15/12/2009

A Autarquização do Complexo de Saúde da UNICAMP

No final do mês de julho de 2009, foi proposta pelo governo do Estado de São Paulo à Universidade Estadual de Campinas a autarquização da área de saúde (Hospital das Clínicas, Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher, Hemocentro e Gastrocentro) da universidade. Tornar o complexo de saúde da UNICAMP uma autarquia significa desvinculá-lo da universidade e vinculá-lo à Secretaria Estadual de Saúde.
Autarquia, segundo definição jurídica, é uma entidade administrativa au­tônoma pública criada por lei, com receita e patrimônio próprios, sem fins lucrativos, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram gestão administrativa e finan­ceira descentralizada. Na prática, a autarquia é uma entidade pública desvinculada da admi­nistração direta da prefeitura, estado ou união, ela recebe um orçamento próprio e decide de que maneira deve gastá-lo.
A proposta de desvinculação da área de saúde da Unicamp é amplamente defendida pelos diretores da Faculdade de Ciências Médicas da universidade e pelo superintendente do hospital das clínicas e sua argumentação baseia-se na questão do subfinanciamento da saúde e da contratação de funcionários.
O complexo de saúde da UNICAMP recebe seu financiamento de duas fontes diferentes: a tabela SUS (procedimentos pagos pelo SUS) advém da Secretaria de Saúde e é responsável por 1/3 do capital recebido; os outros 2/3 advém da própria universidade para pagamento de recursos humanos. Afirma-se que a questão do subfinanciamento é bastante preocupante, o que é verdade. O hospital está totalmente precarizado e não consegue desenvolver suas atividades de assistência de maneira, no mínimo, adequada. Quanto aos funcionários, afirma-se que mais de cem leitos do hospital estão paralisados por falta de contratação de trabalhadores, que está paralisada devido a problemas do Ministério Público com a FUNCAMP (Fundação de Apoio da UNICAMP).
Sabemos, entretanto, que a autarquização não é uma proposta aceitável para a resolução desses problemas por quais vem passando a área de saúde; sabemos, também, que essa proposta não vem isolada, mas sim, em um contexto que se caracteriza por ser conseqüência das políticas privatizantes do Estado brasileiro.
O governo federal encaminhou ao Congresso em julho de 2007 o Projeto de Lei 92/2007, que cria as Fundações Estatais de Direito Privado (FEDP), caracterizadas como “novos” modelos de gestão para a melhoria do setor público; mas que são, na verdade, uma “nova” roupagem para as terceirizações e privatizações do setor público, desresponsabilizando o Estado de mais uma de suas funções.
Em 2008, o governo do estado de São Paulo aprovou o Projeto de Lei 62/08, que prevê a gestão dos centros de saúde e dos hospitais universitários com base nas Organizações Sociais (OS). As OS são definidas como “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, voltadas a atividades de relevante valor social, que independem de concessão ou permissão do Poder Público, criadas por iniciativa de particulares segundo modelo previsto em lei, reconhecidas, fiscalizadas e fomentadas pelo Estado”. Percebe-se, portanto, que, mais uma vez, o Estado se desresponsabiliza de sua função de administrar o bem público, terceirizando esse serviço e privatizando-o.
A proposta de autarquização não foge dessa política de desresponsabilização do poder público e da lógica privatizante pela qual o Estado brasileiro opta: mesmo sendo uma administração pública, a autarquia permite que seja criada uma Fundação de Apoio para gerir a administração do complexo de saúde.
A instalação de uma fundação na área de saúde da UNICAMP (que seria diferente da FUNCAMP) representa a inserção da lógica privada no serviço público e na universidade, já que esta não precisa necessariamente prestar serviços somente ao bem público; pode prestar serviços a entidades privadas, dar consultorias, atuar como intermediária na contratação de funcionários para o serviço público (em regime CLT, com precarização do trabalho e maior exploração dos trabalhadores) e fazer compras destinadas ao serviço publico sem licitação, dentre muitas outras atuações que a caracterizam como um modelo privatizante de administração.
Além de permitir a instalação de uma fundação de apoio, a autarquia pode proporcionar muitas alternativas que ferem o principio de saúde que o próprio Sistema Único de Saúde defende: uma saúde pública, universal, gratuita, equânime, integral com controle social, sendo um direito de todo cidadão e de dever do Estado de proporcioná-la. A desvinculação do complexo hospitalar da universidade, permite que sejam feitas parcerias com entidades privadas para a venda de campos de estagio dentro do hospital (ferindo a autonomia universitária), convênios com empresas para a venda de consultas (a famosa “dupla-porta”) e fim do controle social (capacidade de intervenção da população nas decisões relacionadas à saúde).
Deve-se perceber, conseqüentemente, que o problema de subfinanciamento da área de saúde da UNICAMP não acontece de maneira isolada: ela é conseqüência da intensa precarização que as universidades públicas vêm sofrendo por parte do Estado. Assim, devemos lutar por mais verbas sim para o hospital, mas essa luta não é desvinculada da luta por mais verbas para a educação. O financiamento do complexo hospitalar por meio da inserção da iniciativa privada não resolverá o processo de precarização que o ensino superior público vem sofrendo e, por isso, não resolverá os problemas que vêm surgindo cada dia mais nas nossas universidades.
Devemos nos posicionar contra a autarquização da área de saúde da UNICAMP, pois somos favoráveis a um sistema de saúde 100% público, universal e gratuito, com administração pública e sem terceirizações ou privatizações do mesmo.

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