La Jornada (Editorial)
03.Set.10 ::
03.Set.10 ::
De acordo com uma análise editorial publicada ontem [30 de Agosto] no New York Times, o recente massacre de 72 emigrantes centro e sul-americanos em Tamaulipas confirma que o governo de Washington delegou nos «senhores das drogas» a execução da sua política de provisão migratória, tal como o fez anteriormente com o fornecimento de estupefacientes, com «os resultados que estão à vista».
Com inusitada crueza, o jornal nova-iorquino escreve que «os cartéis mexicanos são alimentados pelos Estados Unidos com dinheiro vivo, armas pesadas e outras», enquanto o fluxo humano para o norte «é alimentado pela nossa procura de mão-de-obra barata». Nestas circunstâncias, as organizações do narcotráfico – «capitalistas oportunistas» – entraram pelo negócio do tráfico de pessoas: «os imigrantes indocumentados são, em certo sentido, melhores que a cocaína, porque podem ser obrigados a pagar resgate e convertidos em transportadores de droga».
O referido editorial não se inscreve apenas na chamada de atenção sobre a ligação crescente entre o narcotráfico e a utilização de pessoas – ligação que ficou barbaramente evidenciada no massacre de centro e sul-americanos em Tamaulipas – mas que se junta às chamadas de atenção sobre o imobilismo de Washington no combate às drogas.
Inúmeros analistas expressaram dúvidas sobre a seriedade do compromisso do governo estadunidense nesse empenho por ele imposto a outros países, e para fundamentar a suspeita apontam, entre outros factos, a suposta incapacidade do aparelho policial, militar e tecnológico mais poderoso do mundo para detectar e interceptar a imensa maioria dos embarques de estupefacientes ilícitos que, por mar e pelo ar, atravessam a fronteira entre o México e os Estados Unidos. Isto porque as substâncias ilícitas chegam a esse país, são aí distribuídas e comercializadas sem contratempos de maior desde o Rio Bravo até ao Canadá e do Pacífico até ao Atlântico.
A inconsistência entre o discurso oficial de Washington e os seus actos para estancar o tráfico de estupefacientes no seu próprio território é simétrica da incongruência que existe entre as políticas oficiais em matéria de migração, persecutórias e repressivas quer no âmbito federal quer estadual, e a evidente necessidade da economia estadunidense se alimentar com mão-de-obra barata, o que apenas pode fazer com trabalhadores estrangeiros, maioritariamente latino-americanos, que chegam ao país sem os documentos migratórios. Em qualquer dos casos fica evidente uma hipocrisia que, segundo o New York Times chega ao ponto de utilizar os cartéis mexicanos como a válvula de escape que controla o caudal migratório. Se estes exercícios simulatórios forem certos – e todos os elementos de análise apontam para isso – torna-se inevitável perguntar se tão abissais diferenças entre a leis e a prática governamental e empresarial não configuram uma gigantesca fraude à comunidade internacional e à própria opinião pública estadunidense, maioritariamente intoxicada por uma propaganda que apresenta, por um lado, um país imaculado, próspero, sadio e regido pelo direito, e por outro, um conjunto de nações que invadem o território estadunidense com drogas ilícitas e migrantes delinquentes e perigosos.
Em qualquer caso, fica claro que o lugar dos segundos no narcotráfico não é o de protagonistas, mas o de vítimas, e que são as próprias autoridades dos Estados Unidos quem criou essa circunstância, por meio de estratégias falhadas se é que não são mal intencionadas.
A conclusão inevitável desta reflexão é que Washington não tem autoridade moral para ditar, acordar ou sugerir acções em matéria de combate à delinquência organizada e, particularmente, ao tráfico de drogas, e que, se é certo que tais fenómenos, tendo em conta o seu carácter global, devem enfrentados multilateral e concertadamente, as estratégias correspondentes devem ser formuladas em negociações equitativas e respeitadoras das soberanias. Neste ponto as autoridades mexicanas devem abandonar a submissão com que têm actuado e assumir, de uma vez por todas, que os Estados Unidos não podem ser vistos como a fonte de soluções, mas como parte do problema.
Este texto foi publicado no diário mexicano La Jornada de 31 de Agosto de 2010.
Tradução de José Paulo Gascão
Com inusitada crueza, o jornal nova-iorquino escreve que «os cartéis mexicanos são alimentados pelos Estados Unidos com dinheiro vivo, armas pesadas e outras», enquanto o fluxo humano para o norte «é alimentado pela nossa procura de mão-de-obra barata». Nestas circunstâncias, as organizações do narcotráfico – «capitalistas oportunistas» – entraram pelo negócio do tráfico de pessoas: «os imigrantes indocumentados são, em certo sentido, melhores que a cocaína, porque podem ser obrigados a pagar resgate e convertidos em transportadores de droga».
O referido editorial não se inscreve apenas na chamada de atenção sobre a ligação crescente entre o narcotráfico e a utilização de pessoas – ligação que ficou barbaramente evidenciada no massacre de centro e sul-americanos em Tamaulipas – mas que se junta às chamadas de atenção sobre o imobilismo de Washington no combate às drogas.
Inúmeros analistas expressaram dúvidas sobre a seriedade do compromisso do governo estadunidense nesse empenho por ele imposto a outros países, e para fundamentar a suspeita apontam, entre outros factos, a suposta incapacidade do aparelho policial, militar e tecnológico mais poderoso do mundo para detectar e interceptar a imensa maioria dos embarques de estupefacientes ilícitos que, por mar e pelo ar, atravessam a fronteira entre o México e os Estados Unidos. Isto porque as substâncias ilícitas chegam a esse país, são aí distribuídas e comercializadas sem contratempos de maior desde o Rio Bravo até ao Canadá e do Pacífico até ao Atlântico.
A inconsistência entre o discurso oficial de Washington e os seus actos para estancar o tráfico de estupefacientes no seu próprio território é simétrica da incongruência que existe entre as políticas oficiais em matéria de migração, persecutórias e repressivas quer no âmbito federal quer estadual, e a evidente necessidade da economia estadunidense se alimentar com mão-de-obra barata, o que apenas pode fazer com trabalhadores estrangeiros, maioritariamente latino-americanos, que chegam ao país sem os documentos migratórios. Em qualquer dos casos fica evidente uma hipocrisia que, segundo o New York Times chega ao ponto de utilizar os cartéis mexicanos como a válvula de escape que controla o caudal migratório. Se estes exercícios simulatórios forem certos – e todos os elementos de análise apontam para isso – torna-se inevitável perguntar se tão abissais diferenças entre a leis e a prática governamental e empresarial não configuram uma gigantesca fraude à comunidade internacional e à própria opinião pública estadunidense, maioritariamente intoxicada por uma propaganda que apresenta, por um lado, um país imaculado, próspero, sadio e regido pelo direito, e por outro, um conjunto de nações que invadem o território estadunidense com drogas ilícitas e migrantes delinquentes e perigosos.
Em qualquer caso, fica claro que o lugar dos segundos no narcotráfico não é o de protagonistas, mas o de vítimas, e que são as próprias autoridades dos Estados Unidos quem criou essa circunstância, por meio de estratégias falhadas se é que não são mal intencionadas.
A conclusão inevitável desta reflexão é que Washington não tem autoridade moral para ditar, acordar ou sugerir acções em matéria de combate à delinquência organizada e, particularmente, ao tráfico de drogas, e que, se é certo que tais fenómenos, tendo em conta o seu carácter global, devem enfrentados multilateral e concertadamente, as estratégias correspondentes devem ser formuladas em negociações equitativas e respeitadoras das soberanias. Neste ponto as autoridades mexicanas devem abandonar a submissão com que têm actuado e assumir, de uma vez por todas, que os Estados Unidos não podem ser vistos como a fonte de soluções, mas como parte do problema.
Este texto foi publicado no diário mexicano La Jornada de 31 de Agosto de 2010.
Tradução de José Paulo Gascão
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