01/01/2010

51 anos de Revolução Cubana: socialismo é humanidade

*Base do PCB em Cuba
(estudantes brasileiros)
O primeiro dia de cada novo ano é muito mais que o reveillon para um rebelde povo. Foi
num dia como este, há 51 anos, que o heróico povo cubano livrou-se definitivamente das
garras da grande águia do norte e iniciou seu próprio caminho de soberania, liberdade e
justiça. O triunfo da revolução cubana é o culminar de quase 100 anos de incansáveis batalhas
e sacrifícios das massas e seus verdadeiros heróis.
A cada novo ano de resistência socialista, o processo cubano nos enche de esperança
revolucionária, com inquestionável exemplo de que os povos oprimidos do mundo podem
escolher um caminho alternativo ao domínio imperialista e à exploração do capitalismo. Essa
esperança torna-se ainda mais concreta se buscamos compreender a história deste processo,
real e presente, que se forjou em um movimento de gerações revolucionárias. Façamos assim,
um breve resgate histórico, que além de uma singela homenagem ao povo cubano é também
um legado para o nosso próprio caminho revolucionário.
Recordemos que Cuba constituiu-se como colônia espanhola no século XVI e, desde
então, sua economia foi baseada no trabalho do escravo negro e na produção açucareira. A
partir de meados do século XIX acentuaram-se as contradições entre a metrópole e as elites
crioulas locais, em virtude das crises econômicas mundiais de 1857 e 1866, da baixa nos
preços do açúcar e da decadência do império espanhol. Tais contradições culminaram nas
guerras de libertação nacional: a “Guerra dos 10 anos” (1868-1878), liderada por Carlos
Manuel de Céspedes, e a Guerra de Independência (1895-1898), na qual surge o líder José
Martí, um homem muito à frente de sua época, cujas idéias patriotas e humanistas, somadas a
sua exemplar prática como revolucionário, o consagraram herói nacional de Cuba. Desde a
guerra de independência Martí já alertava o perigo que vinha da América do Norte, em um
chamado ao povo cubano pela sua real libertação.
Durante esse processo, o incipiente movimento das massas de trabalhadores, ainda com
precárias formas de organização e politicamente pouco ativas, não pode fazer contraponto à
força das classes senhoriais. Os chamados criollos não conduziram as lutas de libertação do
domínio espanhol para uma revolução política contra ordem existente, temendo que o controle
político militar do movimento se deslocasse para os grupos sociais identificados com a pressão
popular por revolução democrática. Assim, as forças do movimento de libertação nacional
foram canalizadas para uma “revolução dentro da ordem” que, assegurando a permanência das
oligarquias, estabeleceu entre elas e os EUA um pacto que permitiu ir até o fundo a
“modernização da colonização indireta”, através da incorporação financeira e comercial de Cuba
aos EUA. Em 10 de dezembro de 1898, com a assinatura do Tratado de Paris entre EUA e
Espanha, Cuba deixou de ser colônia espanhola para estar subordinada ao imperialismo ianque.
Em 1o de janeiro de 1899 foi oficializada a ocupação militar estadunidense em Cuba. No ano de
1901, a Emenda Platt foi adicionada à Constituição cubana, permitindo a intervenção
estadunidense em caso de segurança nacional. Foi através de tal emenda, que os EUA criaram
a base militar de Guantanamo, existente até hoje, mesmo com a abolição da Emenda Platt em
1934. Dessa maneira a burguesia internacional fincou suas garras em Cuba, realizando em
1902 a expropriação de terras dos camponeses por empresas como American Tobacco
Company, Cuban American Sugar e a United Fruit Company.
O despertar cubano, ainda que sob a frustração do sonho patriótico, serviu como
experiência para as lutas que se travariam nas décadas seguintes, sendo agora o crescente
imperialismo dos EUA o principal inimigo, assim como já deixava claro José Martí.
No inicio do século XX se organiza o movimento operário em Cuba, bem como o
movimento estudantil, influenciados pelas conquistas da Revolução de Outubro, a Revolução
Mexicana, e as reformas universitárias ocorridas em diversos países da América (como
Argentina, Chile e Peru). São constantes greves obreiras e estudantis no país. Em 1904, Carlos
Baliño (que fundou junto com Marti o Partido Revolucionário Cubano), fundou o Partido
Socialista Obreiro, que se converteu em Partido Socialista de Cuba. Em 1923 foi fundada a
Federação Estudantil Universitária, por Julio Antonio Mella, que em 1925, junto a Baliño,
fundou o Partido Socialista Popular (equivalente ao primeiro Partido Comunista de Cuba). Em
1939 foi fundada a Confederação de Trabalhadores Cubanos.
A necessidade da luta antiimperialista volta com vigor no processo revolucionário iniciado
em 1933, desencadeado pelos efeitos da crise do capital de 1929. A organização dos
movimentos de massa, especialmente do movimento operário e estudantil, culminou com a
derrocada do ditador Geraldo Machado e a instituição do chamado “Governo dos 100 dias” que
foi duramente reprimido pelas forças Ianques. Tal movimento evidenciou o papel contra
revolucionário da burguesia nacional e dos latifundiários, dependentes e associados aos
interesses do Império.
No contexto pós II Guerra Mundial acirraram-se as contradições e a miséria no país,
configurando marcadamente fortes condições objetivas para a retomada do processo
revolucionário. Diante do crescimento do movimento de massas e da possibilidade de uma
vitória eleitoral do partido ortodoxo (com ideais patrióticos e democráticos), em 1952 Fulgencio
Batista aplicou um golpe de Estado, novamente com amplo apoio das forças militares do norte.
As massas populares se opuseram à ditadura e sua atividade cresceu na mesma
proporção ao agravamento da situação do país. O movimento operário foi ilegalizado, sendo a
luta contra a ditadura organizada dentro dos sindicatos clandestinos, com orientação do Partido
Socialista Popular.
Nesse processo desempenhou um papel determinante a vanguarda revolucionária que
dirigiria as atividades das massas no sentido de terminar as tarefas iniciadas nas lutas contra o
colonialismo espanhol e nos combates da geração de 1930. Fidel e Raúl Castro, Melba
Hernandez, Haydeé e Abel Santamaría, junto a outros 117 jovens mártires, organizaram os
corajosos ataques ao Quartel Moncada e ao Quartel Carlos Manuel de Céspedes, inaugurando
uma nova fase na luta revolucionária cubana, em que a guerra civil oculta passava a ser aberta
e a luta armada a forma fundamental de enfrentamento ao regime.
O ataque ao quartel Moncada, em 26 de julho de 1953, teria como objetivo obter armas,
dar a conhecer o movimento revolucionário que surgia e incorporar as grandes massas
populares. O fracasso militar do assalto levou os revolucionários sobreviventes à prisão e à
organização do Movimento 26 de Julho (M-26-7). Na cadeia, os revolucionários trataram de
preparar-se teoricamente, ao mesmo tempo em que conduziam a organização e fortalecimento
do movimento através da campanha de anistia. É neste contexto que Fidel escreve sua
magistral defesa que anunciava os princípios norteadores da revolução cubana: “A historia me
absolverá”.
Após sua saída da prisão, em 1955 os revolucionários são perseguidos e ameaçados.
Fidel se exila no México e desde aí busca nos exilados cubanos o financiamento para o preparo
militar do M-26-7, que seguiu se articulando e crescendo na ilha, com grande inserção no meio
estudantil e operário. No México, Fidel conhece Ernesto Guevara, que passa a ser conhecido
como Che. Em 2 de dezembro de 1956, desembarcam 82 revolucionários em Cuba, depois de
uma longa viagem desde o México a bordo do Iate Granma, entre eles Fidel, Raúl y Che. Esses,
apoiados pelo forte movimento construído em solo cubano, iniciam o braço armado guerrilheiro
na Sierra Maestra.
O M-26-7 unificou os combatentes do Diretório Revolucionário 13 de março, de José
Antonio Echeverría, e o Partido Socialista Popular, de Blas Roca, em torno da estratégia
revolucionária de libertação nacional, cuja luta antiimperialista constituiu um elemento central.
O objetivo foi buscar, através da revolução nacional, a instauração da democracia, da
soberania popular e um desenvolvimento independente. Palavras de ordem que de início
serviam tanto ao proletariado como a setores da burguesia nacional, mas que forjaram as
bases para um direcionamento socialista da revolução à medida que a organização das classes
oprimidas ganhou espaço. Da unidade entre o M-26-7, o Diretório Revolucionário e o PSP
surgiu o equivalente social e político do partido revolucionário, que abriu o caminho para a
revolução das massas exploradas.
Com o triunfo da revolução em 1o de janeiro de 1959 os representantes das oligarquias
e o imperialismo foram varridos do governo revolucionário recém instaurado. A radicalização do
processo revolucionário cubano significou não apenas a criação do primeiro Estado socialista da
América Latina, mas também a esperança e o exemplo dos povos oprimidos deste continente.
O dia 1o de janeiro foi apenas o inicio das vitórias contra o imperialismo e exploração do
povo cubano. Neste mesmo ano, o governo revolucionário iniciou a nacionalização de empresas
pertencentes ao grande capital internacional, entre estas 36 indústrias açucareiras, que
dominavam 40% da produção de açúcar do país. Realizou-se também a primeira Reforma
Agrária, que distribuiu 50% das terras cubanas a cerca de 600 mil famílias. Nacionalizaram-se
a saúde e a educação. Em 22 de dezembro de 1961, graças ao trabalho de mais de 100 mil
jovens, professores e trabalhadores, Cuba se tornou o primeiro país da América livre de
analfabetismo. Nesse mesmo ano Fidel Castro profere seu inesquecível discurso declarando a
Revolução Cubana de caráter socialista.
Do triunfo revolucionário aos dias atuais
A medida que avançavam as conquistas do heróico povo cubano, crescia também a
contra-ofensiva do império. Ainda em 1961 a CIA financia e organiza o ataque de 1200
mercenários a Playa Girón, derrotados pelo povo combatente. Foi então que para organizar o
povo cubano e defender suas conquistas foram criados os Comitês de Defesa da Revolução –
CDR, possibilitando a construção do socialismo e da democracia popular em cada bairro. Depois
desse, vieram muitos outros ataques, como a explosão de uma avião em 1976 que matou 73
pessoas, cujo autor, Juan Posadas Carrilles, segue livre sob proteção ianque.
Além dos ataques terroristas, em 1962 EUA expulsam Cuba da Organização dos Estados
Americanos, OEA, e declara o bloqueio econômico à Ilha, buscando impedir que outros países
comercializem ou desenvolvam qualquer tipo de relação com este país. Com o bloqueio
genocida, Cuba estreita suas relações com a União Soviética, através de acordos comerciais,
militares e de solidariedade. Também nesse período, em 1965, concluiu-se o processo de
unificação dos grupos revolucionários em um único partido. Dessa forma se constituiu o Partido
Comunista de Cuba, de caráter marxista-leninista, com Fidel Castro como Secretário Geral.
Os feitos da revolução cubana seguiram impressionando nos anos seguintes. Em poucos
anos Cuba desenvolve-se como potência científica em diversas áreas, como a medicina e a
farmacologia. Torna-se o país com maior expectativa de vida e menor mortalidade infantil das
Américas, números comparáveis aos mais desenvolvidos países europeus. Desenvolve-se no
âmbito dos esportes e cultural, sendo, por exemplo, o país de todo mundo com o maior
percentual de escritores per capita, mostra do nível intelectual alcançado pelo povo durante o
socialismo. Nas artes plásticas, na dança, na música, no cinema e no teatro a revolução deixou
também sua marca: um povo culto é um povo livre, parafraseando José Martí.
O socialismo cubano também não acabou em si mesmo. Os cubanos deixaram marcas de
emancipação em diversos países. Na África, para exemplificar, contribuíram com os esforços
para a libertação nacional de várias nações, como Angola, Etiópia, Congo e Moçambique, sendo
sua participação fundamental para o fim do regime Apartheid na África do Sul.
Na década de 80, os acordos com o campo socialista passaram a responder por 85% do
intercâmbio de mercadorias realizado por Cuba. Na década de 90, com a desintegração da
URSS e do socialismo no leste europeu, teve inicio uma das épocas mais difíceis da história do
aguerrido povo cubano: o período especial.
No primeiro ano após a dissolução do campo socialista do leste europeu e da União
Soviética, o produto interno bruto decaiu 33%. A questão energética foi uma das mais
prejudicadas, colapsando o transporte. Um exemplo do caos gerado foram as muitas safras de
alimentos que apodreceram no campo, já que sem combustível para o transporte não podiam
ser deslocadas às cidades. Faltavam alimentos, remédios e outros produtos essenciais. Nesse
contexto, o cruel bloqueio imperialista tornou-se ainda mais perverso.
Mesmo com tamanhas dificuldades, em pleno período especial, o povo cubano ratifica
sua vontade de seguir construindo o socialismo em plebiscito nacional, com mais de 90% dos
votos e uma participação de quase 100% da população. Talvez, por tão heróica resistência e
convicção do rumo escolhido, que Fidel considera o Período Especial “o mais glorioso dos 50
anos da Revolução Cubana”. Nessa etapa as idéias criativas para superar as dificuldades foram
muitas, como o desenvolvimento de um efetivo programa de agricultura urbana, referência
mundial, que hoje emprega cerca de 400 mil cubanos e produz alimentos para milhões.
Em contraponto, o período especial gerou também uma série de novas contradições
cujas soluções tornaram-se, atualmente, os principais desafios para o avanço do socialismo em
Cuba. Para reverter o processo de carência e dependência econômica criaram-se diversas
empresas mistas (parcerias entre o Estado - sócio majoritário – e empresas capitalistas), com
a finalidade de aumentar e diversificar a produção agrícola e industrial. Para incrementar a
arrecadação do Estado, Cuba foi obrigada a abrir-se ao predatório turismo internacional.
Com tais medidas, Cuba pôde evitar a ofensiva da contra-revolução capitalista e manter
as mais importantes conquistas da revolução. No entanto, este longo período de dificuldades
materiais foi bastante marcante na determinação da consciência social. Um grande contingente
de cubanos deixou o país durante os anos do período especial, e problemas como a
prostituição, o mercado negro e a corrupção, tornaram-se presentes. As desigualdades internas
foram intensificadas, especialmente quanto à valoração do trabalho: um trabalhador do
turismo, um taxista particular, alguém que recebe dinheiro de um familiar no exterior ou que
aluga um quarto para estrangeiros têm maiores possibilidades de consumo que um exemplar
operário, um médico ou um reconhecido professor universitário.
Essas contradições têm sido os maiores desafios do Estado cubano, do Partido
Comunista e das organizações de massa do povo. A fim de avançar na superação delas, o
governo revolucionário tem proposto à população uma série de reformas - cabe ressaltar que
elas têm um caráter absolutamente distinto das contra-reformas que vem sendo aplicadas no
Brasil. Uma delas trata da legislação trabalhista e objetiva aumentar a produtividade industrial
e a agilidade dos serviços, por meio de incentivos materiais aos trabalhadores mais dedicados e
comprometidos com a revolução. Tal medida vem no sentido de reafirmar o principio socialista
de “receber de acordo com seu próprio trabalho e esforço”, rumando assim no sentido de
diminuir a burocratização dos serviços e a corrupção, que estagnam a produção. Outra
importante medida adotada recentemente é a distribuição das terras ociosas do Estado aos
pequenos agricultores e a garantia de condições para produzir, com o objetivo de aproximar
Cuba da soberania alimentar.
Mesmo com tantas dificuldades, Cuba segue sendo vanguarda no que se refere à
solidariedade internacional. Atualmente estudam em Cuba cerca de 50 mil estrangeiros, dos
mais diversos cursos universitárias, sendo a maioria medicina. Além disso, são bastante
conhecidas as missões cubanas de solidariedade na área de saúde e educação, hoje presentes
em mais de 70 países, em especial nos que estão em guerra ou que sofrem de catástrofes
naturais. Somente na Venezuela são mais de 35 mil cubanos, entre médicos, profissionais da
saúde e educadores. Outro relevante exemplo do internacionalismo do socialismo cubano é o
projeto Escola Latino Americana de Medicina - ELAM, idealizado pelo Comandante Fidel Castro
em um momento em que toda a América Central havia sido assolada por três furacões. Este
ano o projeto comemorou 10 anos de existência, com uma grande quantidade de médicos
atuando em toda a América Latina, incluindo, por exemplo, a fundação de hospitais populares.
Atualmente, cerca de mil brasileiros estudam em Cuba.
Ainda assim os ataques imperialistas não cessam. O assassino bloqueio segue vigente,
mesmo com as sucessivas votações contrárias nas assembléias da ONU, em que apenas 3
nações do mundo se mantêm favoráveis a sua continuidade. Os prejuízos para Cuba são
incalculáveis: em apenas 8 horas de bloqueio o governo cubano poderia reparar cerca de 40
creches ou em 1 dia comprar 139 ônibus de transporte urbano. O caso dos cinco heróis
cubanos é outro exemplo da desumanidade que impõe o monstro do norte - como definia
Simon Bolívar – presos por lutar contra o terrorismo dos EUA.
Muitos insistem em deturpar o caminho escolhido pelo povo cubano, mas os fatos não
escondem a verdade: em 51 anos o socialismo humanizou a sociedade cubana. Cuba é o único
país das Américas em que a violência, tão crescente no Brasil, é insignificante. Havana, uma
capital com quase 3 milhões de habitantes, é tão tranqüila quanto uma pacata cidade do
interior, em que assassinatos e seqüestros ficam restritos aos romances policiais. Cuba é um
país que trabalha cotidianamente para superar a desigualdade de direitos entre os gêneros,
para superar o racismo, a discriminação e tantas formas de opressão, tão enraizadas em
nossas sociedades. Outros não cansam de afirmar que a Revolução Cubana é coisa do passado
e que o socialismo morreu junto com a URSS. Para esses respondemos que não somente é
presente o socialismo em Cuba, mas que vem fortalecendo seus princípios e ideais à medida
que avançam os processos revolucionários na América Latina. Em contrapartida, processos
como o venezuelano e o boliviano, sem a Revolução Cubana provavelmente não existiriam e o
caminho da barbárie a que conduz o capitalismo aparentaria ser a única via para a
humanidade. Cuba e o socialismo nos permitem seguir sonhando com a utopia de um mundo
humano, no mesmo sentido em que dedicaram suas vidas tantos mártires nesses 51 anos de
revolução. Por eles e pelas gerações futuras o povo cubano jamais abandonará as trincheiras
conquistadas.
*Base do PCB em Cuba.
La Habana, 31 de dezembro de 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário