulismo”. Um partido que surgiu para inovar o fazer político e colocar em cena os trabalhadores não apenas não rompeu com a forma conservadora de fazer política – com o presidencialismo de coalizão e a relação fisiológica com o Congresso e suas legendas de aluguel – como reapresenta o que há de mais retrógrado na história política brasileira: a liderança pessoal que age sobre as massas sem a mediação política de partidos e propostas fundadas nos reais interesses da classe que se diz representarar.
Essa forma política foi a que permitiu a Getúlio Vargas impor com o apoio dos trabalhadores uma político contrária aos trabalhadores. Infelizmente, é o que vemos hoje. O projeto de Lula é um projeto pessoal – voltar em 2014. Para ele, é melhor um governo como de Dilma, que não faça sombra e apenas prepare sua volta, do que uma alternância com a oposição tucana. Mas isso nada tem a ver com projetos societários e rumos para o Brasil. Vivemos uma hegemonia conservadora que se caracteriza pela concordância sobre o que é essencial aos interesses do grande capital e da acumulação capitalista em nosso país. O “lulismo” ou o “popululismo”, se preferirem, é apenas um meio para manter esses interesses conservadores com menos custos e evitar mudanças estruturais mais profundas que viessem atender aos reais interesses dos trabalhadores.

03/03/2010

Diplomacia de aço

Afonso Costa
Monitor Mercantil
A visita da secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton ao presidente Lula prevista para esta quarta-feira (3) não é mera cortesia. É mais uma tentativa de evitar que o Brasil assine acordo de cooperação nuclear com o Irã, de fazer com que nosso governo pressione o presidente da Venezuela Hugo Chávez, ferrenho adversário dos Estados Unidos e, de quebra, fazer propaganda dos F-18, os caças estadunidenses que concorrem com os franceses e os suecos pela preferência nacional.

A visita da secretária, não por acaso, é precedida pela presença do porta-aviões US$ Carl Vinson, ancorado no Rio de Janeiro. O navio carrega armas nucleares, tem mais de 50 aviões de guerra, é acompanhado por dois destróieres, dois cruzadores e dois submarinos, com uma tripulação de mais de cinco mil homens. Não por acaso, o ponto alto da recepção promovida pelo comandante do navio a personalidades brasileiras no último sábado (27), foi a visita aos caças F-18.

Também não coincidentemente, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), da ONU, Yukiya Amano, declarou na segunda-feira (1º) que “o Irã não coopera suficientemente com a AIEA na investigação sobre as polêmicas atividades de seu programa nuclear”.

Em resposta aos sucessivos ataques desferidos pelos EUA, o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad fez um apelo à paz mundial através da destruição de todas as armas nucleares em nível internacional. Além disso, aceitou a proposta original da AIEA de enriquecer urânio a 20% na Rússia. Essa sugestão, que anteriormente agradava aos EUA, Alemanha, Inglaterra e França, repentinamente passou a não interessar mais.

A pressão dos Estados Unidos contra o Irá é crescente. Em meados de fevereiro, o Departamento do Tesouro ordenou o congelamento em seu país de todos os haveres financeiros de uma série de empresas iranianas, sob a alegação de um suposto envolvimento dessas empresas com a Guarda da Revolução. O subsecretário do Tesouro chegou a dizer que é fundamental “congelar os bens dos que fazem proliferar armas de destruição maciça”.

O que vemos é uma repetição da propaganda e das sanções que precederam a invasão do Iraque, com as conseqüências que são de conhecimento de todos: assassinatos em massa, a ocupação territorial e a partilha das reservas petrolíferas pelas transnacionais, a verdadeira razão do genocídio, pois chamar aquilo de guerra é um atentado à inteligência de qualquer ser humano.

Há de se perguntar quem elegeu os EUA como o fiscal mundial da produção de armas nucleares? Que direito Clinton, Bush e Obama crêem ter para querer fiscalizar e controlar o que cada país faz. Se os Estados Unidos é contra a proliferação de armas nucleares, que comece a dar o exemplo e a destruir as suas.

A pressão estadunidense sobre a Coréia do Norte só não foi mais adiante por causa da China. Seria impensável uma invasão no oriente, pois atentaria diretamente contra os interesses chineses. Da mesma maneira, não é tão tranqüila assim uma invasão ao Irã, tanto pelo seu porte econômico, quanto pelo grande apoio popular que a revolução iraniana que derrubou o xá Reza Pahlevi conta já em 31º ano, bem como pela posição da Rússia, que não a veria com bons olhos e a vetaria no Conselho de Segurança da ONU.

Barack Obama apesar de todo seu discurso de mudanças na campanha eleitoral, continua a beneficiar a indústria armamentista estadunidense e a dar continuidade à política intervencionista e belicista da gestão anterior: apoiou o massacre da Faixa de Gaza promovido por Israel; mantém a ocupação no Iraque para garantir os interesses das multinacionais do petróleo; desencadeou uma nova ofensiva no Afeganistão; pressiona a Coréia do Norte; mantém o bloqueio a Cuba; interveio “sutilmente” em Honduras; constantemente ameaça o Iraque e o Paquistão; sustenta a reativação da IV Frota na costa da América do Sul; firmou acordo para a instalação de sete bases militares na Colômbia; sem esquecer, ainda, das bases no Paraguai, região do Aqüífero Guarani, a maior reserva de água potável do mundo. E, para este ano, encaminhou e conseguiu a aprovação do maior orçamento militar da história dos EUA. Foi assim que ele ganhou o prêmio Nobel da Paz.
Em verdade, o giro da secretária Hillary Clinton pela América do Sul denota a preocupação da gestão Obama e das transnacionais com a autonomia do Irã e de outros países do terceiro mundo, particularmente os do nosso continente.

Afonso Costa
Jornalista

02/03/2010

Zapata: um morto útil?

Por: Enrique Ubieta
Publicado em 24 de Fevereiro de 2010 - Em MONCADA
A absoluta carência de mártires de que padece a contra-revolução cubana é proporcional a sua falta de escrúpulos. É difícil morrer em Cuba, não porque as expectativas de vida sejam as de Primeiro Mundo - ninguém morre de fome, ainda que pese a carência de recursos, nem de enfermidades curáveis -, porque impera a lei e a honestidade.
As Damas de Branco e Yoani podem ser detidas e julgadas segundo as leis vigentes - em nenhum país pode violarem-se as leis: receber dinheiro e colaborar com a embaixada do Irã (um país considerado como inimigo) nos Estados Unidos, por exemplo, pode acarretar a perda de todos os direitos cidadãos naquela nação -, porém elas sabem que em Cuba ninguém desaparece, ninguém é assassinado.
Além do mais, um Zapata entregou sua vida por um ideal que prioriza a felicidade dos demais, não por um que prioriza a própria. Assim foi a lamentável morte de Orlando Zapata, um preso comum - de extenso histórico de delitos, em nada vinculado à política -, exultada intimamente por seus "parentes". Transformado, depois de muitas e vindas à prisão, em "ativista político", Zapata foi o candidato perfeito para a auto-execução.
Era um homem "dispensável" para os "grupelhos" e fácil de convencer para que persistisse em uma greve de fome absurda, com pedidos impossíveis (cozinha e telefone pessoal na cela) que nenhum dos reais cabeças teve coragem de sustentar.
Cada uma das greves anteriores havia sido anunciada pelos instigadores como uma provável morte, porém os grevistas sempre desistiam em bom estado de saúde. Instigado e alentado a prosseguir até a morte - esses mercenários lavam sua mãos diante da possibilidade de que se morressem, apesar do esforço incansável dos médicos -, o cadáver de Zapata é agora exibido com cinismo como troféu coletivo.
Como abutres estavam os meios de comunicações - os mercenários e a direita internacional -, rondavam em torno do moribundo. Seu falecimento é um banquete. Um asco de espetáculo. Porque aqueles que escrevem sobre ele não lastimam a morte de um ser humano - em um país sem mortes extra-judiciais -, mas a comemoram quase com alegria e a utilizam com premeditados fins políticos. O caso de Zapata me lembra o de Pánfilo: os dois foram manipulados e, de certa forma, conduzidos à auto-destruição de forma premeditada, para satisfazer necessidades políticas alheias: um, levado a uma persistente greve de fome de 85 dias (já havia realizado outras anteriormente que afetaram a sua saúde); o outro, em pleno processo de desintoxicação alcoólica, foi convidado a beber para que dissesse na frente do magistrado o que queriam ouvir.
Pergunto-me se isso não é uma acusação contra quem agora se apropria de sua "causa". Têm razão ao dizer que foi um assassinato, porém os meios de comunicação escondem o verdadeiro assassino: os grupelhos cubanos e seus mentores transnacionais. Zapata foi assassinado pela contra-revolução.
(Retirado do blog La Isla desconocida)
Tradução: Maria Fernanda Magalhães Scelza

01/03/2010

Brasileiros pagam a gasolina mais cara do mundo

(Para acionistas lucrarem Petrobrás vende gasolina por um preço 44% mais alto que a média nos outros países)
Site do PSTU
• Na contramão das principais empresas petrolíferas do mundo, a Petrobrás deve divulgar em breve o aumento em seus lucros no ano de 2009. Enquanto as outras empresas viram seus lucros se reduzirem a mais da metade no ano, especula-se que os lucros da estatal brasileira tenham ficado entre R$ 7,4 e R$ 7,5 bilhões só no último trimestre do ano passado, segundo o Centro Brasileira de Infraestrutura (CBIE). Com isso, a empresa se torna a quarta maior no ramo de energia.Tal resultado, porém, não é fruto do aumento da demanda, nem tampouco da administração da Petrobrás. O motivo de a estatal lucrar tanto enquanto as outras grandes empresas do setor minguam são os altos preços cobrados pela Petrobrás sobre a gasolina no mercado brasileiro. Em 2009, a gasolina vendida no Brasil estava 44% mais cara que o preço médio internacional. Uma das mais caras do mundo. Já o diesel foi vendido 33% mais caro que o seu preço lá fora. Segundo matéria publicada pela Folha de S. Paulo em janeiro, o preço do litro da gasolina no Brasil está muito distante dos outros países. Enquanto aqui se paga, em média, R$ 2,59, na Argentina, por exemplo, gasta-se R$ 1,53. No México, esse preço é o equivalente a R$ 1,10. Tirando a Europa, onde alguns países contam com a gasolina mais cara, só o preço no Japão se aproxima ao brasileiro. Lá, o litro da gasolina custa R$ 2,57.De acordo com o CBIE, a diferença do preço cobrado pelo combustível no Brasil teria garantido à Petrobrás algo como R$ 12 bilhões. A empresa alega que a diferença de preço seria uma forma de compensar o “prejuízo” tido pela estatal durante 2005 e 2008, anos em que os preços no Brasil teriam sido menores que no mercado internacional. Em 2009, porém, enquanto o valor do barril de petróleo baixava nos outros países, a empresa manteve os mesmos preços. Isso não só compensou as “perdas” dos anos anteriores, como gerou um caixa de R$ 2 bilhões, que foram para o caixa da estatal.O povo paga o lucro dos acionistasNa prática, o povo brasileiro subsidia o lucro da Petrobrás e de seus acionistas. Apesar de ainda ser, formalmente, uma estatal, a petroleira passa por um acelerado processo de privatização. Hoje, 38,7% do capital social da empresa estão nas mãos de acionistas da bolsa de Nova Iorque ou de pessoas físicas estrangeiras. Ao todo, 58,2% do capital da Petrobrás pertencem a acionistas privados, nacionais e estrangeiros.O alto preço da gasolina no Brasil interessa aos grandes investidores, que detém a maior parte da estatal. Os altos lucros da Petrobrás, assim, não se revertem em benefícios para a população. Os que aplicam o FGTS na empresa detêm apenas 2% de seu capital total. Ou seja, apesar de ainda ser uma empresa estatal, a Petrobrás opera sob uma lógica de empresa privada, que é a de ter o maior lucro possível e, assim, oferecer retorno aos grandes acionistas.Por uma Petrobrás 100% estatalEsse fato coloca a importância da campanha por uma Petrobrás 100% estatal, levada a cabo por setores do movimento sindical e popular, entre eles a Conlutas. Uma empresa realmente pública poderia voltar suas atividades inteiramente a serviço da população. No caso da Petrobrás isso significaria combustível mais barato, o que baratearia toda a cadeia de produção, diminuindo os custos com transportes, insumos e matérias-primas. Para os trabalhadores, representaria uma significativa redução do custo de vida.Isso só seria possível, porém, atacando-se a lógica privatista da empresa, que sob o governo Lula só se aprofundou.