19/02/2009

Ministério Público e Governo Yeda Crusius voltam a criminalizar MST

Escolas do movimento são fechadas no Rio Grande do Sul
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O Ministério Público Estadual e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul voltaram a criminalizar o Movimento Sem Terra e iniciaram o fechamento de todas as escolas itinerantes em acampamentos gaúchos. No dia 10 de fevereiro, a escola do acampamento de Sarandi, que atendia 130 crianças, foi fechada por determinação do MPE e do Governo do Estado. Segundo o Ministério Público, a decisão foi tomada com base em um Termo de Ajuste de Conduta – TAC, assinado pela instituição e pelo Governo do Estado.

O Termo de Ajuste de Conduta foi assinado sem conhecimento ou a participação dos outros entes interessados: pais, educandos e a escola-base, onde as crianças estão matriculadas. O TAC também ignora e desrespeita as Diretrizes Operacionais para Escolas do Campo, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em 2002, baseada na Lei de Diretrizes Básicas da Educação/LDB de 1996.

O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado do Brasil a reconhecer e regulamentar as Escolas Itinerantes, através de parecer do Conselho Estadual de Educação em 19 de novembro de 1996. A experiência gaúcha permitiu a instalação de escolas em acampamentos em diversos estados, como Sergipe, Paraná, Bahia, entre outros.

A decisão do MPE e da Governadora Yeda Crusius retoma a decisão do Ministério Público, publicada em ata em dezembro de 2007, em "extinguir" o MST. O fechamento das escolas era uma das medidas previstas pela ata do MPE. No ano passado, com a denúncia pública da ata, o MPE alterou duas vezes o conteúdo da decisão e declararam rever a decisão. O MST teme que o Governo do Estado e o MPE reiniciem as ações ilegais de criminalização elaboradas pelas duas instituições, tais como impedir que os trabalhadores rurais possuam título de eleitor, que sejam impedidos de realizarem reuniões ou manifestações.

Confira abaixo texto de Leandro Scalabrin, membro da comissão de direitos humanos OAB de Passo Fundo, que contextualiza a decisão do Conselho Superior do Ministério Público.


*FUNDAMENTALISMO DE DIREITA FECHA ESCOLAS ITINERANTES DO MST E DEIXA 310 CRIANCAS SEM EDUCAÇÃO*

O Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, através de uma decisão de seu Conselho Superior (CSMP), decidiu colher dados e produzir um relatório (elaborado pelos Promotores Luciano de Faria Brasil e Fábio Roque Sbardelotto) sobre a atuação do MST no Rio Grande do Sul (processo n° 16.315-0900/07-9). O Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul em Ata no 1.116, de 03/12/2007, decidiu "que o referido expediente tem caráter confidencial...", e aprovou o voto e os encaminhamentos propostos pelo procurador e Conselheiro Gilberto Thums, com as seguintes recomendações:

1. [...]designar uma equipe de Promotores de Justiça para promover ação civil pública com vistas à dissolução do MST e a declaração de sua ilegalidade. ...

2.* [...] o voto é pela intervenção do Ministério Público nas três 'escolas' referidas a fim de tomar todas as medidas que serão necessárias para a readequação à legalidade, tanto no aspecto pedagógico quanto na estrutura de influência externa do MST [...]. Sugere-se sejam tomadas medidas para, se necessário, ocorrer o ajuizamento de ações civil públicas com vista à proteção da infância e juventude em relação às bases pedagógicas veiculadas nas escolas mantidas ou geridas pelo MST, nitidamente contrárias aos princípios contidos na Constituição Federal e que embasam o Estado Democrático de Direito. Da mesma forma, sugere-se a tomada de medidas judiciais, se necessário, para impedir a presença de crianças e adolescentes em acampamentos, assim como em marchas, colunas ou outros deslocamentos em massa de sem-terras, tendo em vista serem ambientes notoriamente inadequados para pessoas em processo de desenvolvimento. [...] [Grifos nossos]*

3. [...] voto pela necessidade de desativação dos acampamentos situados nas proximidades da Fazenda Coqueiros...

4. [...]sugere-se sejam investigados os assentamentos promovidos pelo INCRA ou pelo Estado do Rio Grande do Sul, de forma a verificar se a propriedade rural, nessas áreas, cumpre sua função social.

5. [...] "realização de investigação eleitoral nas localidades em que se situam os acampamentos controlados pelo MST, examinando-se a existência de condutas tendentes ao desequilíbrio deliberado da situação eleitoral local.

6. [...] "formulação de uma política oficial do Ministério Público, com discriminação de tarefas concretas, com a finalidade de proteção da legalidade no campo. Este órgão do Ministério Público deve ser especialmente destacado para a atividade, seja na Assessoria do Procurador-Geral de Justiça, sejam com a implementação de Promotoria de Justiça Especializada em Conflitos Agrários. [...][Grifos no original]

Para dar cumprimento às decisões o CSMP designou os Promotores de Justiça Luís Felipe de Aguiar Tesheiner e Benhur Biancon Junior, que, em 11 e 17 de junho de 2008, ingressaram com quatro ações civis públicas: uma delas na Comarca de Carazinho, contra integrantes do MST nos acampamentos Jandir e Serraria, ambos localizados próximos à Fazenda Guerra, em Coqueiros do Sul, RS, e mais seis pessoas físicas e uma jurídica (para despejar os dois acampamentos); as outras três, nas comarcas de São Gabriel, Canoas e Pedro Osório contra o MST[1] e "demais sem terra e integrantes de movimentos sociais de contestação no campo" para que se abstenham de se aproximar, através de marchas, colunas ou outros deslocamentos em massa de sem-terra e demais integrantes de movimentos sociais, [...] a uma distância inferior a dois quilômetros dos limites territoriais [...] da Fazenda Southall (13.267 hectares), da Fazenda Granja Nenê (1.246 hectares) e da Fazenda Palma (3.029 hectares).

Após ter sido denunciado publicamente o teor desta deliberação, o CSMP esclareceu que em 07 de abril de 2008 reuniu-se em nova sessão, solicitou informações sobre o cumprimento das medidas aprovadas, quando seus membros manifestaram "total apoio aos Promotores de Justiça designados por tratar de tema de segurança pública" e ao final, decidiram por desclassificar o processo administrativo quanto a seu caráter sigiloso e retificar a ata de 3 de dezembro de 2007, para suprimir a determinação anterior de ajuizamento de ação civil pública para dissolução do MST e a declaração sua ilegalidade. Tamanha foi a repercussão e reação dos setores democráticos da sociedade brasileira, inclusive do próprio Ministério Público do RS, que em 30 de junho de 2008, em nova reunião do CSMP, houve nova retificação da ata, onde constou que tudo não passou de um equívoco, tudo que constou na ata não foi aprovado, fazendo constar que a deliberação do conselho teria sido somente a de designar "Promotores de Justiça para conhecer do expediente e levar a efeito as medidas legais cabíveis" e não os encaminhamentos propostos pelo Procurador Thums.

Contradizendo as duas atas retificadoras, os promotores designados pelo CSMP (Luís Felipe de Aguiar Tesheiner e Benhur Biancon Junior – os mesmos que entraram com as ações contras os acampamentos) continuam atuando contra o MST[2], e nos autos do processo onde a dissolução do MST havia sido proposta (expediente n. 16.315-0900-07-9), firmaram TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o governo do Estado do RS (firmado pela da Secretaria Estadual de Educação Mariza Abreu), onde este assume a obrigação de "deixar de desenvolver os Cursos Experimentais (Experiencia Pedagógica) nos níveis de educação infantil – faixa etária de 4 a 6 anos, ensino fundamental e ensino fundamental na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, nas escolas dos acampados do Movimento dos Sem Terra, no Rio Grande do Sul, também denominadas de "Escolas Itinerantes", autorizados pelo Conselho Estadual de Educação do RS" (cláusula primeira), até "04 de março de 2009" (cláusula segunda), sob pena pagar multa de um salário mínimo por dia (cláusula sétima). O TAC foi firmado em 28 de novembro de 2008. No dia 10 de fevereiro de 2009, a escola itinerante do acampamento Oziel Alves, em Sarandi – RS (das famílias que foram despejadas de Coqueiros do Sul), foi a primeira escola a ser intimada da medida.

O TAC afirma que seu objetivo é garantir a todos os alunos acampados, bem como os que se agregarem ao movimento, vaga em rede de ensino público regular mais próximo ao acampamento e transporte escolar (cláusula terceira e quarta), mas na realidade, conforme afirmou o Promotor Thums, em seu voto, a ação é contra a complacência do poder público, notadamente dos "governos de esquerda" que se limitariam a "fornecer cestas básicas, lonas para as barracas, cachaça, treinamento em escolas para conhecer a cartilha de Lenin, etc".

No relatório elaborado pelos promotores Luciano de Faria Brasil e Fábio Roque Sbardeloto, onde a intervenção nas escolas foi sugerida inicialmente, a referência básicas é a revista VEJA que compara as escolas do movimento aos Madraçais do Islã e as acusa de ensinar as crianças a "defender o socialismo" e "desenvolver a consciência revolucionária". Os promotores afirmam que o objetivo da intervenção nas escolas é "colocar as crianças e adolescentes que residem nos acampamentos a salvo da ideologização agressiva" (fls. 79). O relatório também possui um capítulo "Contabilizando o prejuízo para a sociedade: quanto custo um sem-terra", onde afirmam que o poder publico gasta em média por mês, com alimentação e repressão policial, R$1.195,11 por família acampada.

Outra fonte de informações dos promotores que firmaram o TAC tentando fechar as escolas do MST é o relatório de inteligência n. 1293-251007-100 da PM2, o serviço secreto da Brigada Militar, sobre a "realidade das escolas itinerantes do MST no RS" que lhes foi entregue em 14-3-2008. Neste relatório são apresentadas informações sobre a "origem da implantação das Escolas", a "estrutura geral das Escolas Itinerantes", "dos responsáveis pelas Escolas Itinerantes ... pelo MST ... pela Secretaria Estadual de Educação"; o "setor de educação do MST no Brasil", e ainda informações sobre "2 O que foi feito para que as escolas fossem reconhecidas legalmente?", "3 Como são montadas as escolas? E como é sua estrutura física e funcional?", "4 O material pedagógico oferecido aos alunos é elaborado da seguinte forma: É seguida a linha pedagógica de Paulo Freire, pedagogia do MST e livros didáticos. O Estado fornece livros, para aulas de português, matemática e geografia. Os professores ministram também aulas sobre movimentos sociais"; "5 Quem são os educadores das escolas itinerantes", "6 A estrutura das Escolas no RS", "7 Dos outros tipos de escola do MST", "7.1 Veranópolis", "7.2 Palmeira das Missões". Nas considerações finais o relatório enfatiza que "os dados ora apreciados não são de livre acesso" provando que o atual governo, além de colocar o serviço secreto para investigar escolas, como fazia a ditadura, repassou informações que não são de acesso público aos arapongas.

O TAC contradiz a visão do Procurador Geral de Justiça do RS, Dr. Mauro Renner, que comanda o Ministério Público do RS e esteve no acampamento Jair Antonio da Costa em Nova Santa Rita (em 06 de agosto de 2008). "Renner ficou sensibilizado com a precariedade dos recursos materiais à disposição das escolas itinerantes que funcionam no local. Em contato com os alunos de 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental da Escola Itinerante Che Guevara, Renner observou que as aulas acontecem sob lonas plásticas, sem qualquer iluminação. Ele prometeu intermediar uma aproximação entre o movimento e a Secretaria Estadual da Educação. "Seremos interlocutores junto ao Estado para acabar com carências e omissões que porventura estejam acontecendo", assinalou (...) "Buscamos uma sociedade justa, fraterna e solidária",esclareceu, e destacou a existência de uma "absoluta coincidência" entre os compromissos do MPF e a estrofe de uma das canções do MST: "Lutar contra injustiças e abuso de poder" (http://www.mp.rs.gov.br/imprensa/clipping/id70562.htm).

Leandro Scalabrin, membro da comissão de direitos humanos OAB - Passo Fundo - RS

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[1] Luis Felipe Tesheiner, um dos Promotores que assinou a ação apresentada à Justiça de Carazinho, declarou ao Jornal Zero Hora de 18 de junho de 2008 que: "Não se trata de remover acampamentos, e sim de desmontar bases que o MST usa para cometer reiterados atos criminosos".
[2] Em 06 de setembro de 2008 o Procurador Gilberto Thums afirmou ao jornal Diário da Manhã de Carazinho, que "o MP está um compasso de espera. "Não sei exatamente que tipo de desdobramento vai ter, mas uma coisa eu posso garantir. Nós temos várias ações já alinhavadas para serem promovidas nos próximos dias. Isso é um cerco que estamos fazendo. Um prato quente que estamos comendo pelas bordas. Não posso revelar que tipo de ações estamos planejando, e que vão ser ajuizadas. A remoção dos acampamentos não é o fim ainda. Nós temos muita munição para gastar", garante.

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