03/02/2009

A UNASUR em perspectiva

(Jerónimo Carrera *)
Eis aqui um instigante artigo de Jerónimo Carrera, um dos mais prestigiados dirigentes comunistas da América Latina, refletindo sobre as intenções do governo brasileiro na região.
É um tanto estranho o pouco caso com que os meios informativos aqui da Venezuela demonstram - tanto aqueles que de algum modo dependem do aparato estatal como os que servem de porta-voz da embaixada ianque - pela situação interna e pelo desenvolvimento imediato da UNASUR, a nova União das Nações Sulamericanas, um organismo de integração muito atrativo que se propõe a agrupar o conjunto de países denominados sulamericanos.
Não é muito o que eu aqui quero dizer a respeito, ainda que considere necessário incitar o debate sobre o tema. Com essa finalidade, pois, chamo a atenção para um dos primeiros passos da UNASUR, algo bastante curioso, para não dizer logo de una vez algo bastante suspeito.
Refiro-me à informação, não muito difundida, de que foi criado numa reunião extraordinária da UNASUL, realizada em 16 de dezembro no Brasil, um órgão específico com o propósito declarado de coordenar os mecanismos de defesa dos países membros, proposta feita precisamente pelo governo brasileiro. Também se anunciou que este órgão, batizado de Conselho de Defesa Sulamericano, teria agora em janeiro sua sessão inaugural.
Naturalmente, o que de imediato podemos todos fazer é especular sobre a motivação que possa ter o Brasil, como país proponente, e os Estados Unidos, para guardar silêncio frente ao que, à primeira vista, surge como uma ameaça ao seu papel hegemônico de todo um século em nosso continente americano. É quase impossível, logicamente, crer que Brasília tenha podido conceber tão significativo projeto sem consulta prévia a Washington. Inclusive, racionalmente dou maior possibilidade à idéia de que tudo isto seja parte da reacomodação política dos monopólios ianques em razão de sua crise econômica.
Temos que nos perguntar, os venezuelanos em especial, sobre o que pode vir a significar para nós a formação deste novo aparato, que se diz que atuará "com ênfase nos aspectos de cooperação, treinamento e equipamento", segundo fico sabendo pelo artigo do meu apreciado amigo e atual embaixador da Guiana na Venezuela, o camarada Odeen Ishmael, de 24-12-08.
Chama a atenção também que a Colômbia primeiro tenha expressado sua oposição ao Conselho de Defesa, alegando que enfrentava uma "ameaça terrorista", e logo tenha se arrependido, o que permitiu à presidenta chilena Michelle Bachelet anunciar com imensa alegria que a proposta havia sido aprovada de forma unânime por todos os presidentes sulamericanos. Da mesma forma se anunciou um apoio para "a luta da Colômbia contra as FARC e outros grupos armados ilegais."
Entende-se assim a condenação ao ostracismo que se tenta nestes últimos tempos aplicar aos camaradas das FARC, inclusive por parte de governos como o venezuelano.
Igualmente, se compreende muito bem que a burguesia do Brasil, com seus ares de "potência emergente", aspirante a um posto permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), e, sobretudo, com uma indústria armamentista em expansão graças à sua associação muito estreita com a dos Estados Unidos, pretenda hoje passar a assumir a chefia regional. Não podemos descartar tal possibilidade pelo fato de estar aí de presidente, por agora, um desses socialdemocratas que na França bem se conhece como "gerentes de crises": Luís Inácio "Lula" da Silva.
Muito cuidado devemos ter com este aparato de "defesa" que nos soa muito similar à hoje quase morta Junta Interamericana de Defesa, criada em Bogotá pela IX Conferência Interamericana, em 1948, e logicamente com o voto de aprovação de uma delegação venezuelana presidida nada menos que pelo "socialista" Rómulo Betancourt.
* Jerónimo Carrera, Presidente de Honra do PCV (Partido Comunista da Venezuela)
(Publicado no semanário La Razón, n° 733, Caracas, domingo 25 de janeiro de 2009).
Tradução de Rodrigo Oliveira Fonseca)

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