Escrito por Virgílio Arraes*
17-Ago-2010
Há poucos dias, a Casa Branca anunciou sua intenção de recolher-se militarmente do Iraque em algumas semanas. A confrontação há muito deixou de justificar-se, uma vez que a derrubada da ditadura de Saddam Hussein teria significado o fim da primazia do Partido Baath, de caráter laico e nacionalista.
A permanência de efetivos estender-se-ia apenas para operações especiais ou de apoio às forças locais. Contudo, a retirada, caso ocorra, não representaria ainda a oportunidade adequada para refletir sobre a natureza de um empreendimento tão equivocado, desde sua primeira proposição, logo após o atentado terrorista de 11 de setembro, e sua posterior execução, em março de 2003.
A razão para isto é o possível direcionamento do aparato bélico norte-americano para outro país da região, o Irã, sob justificativa de interromper o desenvolvimento de suas atividades nucleares que, aos olhos de setores mais conservadores da Casa Branca, seriam de destinação militar. Como conseqüência da possível incursão, haveria a cessação de futuras disputas nucleares naquela área do globo.
Desta maneira, os Estados Unidos procederiam à ação em decorrência de uma atitude prévia do Irã e, assim, torneariam sua responsabilidade de iniciar mais uma confrontação. Em Washington, há muita insatisfação quanto aos resultados efetivos das sanções aplicadas a Teerã.
Outra premissa posta por neoconservadores é a estreita conexão lá entre a belicosidade do processo nuclear e o extremismo do regime político iraniano, de feitio teocrático e aparentemente bastante anti-ocidental, na prática, americanofóbico. A forma por que teria sido conduzida a eleição local de junho de 2008 no Irã reforçaria a expectativa negativa no Ocidente, de acordo com a visão reacionária.
A eliminação de um problema – militar - auxiliaria a transição na solução do outro – político - e, por conseguinte, auxiliaria sobremodo a estabilidade da região médio-oriental e adjacências, bastante abalada por Iraque, Afeganistão e recentemente Paquistão.
No entanto, um eventual ataque, mesmo preciso, a instalações nucleares não limitaria o espectro de uma esperada resposta de Teerã. Além do mais, a investida reduziria o apoio a Washington por parte de seus aliados mais estimados, como Arábia Saudita e Turquia.
Por outro lado, os neoconservadores arriscam que a intervenção em si não causaria muita contestação na opinião pública mundial, mesmo entre os setores mais progressistas, haja vista a inexistência da perspectiva do envio de tropas ou da continuidade dos ataques.
Bisa-se quase o roteiro utilizado no Iraque: a eliminação da ameaça militar, por posse de armas de destruição em massa, desencadearia a da política, representada por uma antiga ditadura secular, inadaptada à nova ordem mundial desde seu princípio.
Naquela oportunidade, setores mais reacionários envolveram a sociedade norte-americana em um enredo formulado de maneira tosca, próximo do improvisado, porém crível a segmentos mais ingênuos, de sorte que se lançaram os dados em uma veloz substituição de regime em Bagdá, favorável ao Ocidente, que suprimiria a lembrança dos obstáculos postos por ramos mais previdentes.
A derrocada do governo iraquiano a princípio proporcionou à Casa Branca otimismo suficiente para alongar a movimentação além da fronteira. Porém, a incapacidade de estruturar a transição de poder arrefeceu a implementação do projeto, ao adiá-la, porém sem nunca arquivá-la.
De todo modo, o resultado da eleição de novembro influenciará a conduta da gestão Obama no tocante ao Oriente Médio. É mais provável que os democratas reduzam seu número de cadeiras na Câmara, mas mantenham a maioria; no Senado, em que a renovação será parcial, trinta e sete de uma centena, a preponderância deverá ser também do governo, apesar do certame ser mais disputado.
De mais a mais, os Estados Unidos deverão abordar com severidade a questão iraniana na abertura da sessão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, a partir de setembro, tendo em vista seu público interno. Nela, deverão aludir à ineficácia das sanções com o objetivo de interromper o desenvolvimento do programa nuclear do Irã.
A despeito disso, até lá, Washington almeja obter o nihil obstat de Moscou e Pequim, governos com os quais Teerã tem interesses econômicos, para executar medidas ainda mais rigorosas. As aplicadas já têm dificultado a exploração de novos campos petrolíferos, uma vez que corporações ocidentais têm se recusado a disponibilizar recursos humanos e técnicos, diante do receio de receber penalidades futuras em seus países de origem.
Por fim, sem firmar um posicionamento de não proliferação nuclear de caráter mundial, a iniciativa estadunidense malogrará. Além do mais, a obsolescência dos equipamentos iranianos não permite o enriquecimento necessário do urânio para utilização com fins militares no curto prazo. Portanto, há tempo para conversações, de preferências multilaterais.
*Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.
17-Ago-2010
Há poucos dias, a Casa Branca anunciou sua intenção de recolher-se militarmente do Iraque em algumas semanas. A confrontação há muito deixou de justificar-se, uma vez que a derrubada da ditadura de Saddam Hussein teria significado o fim da primazia do Partido Baath, de caráter laico e nacionalista.
A permanência de efetivos estender-se-ia apenas para operações especiais ou de apoio às forças locais. Contudo, a retirada, caso ocorra, não representaria ainda a oportunidade adequada para refletir sobre a natureza de um empreendimento tão equivocado, desde sua primeira proposição, logo após o atentado terrorista de 11 de setembro, e sua posterior execução, em março de 2003.
A razão para isto é o possível direcionamento do aparato bélico norte-americano para outro país da região, o Irã, sob justificativa de interromper o desenvolvimento de suas atividades nucleares que, aos olhos de setores mais conservadores da Casa Branca, seriam de destinação militar. Como conseqüência da possível incursão, haveria a cessação de futuras disputas nucleares naquela área do globo.
Desta maneira, os Estados Unidos procederiam à ação em decorrência de uma atitude prévia do Irã e, assim, torneariam sua responsabilidade de iniciar mais uma confrontação. Em Washington, há muita insatisfação quanto aos resultados efetivos das sanções aplicadas a Teerã.
Outra premissa posta por neoconservadores é a estreita conexão lá entre a belicosidade do processo nuclear e o extremismo do regime político iraniano, de feitio teocrático e aparentemente bastante anti-ocidental, na prática, americanofóbico. A forma por que teria sido conduzida a eleição local de junho de 2008 no Irã reforçaria a expectativa negativa no Ocidente, de acordo com a visão reacionária.
A eliminação de um problema – militar - auxiliaria a transição na solução do outro – político - e, por conseguinte, auxiliaria sobremodo a estabilidade da região médio-oriental e adjacências, bastante abalada por Iraque, Afeganistão e recentemente Paquistão.
No entanto, um eventual ataque, mesmo preciso, a instalações nucleares não limitaria o espectro de uma esperada resposta de Teerã. Além do mais, a investida reduziria o apoio a Washington por parte de seus aliados mais estimados, como Arábia Saudita e Turquia.
Por outro lado, os neoconservadores arriscam que a intervenção em si não causaria muita contestação na opinião pública mundial, mesmo entre os setores mais progressistas, haja vista a inexistência da perspectiva do envio de tropas ou da continuidade dos ataques.
Bisa-se quase o roteiro utilizado no Iraque: a eliminação da ameaça militar, por posse de armas de destruição em massa, desencadearia a da política, representada por uma antiga ditadura secular, inadaptada à nova ordem mundial desde seu princípio.
Naquela oportunidade, setores mais reacionários envolveram a sociedade norte-americana em um enredo formulado de maneira tosca, próximo do improvisado, porém crível a segmentos mais ingênuos, de sorte que se lançaram os dados em uma veloz substituição de regime em Bagdá, favorável ao Ocidente, que suprimiria a lembrança dos obstáculos postos por ramos mais previdentes.
A derrocada do governo iraquiano a princípio proporcionou à Casa Branca otimismo suficiente para alongar a movimentação além da fronteira. Porém, a incapacidade de estruturar a transição de poder arrefeceu a implementação do projeto, ao adiá-la, porém sem nunca arquivá-la.
De todo modo, o resultado da eleição de novembro influenciará a conduta da gestão Obama no tocante ao Oriente Médio. É mais provável que os democratas reduzam seu número de cadeiras na Câmara, mas mantenham a maioria; no Senado, em que a renovação será parcial, trinta e sete de uma centena, a preponderância deverá ser também do governo, apesar do certame ser mais disputado.
De mais a mais, os Estados Unidos deverão abordar com severidade a questão iraniana na abertura da sessão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, a partir de setembro, tendo em vista seu público interno. Nela, deverão aludir à ineficácia das sanções com o objetivo de interromper o desenvolvimento do programa nuclear do Irã.
A despeito disso, até lá, Washington almeja obter o nihil obstat de Moscou e Pequim, governos com os quais Teerã tem interesses econômicos, para executar medidas ainda mais rigorosas. As aplicadas já têm dificultado a exploração de novos campos petrolíferos, uma vez que corporações ocidentais têm se recusado a disponibilizar recursos humanos e técnicos, diante do receio de receber penalidades futuras em seus países de origem.
Por fim, sem firmar um posicionamento de não proliferação nuclear de caráter mundial, a iniciativa estadunidense malogrará. Além do mais, a obsolescência dos equipamentos iranianos não permite o enriquecimento necessário do urânio para utilização com fins militares no curto prazo. Portanto, há tempo para conversações, de preferências multilaterais.
*Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.
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