22/07/2009

REDUÇÃO DA JORNADA: MANTER A VIGILÂNCIA SOBRE OS ACORDOS DE CÚPULA

Renato Nucci Junior (Militante e dirigente do PCB-São Paulo)
A luta dos trabalhadores brasileiros pela redução da jornada de trabalho conheceu um novo capítulo em 30 de junho. Comissão especial da Câmara dos Deputados, constituída para analisar o assunto, aprovou por unanimidade o parecer do deputado federal Vicentinho (PT/SP) sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 231-A, de 1995, de autoria dos então deputados e hoje senadores Inácio Arruda (PC do B/CE) e Paulo Paim (PT/RS), que altera os incisos XIII e XIV do artigo 7º da Constituição Federal e reduz a jornada de trabalho das atuais 44 horas para 40 horas semanais. A proposta também estabelece um adicional de 75% sobre as horas normais para as horas-extras.
De pronto, o sindicalismo governista comemorou a aprovação por unanimidade do parecer na comissão especial, ressaltando a unidade conformada pelas diversas centrais sindicais em torno da bandeira da redução da jornada de trabalho. Não faltaram também parlamentares de partidos claramente favoráveis aos interesses da burguesia, pressionados por um plenário lotado de sindicalistas e preocupados com a manutenção de seus mandatos, a declarar apoio ao projeto. Carlos Sampaio (PSDB/SP), vice-presidente da comissão especial e responsável entre os tucanos pela área sindical, destacou que “Me senti pela primeira vez efetivamente útil à população brasileira”. Rita Camata (PMDB/ES), outro membro da comissão especial, afirmou que a redução da jornada de trabalho é a “luta dos trabalhadores e das trabalhadoras desde a Constituinte”. Já Roberto Santiago (PV/SP) declarou o momento como histórico.
A luta pela redução da jornada de trabalho sem a redução dos salários deve ser apoiada pelos trabalhadores. Cálculos do Dieese indicam que uma redução da jornada de 44 para 40 horas semanais pode gerar imediatamente mais de 2 milhões de novos empregos. Porém, algumas reflexões sobre a proposta contida na PEC 231-A são necessárias para aprofundar o debate sobre o assunto.
Em primeiro lugar, é bom esclarecer que a comissão especial analisou três emendas constitucionais que versam sobre o tema da redução da jornada de trabalho, sendo que o relator (Vicentinho PT/SP), pediu a rejeição de duas, cujos conteúdos em nossa opinião são mais avançados do que a PEC 231-A. A primeira é a PEC 271 de 1995, de autoria do então deputado Eduardo Jorge, à época do PT/SP, que propunha a alteração do inciso XIII artigo 7º da Constituição. O conteúdo da proposta apontava para uma redução da jornada diária de 8 horas para 6 horas e da jornada semanal de 44 horas para 30 horas semanais, à razão de 1 hora semanal a menos a cada ano. A PEC 271 ainda frisava que essa redução não implicaria em redução salarial. A outra PEC rejeitada foi a 393 de 2001, de autoria do então deputado Inácio Arruda (PC do B/CE), que além de reduzir a jornada para 40 horas a partir de 1º de janeiro de 2002 e para 35 horas a partir de 1º de janeiro de 2004, estabelecia novos percentuais para o adicional de hora-extra, sendo de 100% nos dias de semana e de 200% nos domingos e feriados.
O parecer do relator e sua aprovação por unanimidade pelos demais membros da comissão especial, foi a de escolher a PEC menos agressiva aos interesses do capital. Além do mais, é mais um ingrediente a demonstrar a conversão do PT ao centro do espectro político, pois a opção de Vicentinho foi a de rejeitar duas PEC’s de conteúdo mais avançado, em favor de uma outra de conteúdo mais brando. Isso explica em parte a convergência “policlassista” que marcou a sessão de aprovação do parecer, com deputados mesmo de partidos burgueses dando voto favorável ao texto do relator. Porém, a aprovação do relatório da PEC 231-A por deputados de partidos burgueses, mesmo na forma menos agressiva ao capital, não deve nos iludir. O voto de um deputado na comissão não implica em uma adesão de todo o seu partido ao projeto. Exemplo disso é o do PSDB, cujo líder na Câmara, deputado José Aníbal, afirmou que o tema será discutido na bancada, ainda que ele tenha contado com o voto de um de seus deputados na comissão (Carlos Sampaio).
A aprovação da PEC 231-A, que como demonstramos possui um conteúdo mais atenuado do que as outras duas PEC’s rejeitadas, devem colocar os trabalhadores em estado de alerta e vigilantes. Afinal, a convergência “policlassista” demonstrada na sessão que aprovou o relatório da comissão especial, pode conter algum tipo de armadilha prejudicial aos interesses dos trabalhadores, ainda mais em um momento de crise econômica onde a atual lógica do capital é a de impor ajustes que retiram direitos e acentuam a exploração dos trabalhadores. Se observarmos o conteúdo da PEC 231-A, diferente da PEC 271, ela se pronunciar a favor da redução da jornada de trabalho, não sendo acompanhada de um complemento essencial defendido pelo movimento sindical classista, que é a não redução dos salários.
Reafirmar a necessidade da luta pela redução da jornada de trabalho sem a redução dos salários, com a PEC 231-A expressando essa reivindicação é essencial, pois a reação patronal ao projeto vai ao sentido contrário. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), manifestou-se contra a redução da jornada sem uma correspondente diminuição dos salários. Como o projeto não aborda explicitamente essa questão, deixando em aberto a situação dos salários caso a redução da jornada de trabalho seja aprovada, ao ser debatido no Congresso os patrões pressionarão por uma correspondente diminuição dos salários pagos. Como a aposta da CNI é a de valorizar a livre negociação, é possível que os patrões tentem jogar a redução da jornada para o campo da negociação direta entre trabalhadores e empresas, permitindo inclusive algum tipo de acordo que torne mais flexível, em verdade mais precário, as condições de trabalho.
Caso a PEC 231-A se manifeste contra uma redução correspondente dos salários, a pressão patronal será ainda maior, principalmente se existir um descolamento da maioria dos parlamentares dos interesses da burguesia, pressionados que podem ser pelo movimento dos trabalhadores e temendo perder eleitores ao ficarem marcados por seu voto contrário a um projeto de interesse popular. Tudo indica que a saída encontrada pelos parlamentares mais fielmente ligados aos interesses da burguesia, seja o de usar os mecanismos regimentais para adiar o debate e a própria votação do projeto, mesmo com a iniciativa de alguns parlamentares de apresentarem pedido de urgência ao presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB/SP). A pressão dos patrões sobre a sua bancada parlamentar será de não apoiar a proposta pelo suposto aumento dos custos das empresas e que estas ainda estariam sob os efeitos da crise econômica.
A posição do governo Lula também precisa ser analisada. Ao depender de um arco de alianças com partidos burgueses, especialmente o PMDB, para ter sustentação no Congresso, tudo indica que o governo Lula mostrará pouco empenho em aprovar uma medida que contraria os interesses dos capitalistas em favor dos trabalhadores. Algumas avaliações de membros do governo é que a proposta da redução da jornada deva ser refutada enquanto durar a crise. Em nossa opinião, se o governo Lula estivesse interessado de fato na redução da jornada de trabalho sem a redução dos salários, poderia usar instrumentos legais mais céleres como a edição de uma Medida Provisória (MP). Ainda que qualquer MP tenha de ser votada pelo Congresso, sua edição já abriria um debate nacional sobre o tema e favoreceria uma mobilização geral dos trabalhadores e do sindicalismo em torno da proposta.
É diante desse cenário e com as indagações aqui colocadas, que a luta dos trabalhadores pela redução da jornada de trabalho sem a redução dos salários vai se desenrolar e que tem na aprovação da PEC 231-A um novo capítulo. Um cenário marcado pela crise econômica usada como justificativa para retirar os direitos dos trabalhadores; por uma reação patronal contrária ao projeto caso ele não venha acompanhado de uma redução dos salários; por um parlamento permeável às pressões patronais e que pode empurrar o debate e a votação do projeto para um futuro incerto; e por um governo que ao optar pela governabilidade a qualquer custo no Congresso, ao acomodar os interesses das várias frações burguesas monopolistas, não demonstra muita vontade na aprovação de um projeto de interesse dos trabalhadores.
Essa situação, mesmo difícil, não deve e não pode desanimar os trabalhadores. Muitas categorias, através da sua luta, vem conquistando uma redução gradual da jornada de trabalho sem a redução dos salários. A luta seja pela PEC 231-A, ou por qualquer outro projeto que reduza a jornada sem reduzir os salários, deve ser apoiada. Porém, sua conquista, como qualquer outra, virá da luta organizada e firme dos trabalhadores e não como um acordo de cúpula ou uma concessão do capital.

Campinas, julho de 2009.

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