12/08/2008

REFERENDO REVOGATÓRIO NA BOLÍVIA

EVO GANHA UMA BATALHA, MAS A GUERRA CONTINUA
Por: Ivan Pinheiro
Escrevo na manhã de segunda-feira, após o referendo, cujo resultado oficial só será conhecido dentro de uma semana. A votação e a apuração ainda são manuais por aqui. À noite, foram divulgadas algumas pesquisas de boca-de-urna e projeções, a partir de poucos votos apurados. Portanto, nada até agora é oficial.

A julgar por todos os prognósticos, Evo Morales será consagrado em meio a seu mandato, com mais votos (mais de 60%) do que quando foi eleito Presidente, em 2005 (53%). Na Meia Lua, Evo ontem teve em média, 40% dos votos; nos demais departamentos, cerca de 80%.

As projeções sobre a votação dos prefeitos indicam que três terão seus mandatos revogados (La Paz, Cochabamba e Oruro), que se apresentam como oposição centrista independente. Cinco prefeitos foram confirmados, sendo que quatro fazem oposição radical a Evo e lideram o "autonomismo", eufemismo para disfarçar o separatismo (Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija, todos da Meia Lua) e o quinto é o único prefeito do MAS, da base de Evo Morales (Potosi). O nono departamento (Sucre) só votou com relação ao mandato presidencial, pois a Prefeita (oposição independente) foi empossada recentemente, em função da cassação do prefeito eleito.

A revogação de três prefeitos, em departamentos importantes, onde Evo ganhou esmagadoramente, pode vir a ser uma ganho para o governo, se eleger aliados na eleição complementar dentro em breve. Como Evo foi eleito Presidente mais pelos movimentos sociais do que por uma forte estrutura partidária, até agora ele só tinha um aliado como Prefeito (Potosi). Pode chegar a quatro. Os demais são oposição de direita ou "independentes".

Com a batalha de ontem, desmontou-se um possível golpe de estado da direita, que podia ter início logo após o anúncio dos primeiros resultados. O Presidente saiu fortalecido. Melhorou seu posicionamento para enfrentar a direita. Desmoralizou-se a manipulação da mídia burguesa, que vinha apresentado Evo como isolado, física e politicamente, espremido entre a esquerda e a direita. A partir de hoje, o Presidente fala mais grosso.

Mas a direita também fortaleceu suas cidadelas na Meia Lua, fato que não retira o separatismo da ordem-do-dia. A confirmação dos seus quatro prefeitos permite-lhe difundir uma versão própria dos resultados, um discurso de que houve um empate.

O Presidente tem agora mais fôlego e peso político para enfrentar em melhores condições alguns temas da conjuntura, como o caso da Lei de Pensões. Tem legitimidade para se locomover em qualquer parte do país – rompendo o isolamento físico que a direita lhe impôs nos últimos dias - e para negociar com os departamentos, o que não for de princípio, a partir de uma posição mais forte.

A agenda boliviana nos próximos meses vai ser marcada por dois temas que se imbricam: as autonomias departamentais e o referendo sobre a nova constituição, já redigida pela Assembléia Constituinte específica. A direita fará de tudo para evitar este referendo, pois a nova constituição vem para consolidar as mudanças progressistas.

A continuidade e o avanço do processo de mudanças – definido aqui como uma revolução democrática e cultural – vai depender obviamente da correlação de forças e do nível de consciência, de organização e de mobilização das massas populares, sobretudo da unidade operário-camponesa. Mas vai depender também da vontade política de Evo Morales, de seu governo e de seu partido (MAS), ou seja, vai depender do que o dirigente do Partido Comunista Boliviano (nosso outro PCB), Marcos Domich, chama de "golpe do poder": a determinação do governo de não conciliar mais com a violência dos grupos de direita e com o separatismo, de colocar em prática os projetos do governo e de convocar o referendo da nova constituição. O momento é este; a tendência é de vitória, no mínimo por 60% de votos.

Pelo que vi até agora, isso é o que as massas populares esperam de Evo Morales: um governo para chamar de seu. Se o Presidente conciliar, ficará sem respaldo algum, nem do povo nem da direita. Ou renuncia ou cai, como um castelo de cartas. E se optar por avançar, como se espera, não nos iludamos. A radicalização vai aumentar até uma inevitável ruptura violenta.

Na Bolívia de hoje, não há espaço para a conciliação de classe.

La Paz, 10 de agosto de 2008
Ivan Pinheiro
Secretário Geral do PCB

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