07/08/2008

TODAS AS FORMAS DE LUTA

Marcos Domich (*)
Há alguns anos um círculo juvenil de esquerda regularmente se reunía numa adega, em Cochabamba. Motivados, discutiam de tudo, até de filosofia. Acabaram nomeando a casa de chicha de "O 18 de brumário". Numa das freqüentes discussões, um deles sustentava as teses de Avenarius e Mach, afirmando que a vela à sua frente não existia, que o que existia era "a sensação da vela". Os outros, muito dialéticos e materialistas, lhe contestavam que a vela "era uma realidade existente fora da consciência". Tão acalorada foi a discussão que a dona do local interveio, temendo pela ordem de sua venda. Dirigindo-se ao idealista subjetivo lhe disse: "Ai jovem, como pode dizer que a vela não existe? Vamos ver, põe seu dedo!" O sentido comum se impôs de maneira veloz e conclusiva.
Um cálculo pior que o do idealista subjetivo da adega domina agora uns direitistas em pleno estado de confusão mental. Não querem o referendo revogatório, utilizando qualquer argumento, por mais insensato que seja, e acabam ignorando, destroçando e aniquilando a legalidade vigente. Com certeza não leram o "18 de brumário de Luis Bonaparte", porém, por instinto, por olfato de classe, estão repetindo a frase que Marx colocava nos lábios da burguesia francesa: "Acabar com esta legalidade que está nos matando!". "Acabar com este referendo que está nos afogando" contestam como um eco os azeiteiros do Oriente, quase 150 anos depois. Não veêm as caixas quadradas das urnas, veêm caixões.
A opinião pública nacional e também a internacional estão informadas até cansar que Evo Morales e as forças políticas e sociais que o apóiam consideram que deve-se explorar as formas democráticas de confrontação, da luta em curso. Já escrevemos com clareza que esta pode ser a última oportunidade concedida à direita, aos golpistas de sempre, para que o sangue não chegue ao rio.
Porém o desespero liquida a compreensão e nesse estado de confusão, quando já se foi esgotada a lucidez, quando a ignorância e a teimosia escurecem a razão, qualquer desfecho é possível. Se eles têm destroçado a legalidade com referendos ilegais, desacatado as leis, bloqueado o referendo revogatório, difundido desinformação e mentira por todo lado, o que deve fazer a esquerda, o povo organizado? Armar o quebra-cabeças desordenado? Seria uma besteira total. A única coisa que resta é reprimir os revoltosos e preparar-se para devolver golpe por golpe. Isso consiste dominar todas as formas da luta política.
Porém há algo que deve-se esclarecer. Há um pressuposto. O apoio a Evo Morales é um apoio a uma gestão de transformações, convertida em imperativo histórico. Há esperança de que as transformações sejam cada vez mais profundas e mais precisas em seus alcances. Que seja uma transformação para adiante. Nesse sentido nos parece que fazer da trajetória e da vida de Evo uma santificação, e não um elemento de propaganda das transformações progressistas e avançadas que preside, implica certos riscos que é melhor extinguir a tempo. Insistimos que o êxito absoluto no referendo deve ser a alavanca que ajude a remover os erros e, que, enfim, permita o necessário e esperado "golpe do poder".

(*) - Secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista Boliviano

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