11/12/2010

Sobre as Ações Policiais-Militares nos Morros do Rio de janeiro – Algumas Reflexões a Sangue Frio

09 DEZEMBRO 2010
imagemCrédito: Mazzeo

Antonio Carlos Mazzeo (*)

Agora que a poeira baixou e a adrenalida caiu, vamos com tranquilidade, refletir sobre o significado da ocupação policial-militar das favelas do Rio de Janeiro, Vila Cruzeiro-Complexo do Alemão.

A Vila Cruzeiro, aliás, antigo Quilombo da Penha, formou-se no século XIX, logo após a abolição da escravidão. Por outro lado, o Complexo do Alemão, nasce sobre a serra da Misericórdia, no que foi uma antiga fazenda pertencente à um polonês, de nome difícil, apelidado de Alemão. A área começou a ser vendida e muitos nordestinos chegam à região na década de 1960. Vinte anos depois, grandes ocupações definiram o perfil do local. Hoje, o Complexo possui cerca de 160 mil habitantes. Em 1993, o Complexo do Alemão tornou-se oficialmente um bairro com níveis sociais de padrões africanos. Vejamos alguns dados:

- a região possui o maior índice do Rio de janeiro de crianças entre 7 e 17 anos fora da escola;

- 36% dos chefes de família possuem em média 4 anos de estudo;

- um em cada 11 moradores com mais de 15 anos é analfabeto;

- 11% das meninas entre 11 e 15 anos já são mães.

Esses são os dados objetivos das regiões que hoje personificam o "mal" no estado do Rio de Janeiro. Não precisamos de muito esforço para compreendermos o porque o Complexo, conurbado com um antigo quilombo, tornou-se um antro de miseráveis e de criminosos. Se fizermos um retorno ao passado, ainda que de forma sumaríssima, podemos verificar que após a abolição da escravidão, milhões de negros e mestiços (negros com brancos, índios com brancos, negros com índios, etc) perderam o mínimo que possuíam para a sobrevivência. De um momento para outro, passam de mão-de-obra de um sistema baseado no trabalho forçado-escravidão, para expulsos do sistema produtivo. Tornam-se livres das senzalas e cativos da miséria, jogados à própria sorte, excluídos da vida e da cidadania. Aliás, ela mesma uma cidadania incompleta, porque resultado de um processo de independência que mais assemelhou-se à um arranjo entre as oligarquias no poder, que não emancipou o escravo e tampouco organizou a sociedade civil em moldes plenamente burgueses, e manteve a economia colonial até sua exaustão. Mais ainda, a sociedade que emerge do império agro-exportador e escravista recompõe a economia colonial e continua a se integrar subordinadamente à economia internacional, isso de 1889 até os nossos dias, em que vivemos a plenitude de um capitalismo moderno e subalterno aos pólos internacionais do capital. A integração do Brasil ao Ocidente foi e tem sido uma integração que pressupõe a inclusão-exclusora de milhões de nossos compatriotas. Fora da política, fora da economia, fora da cultura, "fora de lugar", esses brasileiros com suas cidadanias incompletas vagam pelas periferias das grandes cidades, são expulsos das terras que habitavam ancestralmente. Morrem de fome pelos caminhos, são espezinhados.

Mas também se revoltam e lutam! Organizam-se em movimentos e sindicatos. Preparam levantes contra os opressores e são massacrados pelo aparato estatal de origem escravista, com tradição de capitão do mato. Lembremos dos quilombos, o emblemático de Palmares, da Conjuração Bahiana de 1798, liderada por mestiços; pela Balaiada, entre 1838 e 1841 no Maranhão, revolta de negros, caboclos e vaqueiros; da Sabinada, que proclamou a república na Bahia, em 1837 e de tantas outras, todas afogadas em sangue pelas oligarquias no poder! Recordemos das greves, que marcaram a luta dos trabalhadores desde finais do século XIX, perpassando o século XX e que continuam nesses inícios do novo milênio. Lembremos a greve de 1917, em São Paulo, contra o arrocho salarial e contra as longas jornadas de trabalho e que mudou o caráter da luta dos trabalhadores, com a organização do PCB, em 1922; do ABC de 1980, que gerou o PT, em 1980 e do Movimento dos Sem Terra! Todas essas, lutas de oprimidos contra opressores. Todas elas, lutas pela real inserção dos que trabalham na economia e na vida político-cultural do país, em condições dignas de seres humanos!

Mas, apesar das infindáveis lutas e das conquistas alcançadas pelos oprimidos, o Brasil ainda repercute sua origem histórica colonial e escravista. A tradição antidemocrática e exclusora de uma sociedade forjada na exploração radical dos trabalhadores se faz presente nos 43 milhões de brasileiros que ainda vivem na miséria extrema, e que não sairão dela apenas com programas de auxílio, como o bolsa família, necessário emergencialmente, mas ineficaz para a resolução desse grave e crônico problema. Há que se construir uma democracia de fato em nosso país. A assim chamada "transição democrática" que marcou o fim do período militar-bonapartista, a ditadura militar 1964 -1985, não possibilitou a quebra da hegemonia da autocracia burguesa. Ao contrário, ampliou a margem de manobra de uma burguesia autocrática e manipuladora possibilitando a cooptação de setores do proletariado para o projeto de um novo processo modernizador-capitalista de inserção subordinada aos interesses do imperialismo agora, administrado por segmentos cooptados de "esquerda" que pactuaram com a burguesia como o PT, gerente do capital juntamente com seus office-boys aliados.

O que temos, então, é uma realidade em que milhões de brasileiros se deslocam para regiões mais desenvolvidas em busca de melhores condições de vida, indo para as periferias das grandes capitais, gerando concentrações de miseráveis.

Se, de fato, não há uma relação mecânica entre pobreza e criminalidade, como atestam muitas pesquisas sociológicas, isso não significa, por outro lado, a impossibilidade de uma relação entre elas. Ao contrário. Sabemos que nos centros urbanos materializam-se e agudizam-se as contradições e tensões sociais, seja pelo curto espaço físico degradado das periferias, seja pela ausência de possibilidades de sobrevivência. A criminalidade é um fenômeno ligado à falta de alternativas sócio-econômico-culturais e à ausência de políticas sociais públicas, fatores também eles, comprovados por vasta literatura sociológica. Sabemos que são intrínsecos ao capitalismo a "exclusão", a miséria e a marginalidade.

Para constatarmos esse elemento de essência dessa sociabilidade não precisamos ir muito longe no tempo. F. Engels já alertava para essa combinação. Em seu A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, de 1844, nos fornece dados impressionantes sobre as condições de vida do proletariado e do "sub-proletariado” inglês. Na década de 1840, 10% da população inglesa era formada por indigentes. Nesse período, a taxa de mortalidade é altíssima, principalmente nos bairros proletários, onde os trabalhadores viviam amontoados em cortiços sórdidos, infestados de epidemias. De modo que a polarização social manifestava-se nos confrontos operários e, nas áreas desorganizadas do proletariado, consubstanciava-se na violência criminal sem sentido imediatamente político, como retratada nos meninos ladrões do romance de Charles Dickson, Oliver Twist, a multidão aglomerada gerando a sensação de que tudo é sem regras e sem vida e de que vale tudo, como realça Alan Poe, em seu O Homem das Multidões, onde descreve a multidão disforme, os miseráveis comerciando o vício, as prostitutas, as crianças, num mosáico tétrico de uma cidade impondo o capitalismo nascente e que seria espelho para o resto do mundo. Ainda Engels nos dá um relato aterrorizante das condições de vida do proletariado em Londres:

“Um lugar chocante, um diabólico emaranhado de cortiços que abrigam coisas humanas arrepiantes, onde homens e mulheres imundos vivem de dois tostões de aguardente, onde colarinhos e camisas limpas são decências desconhecidas, onde todo cidadão carrega no próprio corpo as marcas da violência e onde jamais alguém penteia seus cabelos”. (op. cit.)

De modo que se não há relação direta entre pobreza e violência, podemos dizer que essa relação tem efeito sinergético e potencializa a criminalidade na convergência miséria-degradação humana! Zola, Equivocadamente, baseado nas transposições mecânicas de Darwin, em seu La Bête Humaine, acaba defendendo a idéia de que a miséria gera uma "sub-espécie humana". Mas ali, mesmo de um modo tosco, inexato e sem nenhuma base científica, Zola intuitivamente detecta que não é só a miséria, mas também seu ambiente degrado que gera a bestificação do ser humano.

Ora, nas favelas do Rio de Janeiro e nas periferias das capitais do Brasil essa condição é que mais inside! Miséria e degradação humana, oriundas do descaso do Estado, de seus dirigentes e de um capitalismo periférico e cruel. De tal condição degradada não esperaríamos que desse meio nascessem anjos. Na ausência do Estado e no contexto de uma “multidão desorganizada e na condição de consciência em-si, nasce a criminalidade. Na violência da fome, da ignorância, do abandono, da exploração social e da total imersão num mundo da carência absoluta, nasce o crime organizado. E. Hobsbawm, em seu clássico trabalho, Rebeldes Primitivos, nos dá a dimensão da unidade entre a exploração social e o banditismo:

"[...] o banditismo é apenas uma forma primitiva de protesto social organizado, talvez o mais primitivo que conheçemos. De qualquer forma, ele é assim considerado pelo homem pobre em muitas sociedades que, em consequência, protege o bandido, considera-o como seu herói, transforma-o em seu ideal e faz dele um mito [...]” (op. cit.)

Dessa forma, parafraseando o artigo de Marcelo Freixo, não há vencedores. Engana-se o cel. comandante geral da polícia militar do Rio de janeiro, Mário Sérgio Duarte, quando diz: " vencemos". A pergunta imediata que faço é, vencemos quem, cara pálida? A ação policial-militar nessas favelas, ainda que resultante de uma situação extrema, é o produto mais direto da inépcia do Estado, secularmente insensível e conivente com o abandono e a exploração a que são submetidas essas populações marginalizadas da vida nacional! Ao invés de "vencemos", esse soldadinho vestido de guerreiro deveria dizer, VERGONHA! Vergonha de termos no Brasil situações de absoluta miséria e exploração que produz uma situação social inaceitável como essa! Vergonha por pertencer à um corpo policial que não consegue diferenciar inimigo de flagelado! Vergonha por pensar e agir como capitão-do-mato de seu povo.

Na realidade, todos nós devemos nos indignar diante desses acontecimentos. Dai, devemos repensar as saídas que, seguramente, não passam por soluções policialescas ou militares, como querem os soldadinhos vestidos de guerreiros e os falcões da lumpen (em alemão- farrapo)-burguesia brasileira. Soluções existem, e elas passam por vigorosas políticas sociais, por educação, trabalho e saúde. A solução militar é o sonho dos que desejam manter as coisas como estão, limpando etnicamente a cidade do Rio de Janeiro, expulsando os moradores dos morros para as mais profundas e miseráveis perifierias do estado, tranformando os locais onde estão as favelas, em sua maioria privilegiados, em condomínios de luxo.

Devemos combater o banditismo sem tergiversações, inclusive aquele de colarinho branco, que comanda o tráfico de sua cobertura e de sua mansão nos bairros nobres das grande cidades brasileiras e estrangeiras, os que aplicam os rendimentos do crime em bancos internacionais, engordando o capital financeiro internacional. Isso é um fato.

Mas junto com isso, devemos propor desde já uma outra ofensiva, a dos trabalhadores em defesa desses oprimidos e dos oprimidos em todo o Brasil. devemos propor a ofensiva socialista.

(*) Membro do Comitê Central do PCB

10/12/2010

Não matem o mensageiro por revelar verdades incómodas

por Julian Assange [*]
WIKILEAKS merece protecção, não ameaças e ataques. Em 1958 o jovem Rupert Murdoch, então proprietário e editor do jornal The News, de Adelaide, escreveu: "Na corrida entre o segredo e a verdade, parece inevitável que a venda sempre vença". A sua observação talvez reflicta o desmascaramento feito pelo seu pai, Keith Murdoch, de que tropas australianas estavam a ser sacrificadas inutilmente nas praias de Galipoli por comandantes britânicos incompetentes. Os britânicos tentaram calá-lo mas Keith Murdoch não foi silenciado e os seus esforços levaram ao término da desastrosa campanha de Galipoli. Aproximadamente um século depois, WikiLeaks está também a publicar destemidamente factos que precisam ser tornados públicos. Criei-me numa cidade rural em Queensland onde as pessoas falavam dos seus pensamentos directamente. Elas desconfiavam do governo como de algo que podia ser corrompido se não fosse vigiado cuidadosamente. Os dias negros de corrupção no governo de Queensland antes do inquérito Fitzgerald testemunham do que acontece quando políticos amordaçam os media que informam a verdade. Estas coisas ficaram em mim. WikiLeaks foi criado em torno destes valores centrais. A ideia, concebida na Austrália, era utilizar tecnologias da Internet de novas maneiras a fim de relatar a verdade. WikiLeaks cunhou um novo tipo de jornalismo: jornalismo científico. Trabalhamos com outros media para levar notícias às pessoas, assim como para provar que são verdadeiras. O jornalismo científico permite-lhe ler um artigo e então clicar online para ver o documento original em que se baseia. Esse é o modo como pode julgar por si próprio: Será verdadeiro este artigo? Será que o jornalista informou com rigor? Sociedades democráticas precisam de meios de comunicação fortes e WikiLeaks faz parte desses media. Os media ajudam a manter o governo honesto. WikiLeaks revelou algumas verdades duras acerca das guerras do Iraque e Afeganistão, e desvendou notícias acerca da corrupção corporativa. Há quem diga que sou anti-guerra: para que conste, não sou. Por vezes os países precisam ir à guerra e há guerras justas. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir ao seu povo acerca daquelas guerras, pedindo então a estes mesmos cidadãos para porem as suas vidas e os seus impostos ao serviço daquelas mentiras. Se uma guerra é justificada, então digam a verdade e o povo decidirá se a apoia. Se já leu algum dos registos da guerra do Afeganistão ou do Iraque, algum dos telegramas da embaixada dos EUA ou algumas das histórias acerca das coisas que WikiLeaks informou, considere quão importante é para todos os media ter capacidade para relatar estas coisas livremente. WikLeaks não é o único divulgador dos telegramas de embaixadas dos EUA. Outros media, incluindo The Guardian britânico, The New York Times, El Pais na Espanha e Der Spiegel na Alemanha publicaram os mesmos telegramas. Mas é o WikiLeaks, como coordenador destes outros grupos, que tem enfrentado os ataques e acusações mais brutais do governo dos EUA e dos seus acólitos. Fui acusado de traição, embora eu seja australiano e não cidadão dos EUA. Houve dúzias de apelos graves nos EUA para eu ser "removido" pelas forças especiais estado-unidenses. Sarah Palin diz que eu deveria ser "perseguido e capturado como Osama bin Laden", um projecto de republicano no Senado dos EUA procura declarar-me uma "ameaça transnacional" e desfazer-se de mim em conformidade. Um conselheiro do gabinete do primeiro-ministro do Canadá apelou na televisão nacional ao meu assassinato. Um bloguista americano apelou a que o meu filho de 20 anos, aqui na Austrália, fosse sequestrado e espancado por nenhuma outra razão senão a de atingir-me. E os australianos deveriam observar com nenhum orgulho o deplorável estímulo a estes sentimentos por parte de Julia Gillard e seu governo. Os poderes do governo australiano parecem estar à plena disposição dos EUA quer para cancelar meu passaporte australiano ou espionar ou perseguir apoiantes do WikiLeaks. O procurador-geral australiano está a fazer tudo o que pode para ajudar uma investigação estado-unidense destinada claramente a enquadrar cidadãos australianos e despachá-los para os EUA. O primeiro-ministro Gillard e a secretária de Estado Hillary Clinton não tiveram uma palavra de crítica para com as outras organizações de media. Isto acontece porque The Guardian, The New York Times e Der Spiegel são antigos e grandes, ao passo que WikiLeaks ainda é jovem e pequeno. Nós somos os perdedores. O governo Gillard está a tentar matar o mensageiro porque não quer que a verdade seja revelada, incluindo informação acerca do seu próprio comportamento diplomático e político. Terá havido alguma resposta do governo australiano às numerosas ameaças públicas de violência contra mim e outros colaboradores do WîkLeaks? Alguém poderia pensar que um primeiro-ministro australiano defendesse os seus cidadãos contra tais coisas, mas houve apenas afirmações de ilegalidade completamente não fundamentadas. O primeiro-ministro e especialmente o procurador-geral pretendem cumprir seus deveres com dignidade e acima da perturbação. Fique tranquilo, aqueles dois pretendem salvar as suas próprias peles. Eles não conseguirão. Todas as vezes que WikiLeaks publica a verdade acerca de abusos cometidos por agências dos EUA, políticos australianos cantam um coro comprovadamente falso com o Departamento de Estado: "Você arriscará vidas! Segurança nacional! Você põe tropas em perigo!" Mas a seguir dizem que não há nada de importante no que WikiLeaks publica. Não pode ser ambas as coisas, uma ou outra. Qual é? Nenhuma delas. WikiLeaks tem um historial de publicação quatro anos. Durante esse tempo mudámos governos, mas nem uma única pessoa, que se saiba, foi prejudicada. Mas os EUA, com a conivência do governo australiano, mataram milhares de pessoas só nestes últimos meses. O secretário da Defesa dos EUA, Robert Gates, admitiu numa carta ao congresso estado-unidense que nenhumas fontes de inteligência ou métodos sensíveis haviam sido comprometidos pela revelação dos registos de guerra afegãos. O Pentágono declarou que não havia evidência de que as informações do WikiLeaks tivessem levado qualquer pessoa a ser prejudicada no Afeganistão. A NATO em Cabul disse à CNN que não podia encontrar uma única pessoa que precisasse de proteger. O Departamento da Defesa australiano disse o mesmo. Nenhuma tropa ou fonte australiana foi prejudicada por qualquer coisa que tivéssemos publicado. Mas as nossas publicações estavam longe de serem não importantes. Os telegramas diplomáticos dos EUA revelam alguns factos estarrecedores:
* Os EUA pediram aos seus diplomatas para roubar material humano pessoal e informação de responsáveis da ONU e de grupos de direitos humanos, incluindo DNA, impressões digitais, escanerização de íris, números de cartão de crédito, passwords de Internet e fotos de identificação, violando tratados internacionais. Presumivelmente, diplomatas australianos na ONU também podem ser atacados.
* O rei Abdula da Arábia Saudita pediu que os EUA atacassem o Irão.
* Responsáveis na Jordânia e no Bahrain querem que o programa nuclear do Irão seja travado por quaisquer meios disponíveis.
* O inquérito do Iraque na Grã-Bretanha foi viciado para proteger "US interests".
* A Suécia é um membro encoberto da NATO e a partilha da inteligência dos EUA é resguardada do parlamento.
* Os EUA estão a agir de forma agressiva para conseguir que outros países recebam detidos libertados da Baia de Guantanamo. Barack Obama só concordou em encontrar-se com o presidente esloveno se a Eslovénia recebesse um prisioneiro. Ao nosso vizinho do Pacífico, Kiribati, foram oferecidos milhões de dólares para aceitar detidos.
Na sua memorável decisão no caso dos Pentagon Papers, o Supremo Tribunal dos EUA declarou: "só uma imprensa livre e sem restrições pode efectivamente revelar fraude no governo". Hoje, a tempestade vertiginosa em torno do WikiLeaks reforça a necessidade de defender o direito de todos os media revelarem a verdade.
08/Dezembro/2010
[*] Editor-chefe do WikiLeaks.
O original encontra-se em www.theaustralian.com.au/...
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

09/12/2010

Copas na Rússia e Catar são o ápice da mercantilização do futebol

Escrito por Gabriel Brito (Correio da Cidadania)
06-Dez-2010

Na tarde de 2 dezembro, noite em Zurique, a FIFA elegeu as sedes das duas Copas do Mundo que serão jogadas após a edição em terras brasileiras. Para 2018, deu Rússia, que deixou para trás Inglaterra, Holanda/Bélgica e Espanha/Portugal. Quatro anos depois, a Copa irá pela primeira vez ao Oriente Médio, mais precisamente à ilha da fantasia chamada Catar, que bateu EUA, Coréia do Sul, Japão e Austrália.

Para os incautos, é possível ver surpresa nas escolhas, especialmente a segunda. No entanto, a eleição dos dois únicos países da concorrência ditos em desenvolvimento apenas confirma tendência que a entidade máxima do futebol inaugurou no novo século, muito bem conectada com os movimentos da economia e geopolítica globais. "Ambos possuem em comum o futebol em desenvolvimento e fortunas a serem investidas", publicou o Diário Lance.

Fora o abismo entre a tradição russa e catariana no esporte, o diagnóstico é preciso. As escolhas recentes de África do Sul e Brasil atestam o fato, assim como as Olimpíadas de Pequim (2008) e as Olimpíadas de Inverno em Sochi, Rússia, em 2012. Tanto FIFA como COI mostraram suas verdadeiras faces nos últimos anos, atrelando escolhas a interesses econômicos, sob justificativa de desenvolver novos pólos, o que vem sendo crescentemente desmascarado.

O real objetivo é a expansão de mercados, o que tem sentido teoricamente, porém, não da forma que temos visto. Além do mais, o processo de escolha foi recheado de escândalos. Uma equipe de reportagem do Sunday Times mostrou, novamente, a fragilidade ética dos membros do Comitê Executivo da FIFA. Passando-se por empresários americanos, os jornalistas insinuaram pagar propina para que dois delegados votassem na candidatura ianque, ‘acordo’ que acabou selado e prontamente divulgado ao mundo. A FIFA afastou ambos temporariamente, deu punições brandas e tocou o barco.

Para muitos, foi exatamente esse furo que minou a candidatura inglesa, a que dispunha de maior infra-estrutura já construída, enorme tradição e fanatismo pelo jogo e, já que a FIFA ama tanto dinheiro, trata-se do centro futebolístico mais rico do mundo - é certo que de forma mais que questionável, com ricaços se apoderando cada vez mais dos times e ofendendo tradições, mas nada incômodo para os padrões da entidade.

Exatamente por isso, os ingleses são os mais inconformados. Mas não são os únicos. O diário alemão Bild ironizou as escolhas: "Katarstrophe" era sua manchete, em alusão ao oásis financeiro do oriente. Portugueses e espanhóis também estão em fúria, acusando sem meias palavras que a Rússia, liderada por Putin, maior representante da postulação, comprou a vitória.

Essa é a atual realidade do futebol: a mercantilização do esporte vive seu auge e poderosos agentes econômicos, de diversos setores, perceberam esse excelente filão, muito atraente para seus empreendimentos e sob forte chancela oficial, dos governos/contratantes, aliados de primeira hora dos mercados e também ávidos pelos negócios que tais eventos proporcionam.

Para alimentar essa ciranda, até conseguiram popularizar a falácia de que uma Copa ou Olimpíada pode trazer enormes dividendos futuros para os anfitriões, impulsionando inclusive o crescimento nacional. Tal artimanha já foi desvendada por estudos de diversos economistas, aclarando que nem no melhor dos casos a economia sofre pulsações muito visíveis. Pelo contrário, a conta costuma fechar é no vermelho; o ‘capital’ moral e espiritual da população local, além da notoriedade do momento, seriam os efeitos mais verdadeiros.

2010 e 2014 desnudam verdadeiras intenções

Em alguns casos, nem isso. A África do Sul já provou o quanto esse modelo é cercado de embustes. Sua Copa custou caríssimo, a população pobre e negra foi segregada do torneio, trabalhadores locais que pretendiam capitalizar com o evento foram esmagados pela blindagem aos patrocinadores oficiais e os funcionários contratados para trabalhar no mundial foram constantemente enganados. Além de o governo ter bancando sozinho os 8 bilhões de reais que custaram a festa.

No Brasil, que ainda falaremos muito em outras ocasiões, a coisa já anda muito preocupante. Diversas licitações foram feitas nas coxas, as principais obras em estádios (hiper-inflacionadas desde a saída, pois pretendem atender a um modelo de estádio-shopping elitizador) já estão loteadas entre as mais famosas e insuspeitas empreiteiras e Ricardo Teixeira está envolvido em diversas falcatruas, como sempre na verdade.

A mesma imprensa inglesa que ‘corrompeu’ dois delegados da FIFA, neste caso através da BBC, publicou matéria em que denunciava a ISL (empresa de marketing da FIFA, falida em 2001 por inúmeras maracutaias, mas que enriqueceu muitos amigos da entidade) de pagar, durante 10 anos, propinas para dirigentes, entre eles o nosso ilustre Teixeira, que teria recebido 17 milhões de reais no período. Outros delegados sul-americanos da FIFA também aparecem. Por fim, a entidade acabou de pagar US$ 5,5 milhões para arquivar um processo de corrupção na corte de Zurique, o que mostra a grande utilidade na neutralidade deste pequeno e pacato país.

Além disso, o Diário Lance descobriu o golpe que o cartola máximo de nosso país pode dar com a Copa. Presidente da CBF e do Comitê Organizador Local (COL), constituiu sociedade para administrar os lucros da Copa. De um lado a CBF, com 99,9%; de outro Teixeira, auto-incluído, com 0,01%. Note-se que ele está nos dois lados do balcão. Por fim, pequeno contrabando no texto do contrato social do COL permite ao seu presidente (Teixeira!) destinar os lucros para onde bem entender, sem respeitar qualquer proporcionalidade. Ou seja, pode simplesmente embolsar a montanha de grana que virá.

Isso porque na época da candidatura brasileira tal sociedade foi constituída sem fins lucrativos. Após a vitória, mudou-se seu caráter. Não é preciso dizer nada mais, até porque os demais integrantes da equipe organizadora são da mesma estirpe: filha do João Havelange, advogado do Daniel Dantas...

Homens de visão

Voltando ao ponto central, o Correio publicou matérias e artigos corroborando a noção de que tais eventos têm sido direcionados a locais com mais campo aberto para os negócios. Note-se que os dois eleitos possuem muito mais necessidade de obras de infra-estrutura que os demais, nos quais muito pouco teria de ser construído ou reformado.

E mais, são exatamente os dois mais frágeis em termos institucionais. Como mencionou o célebre Wikileaks, através das palavras de um diplomata americano, no melhor folhetim de fofocas da ‘alta sociedade’ de todos os tempos, a Rússia é um Estado-máfia. Pura verdade. Foi a alta burocracia do antigo regime que se apropriou das principais riquezas e meios produtivos do país, configurando uma plutocracia com negócios pelo mundo inteiro, vários com condenações internacionais.

Quanto ao Catar, não dá nem pra dizer que possui alguma institucionalidade. Seus ‘donos’ fazem o que querem com a renda do petróleo, criam cidades-cenários cheias de ostentação, ao passo que controlam seu povo na mão de ferro. Regime despótico como os dos vizinhos Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, que, aliás, nunca sensibilizarão a nossa mídia, ao menos enquanto não contrariarem algum interesse-chave dos EUA.

Dessa forma, a velha lógica de maximização dos lucros, tão em voga, toma conta do futebol. Como disse Patrick Bond, professor e economista da universidade de Kwa-Zulu Natal, na África do Sul, "o problema é que se hipoteca grande parte do orçamento público em infra-estruturas que reforçam o modelo de desenvolvimento neoliberal, em vez de se concentrarem em uma aposta social e sustentável".

Se os homens da FIFA têm alguma noção de mundo, e sua esperteza mostra que têm de sobra, devem estar calculando que tal modelo de luxo, modernidade e altos custos para eventos esportivos também irá se esgotar, principalmente após sucessivos golpes e frustrações nacionais com as falsas promessas. Logo, nada melhor do que radicalizar tal lógica, no que servem perfeitamente os dois países escolhidos, de modo que o canto do cisne seja o mais rentável possível.

Para os torcedores, ficam as lamentações de ver o evento esportivo mais festejado do mundo ser dominado pelos mesmos abutres que já nos infernizam em todas as demais esferas da vida. E mais a vergonha de ver uma paixão tão popular servir de ponte para diversas roubalheiras e enriquecimento de gente espúria, como é o caso dos homens que integram os principais cargos da FIFA, federações continentais, nacionais, estaduais...

"Talvez o Blatter, de 74 anos, não viva para ver sua obra concluída. Trata-se do coveiro do futebol", vaticina Mauro Cezar Pereira, da ESPN Brasil, emissora quase solitária no combate aos desmandos que já ocorrem em torno dos eventos marcados para o Brasil.

Busca-se dinheiro e mais nada. Não se respeita a liturgia do jogo, os estádios são cada vez mais modernos e sem alma, os anunciantes cada vez mais protagonistas. Não os conhecemos, não os queremos, muito menos os elegemos, mas essa pequena camarilha pode tudo com o esporte mais popular do mundo. A escolha de Rússia e Catar para sediar as Copas de 2018 e 2022 não surpreende. Apenas escancara que o futebol, lamentavelmente, está na mão de mafiosos.

Ver mais:

Copa da África desmente promessas de desenvolvimento e escancara apartheid intacto

África do Sul antecipa horizonte desanimador para 2014



Gabriel Brito é jornalista.

07/12/2010

PRONUCIAMENTO DO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB) AO XII ENCONTRO INTERNACIONAL DE PARTIDOS COMUNISTAS E OPERÁRIOS

Aos camaradas representantes dos partidos comunistas e operários do mundo:


África do Sul, 3 a 5 de dezembro de 2010

Vivemos um momento extremamente difícil e, ao mesmo tempo, intensamente rico da luta de classes. A crise econômica mundial, hoje presente em quase todo o mundo, uma crise de acumulação e de superprodução, do sistema capitalista como um todo, reafirmou a fragilidade estrutural deste sistema, sua natureza centralizadora e seu caráter excludente. As políticas propostas para a superação da crise – centradas no corte de gastos públicos, na redução de salários e na continuidade da retirada de direitos dos trabalhadores – têm caráter inconsistente e contraditório e contribuem para agravá-la mais ainda.

Há muitas conseqüências da crise que mudam o quadro global e que devem ser levadas em conta: cai mais ainda a centralidade da economia norteamericana como “locomotiva mundial”, instala-se uma guerra cambial entre os principais pólos mundiais. O mais importante é que há, em vários países, uma retomada das mobilizações de trabalhadores, seja na defesa de seus direitos, como em Portugal, na França, na Grécia ou em outros países, com ações organizadas contra o aumento do desemprego e as medidas anticrise tomadas pelos governos.

No Brasil, temos uma consolidação de um tipo de democracia burguesa altamente excludente, com barreiras fortes à organização dos trabalhadores e à ação dos partidos antagônicos à ordem. A mídia é composta por grandes grupos privados e quase monopolista. O capitalismo brasileiro é plenamente monopolista, desenvolvido e integrado internacionalmente e, por estas razões, não há base social para qualquer arranjo socialdemocrata ou nacional-libertador que possa resolver os problemas da maioria da população e garantir justiça social. Há, no Brasil, uma elevadíssima concentração da renda, altos índices de desemprego, de pobreza e desesperança. O fato de que 50% da população brasileira não tem acesso ao saneamento básico é uma clara demonstração de suas contradições.

Como resultado das políticas liberais das duas últimas décadas, as áreas sociais, como a previdência, a saúde, a moradia e outras foram destruídas ou precarizadas. No entanto, houve algum crescimento econômico nos últimos anos, com uma redução dos níveis de miséria e uma relativa expansão do mercado interno, sob forte incentivo de uma política que conjugou renúncia fiscal com o endividamento pessoal/familiar junto ao sistema financeiro. Mas a desigualdade aumentou, e, como inicialmente afirmamos, a concentração de renda no Brasil continua sendo uma das mais perversas do mundo.

O PCB participou das eleições deste ano com candidatos próprios, tendo feito, entretanto, esforços para constituir uma frente de esquerda com as demais forças políticas do campo socialista e revolucionário, com o objetivo de demarcar o campo anticapitalista e antiimperialista e contribuir, na esfera eleitoral, para a formação de uma frente mais ampla, com partidos e movimentos sociais, voltada para a construção da Revolução Socialista no Brasil. Os partidos desse campo receberam poucos votos. Para este resultado contribuíram a escala reduzida desses partidos, a polarização das eleições entre os dois blocos da ordem que foram ao segundo turno, o caráter excludente das leis eleitorais, o boicote da grande mídia aos partidos não reformistas e, principalmente, a hegemonia burguesa, que segue dominante, no Brasil, reforçada pelo carisma pessoal e pelas políticas compensatórias e populistas empreendidas pelo presidente Lula, ao longo de 8 anos. Entretanto, deixamos raízes, conquistamos reconhecimento e respeito dos trabalhadores e saímos fortalecidos politicamente.

A vitória de Dilma Roussef, do PT, nas últimas eleições representa a continuidade do modelo econômico e da base de sustentação política do Governo Lula. E pelo que vem sendo anunciado, o modelo econômico seguirá com os preceitos liberais, mantendo o câmbio livre, a economia aberta, a formação e o fortalecimento de grandes grupos econômicos brasileiros associados ao capital internacional. A economia se caracteriza pela elevada participação das exportações de commodities agrícolas e minérios e mantém uma relação de dependência em relação ao fluxo de capitais externos atraídos pelas bolsas de valores e pelos títulos públicos, principalmente devido às altas taxas de juros praticadas. Há, também, um significativo fluxo de investimentos estrangeiros diretos, especialmente nas áreas petrolífera e de bens de consumo duráveis, mas a indústria, mesmo com uma base sólida em todos os segmentos e alguns nichos de alta competitividade internacional, vem perdendo terreno para bens importados, dada a valorização do Real.

A base de sustentação de Dilma é policlassista, mantendo os moldes do apoio a Lula, com grandes banqueiros, grandes grupos industriais, grandes exportadores de produtos agrícolas, partes das camadas médias e dos trabalhadores de baixa renda, e, fundamentalmente, a população que vive na linha da miséria, mantida viva com os programas oficiais de combate à fome. Lula diminuiu o ritmo das privatizações que caracterizou o governo anterior, neoliberal, usando, no entanto, novas formas de privatizar, como as parcerias público-privadas, concessões de estradas para a exploração privada, ajuda a bancos e criação de “Organizações Sociais”.

No campo político, a aliança partidária liderada por Dilma inclui legendas conservadores como o PMDB, que sempre compõe com o campo da situação, o PP, de centro-direita, e outros do mesmo campo, além de lideranças conservadoras importantes, algumas das quais integrantes dos governos militares, além do ex-presidente Fernando Collor, cujo mandato terminou com o seu impeachment, por comprovada corrupção. Compõem também este bloco alguns partidos com origem de esquerda. Em seu programa, Dilma acenou com a continuidade da política social de Lula – centrada na distribuição de bolsas para a população de renda muito baixa, uma presença maior do Estado nas áreas petrolífera e bancária e a manutenção da política externa mais independente de Lula, voltada também para a defesa dos interesses das grandes empresas brasileiras no exterior, como no caso das construtoras.

O adversário derrotado no segundo turno, José Serra, do PSDB, representou os segmentos da burguesia brasileira mais à direita, mais ligados aos interesses dos EUA, com o apoio, inclusive, de grupos oriundos dos governos militares (1964 – 1985). Na campanha, Serra aproximou-se de grupos religiosos ultraconservadores, trazendo para o debate temas como a proibição do aborto e da união civil entre homossexuais. Por este conjunto de razões, o PCB indicou o voto crítico em Dilma, declarando-se, de antemão, em oposição a seu governo.

No campo das lutas sociais, ainda que atuando sob hegemonia burguesa e sofrendo ainda as conseqüências, em sua organização, do desemprego e das políticas de precarização das relações de trabalho das duas últimas décadas e sobretudo da cooptação, vêm ressurgindo o movimento sindical e as lutas populares. Novas entidades intersindicais vêm se formando e diversos movimentos sociais vêm retomando o seu lugar na cena política, com o retorno de greves e manifestações diversas. Nosso partido vem participando dessa retomada e se empenhando para elevar o patamar de enfrentamento da luta de classes.

Diante desse quadro, o PCB propõe a construção de uma frente anticapitalista e antiimperialista, que possa fazer frente às dificuldades de organização dos trabalhadores, superar a hegemonia burguesa e levar adiante o processo revolucionário no Brasil e no mundo.

Finalmente, dado o agravamento da crise do capitalismo e do conseqüente aumento da temperatura da luta de classes, entendemos que já é hora desses importantes encontros mundiais de partidos comunistas e operários darem um passo à frente na articulação do MCI, no que se refere à informação, aos debates e ao reforço do internacionalismo proletário.

Muito obrigado! Viva o MCI! Viva o Socialismo !!!
Comitê Central do PCB

06/12/2010

Capitalismo em Crise

Fred Goldstein (*)
1ª Parte
A caracterização da crise
Estamos a entrar num período raro da história - um período em que um
histórico sistema social mundial - o sistema capitalista - mostra todos os sinais
e sintomas de estar numa profunda crise donde não consegue libertar-se
senão por meio de medidas económicas.
Não temos uma bola de cristal. O marxismo é uma ciência e a sua prática
revolucionária é uma arte. Não é uma escola de profecias. O marxismo pode
desenterrar as tendências em acção no sistema capitalista, apenas tendo como
base o conhecimento das suas leis e a observação cuidadosa do desenrolar
dos acontecimentos.
Contudo, o sistema capitalista é não planeado e anárquico. Os monopólios
gigantes que abarcam o globo envolvem-se em concorrência desenfreada em
segredo, quer através das suas empresas concorrentes quer através dos seus
governos capitalistas. Não há hipótese de se obter uma antevisão rigorosa dos
desenvolvimentos económicos. Isto só é possível se houver uma economia
mundial, conscienciosa, cooperativa e colectivamente planeada.
Mesmo banqueiros centrais dos EUA, Europa e Japão, assim como o FMI -
aqueles que têm o maior acesso à informação - não podem fazer nada senão
adivinhar o curso do sistema capitalista em qualquer dado momento. Os
representantes dos trabalhadores, para redefinir a sua estratégia no âmbito da
luta de classes, têm que aplicar o marxismo o melhor que puderem de acordo
com as circunstâncias.
O problema da caracterização da crise actual
Toda a gente repete que esta é a maior crise económica desde a Grande
Depressão. Isto é mesmo verdade. Mas este enunciado não clarifica as
questões principais. Nada diz aos trabalhadores e à vanguarda da natureza
desta crise específica, apenas que ela é má (o que eles já sabem). Meramente
reiterando a severidade da crise não diz por que ela é tão má, porque teve de
ser assim e qual é o prognóstico - o que está reservado para as massas e,
acima de tudo, qual é a saída para esta crise. Se isto é uma crise do sistema
burguês então a única saída para os trabalhadores e oprimidos, uma vez que
estejam galvanizados para a luta, é a total destruição do capitalismo.
Há uma diferença profunda entre uma crise capitalista específica e uma crise
histórica do capitalismo enquanto sistema. A Grande Depressão começou
como uma crise cíclica, o colapso de uma bolha na bolsa de valores, com uma
crise subjacente de sobreprodução. Mas depressa se revelou como uma crise
do sistema. A crise actual está a indicar sinais semelhantes. A que começou
em Dezembro de 2007 tinha os elementos básicos de uma crise capitalista
clássica, no sentido de que era provocada por sobreprodução capitalista,
apesar de ser precipitada por uma crise financeira com a falência da bolha
imobiliária. Sobreprodução e falência de bolhas são características de todas as
crises capitalistas. Contudo, esta crise é obviamente muito mais do que uma
crise cíclica.
A recuperação do desemprego: Impasse crescente capitalista
Esta crise tem particularidades importantes que indicam uma diferença
qualitativa das anteriores recessões no pós-2ª Guerra Mundial, incluindo a crise
de 1980-1982. É cada vez mais claro, cada dia que passa, que a classe
capitalista não tem resposta para o crescente desemprego massivo. Não houve
sequer uma redução de quantidade nas fileiras dos desempregados durante os
12 meses da recuperação capitalista. De facto, a operação e retoma do
sistema foi dominada por uma intratável crise de desemprego afectando, pelo
menos, 30 milhões de trabalhadores e os seus agregados familiares - isto é,
talvez um terço ou mais da população.
Desenvolvimento da recuperação do desemprego
Isto é, possivelmente, o aspecto mais significativo desta crise. Se o capitalismo
não pode reduzir o exército de reserva de desempregados durante um
aumento do seu nível, então isso significa que o mecanismo económico do
capitalismo está irrevogavelmente quebrado. O sistema, como nos anos 30,
não resolve a crise do desemprego apenas por meios económicos. O seu
funcionamento normal, como um sistema de exploração sucesso/falência,
encalhou. Teve uma gigantesca quebra, mas não tem, nem terá, um sucesso a
seguir. Na melhor das hipóteses, a falência será seguida por estagnação com
desemprego massivo duradouro e crescente e, no pior dos casos, uma maior
falência ainda irá acontecer.
A recuperação do desemprego é de longe a pior, numa série de três
recuperações de desemprego nas últimas duas décadas. A recuperação do
desemprego é um novo fenómeno do capitalismo nos Estados Unidos. Surgiu
depois do declínio de 1991 e provocou preocupação entre os economistas
burgueses. Esta preocupação dissipou-se quando do colapso da URSS e pelo
crescimento da tecnologia que se seguiu no final da década. Mas o fenómeno
regressou com uma vingança - uma recuperação do desemprego muito pior -
depois do declínio de 2000-2001. A actual recuperação do desemprego é a
continuação desastrosa desta tendência e excede largamente aquela de 2001-
2004.
O significado duma recuperação do desemprego é que o capitalismo recupera
mas os trabalhadores não, mesmo ao mínimo nível. Os negócios expandemse,
mas os empregos não. O falhanço dos capitalistas para recontratar os
trabalhadores levanta uma barreira à recuperação do ciclo negocial capitalista.
Os patrões não recontratam por que os negócios vão mal. E os negócios vão
mal por que os patrões não recontratam. O crescimento anémico da economia
durante a "recuperação" é acompanhado não por contratação massiva mas por
contínuas paragens ("layoffs"). Mas a contratação é a única maneira para os
trabalhadores terem novamente dinheiro nos bolsos e comprarem os géneros
que eles produziram e alimentarem uma situação em alta. A imprensa
capitalista refere-se a isto como o "problema do consumidor". Mas, na
realidade, é um problema da sobreprodução capitalista, que ganha pontos na
crise logo que se inicia a recuperação e pára repentinamente qualquer sucesso
futuro.
Alteração no ciclo de negócios
A fase da recuperação capitalista do ciclo de negócios é suposta ser a situação
mais favorável para os trabalhadores. A parte de recuperação do ciclo no
passado foi o momento em que os patrões precisaram de contratar mão-deobra
para alimentar uma explosão de produção renovada e exploração.
Escassez relativa de mão-de-obra e aumentos de salários foram característicos
de recuperações capitalistas em toda a história. Karl Marx explicou este
processo em 1847 na sua clássica obra, Trabalho Assalariado e Capital.
Nas últimas duas décadas, o efeito da parte do crescimento do ciclo na classe
trabalhadora reverteu no seu oposto. As recuperações capitalistas foram cada
vez mais acompanhadas, não por uma relativa falta de trabalhadores mas por
elevado desemprego contínuo por tempos mais e mais prolongados após cada
recuperação e supressão continuada de trabalhadores, especialmente
daqueles com maiores ou moderados salários, através do período de sucesso.
As necessidades do capital, para o crescimento da força de trabalho, a fim de
manter rentabilidade durante um período de crescimento, diminuíram
consistentemente.
Contracção das forças produtivas
A fim de regressarem aos lucros na crise actual os capitalistas tiveram de
encolher a economia, reduzir a capacidade e despedir trabalhadores, juntando
muito maior intensificação de exploração aos que ainda permaneciam nos
empregos. O capitalismo no seu todo, em oposição a indústrias específicas,
teve de contratar as forças produtivas e capacidade produtiva sem as substituir
por capacidade produtiva comparável ou maior, como fizera em crises no
passado.
O encolhimento da indústria automóvel é um exemplo perfeito. As empresas de
automóveis norte-americanas tinham a capacidade de produzir 19 milhões de
carros por ano e estavam a produzir mais do que 16 milhões antes da crise.
Várias fábricas fecharam, à volta de 235.000 trabalhadores foram dispensados
e agora a indústria luta para produzir e vender 11 a 12 milhões de veículos. O
encolhimento da indústria automóvel e a crucial indústria imobiliária (as duas
indústrias que produzem a maioria de empregos na economia) são os casos
mais importantes, mas esses exemplos podem facilmente ser aumentados.
Nos anos 90, a indústria global do aço estava a sofrer os efeitos da
sobreprodução devido às inovações tecnológicas e à concorrência mundial
intensificada entre os monopólios do aço. Os monopólios norte-americanos
propunham tarifas elevadas para o aço importado. Mas a restante classe
capitalista não desejava que rebentasse uma guerra comercial. Por isso, os
industriais juntaram-se e encolheram (reduziram o tamanho) a indústria do aço.
Mas uma coisa é reduzir o tamanho a uma única indústria que produz uma
única matéria-prima e outra coisa é reduzir o tamanho de indústrias principais,
como as do automóvel e do imobiliário, que precisam de um sem número de
matérias-primas e produtos manufacturados de toda a economia. O que
interfere em milhões de empregos, de forma directa e indirecta.
Crise estrutural ou crise das relações de propriedade?
Muitos economistas burgueses começaram a utilizar a expressão "crise
estrutural" para descrever a situação actual. Não concordam com ela, nem
nenhum deles pode, na realidade, dar uma definição do que isso significa. Mas
a frase "crise estrutural" dá-lhes uma saída, pois isso implica que uma qualquer
forma de reestruturação pode resolver o problema.
O facto é que, como iremos abordar depois, o problema foi criado pela
reestruturação continuada do capitalismo, nacional e globalmente, nas três
últimas décadas. O capitalismo foi profundamente reestruturado
tecnologicamente, originando uma alta produtividade, uma estrutura global de
baixos salários. Não há virtualmente espaço livre para posteriores
reestruturações significativas ao longo de quaisquer linhas previsíveis.
Na realidade, esta é mais do que uma crise estrutural como a que houve em
1980-1982 (que abordaremos mais tarde). Está a tornar-se numa crise em que
o sistema de exploração, as relações burguesas de exploração de classe e
propriedade privada sobre a qual ela assenta, têm como resultado um conflito
irreconciliável com o desenvolvimento posterior da sociedade. Sendo assim,
cauções, pacotes de estímulos, manipulação financeira e reestruturação
acabam por não revigorar o sistema. E nenhum sucesso episódico, aqui ou
acolá, poderá alterar a extensa queda dos acontecimentos.
O capitalismo é um sistema que se baseia na repetição das crises. É um
sistema onde os crescimentos são seguidos por falências - um sistema de
crises recorrentes para a classe trabalhadora. É caracterizado por
sobreprodução, colapso dos mercados, despedimentos massivos, supressão
das regalias dos trabalhadores, destruição das forças produtivas, das fábricas,
dos armazéns, etc., e a sua substituição por mais eficientes e maiores meios
de produção. Tem sido esta a história cruel do capitalismo em quase dois
séculos.
A crise de 1980-1982 foi devastadora, mas era uma crise estrutural. A
chamada recessão Reagan foi o maior declínio do capitalismo, conhecido até
então, desde a Grande Depressão. Foi uma crise cíclica de sucesso e falência
e uma crise estrutural onde a classe capitalista enfrentava uma taxa de lucro
em declínio.
O crescimento da indústria nas décadas até aos anos 80 tinha como base a
expansão das velhas tecnologias. Os patrões aceleraram os trabalhadores,
subiram os preços e fizeram tudo que puderam para espremer o maior lucro
deles. Surge então a revolução científico-tecnológica através da produção
computadorizada e robótica e outras novas tecnologias. Isto iniciou uma
competição entre os capitalistas, que agarraram a nova tecnologia para
aumentar a taxa de exploração e aumentar os lucros.
Os monopólios industriais gigantes desenvolveram uma vasta reestruturação
da indústria durante e depois da recessão Reagan. A taxa de desemprego
oficial cresceu 11%, superior à taxa oficial de hoje.
Foram encerradas fábricas. Milhões de trabalhadores foram despedidos num
curto espaço de tempo. Muitas fábricas foram permanentemente transformadas
como novas, e instalações de alta tecnologia com robots, sensores e outros
métodos tecnológicos destinados a substituir trabalhadores foram instaladas.
Velhas fábricas perfeitamente funcionais foram encerradas. A era da produção
automática espalhou-se por toda a economia como uma vingança. Discussão
de concessões com os sindicatos estava na ordem do dia. Racismo e conflitos
laborais estavam por toda a parte. Foi lançado um ataque de emboscada
cuidadosamente planeado ao sindicato PATCO dos controladores do tráfego
aéreo. O sindicato foi destroçado e 18.000 trabalhadores foram impedidos de
emprego federal por toda a vida. A liderança dos trabalhadores bateu em
retirada perante o ataque. Os trabalhadores foram repelidos, apesar das suas
lutas corajosas e frenéticas - os mineiros das minas de cobre da Phelps-Dodge,
a greve dos embaladores de carne, a greve nas minas de carvão Pittston e
muitas outras mais. Os serviços sociais foram destruídos. A reacção Reagan
formou a atmosfera política de direita em Washington.
Mas o capitalismo recuperou da crise pela combinação do aumento da
exploração dos trabalhadores através da reindustrialização de alta tecnologia,
por uma maior ofensiva sem descanso anti-trabalhadores dirigida contra
trabalhadores de salários mais elevados, pela transferência de 750 mil milhões
de dólares retirados dos serviços sociais para os patrões - por uma guerra
virtual aos pobres, especialmente aos afro-americanos e à população latino/a -
e pelos 2 biliões de dólares da organização militar de Reagan dirigida contra a
URSS.
Onde é que a crise actual difere da de 1980-1982? Se não for qualitativamente
diferente, se o sistema não tiver passado por um ponto crucial de não retorno,
então a crise será eventualmente liquidada pela descarga dos inventários e do
retorno gradual a um aumento estimulado pelas cauções e pelos gastos
militares. O mercado capitalista reviverá com um retorno a uma expansão
renovada, com força suficiente para absorver uma porção significativa da actual
reserva de desempregados. Mas será isso que está a acontecer?
As medidas históricas de ressurgimento económico estão esgotadas
As medidas históricas do capitalismo para ultrapassar as suas crises de
sobreprodução e lucro na época imperialista foram variadas e familiares.
Expansão imperialista e pilhagem das nações oprimidas foi uma das primeiras
e envolveu gastos militares, preparação para a guerra e a própria guerra. A
seguir veio a intervenção financeira pelo estado capitalista na economia, isto é,
investir dinheiro nos bancos de Wall Street e na Bolsa ou impulsionar
específicas firmas gigantes. Acima de tudo, baixar salários através da
tecnologia e/ou arruinar os sindicatos e subir os preços (inflação).
Todos estes métodos foram utilizados separadamente ou em combinação para
ajudar a ultrapassar as anteriores crises que o capitalismo norte-americano
experimentou desde a 2ª Guerra Mundial. Nenhum foi capaz, até agora, de
ultrapassar o impasse actual.
A intervenção financeira pelo estado capitalista é esticada até ao limite.
Houve intervenção na economia, sem precedentes, pelo estado capitalista, que
não resultou. Até agora, o governo capitalista gastou ou prometeu ajuda
financeira de, pelo menos, 10,5 biliões de dólares para estimular a economia.
Gastaram no imediato 750 mil milhões de dólares para os bancos, 85 mil
milhões de subsídio à indústria automóvel para fechar fábricas e atirar com
milhares de trabalhadores para o desemprego. Veio depois o subsídio em
dinheiro pelo abate de carros velhos, que aumentou as vendas de automóveis.
Depois o Congresso passou um pacote de estímulo de 787 mil milhões de
dólares. Em complemento, houve a distribuição ao complexo militar-industrial e
ao Pentágono de 700 a 800 mil milhões de dólares cada ano e o aumento da
guerra no Afeganistão.
À medida que o sistema de mercado capitalista não conseguia resolver a crise,
o estado capitalista viu-se obrigado a intervir e ajudar, não só a classe
dirigente, mas até o próprio sistema. Para além de ter dado mais de 10 biliões
de dólares em ajudas, empréstimos avalizados, compra de activos
depreciáveis, etc. no final de 2009, a Reserva Federal deu incalculáveis
quantidades de dinheiro a financeiros, conservando as taxas de empréstimos
bancários próximas do zero.
A intervenção do governo federal (e dos governos de toda a Europa, Japão e
do resto do mundo capitalista) foi transferir grande parte da crise dos
monopólios capitalistas privados para a estrutura financeira do estado. Ao
assumir as dívidas dos banqueiros e financeiros, ao contrair empréstimos
nacionais e estrangeiros e ao dizer à imprensa escrita para investir na
economia, o estado capitalista adquiriu enormes dívidas - dívidas que não
podiam ser pagas devido ao desemprego elevado e à redução do valor criado
pelos trabalhadores.
A dívida do governo capitalista não provoca crise económica se a economia
capitalista cresce, se for criada mais-valia e o governo receber dinheiro através
de taxas sobre salários e lucros - os quais representam valor real criado pelos
trabalhadores. A administração Roosevelt incorreu em dívidas muito maiores
do que as administrações de Bush e Obama. Mas à 2ª Guerra Mundial seguiuse
a expansão capitalista, a reconstrução da Europa e da Ásia, um novo
período de industrialização da economia mundial capitalista e lucros
incalculáveis a fluir para Wall Street e Washington, provenientes da exploração
e da super-exploração dos trabalhadores no mundo inteiro.
A crise da dívida actual é insolúvel por que, em vez da expansão, há agora
contracção económica global e desemprego massivo. Quando dezenas de
milhões de trabalhadores estão desempregados, eles não estão a produzir
novos valores. Toda a expansão de moeda e empréstimos pelo governo não
podem criar sequer um cêntimo de valor. É apenas papel de valor fictício
A situação actual é oposta à do período pós-2ª Guerra Mundial. Embora os
políticos da classe dominante reduzam os gastos sociais em todos os sítios
que podem, contudo, o governo capitalista tem agora de dar algum apoio
mínimo a grandes secções da classe trabalhadora, através de seguros de
desemprego, senhas de refeições, assistência, ajuda para serviços públicos e
outros pagamentos. Em vez de serem explorados e fornecerem taxas e lucros,
os trabalhadores têm de ser apoiados através de vários programas sociais a
fim de evitar que se afundem na destituição total - e entrem em rebelião.
A população afro-americana e latino/a recebem o apoio mais pequeno e
sofrem, proporcionalmente, elevadas vítimas com a crise. A população
indígena sempre sofre os mais altos índices de vitimização em qualquer crise
capitalista - incluindo desemprego, baixos salários, perda de cuidados de
saúde e ausência de casas para viver. As comunidades indígenas, em geral,
são invisíveis em relação ao resto da sociedade devido a séculos de políticas
de racismo e genocídio.
A subida da pobreza para níveis de recorde oficiais - 15% em 2009 - significa
sofrimento para as massas e agravamento da crise financeira para o estado
capitalista.
A crise financeira do estado capitalista, por sua vez, é transferida para as
massas. Ao mesmo tempo que a classe dominante encolhe o chamado sector
privado, a maioria dos serviços sociais vitais é abandonada permanentemente.
O sistema entra em contracção; escolas e hospitais fecham ou são vendidos;
pequenos quartéis de bombeiros e centros para a 3ª idade são encerrados;
programas de saúde mental, senhas de comida e muitos outros serviços são
extintos. A administração Obama está a preparar o palco para cortar a
Segurança Social, "Medicaid" (NT: sistema nos EUA em que o custo de actos
médicos em pobres é pago pelo governo) e "Medicare" (NT: o governo dos
EUA ajuda a pagar os actos médicos a pessoas idosas).
Financiamento dos serviços sociais provém dos salários dos trabalhadores ou
de taxas a pagar pelos patrões retiradas dos lucros que foram tirados aos
trabalhadores em primeiro lugar. Por isso, os benefícios sociais são realmente
salários sob forma social. Cortes nos serviços são reduções no salário social
da classe trabalhadora.
Muitos destes serviços, incluindo educação pública universal, eram dantes
olhados pelas classes dominantes como necessários à saúde e funcionamento
do capitalismo. Estas instituições eram necessárias para a reprodução e
conservação dos trabalhadores. Eram apoiadas (com má vontade) pela classe
dominante, a fim de materialmente manter os trabalhadores a um nível mínimo
e dar-lhes as necessárias aptidões e educação para renovada e expandida
exploração. (Os afro-americanos, latinos/as, asiáticos e a população indígena,
mantidos pelas políticas racistas no último degrau do proletariado, sempre
obtinham o mínimo dos mínimos.)
O facto destas instituições sociais estarem a ser atiradas indiscriminadamente
pela borda fora, é um sintoma de que a burguesia, com o seu sistema num
estado de contracção, já não considera a educação e outros apoios para os
trabalhadores como vital. A manutenção dos trabalhadores, especialmente os
sectores oprimidos e as suas comunidades, é considerada como dispensável
despesa geral pelos banqueiros e patrões em alturas de crise e de contracção
sistémica. Isto é análogo ao decréscimo da economia no chamado "sector
privado."
Gastos militares: um narcótico falhado.
O narcótico histórico utilizado para estimular artificialmente a economia
capitalista falhou completamente desta vez. A classe dominante entrega ao
complexo militar-industrial 700 a 800 mil milhões de dólares por ano, amplia a
guerra no Afeganistão e Paquistão e continua a ocupar o Iraque, mas tudo isto
não é suficiente para reestimular a economia.
Porquê? Em primeiro lugar, porque a máquina militar dos EUA já é maior do
que todo o conjunto do resto do mundo e não pode expandir-se
significativamente na base da actual escala limitada de acções de guerra. Em
segundo lugar, a máquina militar é um reflexo da economia geral capitalista de
alta tecnologia. É agora, cada vez mais, baseada em bombas inteligentes,
bombas guiadas a lazer, drones sem piloto, operações militares coordenadas
por satélites, robots de campo de batalha, navios de mísseis de alta tecnologia,
etc. A produção para a guerra de alta tecnologia não tem muito trabalho
intensivo, como o da produção de equipamento e provisões para um exército
recrutado e envolvido numa guerra convencional.
Na crise actual, a guerra imperialista é uma pura perda
Vale a pena notar que a primeira crise geral do capitalismo nos EUA e em todo
o mundo aconteceu no final do século XIX. A conquista e o povoamento para a
exploração das terras nativas, a anexação de metade do México, a importação
de chineses e de outros trabalhadores asiáticos para a construção dos
caminhos de ferro ocidentais, - e apropriação de bens pessoais - fizeram parte
da chamada "frontier" (NT: limite da área onde as pessoas viviam e que
conheciam bem). Este incontestável roubo e agressão formou a maioria da
base económica do capitalismo norte-americano.
Após a Guerra Civil, a expansão "frontier", através do genocídio e da anexação
chegou ao fim. O período de industrialização, incluindo o grande
desenvolvimento dos caminhos-de-ferro, acabou de falência em falência. Deuse
um decréscimo generalizado da economia dos Estados Unidos. A economia
desmoronou-se em 1873 e entretanto, com recuperações suaves, continuou
em crise com o colapso financeiro de1893-1896.
O imperialismo era uma extensão e uma expressão da crise capitalista. Desta
crise, nasceu a expansão dos poderes europeus com a sua "disputa" por
África, e a expansão dos Estados Unidos na Ásia e América Latina. No começo
deu-se a conquista do Havai e de Samoa pelos EUA, seguindo-se pela
chamada Guerra espanhola-americana de 1898, e a conquista de Porto Rico,
Cuba e Filipinas.
O capitalismo dos EUA enfrentava uma guerra aberta de classes durante este
período, a partir da grande sublevação nos caminhos-de-ferro em 1877 até à
luta de 1886 em Haymarket pelo jornada de 8 horas, a greve do aço de
Homestead em 1892 e a greve dos caminhos de ferro Pullman em 1894 (que
falhou fatalmente devido à exclusão dos trabalhadores negros).
Por outras palavras, a economia capitalista não podia crescer mais no âmbito
da estrutura dos limites nacionais sem implodir numa crise de desemprego
massivo e ou sublevação social. Explosão imperialista sangrenta era a solução.
Até este ponto, as tentativas para expandir o império tinham rendido pouco
para o imperialismo dos EUA. De facto, devido à resistência das massas, as
suas guerras recentes foram uma pura perda para a classe capitalista.
Gastaram entre um e dois biliões de dólares na guerra do Iraque com
resultados insignificantes. A guerra no Afeganistão é um escoadouro crescente
na economia. Por isso, não há novas fontes de super lucros nem novos
territórios para expandir a exploração.
Então, enquanto os gastos militares e as guerras são essenciais para preservar
o sistema de um colapso, pouca coisa foi criada em matéria de emprego e não
foi possível simular uma recuperação económica como fora feito no passado.
2ª Parte
A crise e a época do capitalismo de baixos salários.
Os patrões, como sempre fazem, estão a utilizar a crise capitalista para baixar
os salários. Isto aumenta os lucros das empresas individuais, mas no declínio
actual apenas faz aprofundar a crise do sistema. O que fora um método
histórico para baixar salários a fim de aumentar os lucros, lançar as bases para
uma nova expansão capitalista, não está a resultar.
Chegando a esta crise, os trabalhadores já sofreram mais do que três décadas
de salários baixos, desde os finais de 1970 para diante e, em complemento,
estavam a ser esmagados sob o crescente custo dos cuidados de saúde, perda
de pensões e de benefícios, e hipotecas massivas e dívidas em cartões de
crédito. As reservas familiares esgotavam-se.
Para começar, famílias afro-americanas, latino/as, asiáticas e indígenas, quase
não tinham reservas e sofriam altas e históricas taxas de pobreza - antes da
crise. Mais e mais mulheres foram trabalhar, mas a maioria recebia os salários
mais baixos no sector de serviços da economia, muitas delas forçadas a
trabalhar longas horas (ou em vários empregos) a fim de preencher o
rendimento deixado pelos homens despedidos ou com salários reduzidos, em
geral, na classe trabalhadora.
A desigualdade na divisão nacional do rendimento entre o capital e o trabalho
atingiu proporções obscenas durante estas três décadas. Os super-ricos
tornaram-se mais ricos e os trabalhadores tornaram-se mais pobres. De 1979 a
2007, a média dos rendimentos após impostos dos 1% mais ricos subiu 281% -
um aumento de 973.000 dólares por cada família da classe dominante. Este
1% de milionários e bilionários, passaram de 7,5% do rendimento nacional em
1979 para 17% em 2007. Um quinto da população mais baixa recebia em
média 17.000 dólares por ano (abaixo da linha de pobreza) e trabalhadores de
rendimento médio recebiam 55.000 dólares anuais.
Ainda que isto represente rendimento pessoal, é um reflexo da redivisão da
mais-valia social, um vasto incremento nessa mais-valia, derivada de três
décadas de salários decrescentes e exploração capitalista intensificada, que
vai para os ricos.
Isto era o resultado da reestruturação do mundo capitalista, baseada na
revolução da produção, transportes e comunicações, que trouxe a revolução
científico-tecnológica.
A reestruturação acelerou após a derrota da URSS e da Europa Oriental, da
abertura da China, Índia e outras partes do mundo, que dobraram a força
global disponível de trabalho para exploração pelo capital imperialista (como foi
documentado em Capitalismo de Baixos Salários).
O colapso da URSS não sujeitou centenas de milhões de trabalhadores e
camponeses à pilhagem e exploração apenas no estrangeiro. Libertou o punho
dos capitalistas contra os trabalhadores nos EUA. Isto é uma citação em
Capitalismo de Baixos Salários (Pag.65)
O imperialismo e a crise: desde o tempo de Lenine aos dias de hoje
Mas em complemento ao efeito político na luta de classes, o colapso da URSS
e a abertura a novas fronteiras de exploração da classe trabalhadora mundial
alteraram a dinâmica do imperialismo desde que Lenine escreveu a sua análise
clássica, "Imperialismo: O Último Estádio do Capitalismo", em 1916.
De novo citando de Capitalismo de Baixos Salários (Pag.55):
…na fase mais recente da revolução científico-tecnológica, os avanços nos
transportes, comunicações, tecnologia interna e desenvolvimento no software
permitiram às grandes empresas capitalistas, com enormes valores e ligações
aos bancos gigantes, criar uma nova divisão do trabalho no mundo, ou aquilo
que Marx chamou a divisão social do trabalho, diferente da divisão do trabalho
no local do trabalho.
A nova tecnologia abriu à classe capitalista a possibilidade de reorganizar e
recolocar processos de produção em todo o mundo, utilizando novos e velhos
métodos. Este processo acelerou uma corrida de empresas em todo o mundo
para encontrar o trabalho mais barato nos países menos desenvolvidos (e em
áreas de baixos salários nos próprios países) e incorporá-los nas redes dos
processos produtivos mais modernos, como também em importar
trabalhadores de baixo salário do estrangeiro.
O processo da super-exploração imperialista estava livre de todos os limites
geográficos pela revolução científico-tecnológica. Podia agora ser aplicada
onde quer que trabalhadores pudessem ser agrupados no mundo.
Quando Lenine escreveu o seu trabalho, que permanece como base
fundamental para a compreensão do imperialismo, as classes dominantes
estavam a utilizar uma pequena porção dos seus super-lucros roubados às
colónias para subornar os líderes dos trabalhadores no país e criarem uma
larga camada superior privilegiada da classe trabalhadora. O seu objectivo era
ter paz de classe no país e conseguir que os trabalhadores se identificassem
com o imperialismo. A exportação de capital para as colónias resultava em
super-lucros que voltavam ao país.
Agora, contudo, com a concorrência salarial global sob o regime do
imperialismo moderno, a classe capitalista orquestrou uma "corrida até ao fim"
entre as diferentes secções de trabalhadores a nível global. Pondo trabalhador
contra trabalhador e pondo trabalhadores dos países imperialistas em
competição com trabalhadores com baixos salários em todo o mundo, numa
base de "emprego para emprego", destrói os privilégios de sectores dos
trabalhadores, principalmente de homens brancos, que dominavam o
movimento laboral.
A destruição indiscriminada de privilégios é um novo aspecto do imperialismo
na era da revolução científico-tecnológica e no pós-período soviético, e deve
ser compreendida como um novo desenvolvimento desde que Lenine escreveu
a sua brilhante análise. O seu trabalho continua ainda a ser a base para a
compreensão do imperialismo como a regra do capital financeiro monopolista.
Mas o desenvolvimento das forças produtivas e os avanços na globalização
capitalista transformaram a estrutura de classe do mundo do trabalho e
nivelaram-na para baixo. Isto, em última análise, reforçou a perspectiva
revolucionária.
Enquanto a exportação de capitais era dantes utilizada para fomentar um
estrato mais elevado da classe trabalhadora nos países imperialistas, para
amaciar a luta de classes, e promover estabilidade social, com a nova divisão
do trabalho a nível mundial a exportação de capitais é utilizada para fazer
descer o padrão de vida dos trabalhadores nos países imperialistas, dizimar as
camadas superiores dos trabalhadores e secções da classe média, e destruir a
segurança no emprego e os benefícios sociais. Isto irá, inevitavelmente,
enfraquecer a base da estabilidade social. Irá lançar as bases para o
ressurgimento da luta de classes no centro das empresas exploradoras
gigantes. Para além disso, a socialização mundial em expansão dos processos
laborais e a classe trabalhadora internacional em rápido crescimento, faz com
que a solidariedade de classe contra o imperialismo, através das fronteiras,
seja imperativa (Capitalismo de Baixos Salários, pag.57)
Isto é o quadro histórico da crise. Esses analistas que começam a falar acerca
da chamada "crise estrutural" devem ser lembrados de que a profunda
natureza da crise do sistema é resultante de anos de implacável reestruturação
capitalista do seu sistema global de exploração. Se pudessem resolvê-la por
mais reestruturação já o teriam feito.
As leis do marxismo continuam válidas
A maneira de compreender a causa subjacente da crise actual é compreender
o papel do desenvolvimento da tecnologia sob o capitalismo e o seu efeito nos
trabalhadores. O excerto seguinte do Capitalismo de Baixos Salários (pag.81)
contém uma importante citação de Sam Marcy. Sam Marcy, Presidente e
fundador do Workers World Party, num livro muito importante intitulado: High
Tech, Low Pay: A Marxist Analysis of the Changing Character of the Working
Class, publicado em 1986, analisava as fases iniciais da revolução de alta
tecnologia e os seus efeitos nos trabalhadores nos Estados Unidos
Numa secção devotada ao seu impacto nos sindicatos, localizou as fases do
desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo a partir da fase de
manufactura de cooperação simples até à revolução industrial e máquinas em
larga escala, seguindo para a fabricação em série - primeiras montagens de
produção em linha - nos princípios do século XX. e, em seguida, descreveu a
fase da alta tecnologia: "Esta fase (fabricação em série) deu agora lugar a outra
fase do desenvolvimento tecnológico. O período de produção em série que
começou com Ford e continuou por um período de tempo depois da 2ª Guerra
Mundial era caracterizado pela expansão. Mas a fase actual, a fase científicotecnológica,
embora continuando com as primeiras tendências de
desenvolvimento, contrai a força laboral" [ênfase minha].
"Como todas as fases anteriores do desenvolvimento capitalista, a fase actual é
baseada na utilização dos trabalhadores como força de trabalho. Mas toda a
sua tendência é para diminuir a força laboral enquanto tentam aumentar a
produção. A revolução tecnológica é, portanto, um salto em frente, cujos efeitos
devastadores requerem uma estratégia revolucionária para os suplantar."
Toda a inovação tecnológica desde a alvorada do capitalismo foi destinada à
intensificação da exploração do trabalho através de mais e mais produção em
cada vez menos tempo e com cada vez menos trabalhadores. Marcy escreveu
sobre o assunto há um quarto de século, antes da internet, da utilização
universal dos computadores, do software de controlo da produção, do software
privado, de sistemas de GPS e da miríade de invenções tecnológicas
destinadas a dispensar trabalhadores, de os fazer trabalhar mais rapidamente,
na redução de técnicos e na descida dos salários.
Há duas irresistíveis e contraditórias tendências enraizadas no sistema
capitalista do lucro que existem lado a lado e vêm da mesma fonte: a sede pela
mais-valia, pelo lucro. Uma é a tendência do capital para expandir produção
para o limite absoluto da capacidade existente, dada a tecnologia disponível, a
fim de maximizar a quota de mercado e os lucros. A outra, é o impulso do
capital para dispensar trabalhadores e reduzir salários, também para maximizar
lucros. Estas duas tendências, que estão inseridas no sistema têm,
inevitavelmente, que acabar numa crise de sobreprodução - uma crise na qual
o sempre crescente volume de bens produzidos pelos trabalhadores não
podem ser comprados por eles ao preço que dará um lucro para o capitalista.
Os trabalhadores são sempre pagos na gama do que necessitam para
sobreviver. Alguns são pagos um pouco mais do que necessitam para
sobreviver, outros menos, especialmente os oprimidos, mas isso é agora
também verdade para um número crescente de trabalhadores brancos pobres.
Sob o capitalismo, o poder de consumo da sociedade permanece sempre
numa estreita faixa ditada pelo preço de subsistência do poder laboral - isto é,
os salários. Mas a produção, inevitavelmente, segue sempre à frente do
consumo baseado na competição capitalista, quer os salários estejam altos ou
baixos.
A conta total dos salários da sociedade, mais o rendimento da classe média e o
consumo pela classe dominante, mesmo que seja extravagante, nunca se
comparará com a sempre aumentada produção na corrida aos mercados. E
essa corrida não pode ser contida, por que todas as empresas capitalistas,
mesmo que sejam muito grandes, estão sempre em perigo de serem engolidas
pelas suas vorazes rivais.
Taxa de lucro a decair
À medida que a tecnologia se torna cada vez mais cara, isso leva a taxa de
lucro do capitalismo a diminuir. Isto é porque os patrões gastam quantidades
de dinheiro cada vez maiores, para ter máquinas e equipamentos mais
eficientes e mais matérias-primas, para terem mais e mais produção e ter cada
vez menos trabalhadores. É assim que utilizam menos poder laboral
relativamente aos instrumentos de produção. A taxa de lucro é calculada pela
quantidade de mais-valia extraída dos trabalhadores em relação ao
investimento total capitalista em meios de produção e matérias-primas (capital
constante) mais salários (capital variável).
Quando a taxa de lucro baixa, cada capitalista tenta introduzir nova tecnologia
para obter vantagens sobre os seus rivais. O primeiro a introduzir nova
tecnologia obtém vantagens sobre os seus rivais que ainda utilizam tecnologia
antiga, tecnologia menos produtiva. Mas rapidamente se espalha a nova
tecnologia. A vantagem original do primeiro capitalista perde-se. O novo nível
superior de produtividade é agora a norma. Toda a indústria ou grupo de
indústrias afectadas pela nova tecnologia são agora mais produtivas,
produzindo em série mais e mais bens com cada vez menos trabalhadores.
Então, o ciclo na corrida por novas tecnologias começa outra vez de novo.
Quando os trabalhadores produzem mais artigos num dado momento devido a
nova tecnologia ou por trabalharem mais rapidamente, gastam menos tempo
em cada artigo, ou em cada operação necessária para criar um artigo. O tempo
de trabalho dos trabalhadores é espalhado sobre mais e mais artigos. O tempo
total de trabalho permanece o mesmo, mas há menos tempo laboral
incorporado em cada artigo produzido utilizando a nova, mais cara, tecnologia,
há menos mais-valia em cada artigo, pois a mais-valia só vem do trabalho
humano. Então, o capitalista tem que vender mais artigos para colher a mesma
mais-valia e ter lucro. É cada vez mais difícil para os patrões recuperarem o
seu dinheiro para cobrir o custo do equipamento e manterem um forte lucro do
trabalho que não é pago aos trabalhadores. Os capitalistas têm, por
conseguinte, de expandir vendas constantemente para obterem uma maior
quantidade de lucro para compensar o declínio nas respectivas taxas. Esta é a
única maneira para aguentarem a sua margem de lucro e sobreviverem à
"guerra até à morte" da concorrência capitalista. Esta situação conduz,
inevitavelmente, os capitalistas para a criação de condições para a
sobreprodução e a crise.
As associações de capitalistas competem umas com as outras para ganhar
quotas de mercado, introduzindo, constantemente, nova tecnologia. Foi isto
que, historicamente, lançou o capitalismo para a frente, de fase para fase,
desde o seu começo. Como Marcy escreveu em High-Tech, Low Pay, "isto é
uma lei que eles não podem evitar."
A revolução científico-tecnológica, a revolução digital, abriu a porta aos patrões
para manterem um fluxo ininterrupto de destruição tecnológica laboral. Na
presente conjuntura, após três décadas de intensa, rápida e permanente
revolução científico-tecnológica, globalização imperialista e transformação da
fase do capitalismo de baixos salários, o sistema é tão produtivo que, logo que
se recomponha de novo, o poder produtivo de fabrico avançado e processos de
serviço, rapidamente ultrapassa a capacidade das massas para consumir.
Os patrões não irão investir em novas forças produtivas a não ser que possam
vender com lucro. Os banqueiros não concedem empréstimos aos negócios
que não conseguem vender a uma população crescentemente empobrecida. A
cada avanço tecnológico torna-se progressivamente mais difícil iniciar o
sistema e expandir capital. Mas a expansão do capital é a única coisa que
permite ao sistema viver e aos trabalhadores trabalhar.
A contradição entre o crescimento das forças produtivas e o sistema do lucro
está a atingir um novo apogeu, como aconteceu na Grande Depressão.
Durante os anos 20 foi o rápido desenvolvimento das indústrias de produção
em série - automóveis, carne, frigoríficos, rádios, etc. - que precedeu o colapso.
Hoje, é o impacto da revolução científico-tecnológica que está a levar as coisas
a acontecer, mas numa escala maior e mais global. Esta contradição, era a que
estava atrás das recuperações dos desempregados após as crises de 1991 e
2000-2001. E isto é o que está por debaixo da crise actual.
O largo quadro teórico dentro do qual se pode analisar a situação actual foi
traçado por Marx em 1857 no seu Prefácio a "Uma Contribuição para a Crítica
da Economia Política".
Na produção social das suas vidas, os homens entram em relações definitivas
que são indispensáveis e independentes das suas vontades, relações de
produção que correspondem a um estádio definitivo de desenvolvimento das
suas forças materiais produtivas. A soma total destas relações de produção
constitui a estrutura económica da sociedade, a fundação real sobre a qual se
eleva uma super-estrutura política e legal e à qual correspondem formas
definitivas de consciência moral social.
A uma certa fase do seu desenvolvimento, as forças materiais produtivas da
sociedade entram em conflito com as razões de produção existentes, ou - o
que é apenas uma expressão legal para a mesma coisa - com as relações de
propriedade dentro das quais estiveram a trabalhar até agora. De formas de
desenvolvimento das forças produtivas estas relações transformam-se em suas
grilhetas. Então começa uma época de revolução social. Com a mudança na
fundação económica toda a imensa super-estrutura é, mais ou menos,
rapidamente transformada.
Este parágrafo é a mais concisa formulação da tese central do materialismo
histórico. Descreve da forma mais minuciosamente concisa o processo de
transição do feudalismo para o capitalismo e do capitalismo para o socialismo,
embora seja a explicação para todo o desenvolvimento histórico duma fase da
sociedade para outra, começando com o comunismo primitivo, antes da
sociedade se dividir em classes.
A chave para o pensamento de Marx, em relação ao presente, é que o
capitalismo criou vastos e poderosos meios de produção operados por uma
classe mundial de trabalhadores em todos os continentes, que estão
entrançados num sistema de produção espalhado por toda a parte. Desde os
primeiros tempos da manufactura, quando os artesãos eram trazidos para um
edifício para fazer vestuário ou carroças ou seja o que for, os capitalistas
utilizaram tecnologia para avançar até à idade do espaço. Mas as mesmas
instituições de propriedade privada, escravidão salarial e o sistema do lucro,
que existiam no princípio do sistema capitalista, ainda existem. Estão
completamente fora de moda e são agora uma sociedade sufocada. Nas
palavras de Marx, relações de propriedade, propriedade privada dos meios de
produção, começam a entrar em conflito com a operação de um sistema global
de economia envolvendo centenas de milhões de trabalhadores.
É este o ponto a que chegou o capitalismo na crise actual, como o ponto a que
chegou nos anos 80 do século XIX e nos anos 30 do século XX.
A meio caminho do terceiro ano, 31 meses depois de 31 de Dezembro de
2007, quando começou o declínio económico, nada foi capaz de começar a
levantar, de qualquer forma significativa, o sistema capitalista. À medida que
continuava no mesmo curso, o sistema de exploração capitalista coloca-se na
posição de começar a ser um travão absoluto a mais desenvolvimento. A
sociedade não será capaz de prosseguir no velho caminho. As massas
enfrentarão um abismo. A nossa tarefa é evitar que os trabalhadores e os
oprimidos sejam arrastados para o fundo desse abismo.
Para além de compreendermos a natureza larga e global da crise, temos de ser
capazes de discernir onde estamos na crise, qual o estado da classe
trabalhadora e como é que os diferentes sectores estão a reagir. Sabendo que
existe uma crise profunda é uma coisa. Adaptar a nossa estratégia e tácticas a
este momento é outra coisa. Para sabermos para onde vamos e como vamos
lá chegar, temos que saber onde estamos.
Neste momento, os trabalhadores enquanto classe, estão sob um cerco e
ainda não foram capazes de montar uma forte defesa de classe contra os
ataques que vêm de todos os lados. A liderança laboral não organizou acções
efectivas e, até agora, adoptou uma abordagem completa de não-luta. Antes da
crise estavam em retirada e, até hoje, não têm mostrado inclinação de
abandonar esta postura.
A crise capitalista divide a classe trabalhadora e enfraquece a sua posição.
Mas dito isto, mesmo a nossa experiência limitada tem mostrado de que há
muitos elementos entre os trabalhadores, particularmente entre os oprimidos e
entre os imigrantes, trabalhadores indocumentados, assim como estudantes e
jovens, mulheres e trabalhadores LBGT (NT: lésbicas, gays, bissexuais,
transexuais), a maior parte com os mais baixos salários, que desejam, estão
prontos, são capazes, e até ansiosos por lutar.
Sam Marcy escreveu sobre a tendência da tecnologia de empobrecer a classe
trabalhadora e de nivelar os salários altos, levando os negros, latinos/as,
asiáticos, nativos e mulheres trabalhadoras - os com mais baixos salários e
sectores mais numerosos da classe trabalhadora - a ter uma posição de mais
militância e liderança política no movimento da classe trabalhadora. E na crise
actual, podemos detectar este desenvolvimento - pela vitória dos trabalhadores
domésticos em Nova Iorque, dos operários na empresa "Republic Windows and
Doors", das lutas dos trabalhadores agrícolas, dos trabalhadores de serviços e
de muitos outros demasiado numerosos para mencionar.
Ninguém pode dizer quando e como esta vontade de lutar vai espalhar-se, mas
entretanto, a nossa análise do estado actual do sistema deve encorajar-nos
para aberta e agressivamente acusar o capitalismo por todos os seus crimes
contra as massas e ter fé no nosso programa socialista.
A nossa geração tem o benefício de poder aprender pela experiência das
gerações anteriores de trabalhadores. Durante os anos 30, todo o mundo
capitalista estava naquilo que parecia ser uma crise terminal. Houve uma
situação de pré-guerra civil na Alemanha antes de Hitler tomar o poder. Houve
uma grande greve geral em França. Houve uma guerra civil em Espanha. A
Itália teve a sua sublevação cedo depois da 1ª Guerra Mundial. E nos Estados
Unidos houve um recrudescimento pré-revolucionário de trabalhadores. Muito
mais se estava a passar em áreas coloniais na Ásia, África e América Latina.
Há muitas lições importantes desse período que terão aplicação no futuro e o
Partido deve aprender com estas lições, embora agora estejamos num quadro
histórico diferente.
Todas estas sublevações foram condicionadas pelo facto do capitalismo ter
atingido um impasse e ameaçava a própria existência do proletariado e dos
oprimidos. Mas a classe trabalhadora, por uma variedade de razões históricas,
era incapaz de derrubar a burguesia nessa altura e a classe dominante
recuperou o seu poder através da contra-revolução e da guerra. Abriu uma
nova era de expansão imperialista e desenvolvimento capitalista, que agora
parece estar a chegar ao fim.
Temos de seguir em frente, um passo de cada vez, para construir o Partido, o
instrumento indispensável para qualquer progresso significativo na luta, e ter fé
no nosso programa socialista revolucionário.
O autor escreveu o livro Low Wage Capitalism, uma análise marxista da
globalização e os seus efeitos na classe trabalhadora nos EUA. Também
escreveu numerosos artigos e deu conferências sobre a crise económica
actual. Para mais informações ver em www. lowwagecapitalism.com
Submetido para discussão de pré-conferência para o "Workers World Party.
Conferência Nacional em 13-14 Novembro de 2010, 6 de Outubro de 2010.
(*) Membro do Secretariado do CC do Partido Worker’s World
Tradução de João Manuel Pinheiro

05/12/2010

O “GENERAL” NÉLSON JOBIM BATE CONTINÊNCIA PARA WASHINGTON

Laerte Braga

Nelson Jobim é um trêfego. No dicionário está a definição – astuto, dissimulado –. As revelações feitas pelo site WIKILEAKS sobre suas ligações com o embaixador dos EUA no Brasil, Clifford Sobel e os comentários desfechados sobre os ministros Samuel Pinheiro Guimarães (Secretaria Nacional de Assuntos Estratégicos) e Celso Amorim (Relações Exteriores) são suficientes para que, num assomo de dignidade, se ainda restar alguma a ele, pedir demissão e recusar o convite da presidente eleita Dilma Roussef para continuar à frente do Ministério da Defesa.

Se não o fizer, cabe ao presidente Lula demiti-lo por ato de, no mínimo, deslealdade com o governo a que serve e a presidente eleita comunicar que o convite está anulado.

Nelson Jobim foi ministro da Justiça de FHC e um dos principais responsáveis pelo plano nacional de privatizações, não tem nada a ver com as propostas defendidas por Dilma Roussef em sua campanha eleitoral.

Nos primeiros entraves ao processo de privatização da CIA VALE DO RIO DOCE – hoje VALE –, FHC decidiu indicá-lo para o STF (Supremo Tribunal Federal) com a tarefa de remover obstáculos à entrega da empresa. Ao tomar posse Nelson Jobim pronunciou um dos mais lamentáveis discursos da história da chamada Corte Suprema. Afirmou-se “líder do governo” junto a seus pares. Foi um momento de pequenez do Poder Judiciário.

À época o fato causou estranheza a alguns juristas e indignação a outros. Uma das primeiras providências que Jobim tomou foi retirar das mãos da juíza Salete Macalóes as decisões (estavam afetas a ela pelo instituto jurídico do Prevento) sobre a privatização da VALE.

Salete Macalóes havia concedido liminares contra a decisão do governo apontando inúmeras irregularidades na privatização da VALE, na forma como estava sendo conduzida e levantado a ponta de um iceberg de corrupção. Jobim transferiu o processo para um juiz maleável, digamos assim, capaz de engolir sapos e engordar conta bancária.

Cumprida a missão saiu do STF, voltou à Câmara dos Deputados e numa dessas derrapadas de Lula virou ministro da Defesa.

Vestiu a farda de “general de carreirinha” e desceu assim no aeroporto de Porto Príncipe, Haiti, logo após o terremoto que varreu o país. Como norte-americanos estavam ignorando a presença de tropas brasileiras (que tinham o comando nominal das operações por ali) e chamaram a si o comando de fato, Jobim foi comunicar aos generais brasileiros que iam ter que engolir o sapo ianque e dizer à imprensa que nada mudou, o comando era “nosso”. Contou com o apoio decisivo de uma das agências norte-americanas no Brasil, a GLOBO.

Balela. Jogo de cena. Ridículo no uniforme de campanha. Patético.

Os documentos revelados na última semana pelo site WIKILEAKS mostram que Jobim mantinha estreitos contatos com o embaixador dos EUA no Brasil e identificava nos ministros Samuel Pinheiro Guimarães e Celso Amorim os “inimigos” dos patrões, no caso os EUA.

No último dia de seu governo o presidente Lula deve dirigir-se aos dois ministros, Samuel e Celso Amorim e agradecer o fardo carregado ao longo desses oito anos construindo o respeito que o Brasil nunca teve mundo afora.

É Jobim, “general de carreirinha” que bate continência para Washington, quem tenta impedir a continuidade de Celso Amorim no Ministério das Relações Exteriores. Quer um ministro padrão Celso Láfer, aquele que quando chegou ao aeroporto de New York tirou os sapatos para submeter-se a uma vergonhosa e ultrajante revista pela polícia antiterrorista.

E de preferência, se for o caso, tire os sapatos, a roupa, tudo e na ONU caia de quatro.

A responsabilidade de Dilma Roussef diante desses fatos é grande e qualquer concessão pode custar caro à presidente eleita.

Não há sentido, mas um profundo desrespeito ao Brasil e aos brasileiros manter uma figura repulsiva como Nelson Jobim num Ministério estratégico como o da Defesa.

Será, se acontecer, um retrocesso sem tamanho, até no conceito de “capitalismo a brasileira”, modelo criado pelo presidente Lula para driblar as bombas de efeito retardado deixadas por FHC.

Um País como o Brasil, num momento como esse, não pode submeter-se ao terrorismo norte-americano, claro e explícito nos documentos tornados públicos pelo WIKILEAKS, que envolvem desde ingerência em governos outros, a prática sistemática de violações de direitos humanos, incluindo estupros de prisioneiros e eventuais “inimigos”.

O pânico mostrado pela secretária de Estado Hilary Clinton com a divulgação dos documentos, que coloca a nu toda a “preocupação com a paz e a democracia” dos norte-americanos atesta a gravidade dos fatos. A acusação feita pelo governo do protetorado norte-americano na Europa, a Suécia, de “crime sexual” contra o fundador do site WIKILEAKS é prática corriqueira entre esse tipo de gente.

Acuados, transferem as responsabilidades para outros inventando histórias e buscando desacreditar já que não podem desmentir ou negar toda a barbárie praticada nos últimos anos, toda a sorte de trapaças contra governos legítimos em várias partes do mundo.

E Nelson Jobim é um dos homens dos EUA nesse emaranhado todo.

Um “general” de fancaria, um trêfego travestido de patriota, que aliás, é sempre bom lembrar, “é o último refúgio dos canalhas”.

Ao contrário, o ministro Celso Amorim foi eleito pela revista norte-americana FOREIGN POLICY como o 6º “pensador global mais importante do ano”, com o mérito de “transformar o Brasil em ator global”. Segundo a revista, “nem se opondo reflexivamente aos EUA no estilo da velha esquerda latino-americana nem servilmente seguindo sua liderança, Amorim marcou um curso independente”.

Amorim está, no ranking da revista, à frente de Hilary Clinton secretária de Estado dos EUA. O presidente (pensa que é presidente) Barack Obama é o terceiro na lista. O brasileiro está à frente também da chanceler do protetorado norte-americano Alemanha, Angela Merkel.

Por trás de tudo isso existe um outro e importante aspecto a ser considerado. Foi com Nelson Jobim ministro da Justiça de FHC que foi intensificada a participação do FBI e da CIA junto a órgãos do governo brasileiro no pretexto do combate ao tráfico de drogas e na prática, no controle do próprio governo de Fernando Henrique.

Um dos objetivos primeiros dos norte-americanos é encher o Brasil de bases militares para controle total do País e suas riquezas, criar a chamada OTAN do Atlântico Sul, transformar o Brasil em base de operações contra países latino-americanos que se oponham às políticas imperialistas de Washington.

Jobim está de volta e com ele as mesmas práticas golpistas e colonialistas.

O futuro governo Dilma tem esse desafio. Ou mantém a diplomacia montada na competência e na conseqüência de ministros como Celso Amorim, ou cai de quatro também.

Se os episódios da guerra contra o tráfico no Rio de Janeiro mostraram um governo presente no combate ao crime organizado, por baixo dos panos, negociações para maior participação de agentes dos EUA nessa luta ocorreram tranquilamente com Nelson Jobim à frente.

Lula está dormindo de touca nessa história e Dilma pode herdar essa touca.

Jobim é agente de potência estrangeira, como nocivo ao Brasil, em todos os sentidos, é o acordo militar com os EUA. E vale até registrar que foi rompido no governo do general Geisel. O que significa que até na ditadura se percebeu em dado momento os propósitos colonialistas dos EUA.

Com Jobim corremos o risco de no cesto do Ministério estar uma cobra cujo veneno não tem soro antiofídico. É preciso levar em conta que a tênue democracia brasileira implica num processo maior de reconstrução democrática que, por sua vez, significa também a reconstrução das forças armadas como segmento de toda essa caminhada. O golpe de 1964 gerou um corpo militar comprometido com interesses não nacionais, os norte-americanos e as mudanças e percepções dos reais interesses dos EUA aqui são lentas. Boa parte dos militares brasileiros também bate continência para Washington, como bateu para Vernon Walthers em 1964.

Jobim não é só trêfego, é também um cancro no governo. Uma doença caracterizada por uma população de células que crescem e se dividem sem respeitar limites normais, invadem e destroem tecidos adjacentes, podem se espalhar para lugares distantes no corpo através de algo que se conhece como metástase.