22/06/2009

Irã: A mentira das "eleições roubadas"

por James Petras
Dificilmente haverá qualquer eleição, na qual a Casa Branca tenha um interesse significativo, em que a derrota eleitoral do candidato pró EUA não seja denunciada como ilegítima por todos os políticos e mass media da elite. Nos últimos tempos, a Casa Branca e os seguidores gritaram infracção após as livres (e monitoradas) eleições na Venezuela e em Gaza, enquanto alegremente fabricaram um "êxito eleitoral" no Líbano apesar do facto de a coligação liderada pelo Hezbollah ter recebido mais de 53% dos votos. As eleições concluídas a 12 de Junho de 2009 no Irão são um caso clássico. O candidato à reeleição, o nacionalista-populista presidente Mahmoud Ahmadinejad (MA) recebeu 63,3% da votação (ou 24,5 milhões de votos), ao passo que o principal candidato da oposição liberal, apoiado pelo Ocidente, Hossein Mousavi (HM) recebeu 34,2% (ou 13,2 milhões de votos). A eleição presidencial iraniana atraiu um comparecimento recorde de mais de 80% do eleitorado, incluindo uma votação sem precedentes 234.812 do estrangeiro, na qual HM obteve 111.792 e MA 78.300. A oposição liderada por HM não aceitou a sua derrota e organizou uma série de manifestações de massa que se tornaram violentas, resultando na queima e destruição de automóveis, bancos, edifícios públicos e confrontações armadas com a polícia e outras autoridades. Quase todo o espectro de fazedores de opinião ocidentais, incluindo todos os grandes media electrónicos e impressos, os principais sítios web liberais, radicais, libertários e conservadores, reflectiram a queixa da oposição de fraude eleitoral desenfreada. Neo-conservadores, conservadores libertários e trotsquistas juntaram-se aos sionistas louvando os protestários da oposição como a guarda avançada de uma revolução democrática. Democratas e republicanos condenaram o regime, recusaram-se a reconhecer o resultado da votação e louvaram os esforços dos manifestantes para subverter o resultado eleitoral.
O New York Times, a CNN, o Washington Post, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel e toda a liderança dos presidentes das principais organizações judias americanas clamaram por sanções mais duras contra o Irão e anunciaram o proposto diálogo de Obama com o Irão como esforço inútil. A mentira da fraude eleitoral Os líderes ocidentais rejeitaram os resultados porque "sabiam" que o seu candidato reformista não podia perder... Durante meses publicaram entrevistas diárias, editoriais e reportagens de campo "pormenorizando" os fracassos da administração de Ahmadinejad. Mencionaram o apoio de clérigos, antigos oficiais, comerciantes do bazar e acima de tudo mulheres e jovens de cidades fluentes em inglês para provar que Mousavi estava destinado a uma vitória esmagadora. Uma vitória de Mousavi foi descrita como uma vitória das "vozes moderadas", pelo menos na versão da Casa Branca daquele vago cliché. Eminentes académicos liberais deduziram que a contagem de votos fora fraudulenta porque o candidato da oposição, Mousavi, perdeu no seu próprio enclave étnico entre os azeris. Outros académicos afirmaram que o voto da juventude" – baseado nas suas entrevistas com estudantes universitários da alta e média classe média das vizinhanças do Norte de Teerão eram esmagadoramente a favor do candidato "reformista".
Como os media ocidentais acreditaram na sua própria propaganda de uma vitória intrínseca do seu candidato, o processo eleitoral foi descrito como altamente competitivo, com debates públicos candentes e níveis sem precedentes de actividade pública e desembaraçada pelos prosélitos dos candidatos. A crença numa eleição livre e aberta era tão forte que os líderes ocidentais e os mass media acreditaram que o seu candidato favorito venceria. Os media ocidentais confiaram nos seus repórteres que cobriam a manifestações de massa dos apoiantes da oposição, ignorando e subestimando o enorme comparecimento a favor de Ahmadinejad. Pior ainda, os media ocidentais ignoraram a composição de classe das manifestações competidoras – o facto de que o candidato à reeleição estava a ter o apoio da muito mais numerosa classe trabalhadora pobre, camponeses, artesões e empregados de sectores públicos ao passo que o grosso dos manifestantes da oposição provinha de estudantes da classe alta e média, da classe dos negócios e dos profissionais. Além do mais, os apoiantes da oposição eram uma minoria activista de estudantes facilmente mobilizada para actividades de rua, ao passo que o apoio de Ahmadinejad provinha da maioria da juventude trabalhadora e donas de casa que exprimiriam o seu ponto de vista na urna eleitoral mas tinham pouco tempo ou inclinação para empenhar-se em política de rua. Um certo número de sabichões dos jornais, incluindo Gideon Rachmn do Financial Times, apresenta como evidência de fraude eleitoral o facto de Ahmadinejad ter ganho 63% dos votos numa província de língua azeri contra o seu oponente, Mousavi, de etnia azeri. A suposição simplista é que a identidade étnica ou a pertença a um grupo linguístico é a única explicação possível do comportamento eleitoral, ao invés de outros interesses sociais ou de classe. Um olhar mais atento ao padrão de votação na região Leste-Azerbaijão do Irão revela que Mousavi venceu apenas na cidade de Shabestar entre as classes alta e média (e apenas por uma pequena margem), dado que foi completamente derrotado nas áreas rurais mais vastas, onde as políticas redistributivas do governo Ahmadinejad ajudaram os de etnia azeri a cancelarem dividas, obterem créditos baratos e empréstimos fáceis para os agricultores. Mousavi venceu na região do Azerbaijão Ocidental utilizando suas ligações étnicas para ganhar os eleitores urbanos. Na altamente populosa província de Teerão, Mousavi bateu Ahmadinejad nos centros urbanos de Teerão e Shemiranat ao ganhar o voto dos distritos da classe média e alta, ainda que tenha perdido duramente nos subúrbios adjacentes da classe trabalhadoras, pequenas cidades e áreas rurais. A ênfase descuidada e distorcida sobre "votação étnica" citada por redactores do Financial Times e do New York Times a fim de apresentar a vitória de Ahmadinejda como uma "eleição roubada" é acompanhada pela obstinada e deliberada vontade dos media de recusarem um rigoroso inquérito de opinião à escala nacional efectuado por dois peritos dos EUA apenas três semanas antes da votação, o qual mostrava Ahmadinejad a liderar por uma margem de 2 para 1 – ainda maior do que a sua vitória eleitoral de 12 de Junho.
O único grupo de apoiou fortemente Mousavi foi o dos estudantes universitários e dos licenciados, donos de negócios e classe média alta. O "voto da juventude", o qual os media ocidentais louvou como "pró reformista", era uma clara minora de menos de 30% mas veio de um grupo altamente privilegiado, eloquente e que em grande parte falava inglês, com um monopólio sobre os media ocidentais. A sua presença esmagadora nas reportagens ocidentais criou o que foi mencionado como o "Síndroma de Teerão Norte", o confortável enclave da classe alta do qual provieram muitos destes estudantes. Se bem que eles pudessem ser articulados, bem vestidos e fluentes em inglês, no segredo da urna eleitoral foram profundamente derrotados. Na generalidade, Ahmadinejad saiu-se muito bem nas províncias produtoras de petróleo e petroquímica. Isto pode ter sido um reflexo da oposição dos trabalhadores do petróleo ao programa "reformista", o qual incluía propostas para "privatizar" empresas públicas. Da mesma forma, o presidente em exercício saiu-se muito bem junto às províncias fronteiriças devido à sua ênfase no fortalecimento da segurança nacional em relação às ameaças estado-unidenses e israelenses depois de uma escalada de ataques terroristas transfronteiriços patrocinados pelos EUA a partir do Paquistão e de incursões apoiadas por Israel a partir do Curdistão iraquiano, as quais mataram grande número de cidadãos iranianos. O patrocínio e o financiamento maciço dos grupos por trás destes ataques é uma política oficial dos EUA desde a administração Bush, a qual não foi repudiada pelo presidente Obama.
A grande maioria dos eleitores favoráveis ao presidente em exercício provavelmente sentiu que os interesses da segurança nacional, da integridade do pais e do sistema de previdência social, com todas as suas falhas, podiam ser melhor defendidos e melhorados com Ahmadinejad do que com os tecnocratas das classe alta apoiados pela juventude privilegiada orientada para o ocidente que aprecia mais os estilos de vida individualistas do que os valores da comunidade e solidariedade. A demografia dos votos revela uma polarização de classe real contrapondo capitalistas individualistas de alto rendimento e orientados para o mercado livre à classe trabalhadora, de baixo rendimento, apoiantes de uma "economia moral" baseada na comunidade na qual a usura e a especulação são limitadas por preceitos religiosos. Os ataques abertos de economistas da oposição às despesas do governo com a previdência, com o crédito fácil e com os pesados subsídios a alimentos básicos não os favoreceram junto à maioria dos iranianos beneficiários daqueles programas. O Estado era encarado como o protector e benfeitor dos trabalhadores pobres contra o "mercado", o qual representava riqueza, poder, privilégio e corrupção. O ataque da oposição à "intransigência" da política externa do regime e a posições "isolando" o Ocidente só tinha eco junto a estudantes liberais da universidade e grupos de negócios do import-export. Para muitos iranianos, o fortalecimento militar do regime foi vista como tendo impedido um ataque dos EUA ou de Israel.
O êxito eleitoral de Ahmadinejad, visto na perspectiva do contexto histórico, não deveria surpreender. Em competições eleitorais semelhantes entre nacionalistas-populistas contra liberais pró ocidentais, os populistas ganharam. Os exemplos passados incluem Perón na Argentina e, mais recentemente, Chávez da Venezuela, Evo Morales na Bolívia e mesmo Lula da Silva no Brasil, todos eles tendo demonstrado uma capacidade para assegurar margens próximas ou mesmo superiores a 60% em eleições livres. As maiorias votantes nestes países preferem a previdência social em relação a mercados sem restrições, a segurança nacional e não alinhamentos com impérios militares. As consequências da vitória eleitoral de Ahmadinejad estão abertas a debate.
Esta abordagem diferiria agudamente daquela dos sionistas americanos, incorporada no regime Obama, que segue a orientação de Israel de pressionar por uma guerra antecipativa com o Irão e que utiliza o argumento especiosos de que nenhuma negociação é possível com um governo "ilegítimo" em Teerão que "roubou uma eleição". Acontecimentos recentes sugerem que líderes políticos na Europa, e mesmo alguns em Washington, não aceitam a linha dos mass media sionistas de "eleições roubadas".
A interrogação na sequência das eleições é a resposta israelense. Netanyahu assinalou aos seus seguidores sionistas americanos que eles deveriam utilizar o ardil da "fraude eleitoral" para exercer a máxima pressão sobre o regime Obama no sentido de acabar com todos os planos para encontrar-se com o novamente reeleito Ahmadinejad. Paradoxalmente, comentaristas estado-unidenses (da esquerda, direita e centro) que "compraram" a mentira da fraude eleitoral estão de forma não intencional a proporcionar a Netanyahu e seus seguidores americanos argumentos e falsificações: Onde eles vêm guerras religiosas, nós vemos guerras de classe; onde eles vêem fraude eleitoral, nós vemos desestabilização imperial.

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