*Robson de Moraes
A sociedade brasileira em seus encontros e desencontros, é retratada em inúmeras obras de diversos autores da mais diferentes correntes teóricas. Em algumas destas leituras está exposto um Brasil profundo, invisível aos olhos de uma elite que se esforça em desenraizar-se e travestir-se de moderna e global (no duplo sentido do termo, ou seja, mundializado e midiático), preservando preconceitos e práticas excludentes de um período colonial escravocrata, que insiste em se manter no ser e fazer presente de nossos dirigentes políticos e empresariais. Ensaios como Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre), Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda), A Casa e a Rua (Roberto Da Matta), O Povo Brasileiro (Darcy Ribeiro), entre outros, revelam este Brasil negado pelos “Donos de Poder”, tal qual denominou Raymundo Faoro.
Em suas centenas de milhões de pessoas, o país é uma nação inacabada, efetivada por um Estado negador dos Diretos mais elementares e inalienáveis, produtora de uma absurda contradição: enquanto nos gabamos de ter alcançado a oitava economia do planeta (segundo o relatório do FMI para o ano de 2009), nos mantemos em septuagésimo quinto em qualidade de vida (levando em conta o IDH), atrás da Albânia e de Trinidad e Tobago. Temos Desenvolvimento Humano inferior a de países a pouco atolados em guerras civis como a Croácia e Montenegro. Na América do Sul estamos mais atrasados que o pequeno Uruguai, atrás da Argentina, do Chile e da contestada Cuba.
Já se tornou evidente que não há “Dois Brasis”, como nos apontou a clássica obra de Jacques Lambert e tão bem criticado por Chico de Oliveira em sua Crítica da Razão Dualista, mas uma perversa combinação que engloba realidades distintas em um mesmo Território, marcado pela heterogeneidade de Classes, Etnias, Culturas, Saberes e Economias.
O processo eleitoral de 2010 expressa todas estas contradições. Há um projeto dominante, fundamentado no aprofundamento da moderna economia (não tão) nacional em um mercado mundial cada vez tecnologicamente verticalizado e em profundo antagonismo com a horizontalidade da reprodução da vida cotidiana. Há uma intensa disputa sobre qual agrupamento do bloco dominante irá conduzir o Brasil ao nosso futuro imediato (Dilma ou Serra ?) de sociedade excludente com capacidade de produzir grandes corporações de origem local ou a sociedade excludente completamente subordinada aos interesses internacionais. É óbvio que não poderemos ser maniqueístas e não poderemos esquecer a alternativa de uma sociedade excludente com verniz ambiental
Neste pleito há ainda uma curiosidade eleitoral: a versão protagonizada pelo PSOL da “Dialética do Senhor e do Escravo” que poderíamos definir como uma espécie de Complexo de Mameluco. Tal qual no escrito de Hegel, a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio, faz um enorme esforço de fazer-se reconhecido como força política diante da mídia e do conjunto de seus adversários. Ao privilegiar a busca do reconhecimento no outro dominante, acaba por reconhecê-lo como definidor dos parâmetros e das normas a serem adotadas. O Escravo, ao procurar estabelecer as condições de sua identidade no Senhor, acaba legitimando o papel de Senhor e consagrando sua subalternidade.
Ao rejeitar a participação no debate, entre as candidaturas de esquerda à Presidência da República, promovida pelo jornal Brasil de Fato como forma amenizar o isolamento promovido pela mídia aos agrupamentos da Esquerda Revolucionária Brasileira e garantir a presença em evento do Instituto Ethos (Organização vinculado ao empresariado paulista), o PSOL age como o mameluco filho de pai português e mãe indígena ou como um mulato, filho do mesmo pai lusitano e de mãe africana, miscigenação esta amplamente divulgada e difundida no imaginário social de nosso povo. Diante de um pai ausente, que cedo abandonou, o filho faz de tudo para ter o reconhecimento do pai, negando sua condição materna e afastando-se de tudo que possa lembrá-la, desqualificando-a e desconstruindo quaisquer laços de aproximação da mãe negada, sonhando com uma relação impossível com um pai, que na prática não o quer.
É nesta conjuntura adversa e diante de precaríssimas bases é que se impõe a tarefa de construção de um pólo aglutinador das Esquerdas, comprometidas com um processo de transformação revolucionária, que dê expressão política a milhões de deserdados, embrião de um Estado Popular, que assista às verdadeiras demandas de nossa gente. Pólo aglutinador que possa definitivamente compreender, perceber e organizar o brasileiro, não como apenas uma identidade a ter sua estima valorizada, mas acima de tudo, como uma forma plural, criativa e inventiva de se colocar no mundo, arquiteto de um novo Projeto e de uma nova hegemonia, que subverta o atual estado de coisas, que elimine os antagonismos vigentes, capaz de viver e prosperar em uma unidade da diversidade, que não renegue a dialética a um mero transformismo adaptativo de camaleão, conciliador por natureza, impotente por vocação e subalterno por vontade e mediocridade.
*Robson de Moraes é Geógrafo (membro da Associação dos Geógrafos Brasileiros), Professor e militante do Partido Comunista Brasileiro
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