04/02/2010

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE:

Só com pressão sobre o governo e o parlamento conheceremos
a verdade!
Ivan Pinheiro
Secretário Geral do PCB
A ninguém interessa mais a criação de uma COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, para
apurar os crimes até hoje impunes da ditadura militar, do que ao PCB, às demais
organizações e militantes que na clandestinidade lutaram contra o arbítrio, aos familiares,
amigos e camaradas das vítimas.
No caso dos revolucionários, que ainda não arriamos a bandeira do socialismo, a
apuração interessa mais ainda, pois a revelação da verdade e a punição dos criminosos
são fundamentais para que não voltem a acontecer prisões ilegais, torturas e
desaparecimentos. Nesse sentido, mesmo as organizações populares mais recentes no
Brasil, que não têm vítimas a prantear, e os jovens que não viveram a ditadura, devem
participar desta batalha.
É bom lembrar que a ditadura escolheu suas vítimas entre os comunistas, independente
da forma de luta que adotavam. Sabiam os ditadores – agentes do imperialismo e das
oligarquias – que os comunistas não lutavam apenas pelo restabelecimento das
liberdades democráticas, mas para que o advento destas criasse melhores condições de
luta para a superação do capitalismo.
No caso do PCB, a ditadura tentou destruí-lo – como se fosse possível – ou pelo menos
fragilizá-lo, antes de iniciar a “transição democrática, lenta, segura e gradual”, por cima,
através de um pacto de elites, para que mudasse apenas a forma da ditadura de classe
da burguesia e não o seu conteúdo. Entre 1974 e 1975, foram assassinados dezenas de
militantes do PCB, pelos quais até hoje choramos. Seus corpos continuam desaparecidos,
inclusive de quase todos os membros do Comitê Central que não haviam ido para o exílio,
ficando aqui para dirigir o Partido na clandestinidade. (*)
É claro que estes assassinatos, somados a outros fatores endógenos e exógenos,
contribuíram para o enfraquecimento político e a degeneração ideológica do PCB nos anos
1980, resultando na ascensão de uma direção nacional majoritariamente reformista, em
geral dos que vieram do exílio, onde todos perderam os vínculos com as massas e
muitos aderiram às idéias “eurocomunistas” e “liquidacionistas”.
Mas uma COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE interessa, em primeiro lugar, ao
conjunto do povo brasileiro. É um pré-requisito para a consolidação das liberdades
democráticas em nosso país.
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Por estas imensas razões, o PCB lamenta profundamente que o Presidente Lula reincida
em suas constantes conciliações com a direita, exatamente nesta matéria. Bastaram
alguns dias de pressão da mídia hegemônica e de alguns comandos militares para ele, em
13 de janeiro de 2010, reeditar o Decreto que assinara em 21 de dezembro de 2009, com
base nas conclusões da Conferência Nacional de Direitos Humanos, com as quais se
comprometera publicamente.
Um dos riscos é que o Presidente tente “empurrar com a barriga”, se possível para depois
de seu mandato, como poderá fazer com Cesare Battisti, que continua preso no Brasil.
Outro risco é a descaracterização da apuração dos fatos pela futura Comissão da
Verdade, caso ela seja criada. No texto original, declarava-se que a Comissão seria
encarregada de examinar as violações de direitos humanos no contexto da repressão
política do período da ditadura. A retirada da expressão sublinhada, na reedição do
decreto, certamente gerará pressões para se tratar a questão como se tivesse havido no
Brasil uma guerra simétrica, entre duas “forças armadas” e como se ambas tivessem
torturado e desaparecido com adversários.
O recuo de Lula não é apenas de natureza semântica, como sustentam seus defensores
no campo da esquerda. Há até alguns destes - inclusive vítimas da ditadura – que, com o
objetivo de fazer Lula parecer de esquerda, manipulam o recuo do Presidente,
disseminando a fantástica versão de que a direita tentou no fim do ano dar um golpe
militar para derrubar Lula, como se isso fosse possível prosperar no Brasil de hoje e como
se o imperialismo e as oligarquias (que são as únicas forças capazes de perpretar golpes
da espécie) estivessem insatisfeitos com os rumos do governo. Logo Lula, que acaba de
ser agraciado, no Fórum Econômico Mundial, com o inédito título de “Estadista Global”,
conferido pelo “comitê central” do imperialismo, que quer mostrar ao mundo a “esquerda”
de que gosta e necessita para manter a ordem capitalista.
Só não explicaram quais os poderosos setores insatisfeitos que animavam o golpe para
derrubar Lula, se os banqueiros, os barões do agronegócio, os empreiteiros, os heróis
usineiros, a FIESP!
Como fazem com a política econômica herdada de FHC - culpando Henrique Meirelles de
mantê-la, para preservar Lula -, esses setores tentam passar a impressão de que o único
responsável pelo recuo é o Ministro da Defesa. Alguns chegam a pedir a cabeça do
arrogante Nelson Jobim (ex-Ministro da Justiça de FHC), como se ele não fosse funcional
a Lula, que o nomeou não para garantir a “tranquilidade da caserna” contra golpes fora
de moda, mas para unir as Forças Armadas em torno do grande consenso hegemônico da
burguesia brasileira, ou seja, para respaldar militarmente a inserção competitiva do Brasil
no sistema capitalista mundial, como parte do imperialismo.
Lula é um pragmático. Não pensa duas vezes se tiver que escolher entre apurar o
passado e garantir seu futuro. O seu governo internamente não está “em disputa”. É uma
sofisticada engenharia política da ordem. Como todo político burguês, ele nomeia
conservadores para a defesa e a área econômica e progressistas para as áreas sociais e
de direitos humanos, administrando eventuais conflitos com a experiência de sindicalista
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de resultados, ainda que a contradição seja complicada, como esta em que a mão direita
do Presidente tranca os arquivos da ditadura e a mão esquerda acena com uma Comissão
de Verdade.
O patético Jobim, metido a valentão, que adora se fantasiar de “general da banda” (como
diz o jornalista Laerte Braga), está cada vez mais firme e forte no governo Lula. Numa
cena ridícula, apareceu fardado no Haiti, onde ficou apenas os minutos necessários para
tirar umas fotos, sem sair do aeroporto, para fingir que o Brasil não havia levado uma
“bola nas costas” dos EUA, sócios majoritários do imperialismo, que lá haviam botado
mais do que o dobro de tropas que o Brasil absurdamente dirige no Haiti, a pedido de
Bush a Lula, em 2004, logo depois que um comando militar americano seqüestrou o
presidente eleito do país. Na ocasião, Lula primeiro mandou a seleção brasileira de
futebol e depois as tropas, de olho grande numa cadeira permanente no Conselho de
Segurança da ONU, parte da estratégia do Brasil como potência capitalista.
O “general” Jobim é o grande articulador da corrida armamentista brasileira, suporte
indispensável tanto para o Brasil ser aceito no seleto clubes das nações imperialistas
como para hegemonizar países mais fracos, sobretudo na América Latina, ajudando a
abrir mercado para suas grandes empresas exportadoras, empreiteiras e mineradoras,
generosamente alavancadas pelo BNDES.
A política do Ministério da Defesa, obviamente aprovada pelo Presidente da República, é
uma boa pista para decifrarmos alguns objetivos estratégicos do Estado burguês
brasileiro. É uma política militar muito mais ofensiva do que defensiva, o que revela a
intenção de se projetar no campo imperialista e não de resistir a ele.
O “general” acaba de chegar de Israel, onde esteve em missão oficial de cinco dias, um
pouco mais do que ficou no Haiti! Foi às compras, com o talão de cheques assinado pelo
Presidente, exatamente num país cuja tecnologia militar é voltada para a agressão a
povos vizinhos e a defesa contra a insurgência popular, sobretudo palestina. Israel é a
cabeça de ponte do imperialismo norte-americano no Oriente Médio. No cardápio, aviões
não tripulados, “caveirões”, armas anti-distúrbio e anti “terrorismo”, tudo a pretexto de
segurança nas Olimpíadas e na Copa do Mundo.
É significativo que o Secretário de Relações Internacionais do PT – que lidera um campo
considerado à esquerda no seu Partido – tenha vindo a público criticar Jobim, e não a
Lula, pela compra de material bélico israelense, ou seja, mais um caso de crítica correta
dirigida à pessoa errada, numa velha tática diversionista, para preservar o “chefe”. É
como as manifestações contra a política econômica que fazem na frente do Banco Central
e não do Palácio do Planalto!
Há dois meses, começaram a chegar, por Porto Alegre, 240 tanques alemães “Leopardo
I”, comprados por Lula e Jobim, a 900 mil reais a unidade. Os tanques não foram para a
Amazônia nos defender da “ameaça imperialista”. Estão todos sendo localizados no oeste
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, exatamente nas fronteiras do Brasil com
países irmãos. Aliás, ex-irmãos, porque o decreto nº 6.592, de 2 de outubro de 2008
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(assinado exatamente pela dupla Lula e Jobim), feito sob medida diante da ofensiva
popular na América do Sul, estabelece parâmetros subjetivos para definir o que é
“agressão estrangeira”, incluindo “ameaças a nossos interesses nacionais” em países
fronteiriços. Este decreto já foi usado em uma delas, no ano passado, quando tropas
brasileiras ocuparam toda a nossa fronteira com o Paraguai, numa operação
simbolicamente denominada “Operação Fronteira Sul – Presença e Dissuasão”,
exatamente no momento em que trabalhadores sem-terra paraguaios vinham ocupando
latifúndios transnacionais produtores de soja de propriedade de brasileiros (os chamados
“brasiguaios”). E ainda não havia os novos 240 tanques alemães!
Ainda em 2008, Lula e Jobim assinaram acordos militares com a Colômbia de Uribe,
inclusive, textualmente, para a localização de “grupos armados” (leiam-se FARCs),
utilizando-se do aparato tecnológico do SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia). O
Brasil é um fornecedor de armas para o governo colombiano, além dos super-tucanos,
aviões militares de fabricação brasileira usados no criminoso ataque ao acampamento de
Raul Reyes, no Equador. Este “mercado” explica a cumplicidade e o silêncio do governo
brasileiro frente à instalação de sete bases militares dos EUA na Colômbia. Não é à toa
que, há três meses, Uribe e Lula se encontraram na FIESP, em São Paulo, numa agenda
reservada, com a presença de empresários dos dois países, exatamente após o
Presidente Chávez ter suspendido o comércio bilateral com a Colômbia, em função das
bases imperialistas, que Fidel Castro bem definiu como “sete punhais no coração da
América Latina”.
Diante destas evidências, fica claro que Lula não vai mudar novamente a redação do
decreto que cria a Comissão da Verdade. Se mudar de novo, corre o risco de piorar. Fica
claro também que não criará por decreto a Comissão da Verdade, o que a Constituição
lhe asseguraria. Lula criou uma comissão para apresentar o projeto de uma comissão a
um Congresso Nacional majoritariamente conservador, diante do qual lavou as mãos; se
a Comissão não sair, a culpa não terá sido dele!
Por sinal, nesta semana o Presidente fez um segundo recuo no Programa Nacional de
Direitos Humanos, desta vez com a questão do aborto. Qual será o próximo? Ainda mais
em ano eleitoral, em que ele buscará votos para sua candidata no centro e na direita, no
pressuposto de que já os tem na esquerda.
Neste quadro, na avaliação da direção nacional do PCB, não tem sentido para os setores
democráticos efetivamente interessados na apuração da verdade lutar pela rejeição do
decreto, mesmo na forma como está hoje redigido, e muito menos ter a ilusão de que se
pode melhorá-lo. A redação atual do decreto é reflexo da correlação de forças
determinada pela opção de Lula pela governabilidade institucional burguesa. E, cá entre
nós, o fato de ter saído o decreto foi uma vitória dos movimentos de defesa dos direitos
humanos, o que mostra que a disputa se dá na sociedade e não dentro do governo.
Assim sendo, não temos outra opção a não ser apoiar o decreto, mesmo com a redação
mitigada que assumiu.
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Fizemos aqui um breve histórico da política externa brasileira e do comportamento do
governo e de sua base de apoio dita de esquerda, para alertar a todos os que seguiremos
na luta pela apuração da verdade, para que não sejamos manipulados como massa de
manobra pelo diversionismo, o oportunismo e o eleitoralismo.
A única maneira de se tentar ainda viabilizar a criação no Brasil de uma COMISSÃO DA
VERDADE, que mereça este nome - nos moldes das que já foram criadas na Argentina,
no Chile, no Uruguai e em outros países que viveram ditaduras -, é promover uma grande
mobilização democrática para pressionar o governo e o parlamento no sentido de
implantá-la com celeridade. Fora disso, é jogar para a platéia, é campanha eleitoral, é
tergiversar, fingindo que os Jobins, os Lobões, os Meireles, os Stefhanes não foram
nomeados, mantidos e prestigiados por Lula.
Na opinião do PCB, urge a articulação, por iniciativa legítima da OAB e das organizações
voltadas para os direitos humanos, de uma ampla petição coletiva – assinada por um
expressivo conjunto de organizações e personalidades, nacionais e estrangeiras - dirigida
ao Presidente da República e ao Congresso Nacional, exigindo a criação da COMISSÃO
NACIONAL DA VERDADE e a urgente abertura dos arquivos da ditadura.
Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 2010
Ivan Pinheiro
Secretário Geral do PCB (Partido Comunista Brasileiro)
(*) EXIGIMOS A VERDADE SOBRE TODOS OS DESAPARECIDOS, ALÉM DOS
CAMARADAS QUE AQUI HOMENAGEAMOS:
Célio Guedes
David Capistrano
Elson Costa
Hiram Pereira de Lima
Itair José Veloso
Jayme Miranda de Amorim
João Massena de Melo
José Montenegro de Lima
Luiz Maranhão Filho
Nestor Veras
Orlando Bonfim
Walter Ribeiro

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