15/04/2008

Condutores de Campinas: a crise moral e política do sindicalismo propositivo


Renato Nucci Junior
(nuccijr1@yahoo.com.br)

O flagrante de extorsão envolvendo dirigentes do Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Campinas envergonha tanto a categoria quanto o conjunto dos trabalhadores brasileiros. Seus principais dirigentes, acompanhados por dois assessores (uma advogada e um jornalista) foram filmados extorquindo R$ 600 mil em dinheiro de uma empresa de plano de saúde. Tratava-se de uma contrapartida exigida pela direção da entidade, pelo fato de ter convencido os trabalhadores da categoria a aceitarem a proposta de convênio médico. Se não recebessem o valor estipulado ameaçavam paralisar a categoria. Foram presos no momento em que contavam o dinheiro.
O caso revela a degradação moral de uma parte do movimento sindical brasileiro e exprime, em sua face mais corrompida e corrupta, as profundas mudanças sofridas pelo movimento sindical brasileiro a partir da década de 1990. De lá pra cá, aplica-se com virulência o projeto neoliberal e o ataque aos direitos sociais e trabalhistas, como a reestruturação produtiva e o aumentou do desemprego, da precarização das relações de emprego, do crescimento da informalidade e das terceirizações. Anos da ressaca, causada pela derrota histórica sofrida pelos trabalhadores com o fim do socialismo no leste europeu e com a derrota de Lula à eleição presidencial de 1989.
Reles sindicalismo
Incapaz de responder a estes desafios, o movimento sindical, incluindo as entidades filiadas à CUT (Central Única dos Trabalhadores), assistiu a um enfraquecimento das mobilizações vividas nos anos 80. Muitos dirigentes sindicais oportunistas e de corte social-democrata passaram a criticar o sindicalismo combativo e classista surgido no final de 1970. Usaram os revezes sofridos pelos trabalhadores entre 1980 e 1990, para advogar a necessidade de se adotar um sindicalismo dito “propositivo”, que se mostrou nada mais que uma adaptação passiva desses dirigentes à ordem capitalista. Muitas entidades sindicais, praticando uma espécie de neo-corporativismo, integraram câmaras setoriais em aliança com os patrões, para defender os interesses de seu ramo econômico. Dirigentes sindicais passaram a compor, principalmente nas empresas estatais, seus conselhos consultivos e a administração dos seus fundos de pensão, tornando-se compradores das empresas estatais privatizadas e formando uma casta burocrática mais interessada em administrar negócios do que em fazer a luta de classes.
Inúmeros sindicatos recorreram ao dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para oferecer cursos de requalificação profissional, assumindo inescrupulosamente a idéia da burguesia brasileira que atribui ao trabalhador “pouco escolarizado e qualificado” a culpa pelo desemprego. Coroando essa degeneração, as comemorações do 1º de Maio, Dia Internacional dos Trabalhadores, são financiadas por entidades patronais e reúnem milhões de pessoas atraídas por popstars e pelo sorteio de casas e de automóveis.
Pé-de-meia: degeneração moral e política
É nesse ambiente marcado pelo economicismo mais vulgar, no qual lideranças operárias reduziram as aspirações políticas dos trabalhadores ao despolitizar e burocratizar as lutas sociais, que muitos dirigentes sindicais copiaram os pelegos de outrora e fizeram do mandato sindical um meio de vida. Passaram a usar as entidades que dirigem para se afastarem do “inferno da produção” e adquirirem status perante suas categorias. Fizeram da atividade sindical um trampolim para mandatos a qualquer esfera (federal, estadual ou municipal) ou indicações a cargos comissionados na máquina do Estado. Burocratizaram-se e deixaram de se preocupar com as reivindicações mais elementares de suas categorias. Usaram os sindicatos, para fazer “pé-de-meia”.
É nesse contexto que os fatos vergonhosos envolvendo os dirigentes sindicais de Campinas devem ser analisados. Ao serem presos extorquindo a empresa de convênio médico que serviria à categoria, expuseram não somente sua degradação moral, mas sua degeneração política.
Ao intermediarem a negociação com uma empresa privada revelam uma adequação, que parte do movimento sindical fez, à lógica do mercado e à privatização dos serviços públicos. É o abandono à luta por mais e melhores direitos e pela aplicação de políticas públicas de caráter universal, incluindo a assistência médica.
Rede Globo: nova denúncia, velho golpe
O destaque dado pela Rede Globo em vários telejornais regionais e nacionais com as cenas que mostravam a extorsão não se deve a preocupações morais ou éticas. Tampouco ao destino que se daria ao dinheiro dos trabalhadores. A denúncia se insere exatamente no momento em que o Congresso Nacional discute o reconhecimento das centrais sindicais e o repasse de 10% da arrecadação da contribuição sindical para seu financiamento.
A oposição de direita (PSDB, DEM e PPS) ao governo Lula pretendia tornar o desconto da contribuição sindical opcional, com o trabalhador tendo o direito de oposição. Derrotada nessa proposta, tentou incluir um parágrafo que submetia as contas das entidades sindicais ao Tribunal de Contas da União. Então, a denúncia serviria como uma pressão sobre os parlamentares para aprovarem o controle sobre as contas dos sindicatos e das centrais, revolvendo a velha tradição de nossa classe dominante de interferir nas organizações dos trabalhadores, através do Estado. O que quer a oposição de direita ao governo Lula é enfraquecer ainda mais os sindicatos, buscando impor um controle que lhes dificulte ações, ainda que tímidas, contra os efeitos mais funestos da exploração capitalista. Com esse intuito ela utilizou as imagens que flagravam a corrupção por dois motivos. O primeiro é o de desmoralizar o conjunto do movimento sindical, tentando fazer crer que “todos os sindicatos são iguais”. O segundo é o de justificar a interferência do Estado nas organizações dos trabalhadores, através do controle de suas contas.
Retomar o classismo e a combatividade
Após as denúncias, a revolta e a indignação de muitos trabalhadores demonstram a necessidade de se retomar a prática de um sindicalismo classista e de luta. Aos poucos, os trabalhadores brasileiros começam a perceber os engodos do projeto neoliberal e as mentiras difundidas pela reestruturação produtiva, que prometiam a estes uma parceria com o capital. Ao sofrer com o aumento das terceirizações e da precarização, o trabalhador reconhece a importância dos sindicatos como órgãos de defesa de seus interesses. Cabe ao sindicalismo classista que se reorganiza, como a Intersindical, mostrar aos trabalhadores que existem outras formas de ação sindical que não se renderam à lógica do capital. Cabe a nós, portanto, praticar intransigentemente um sindicalismo defensor dos interesses dos trabalhadores e capaz de lhes mostrar que só a luta contra os patrões pode garantir nenhum direito a menos e avançar nas conquistas.


Campinas, abril de 2008.
Renato Nucci Junior é secretário sindical e de massas do Comitê Estadual do Partido Comunista Brasileiro de São Paulo.

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