25/08/2010

Wiki Leaks desmascara a guerra de Obama

Escrito por Luiz Eça*
23-Ago-2010

O Wiki Leaks, um site de denúncias de fatos escondidos pelos poderosos, estourou na mídia internacional com um vídeo intitulado "Assassinato Colateral", no qual soldados americanos matavam a tiros de metralhadora de um helicóptero mais de 12 civis numa rua do Iraque, sem qualquer indício razoável de que fossem insurgentes. O Pentágono reagiu indignado, tentando justificar a ação, mas não colou, a coisa pegou muito mal no mundo árabe.

Em 25 de julho, o Wiki Leaks voltou à carga. Desta vez foi ainda mais pesado. Noventa e dois mil documentos escritos por pessoal de campo e da inteligência militar americana - entre janeiro de 2004 e dezembro de 2009, sob o título "Diários da Guerra Afegã" - revelaram que o público americano estava sendo enganado pelos seus líderes civis e militares. Eram documentos qualificados como secretos, proibidos de serem publicados por razões ditas de "segurança nacional". Na verdade, para não chocar o povo com fatos graves, que provavam que estava sendo iludido com mentiras.

O governo, prontamente, ordenou investigações para descobrir a autoria do vazamento. Descobriu e prendeu o soldado Bradley Manning, que, corajosamente, descerrara a cortina que bloqueava a passagem da verdade.

Antes dele, em 1968, um analista militar, Daniel Ellsberg, fez algo parecido. Revelou à imprensa que o general Westmoreland solicitara secretamente mais 206.000 homens para a guerra do Vietnã, com base em falsas informações sobre as forças adversárias. A repercussão foi tão grande que o então presidente Johnson, inicialmente disposto a atender ao general, acabou negando-se. Posteriormente, Ellsberg copiou e publicou os chamados "Papéis do Pentágono", a história secreta de como o Pentágono iludira a opinião pública durante a Guerra do Vietnã, o que fortaleceu a luta para os EUA desistirem dela.

Agora, 40 anos depois, a história se repete. Os novos documentos detalham a ação dos "esquadrões de assassinos", agrupamentos irregulares do Exército, que atacavam talibãs e chefes da Al Qaeda, nas cidades especialmente. Infringiram grandes baixas ao inimigo, porém, ao custo da morte de civis, inclusive crianças, em número muito maior do que o transmitido pelos serviços de informações militares.

A respeito desse assunto, o fundador e editor do Wiki Leaks, Julian Assange, conta: "A maioria das mortes de civis aconteceu em situações em que uma, duas, dez ou vinte pessoas foram assassinadas... O modo de realmente entender esta guerra é vendo que um é assassinado atrás do outro, dia após dia, sem parar..." Essa matança de inocentes, que tinham o azar de estar no lugar errado no momento errado, acentua o crescente antagonismo em relação aos soldados do Ocidente.

Agora se entende porque nos primeiros 10 meses de comando do general McChrystal, quando emitiu normas para reduzir as vítimas civis, elas, pelo contrário, aumentaram. Tais normas deviam ser obedecidas pelos soldados do exército regular, não pelos "esquadrões da morte" que atuavam com liberdade e desembaraço total em suas missões mortíferas, cada vez mais numerosas.

Há, ainda, informes que relatam a cumplicidade entre os serviços de inteligência militar paquistanês e os talibãs. O general Hamid Gul, chefe desses serviços, teria estimulado líderes talibãs a concentrarem suas missões suicidas no Afeganistão em troca de fazer vistas grossas sobre as operações talibãs em território do Paquistão. As conexões entre as lideranças dos dois lados, estabelecidas durante a guerra civil contra o exército soviético, continuam intactas e atuantes. Fica claro que o Paquistão não quer perder esses seus antigos aliados, tendo em vista, inclusive, o infindável conflito com a Índia, sua rival histórica.

Da leitura do "Diário da Guerra do Afeganistão" verifica-se que os talibãs estão potencializando seu arsenal bélico (agora tem até mísseis terra-e-ar); que cada aumento das forças americanas causa o recrutamento de novos militantes pela insurgência. Ou seja: quanto mais forte fica o exército dos EUA, mais forte também a guerrilha talibã.

Os documentos revelam ainda a corrupção das autoridades e da polícia afegãs e a falta de ânimo dos soldados. Dificilmente serão elementos importantes para contribuir à sonhada vitória

Assim, graças ao Wiki Leaks, o público está conhecendo um retrato da guerra do Afeganistão bem diferente do retocado pelo presidente Obama e seus chefes militares. Em vez do otimismo que projeta retirada parcial de tropas já em 2011, a verdade é que um inimigo bem armado, apoiado por amplos setores da população, entrincheirado em terrenos montanhosos que lhes são familiares, tende a oferecer resistência praticamente impossível de vencer, a não ser com o emprego de tropas e armas num nível muitas vezes superior ao atual. E a um custo que os EUA, em termos de dinheiro e vidas, jamais poderia aceitar.

É impossível que os estrategistas da Casa Branca e do Pentágono não estejam a par disso tudo. Afinal foi sua própria gente que escreveu os documentos ora revelados. Fica então uma pergunta: se a guerra vai tão mal, as perspectivas são tão desalentadoras, então por que não se busca um acordo de paz?

O motivo alegado publicamente, garantir a segurança nacional evitando que o Afeganistão se torne uma base para a Al Qaeda promover ataques nos EUA e países aliados, é altamente discutível.

O próprio general James Jones, principal assessor de Obama na região, já afirmou que não há mais de 100 seguidores de Bin Laden atuando em terras afegãs. Episodicamente, na verdade, pois a maioria está entrincheirada no Paquistão em bem ocultos esconderijos nas montanhas. Hoje, a Al Qaeda está muito mais atuante nesse país, no Iraque e especialmente no Iêmen.

Por sua vez, os chefes talibãs estão focados em interesses locais, esqueceram as aventuras internacionais. Sabem, por experiência própria, que apoiar ou proteger a Al Qaeda pode lhes trazer graves problemas com os EUA. Um acordo de paz seria, possivelmente, bem-vindo.

Por que não tentá-lo? Porque as eleições legislativas estão muito próximas. Obama teme que uma eventual saída do Afeganistão possa ser usada pelos republicanos como prova da "fraqueza" dos governos democratas. E tirar votos dos seus candidatos numa eleição que pesquisas sombrias apontam como perigosas.

Já os generais teimosamente se aferram a uma guerra que pode estar perdida para os EUA, mas não para eles. Enquanto houver hostilidades, eles serão essenciais, pois políticos não comandam soldados, nem vencem batalhas, a não ser verbais.

Embora já tenha feito muito para incendiar os ânimos, o Wiki Leaks reserva novas bombas. Assange anuncia a breve publicação de mais 15.000 documentos da guerra, extremamente quentes. O governo americano faz de tudo para detê-lo. Combina ameaças com pressões sobre a Suécia, onde Assange vive, e a imprensa procura até criminalizá-lo perante a opinião pública, enquanto seus advogados ultimam a preparação de uma enxurrada de processos.

Pode até ser que tenha êxito, tornando letra morta um dos mais caros preceitos de sua Constituição, a garantia da liberdade de informar. Mas o Wiki Leaks já conseguiu muito: o povo americano agora sabe que, pelas mãos de George Bush, seu país atolou-se num pântano, onde Barack Obama o está afundando.

*Luiz Eça é jornalista.

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