20/04/2008

A EXCEPCIONALIDADE DE FIDEL




Renato Nucci Junior
(nuccijr1@yahoo.com.br)


A renúncia de Fidel Castro às funções que ocupava no Estado cubano teve repercussão mundial. E não era para menos. Fidel e a Revolução Cubana representam um dos momentos mais importantes do século passado, já que tanto a personagem como o fato histórico, se inserem num momento de intensas lutas anti-coloniais dos povos africanos e asiáticos. A ousadia do povo de uma pequena ilha caribenha ao enfrentar o imperialismo estadounidense, num contexto latino-americano marcado por ditaduras militares e governos subservientes à Casa Branca, fez de Fidel Castro e da Revolução Cubana um marco histórico, uma referência ética e política e uma fonte de inspiração para a luta de outros povos por todo o mundo.


Com a derrota das experiências socialistas do leste europeu e com o fim da União Soviética, a burguesia triunfante acreditava que o fim do socialismo em Cuba era uma questão de tempo. Tal expectativa crescia à medida que o país enfrentava um período de graves carências econômicas causadas pela perda de seu principal parceiro comercial e pelo acirramento do embargo estadounidense. Porém, nada aconteceu. Em meio a grandes dificuldades o país manteve-se de pé sem que acontecesse o que a Casa Branca e os exilados cubanos de Miami tanto esperavam: uma insurreição popular causada pela insatisfação com as dificuldades do “período especial” que acabaria com a “ditadura” de Fidel e abriria caminho para uma democracia liberal nos moldes desenhados por Washington.

Com a renúncia de Fidel, a direita mundial volta a acreditar na possibilidade para uma transição político-econômica que acabe com o socialismo. Por estar impregnada da ideologia burguesa, que enxerga no indivíduo o grande demiurgo da história, acredita que a renúncia do Comandante-em-Chefe mudará completamente os destinos de Cuba.

Mas o que os porta-vozes do capital não entendem é que a história não é feita apenas pelos grandes personagens. Nem compreendem que estes, sozinhos, são incapazes de determinar seus rumos apenas por seus caprichos. A história é feita por coletividades maiores, as classes sociais, que encontram em certos indivíduos, os chamados “grandes líderes”, os porta-vozes de seus anseios.


Fidel Castro é, sem dúvida, a personalidade viva de maior expressão da Revolução Cubana. Essa condição jamais foi imposta, mas, conquistada por seu papel proeminente na vida política de seu país. Membro da ala esquerda do Partido Ortodoxo, participou da tentativa de tomada do Quartel de Moncada, em 1953. O objetivo dos rebeldes que o acompanhavam era derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista, instalada no país com apoio da classe dominante nativa, justamente para impedir a vitória eleitoral do Partido Ortodoxo. O programa defendido pelo Partido Ortodoxo e pelos rebeldes incluía a reforma agrária e mudanças econômicas e sociais de caráter popular. Tais mudanças representavam as aspirações mais sentidas dos cubanos, mergulhados em um regime subserviente aos interesses dos Estados Unidos e de uma burguesia autóctone, estúpida e vassala. O programa do movimento só concretizou-se após 1959, com a vitória da Revolução Cubana e o caminho socialista por ela trilhado.

Desde então, as conquistas econômicas e sociais dos cubanos, a permanente hostilidade dos Estados Unidos e as dificuldades recentes enfrentadas pelo fim do bloco de países socialistas no leste europeu, foram respondidas com firmeza pela direção do Partido Comunista Cubano, tendo Fidel como seu porta-voz. O que lhe conferiu o papel de personalidade mais proeminente da Revolução.

Por estar à frente do comando político de Cuba por 49 anos que a renúncia de Fidel suscita dúvidas sobre o futuro do país. Mas, os analistas “imparciais” da grande imprensa, ansiosos pelo fim do socialismo em Cuba, erram em suas previsões. Seu erro está em confundir Fidel com a Revolução, como se esta se sustentasse apenas pela vontade e capricho daquele. Removido esse obstáculo, abrir-se-ia espaço para o surgimento de uma democracia de molde liberal. Porém, para a tristeza desses analistas, a Revolução Cubana é maior do que Fidel, sustentando-se para além de seu principal personagem e dirigente.

A base material que sustenta a Revolução está nas conquistas sociais que ela logrou e que se mantiveram mesmo com as dificuldades impostas pelo “período especial”. Os níveis de escolaridade, atendimento médico, mortalidade infantil e expectativa de vida se equiparam aos observados nos principais países capitalistas. Elas são tão inquestionáveis, que mesmo meios de comunicação burgueses como a Folha de São Paulo, no editorial da edição de 20/02/2008, ainda que fazendo coro com a direita mundial que defende uma abertura política e econômica para a ilha, exigiu a manutenção das conquistas sociais da Revolução. Este quadro é bem diferente daquele pintado pelos detratores da Revolução, em geral formado pelos exilados que perderam seus privilégios e que se aliam ao governo dos Estados Unidos no combate ao regime cubano. Estes afirmam que Cuba vive em uma situação de carência material absoluta e de obscurantismo político e intelectual, sustentada por uma “ditadura” exercida pessoalmente por Fidel. É essa visão tacanha e sem qualquer pé na realidade, que boa parte dos grandes meios de comunicação mundiais compram como verdade absoluta.


Por tudo isso, a renúncia de Fidel e sua substituição por outros dirigentes, incluindo uma geração mais nova que cresceu sob o socialismo, não será a derrocada do mesmo em Cuba. A ilha já vive um processo de mudança desatado pelo próprio Fidel e pela direção do Estado cubano desde o início da década, crismada de “A Batalha das Idéias”. Essa campanha aponta para um aprofundamento da Revolução, através da participação popular e pela ampliação da escolaridade e do conhecimento do povo cubano, como forma de corrigir as falhas e contradições originadas pelo “período especial”. A finalidade é tornar os cubanos o povo mais culto do mundo.

Cientes de que a renúncia de Fidel não ocasionará uma mudança brusca rumo ao capitalismo, os grandes meios de comunicação esperam, ao menos, uma abertura econômica seguindo o exemplo chinês, como um passo para mudanças maiores no futuro. Contudo, a exemplo dos chineses, reconhecem que as linhas mestras da Revolução serão mantidas: soberania nacional e construção de uma sociedade socialista. Isso entristece os que esperam ver Cuba se abrir política e economicamente ao capitalismo. E a explicação normalmente dada à continuidade do processo revolucionário é sempre a mesma: Fidel, mesmo afastado do comando do Estado, ainda manteria uma poderosa influência capaz de impedir tais mudanças.


A dimensão histórica e política de Fidel Castro têm a mesma proporção da Revolução Cubana. A grandeza de Fidel é proporcional a importância que a Revolução Cubana assumiu na história moderna. E esta também é grandiosa pois contou com personalidades grandiosas, como Ernesto “Che” Guevara. Em suma, se os grandes processos históricos forjam as grandes personalidades, é necessário que estas também existam para que os acontecimentos tomem os rumos exigidos pelas circunstâncias. A história requer indivíduos e personalidades capazes de cumprirem suas demandas. Essa dialética incompreensível para os analistas burgueses, é que torna Fidel grandioso, por causa da Revolução Cubana, mas, que também a torna grandiosa, para além de Fidel.

E Fidel manifestou essa grandeza em sua renúncia. Ciente dos limites físicos impostos pela enfermidade que o acomete, manifestou que não aspira e nem aceita os cargos de direção do Estado cubano. Sua importância pode ser medida pelo impacto da notícia em todo o mundo. Como apontou em sua carta de renúncia, meu dever primordial não é agarrar-me a cargos, muito menos obstruir o caminho de pessoas mais jovens, e sim oferecer experiências e idéias cujo modesto valor provém da época excepcional que me coube viver.

Época excepcional que gerou com excepcionalidade a personalidade revolucionária que sempre será Fidel.

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