25/02/2009

O impacto desta recessão está em toda parte

O clima sombrio criado pela oposição antes da aprovação do pacote de US$ 787 bilhões para estimular a economia (que só teve três votos republicanos) e nos dias que antecederam a sessão conjunta de ontem no Congresso, acabou neutralizado por um discurso vigoroso. O presidente Barack Obama voltou a ser duro e franco no diagnóstico da crise mas foi confiante e frequentemente convincente ao expor os remédios.A retórica do partido de George W. Bush, indiferente ao seu legado de guerras desastrosas, divisão interna, desprestígio internacional e a crise econômica cuja extensão ainda não está suficientemente avaliada, passou a retratar uma marcha do país “para o socialismo”.
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É o que repetem Rush Limbaugh, celebridade extremista do rádio, e o império Murdoch de mídia (Fox News,"Wall Street Journal", etc).Limbaugh é o mesmo que na campanha das primárias, em programas difundidos em centenas de emissoras do país, tentara impor em diferentes estados o que chamava de “Operação Caos”, para derrotar Obama. Consumada em novembro a vitória do candidato democrata, o esforço de Limbaugh passou a ser para derrotar o pacote de recuperação econômica ou, ao menos, impedir que tivesse votos da oposição.
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Recessão real, está em toda parte
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A pretexto de que “o dinheiro é do povo e não de Washington”, ele intimidava parlamentares republicanos. E em espaço nobre dado por Murdoch na página de opinião do "Wall Street Journal", Limbaugh garantiu que recessões só duram cinco a 11 meses e em média a recuperação vem em seis anos. “Não se deve fazer nada, só esperar que terminem por si mesmas. O que pode torná-las pior é o tipo errado de intervenção do governo”.Obama rejeitou no discurso a tese de que o remédio é não fazer nada.
Às vésperas da sessão conjunta do Congresso, até o ex-presidente Bill Clinton parecia assustado e deu publicamente um conselho. Disse que o presidente devia mostrar otimismo - como Ronald Reagan. Mas ao iniciar o discurso, Obama não repetiu que “o Estado da União é forte”. Foi franco: “O estado da economia é uma preocupação que se sobrepõe a todas as outras”.
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Afirmou ainda que “o impacto desta recessão é real, está em toda parte”. E logo destacou: “Apesar de nossa economia enfraquecida e nossa confiança abalada, (...) esta noite quero que cada americano saiba disso: Vamos reconstruir e recuperar. E os Estados Unidos da América ficarão mais fortes do que antes”. Essas e outras frases soaram tão vigorosas que vieram aplausos, de pé, até do lado oposicionista do plenário.
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A hora do acerto de contas
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A mágica do discurso consistiu nisso - expor erros desastrosos, como as ações desregulamentadoras para permitir lucros fáceis ou bônus inescrupulosos para executivos, até o inevitável dia do acerto de contas. Os problemas econômicos do país, conforme deixou claro, “não começaram quando o mercado imobiliário entrou em colapso ou quando o mercado de ações afundou”.
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A oposição republicana, preocupada com os indícios de que grandes bancos que receberam o socorro do governo poderiam ser temporariamente nacionalizados, talvez tenha ficado aliviada, horas antes da sessão conjunta, com a palavra de Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, banco central americano. Ele negou que o governo pretenda nacionalizar o sistema financeiro do país (ações do Citigroup e do Bank of America subiram 20% depois da fala de Bernanke).No domingo o colunista (e prêmio Nobel de Economia) Paul Krugman, do "New York Times", citara com ironia a conclamação do antecessor de Bernanke no Fed, tratado como “camarada Alan Greenspan”, para que “tomemos as colinas de comando da economia”. Krugman concordou com ele, mas embaraçado. O que aquele defensor do “livre mercado” tinha dito, explicou, é que “pode tornar-se necessário nacionalizar temporariamente alguns bancos para facilitar uma reestruturação rápida e ordenada”.
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A dúvida sobre o futuro dos bancos
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Três observações de Krugman, ao concordar: “Primeiro, alguns dos grandes bancos estão perigosamente no limite - já teriam desmoronado se os investidores não esperassem a decisão do socorro. Segundo, os bancos têm de ser socorridos. O colapso do Lehman Brothers quase destruiu o sistema financeiro mundial e não podemos correr o risco de deixar que instituições muito maiores, como Citigroup ou Bank of America, implodam. Terceiro: embora bancos tenham de ser socorridos, o governo não pode se dar ao luxo, fiscal ou político, de dar presentes colossais aos acionistas de bancos”.Apesar de sensato, Obama ainda parece distante de algo assim - ao menos por enquanto. É que a nacionalização dos bancos tem sido enfaticamente exorcizada a cada dia pelos republicanos e o presidente continua namorando o bipartidarismo. Mas Limbaugh e a Fox News (em especial a nova atração do império Murdoch, Glen Beck) redobram as denúncias veementes contra a “marcha para o socialismo”. Mesmo dedicando a maior parte do discurso à crise da economia, Obama deixou de responder com clareza a preocupações específicas sobre seu plano de socorro ao sistema bancário do país. Limitou-se a dizer que não tem a intenção de fornecer recursos sem impor condicionamentos. Deixou as opções em aberto, mas sua equipe tem sugerido que acredita em alguma forma de nacionalização.
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(*) Como jornalista, desde a década de 1980, Argemiro Ferreira escreve para o diário Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. É autor dos livros "Informação e Dominação" (edição do Sindicato de Jornalistas do Rio de Janeiro, 1982 - esgotado), "Caça às Bruxas - Macartismo: Uma Tragédia Americana" (L&PM, Porto Alegre, 1989), "O Império Contra-Ataca - As guerras de George W. Bush antes e depois do 11 de setembro" (Paz e Terra, São Paulo, 2004). Foi colaborador de Rede Imaginária - TV e Democracia (org. por Adauto Novaes, Companhia das Letras, São Paulo, 1991), Mídia & Violência Urbana (Faperj, Rio de Janeiro, 1994).
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Fonte: Agência Carta Maior

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