03/07/2008

O Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde

por André Forte
Não há muito a dizer sobre Oscar Wilde enquanto romancista: O Retrato de Dorian Gray foi o único romance escrito por si, entre dezenas de peças de teatro e reflexões sobre estética, e é considerado um dos últimos trabalhos de ficção gótica de terror. Este romance é, em última análise, o resumo dos seus ensaios sobre essa temática, já que, através das suas personagens, argumenta sobre ela constantemente – e de forma bastante convincente, saliente-se. Foi uma forma inteligente de substituir as palestras que ainda teria de dar pelo mundo fora (e muitas foram as que realmente deu).Ainda que filho único de Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray é obra de um grande romancista. Por várias razões: o enredo, o discurso narrativo, as personagens, o enquadramento histórico… tudo características deliciosamente desenvolvidas.Comecemos pela base, o enredo. O título não podia ser nem mais explícito nem menos óbvio – diz-nos a história toda sem, no entanto, nos revelar ponta dela. Um rapaz belíssimo e o seu retrato – e sobre a trama nada mais é possível revelar sem que metade do encanto se perca; é um livro dependente de todas as páginas. A forma como a partir desta base, actualmente transformada num cliché da literatura, se desenvolve uma narrativa única é fenomenal. Através de uma caracterização das classes altas da Inglaterra do século XIX, Oscar Wilde distorceu os preconceitos que se tem de uma sociedade civilizada, tornou-os mais grotescos e evidentes, colocando o leitor numa perspectiva especialmente feliz em relação a eles, podendo este descortiná-los – e julgá-los, porque não? Aqui o enquadramento histórico é de extrema importância e feito com excelência, desde as descrições dos espaços e das roupas à própria denúncia dos vícios da classe alta; as menções feitas às facções mais baixas da hierarquia social, através de breves ilustrações feitas dos seus locais quotidianos, surgem pontualmente e acabam por não ter grande impacto no enredo. No entanto, o dia-a-dia do meio em que se insere o protagonista é introduzido de forma demorada e cativante ao longo de toda a história, até à última página. À semelhança de tudo neste romance: nada, tirando algumas personagens, fica inalterado ao longo da leitura, fidelíssima ao tempo da trama.Curiosamente, em O Retrato de Dorian Gray, as personagens suplantam o narrador no desempenho do seu papel graças a uma escrita baseada em diálogos. O discurso do narrador limita-se a pequenas contextualizações espacio-temporais, não lhe cabendo, sequer, a função caracterizadora das personagens – estas discutem todas essas trivialidades entre si, adquirindo uma vida pouco normal num romance, tornando-se independentes de didascálias e de outras intervenções (neste caso) inúteis. Cabe, portanto, ao leitor analisar personagens que lhe estão realmente próximas. A escrita torna-se, por isso, ligeira, ainda que não exageradamente graças ao conteúdo, que muitas vezes adquire alguma densidade – nomeadamente nos diálogos.Naturalmente, com uma narrativa deste género, os diálogos não são meras trocas de palavras: são verdadeiros argumentos, construídos com lógica e inteligentemente colocados na personagem que lhes compete, o que não os torna cansativos. Pelo contrário, estes tornam-se deliciosos e são, como já tinha referido, o veículo das ideias sobre estética desenvolvidas por Oscar Wilde, ainda que de forma dissimulada.Há três personagens que, ao longo do enredo, merecem destaque: Dorian Gray, obviamente, Lord Henry Wotton e Basil Hallaway. Sendo a história sobre Dorian Gray, nada vou revelar sobre ele; Henry Wotton, um nobre, é a representação de um hedonismo puro e vicioso, vestido de princípios para mero fogo de vista; e Basil é um pintor, amigo de ambos os supra falados, um ser cheio de ideais e que vive segundo eles. Imediatamente se nota uma espécie de dualismo na história, presente desde a primeira cena. A beleza da história é, precisamente, observar o jogo deste dualismo no seu desenvolvimento, e o papel preponderante que tem.Este romance é aquilo que se pode considerar imprescindível, não por ser uma obra genial, digna de todos os louvores, mas sim por ser uma história que acabou por se tornar num cânone do género em que se inscreve. Naturalmente, é um marco pela forma como está escrito e como é enquadrado, mas não é um livro incrível. De qualquer forma, é impossível não se degustar o tempo ganho a ler O Retrato de Dorian Gray.

Fonte: Orgia literária

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