11/04/2009

Franceses divididos sobre sequestro de patrões

O anúncio de encerramento de grandes fábricas em França deu lugar a uma forma de luta pouco habitual: o sequestro dos administradores das empresas. A surpresa da opinião pública regressou agora com o resultado de duas sondagens: metade dos trabalhadores franceses acha estes sequestros "aceitáveis".
A sondagem do CSA publicada pelo jornal Le Parisien mostra como os franceses se dividem praticamente ao meio nesta questão. A pergunta era: "Nas últimas semanas, alguns patrões têm sido sequestrados por uma parte dos trabalhadores (como na Sony, Caterpillar ou 3M) após os anúncios de encerramento de fábricas e de planos sociais. Qual destas opiniões corresponde melhor à sua?"No total da população, 45% acha que "este método de acção é aceitável" e 50% dizem que não, com os restantes 5% a não responderem. Lida a sondagem por categorias profissionais, conclui-se que 56% dos operários e 50% dos trabalhadores por conta d'outrém acham os sequestros aceitáveis, opinião partilhada por apenas 47% nas profissões intermédias e 40% nos quadros e profissões liberais. Uma outra sondagem, do instituto IFOP para a revista Paris Match, já tinha revelado que se apenas 30% dos franceses aprovam os sequestros de patrões, outros 63% compreendem-nos, sem no entanto os aprovar. Esta sondgem diz que apenas 7% dos inquiridos reprova firmemente a acção dos trabalhadores daquelas três fábricas.O próprio presidente Sarkozy já reagiu à vaga de sequestros de patrões pelos seus empregados. "Podemos compreender a cólera das pessoas, mas ela será acalmada pelas respostas e pelos resultados, não agravando ainda mais as coisas através de acções contrárias à lei". A direita francesa reagiu violentamente às declarações de Ségolène Royal, ex-candidata presidencial socialista, que manifestou compreensão por esta ser muitas vezes a única forma dos trabalhadores "fragilizados e desprezados" se fazerem ouvir, embora sublinhando o carácter "ilegal" destas acções. Também o secretário-geral da central Force Ouvrière, Jean-Claude Mailly, disse compreender este tipo de acção, "desde que não haja violência". Também Alain Krivine, do Novo Partido Anticapitalista, reagiu às declarações de Royal, dizendo que "ela adapta-se um pouco melhor que os outros ao clima de revolta reinante", mas quanto a medidas concretas "não se vê grande coisa, para além de um monte de lágrimas e compaixão".Na semana passada, os trabalhadores da Caterpillar de Grenoble não deixaram sair da fábrica quatro administradores, em protesto contra o anúncio do encerramento daquela unidade.
Fonte: esquerda.net

10/04/2009

A desistência do homem que enfrentava o MST

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Pressões levam procurador Gilberto Thums a desistir de embate contra o movimento
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Isolado no Ministério Público, criticado pela Igreja, questionado pelo Conselho Nacional do Ministério Público e pelo governo federal, pressionado pelos movimentos sociais, o procurador Gilberto Thums jogou a toalha em sua cruzada contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).Oprocurador anunciou a saída de cena após ser constrangido, na terça-feira, em uma audiência pública na Assembleia Legislativa com a presença de 200 filhos de sem-terra. Os estudantes estavam no parlamento gaúcho para tentar reverter o fechamento das escolas itinerantes em acampamentos do movimento – uma das vitórias que Thums havia obtido contra o MST.Ao abraçar a causa contra o movimento, há nove meses, Thums não sabia, mas liderava o exército de um homem só. Abandonado, não resistiu às pressões de aliados de um movimento que ao longo das últimas três décadas arregimentou parceiros e amigos em diferentes setores da sociedade civil e do Estado brasileiro. Depois do encontro na Assembleia, Thums anunciou que se afasta de embates contra o movimento e admitiu que há possibilidade de rever o acordo que resultou na extinção das escolas. Desde o ano passado, o Ministério Público gaúcho é pressionado por entidades ligadas à área de Direitos Humanos, sob a acusação de “criminalizar os movimentos sociais”. Uma comissão especial, formada no âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, do governo federal, considerou “preocupante” e “grave” o tratamento dado ao MST no Estado.
Thums recebeu críticas de companheiros do MP
De Brasília, também partiram ataques da ouvidoria agrária nacional, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, que apresentou ao Conselho Nacional do Ministério Público um pedido de providências sobre a política de autuação do MP gaúcho em conflitos no campo. A justificativa do pedido calou fundo nos promotores e procuradores: o MP estaria afrontando os direitos fundamentais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana.Na introdução da defesa, a procuradora de Justiça Irene Soares Quadros, que esteve em Brasília representando a instituição, disse que lamentava as circunstâncias da sua primeira oportunidade de comparecer ao órgão representando a procuradora-geral de Justiça, Simone Mariano da Rocha.– O Ministério Público está sofrendo um desgaste porque os outros Estados não compreendem essa posição – diz Thums.
Entre os seus pares, as mais duras críticas partiram de promotores ligados às áreas dos Direitos Humanos e da Infância e da Juventude. Desde o início das ações contra o MST, em 2008, promotores das duas áreas temiam a contaminação ideológica em assuntos técnicos. O desconforto tornou-se insustentável após a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o governo do Estado, em fevereiro de 2009, sepultando as escolas itinerantes em acampamentos do MST. – Não podiam ter feito um TAC sobre este assunto sem consultar os promotores da área da Infância e da Juventude. Não conversaram com os promotores, com os conselhos tutelares, com os integrantes dos acampamentos. Nada – diz um promotor ligado aos assuntos da infância.Manifestações técnicas ajudaram a mudar posiçãoHá uma semana, o então coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude procurador Miguel Velasquez, e a promotora da Infância e da Juventude Synara Jacques Butelli enviaram um ofício para a procuradora-geral Simone Mariano da Rocha devolvendo o TAC. Na prática, a devolução indicava para a procuradora que, ao não participar da confecção do termo, os promotores não se sentiam confortáveis em executá-lo.
A pressão prosseguiu na Assembleia, na última terça-feira, em uma reunião da Comissão de Educação, presidida por Mano Changes – parlamentar do PP, sigla historicamente contrária ao MST. Em sua primeira manifestação no encontro, Thums condenou as escolas itinerantes e os sem-terra, definido por ele como um movimento “guerrilheiro”. Ao final, após ouvir manifestações de deputados e de técnicos, reconheceu que o TAC poderia ser revisado. Ao receber uma cópia do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) das mãos de uma criança, o sempre sério Thums esboçou um sorriso.– Parecia que ele havia tirado um peso das costas. A sensação que fiquei é que ele percebeu a saia-justa que havia sido colocada para o MP e, ao aceitar que o TAC fosse revisto por uma comissão neutra, encontrou um jeito de sair de cena. Ele encontrou uma saída honrosa – relata a deputada Stela Farias (PT).

08/04/2009

UNIDADE PARA AVANÇAR NA LUTA: FORTALECER A INTERSINDICAL!


(Nota da Unidade Classista)

Em função da crise econômica mundial, as classes dominantes realizam uma violenta ofensiva contra os trabalhadores através de demissões em massa, rebaixamento dos salários, retirada de direitos e criminalização das lutas e dos movimentos sociais. No Brasil, a situação não é diferente: o governo Lula realiza a política da burguesia, colocando recursos públicos para salvar bancos e empresas privadas, enquanto as demissões ocorrem diariamente, mesmo naquelas empresas que receberam créditos do governo.

Diante dessa conjuntura, a Unidade Classista reafirma a necessidade da unidade dos trabalhadores e trabalhadoras, no sentido de construir uma alternativa global à ofensiva da burguesia, que tenha como eixo a centralidade do trabalho, a resistência contra as demissões e o rebaixamento dos salários e um programa alternativo capaz de colocar os trabalhadores em movimento, em busca de sua emancipação.

Nesse sentido, entendemos de fundamental importância neste momento o fortalecimento da Intersindical como instrumento de luta e organização da classe trabalhadora, no sentido de “defender os direitos e avançar rumo a novas conquistas”, construindo um sindicalismo classista, independente do Estado, dos patrões e dos partidos políticos.

Por esse motivo chamamos todos os companheiros que reivindicam a Intersindical à unidade. Uma unidade que resgate os princípios fundadores da Intersindical em 2006, quais sejam: uma coordenação aberta a todas as correntes que a reivindicam, com suas decisões sendo tomadas por consenso e que aponte ainda nesse momento não para a formação de uma central sindical, mas para o fortalecimento de um campo que aglutine o movimento sindical de luta, classista e combativo.

Achamos prematura e incorreta a fusão burocrática da Intersindical com a Conlutas. Entendemos que os companheiros da Conlutas estão no campo classista, tem disposição de luta e, por isso mesmo, valorizamos a unidade de ação com os companheiros. Mas temos divergência de fundo com relação à concepção de central, pois temos a centralidade do trabalho como norte de nossa ação. O processo de unidade do movimento operário deve passar inevitavelmente pela unidade de ação e não pode ser atropelado pelo voluntarismo, pelo imediatismo, por razões partidárias e, muito menos, pelo calendário eleitoral nacional.

É na unidade de ação que forjaremos as ferramentas para a futura unidade orgânica dos trabalhadores. É na unidade de ação que criaremos as condições para a realização, no momento oportuno, de um ENCLAT – Encontro Nacional da Classe Trabalhadora, que crie as condições para a criação de uma central unitária, classista e anti-capitalista.

São Paulo, abril de 2009

06/04/2009

Os conteúdos de uma nova sociedade

A Argentina prepara-se para um importante debate que deve envolver toda a sociedade. Trata-se de uma lei sobre o funcionamento dos meios de comunicação. A Carta Maior começa a publicar uma série de artigos sobre o tema que interessa diretamente ao Brasil, no ano em que será realizada a primeira Conferência Nacional de Comunicação. No primeiro texto, o sociólogo Horacio González destaca o caráter estratégico deste debate que envolve um setor que se julga "diretor de consciência" da vida geral da população.

Horacio González


Lei dos Meios de Comunicação. Bem! Uma vez aprovada, será difícil imaginar cabalmente todas as mudanças que ocorrerão na vida coletiva. Seu debate parlamentar poderá ser uma das grandes jornadas de ativismo democrático e fervor cívico no país. Em resumo, implica a renascida vontade de discutir os conteúdos de uma nova sociedade. Seu equivalente histórico, pelo dramatismo pedagógico que tem a questão, evoca a sempre lembrada lei 1420 de Educação Comum.Mas...os meios de comunicação importam tanto assim? Hoje ocupam uma posição que poderíamos considerar como a de “diretores de consciência” da vida geral da população. Jogo e cadafalso, circo e vademecum moral. Talvez tenha sido com o peronismo que se afirmou a vinculação da vida popular com o teatro da imaginação audiovisual. Mas, neste caso, o vínculo emanava da radiofonia.

O peronismo foi o rádio, não a televisão. Mas manteve como equivalentes duas esferas: a estatal política e a comunicacional cultural. O balcão e o rádio. Sem absorção de uma pela outra, eram duas linguagens claramente diferenciadas. No entanto, sabe-se que no dia 17 de outubro de 1951, inaugurou-se a televisão argentina com uma imagem de Evita. Daí que os aniversários da televisão argentina coincidam com os do peronismo.É preciso compreender esse fato – por sua importância – e, ao mesmo tempo, desconstruí-lo em nome da necessidade de ver a sociedade como uma relação de esferas autônomas, mas mutuamente concernentes e não corporativas. Instituição social e tecnologias comunicacionais são diferentes, fatos de enraizamentos culturalmente heterogêneos. Todos eles devem ser percorridos pelos símbolos genéricos de uma cidadania que esporeia e reconstitui as práticas coletivas.

A intervinculação de atos técnicos, discursivos e econômicos – que, em conjunto, fazem a essência do político – deverá tornar possível vislumbrar um novo Estado militante e produtivo. Nada disso seria possível sem um pensar crítico e uma razão comunicativa em constante revisão de si mesma. Uma grande reforma estatal democrática é um fato necessariamente paralelo a uma nova lei dos meios audiovisuais. E esta, um fato equivalente a uma autoconsciência nova sobre os planos de linguagem que constituem todo contrato social. Por isso, algo parecido com um imaginativo e inovador Congresso da Língua, convocado pelas instâncias universitárias, intelectuais, comunicacionais, culturais e sindicais argentinas, deveria ocorrer juntamente com o debate sobre a esfera midiática.As sociedades comunicacionais universalmente ramificadas, as instituições do trabalho e da memória, a esfera tecnológica liberada de ingênuos fetichismos não devem possuir ânimo confiscatório em suas relações mútuas. Mas o trabalho material e imaterial, transformador da natureza e dos símbolos, segue sendo o valor criador que funda o vínculo intersubjetivo. Apesar disso, os meios de comunicação possuem intrinsecamente tendências substitutivas da experiência genérica humana pela via de seu poderoso interesse na unificação “técnica” da linguagem, do espaço e do tempo.

São conhecidas suas restritas hipóteses de inteligibilidade, suas armações temporais pré-moldadas, o ilusionismo com que imagina que não tem suas raízes no trabalho produtivo. Isso deve ser motivo de novas considerações que revelem que é preciso que, de seu próprio interior, surjam reformuladas alianças entre legados culturais e tecnologias. Desde logo, em seu sentido profundo, as tecnologias são também fatos artísticos e retóricos de segundo grau. Quando recobram essa dimensão, condensam um novo tecido universal de caráter liberador. Uma grande revolução contemporânea consistiria em que os meios de comunicação massivos assumissem que as formas de vida são experiências autônomas não sujeitas a servidões voluntárias e imersões cegas em um indiferenciado magma comunicacional.

Esse horizonte deve ser o sujeito filosófico de uma nova lei sobre o exercício do poder audiovisual das sociedades. Nem é preciso que isso seja escrito. São os “considerandos” implícitos de toda lei, que equivalem a indagar sobre as condições de produção material, intelectual e moral de todo fato cognitivo. Os meios de comunicação se assemelham a um estouro em puro presente, a uma lâmina translúcida sem o peso da memória. Mas seu “arquivo” está articulado como uma potencial ameaça de controle social. Dupla des-historização! Parecem não ter história, estruturas de domínio, interesses econômicos, economias reprodutivas, linhas de comando, decisões políticas, autoconsciência hegemônica e operativos ideológicos! Mas esta época nos revela a anomalia de acreditar que é etéreo ou evanescente o que, na verdade, é uma materialidade espessa e de caráter examinatório sobre o conjunto das práticas sociais. A pressuposição genérica da lei dos meios deve implicar que esta revelação – a essência de uma grande debate – é democraticamente possível.

Um caso conhecido pelos historiadores argentinos é a opinião absorta de Sarmiento logo ao saber que os capitais ingleses estavam construindo a ferrovia do Ganges, da mesma maneira que, na remota Argentina, se construía o trecho Buenos Aires-Rosário. Como? Então os governantes “progressistas” não incidiam em nada? Era tudo uma manifestação inevitável das forças produtivas da época? Esta profunda anedota (e uma anedota profunda é já uma teoria) nos leva novamente à questão das tecnologias. A necessária intimidade com elas anda de mãos dadas com a necessidade de que não se convertam na “antropologia filosófica” de uma época, nem no governo invisível das culturas que devem ser livres em sua singularidade.

A técnica não é algo neutro. Quando acreditamos que é neutra, somos capturados por ela. Em troca, uma relação livre com as tecnologias implica decidir sobre elas, a cada passo, no interior mesmo da linguagem que utilizamos. Um mero jargão tecnicista sem raízes nem sustentação material impede a liberdade do sujeito. Aprisiona-o no ressentimento de não poder ser nunca imediatamente moderno, o que o banaliza socialmente. O moderno é um bem que implica mediações, múltiplos sintetizadores culturais, nunca é súbito nem esquecido. Uma lei de meios de comunicação socialmente inovadora deve legislar sobre novos direitos sociais de gestão nesta área. Mas são igualmente imprescindíveis duas coisas: que não se descubra que reproduziu meramente a “ferrovia do Ganges” e que não se omita em rediscutir a língua como o veio permanente da autoconsciência produtiva de uma nação.

O Estado que propõe esta lei deve ser, ao mesmo tempo, um âmbito que se transforme juntamente com as mudanças essenciais que propõe. Não deve converter-se em uma região subordinada superficialmente à última novidade técnica. Deve ser um Estado renovado, não coercitivo, capaz de propiciar esferas heterogêneas de justiça. Por isso, deve assumir as tecnologias como acontecimentos também culturais e inovadores no plano artístico e científico. E, no plano da língua comum, deve atuar como se estivesse diante das grandes forças produtivas que originaram os inesquecíveis tratados de economia política do século XIX. Os “contratos” que estabelecem os meios com suas audiências herdam antigas fórmulas sociais e comunitárias. Em um sentido amplo, herdam o selo do circo, do jogo e da magia. Mas, ao mesmo tempo, os decompõem em uma nova trama volátil, em pontuais momentos de consumo de línguas pré-fabricadas onde somente de tanto em tanto pulsa o destino real das existências. É difícil para os meios de comunicação escapar de um mercado de sentimentalidades já pressuposto.Talvez as cíclicas proposições a favor da pena de morte surjam do sentimento de uma sociedade corroída, como é hoje a nossa. Trata-se de uma sociedade que busca recompor-se através de meios drásticos, próprios de uma obscura justiça substitutiva, teatralmente lúgubre e punitiva. E esse drama é contado especialmente pela televisão massiva! Faz isso, muitas vezes, retomando o edifício mental das direitas, e outras com pavorosos provérbios que parecem sair quase casualmente da boca de seus mais conhecidos menestréis. Porque seguidamente uma voz intencionada dispara: “Pena de morte!”.

A proclamação provém do ventre mitológico da grande baleia, mas não deixa de ser um pobre artesanato da restauração conservadora. Aí se organizam as imagens públicas ao redor de confessores morais e proclamadores áulicos. São os chefes não declarados dos espasmos massivos e do pavor organizado, ainda que falem contando piadas. São os comissários sentenciosos de uma justiça em primeira e última instância, que provém de um neolítico moral que convive bem com uma ética satélite. Eles pregam, severos, o castigo e reclamam que os amemos. Como não lamentar que alguns notáveis artistas populares tenham se submetido a esses servilismos!Se a pena de morte se converte em um odioso sintoma de organização social, o mundo terá esgotado definitivamente sua liberdade associativa. Por isso, muitos segmentos da televisão de massas vivem da satisfação primitiva de um Estado expiatório, espectral e inquisidor. Prometem o espetáculo domiciliar do réu no patíbulo com último refúgio do vínculo social. As intuições sombrias de um setor não majoritário, mas muito ativo da televisão emanam do caráter imediato do castigo. Dessas penumbras surgem muitos porta-vozes do chamado à pena capital, pois imaginam que há uma “vontade geral” que só os meios de comunicação podem representar. Adivinham, talvez sem equivocar-se, que ao pedir o castigo máximo juntam cenicamente um sentimento viscoso e profundo com uma oculta torrente de consciências que marcham desde um justo pranto até a obtusa vingança. Tudo imediatamente. Repentinamente. Um novo direito, o direito ao repentino, é a essência mesma deste tipo de ato comunicacional. Rápido transporte das consciências. É o deslizamento vil por uma lógica de um mercado. Qual? O mercado dos sentimentos massivos como parte de uma insondável indústria cultural. É o fim da urbe como espaço comum. As paixões ficam reguladas. Governo eletrônico por scoring, rating e target.Certamente, uma nova lei dos meios audiovisuais não contém explicitamente esses temas, mas sua essência deve ser, por um lado, a pluralidade social de gestão e, por outro, a compreensão social de como se produzem as linguagens coletivas. Mas a sociedade e o Parlamento que debatam e aprovem este crucial ordenamento devem saber que se encontram, em última instância, diante da reverberação de seu destino democrático e latinoamericano.Sociólogo, ensaísta, diretor da Biblioteca Nacional da Argentina.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Agência Carta Maior