23/11/2008

Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do Partido Comunista Português

Sobre o estado actual do ensino em Portugal
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Jerónimo de Sousa, numa Declaração sobre o actual estado do ensino em Portugal, afirmou que «na génese da política educativa do Governo estão dois grandes objectivos: desvalorizar a Escola Pública e elitizar o acesso a níveis superiores de conhecimento», chamando a atenção para o projecto de Resolução que o PCP entregou na Assembleia da República e que recomenda ao Governo a imediata suspensão do regime de Avaliação de desempenho.
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Estando aqui connosco professores e educadores que estiveram no grande plenário nacional e na manifestação que se seguiu e que juntou em Lisboa no passado dia 8 de Novembro 120.000 professores e educadores quero começar por, em nome do PCP e por vosso intermédio, saudar a forma responsável, determinada e consequente como os docentes têm vindo a lutar em defesa de um conjunto de direitos que sendo vossos, não deixam de ter consequências na vida das nossas crianças e jovens e do país, pelo que partilhamos a tese de que com o êxito da vossa luta ganham os professores e os educadores, mas ganham sobretudo a Escola Pública, a qualidade do nosso ensino e o desenvolvimento do País.

Não é exagero, quando afirmamos que o ensino em Portugal vive hoje uma das páginas mais negras desde o 25 de Abril de 74 e que a situação, a não ser alterada, conduzirá inevitavelmente a um retrocesso muito significativo na qualidade do ensino com consequências no funcionamento das escolas e no processo ensino/aprendizagem.Não estamos perante uma fatalidade! A profunda crise que se vive no sector da educação e do ensino, tem causas e responsáveis que estão identificados e por isso não podem deixar de ser responsabilizados, por mais que procurem passar essa responsabilidade para outros. Sendo verdade que a actual equipa do Ministério da Educação já deu provas de incompetência e incapacidade para ouvir aqueles que são os componentes fundamentais do sistema educativo, professores, educadores, estudantes, pais e outros trabalhadores da educação, ela cumpre uma estratégia muito clara que tem como principais responsáveis o Primeiro ministro e o seu governo no conjunto.

Na génese da política educativa do Governo estão dois grandes objectivos: desvalorizar a Escola Pública e elitizar o acesso a níveis superiores de conhecimento. Alguns caracterizam-na como ímpeto “reformista,” mas mais não são do que instrumentos para a concretização dos objectivos a que se propuseram chegar nesta legislatura.No essencial o que este Governo tem feito é procurar subverter o papel da Escola Pública, reduzindo-a à condição de agência de formação de mão-de-obra. O Governo vai reconfigurando o papel da Escola Pública e bem assim o do próprio Estado perante a Educação: instrumentalizando as escolas através da imposição do fim da gestão democrática; através da gradual e crescente elitização do sistema de ensino nos seus graus mais elevados, sentida muitas vezes não só entre graus de escolaridade, mas mesmo entre escolas e turmas; ou mesmo através do flagrante incumprimento do princípio constitucional da gratuitidade do ensino, como forma de garantir o acesso democrático ao conhecimento.

A entrega da Escola a interesses que orbitam exclusivamente em torno do lucro, que minimizam a importância do conhecimento e da sua democratização no desenvolvimento e progresso das sociedades, ilustra bem a forma como o actual Governo preconiza o Sistema Educativo. Nem foi criativo. Aplicou de chapa a cartilha neoliberal.O governo diz que não, que tudo isto é para defender a Escola Pública e vai justificando essa sua afirmação, com a distribuição de milhares de computadores e dezenas de quadros interactivos, por escolas completamente degradadas onde chove no inverno, onde faltam refeitórios ou onde a falta de salas de aula obriga os miúdos a passarem muitas horas dentro de contentores.

Depois de durante meses, tal como fez em relação à generalidade dos trabalhadores da Administração Pública, o Governo ter procurado denegrir a imagem dos docentes na opinião pública, procurando responsabilizá-los por tudo o que de negativo se passa no sistema educativo, indo mesmo ao ponto de acusar os docentes de não quererem trabalhar, avançou com a imposição de um conjunto de alterações ao Estatuto da Carreira Docente que estabelece o modelo da avaliação que a esmagadora maioria dos professores e educadores deste País rejeitam, com três objectivos muito claros: desvalorizar a carreira docente, impedir que dois terços dos professores cheguem ao topo da carreira e dividir a carreira em duas com o professor titular e o professor.

Sendo que a causa mais próxima do descontentamento que se vive hoje na Escola está no Modelo de Avaliação de Desempenho, o instrumento central do ataque aos professores e aos seus direitos é, de facto, este Estatuto, o que significa que enquanto se mantiver esta fractura na carreira dificilmente a serenidade voltará às escolas. Aqui o Governo aplicou claramente a tese do dividir primeiro para governar depois. Mas enganou-se nos cálculos. É evidente que foram exactamente estas medidas que uniram na acção os professores e as suas organizações representativas.Aquele que devia ser um dos mais importantes instrumentos da política educativa para o futuro, acabou por se transformar num pólo gerador de extremas conflitualidades e injustiças.

Esta insensata caminhada e a consideração de que os docentes devem ser reduzidos a uma condição de meros executores das orientações emanadas do Ministério da Educação, mesmo que essas orientações, como está acontecer actualmente, sejam impraticáveis e injustas, confirmam que este Governo não está de facto em condições de introduzir alterações positivas na realidade educativa em Portugal.

Mas se é verdade que este Estatuto tem como objectivo central a desvalorização da profissão docente e do próprio professor, ele não pode deixar de ser descontextualizado das alterações verificadas ao nível da gestão das escolas e do processo de delegação de competências que está em curso para as autarquias locais.O Governo impôs uma alteração profundamente negativa na vida das escolas, fruto da prepotência, arrogância e da recusa em ouvir o protesto dos professores e educadores, que já em 5 de Outubro de 2006 realizaram aquela que até então foi a maior manifestação de docentes realizada em Portugal.

Tal como foi denunciado há muito as consequências, que só Sócrates e a sua Ministra parecem não ver, aí estão: desestabilização das escolas; alteração do papel do professor; fadiga e desespero; clivagem nas comunidades escolares; depauperação na qualidade do sistema de ensino e secundarização do processo ensino-aprendizagem no interior das escolas, penalizando os interesses de mais de um milhão e quatrocentas mil crianças e jovens que frequentam a Escola Pública. Para o mau estar e descontentamento nas escolas, que toca hoje toda a comunidade educativa como se comprova com a luta dos estudantes e dos outros trabalhadores da educação, pode ter contribuído significativamente o Modelo de Avaliação de Desempenho que crescentemente tem vindo a merecer o chumbo de praticamente toda a comunidade educativa e da maioria dos portugueses. Modelo que na sua implementação, cedo se verificou, que para além de não ser exequível, é de nula eficácia pedagógica, que está a descentrar a actividade dos professores daquela que é a sua função principal que é ensinar e, pior, criou uma tremenda instabilidade emocional com reflexos óbvios e incontornáveis na dimensão pedagógica do ensino.Ao contrário do que afirma o Governo do PS a sua política educativa não procura centrar o processo ensino-aprendizagem no estudante, de dirigir a escola para a sua função nuclear de educar. O fim da gestão democrática nas escolas, as alterações ao Estatuto da Carreira Docente e o Modelo de Avaliação de Desempenho, são medidas que impedem os professores de centrar os seus esforços no aluno a na turma, ou seja, no ensino.

Para o PCP a avaliação de desempenho é um mecanismo necessário para a própria capacidade de aferição do sistema educativo, particularmente no que toca à detecção de insuficiências e por isso deve ser orientado pela necessidade de melhorar todo o sistema e, nunca como acontece actualmente, orientado por razões economicistas com a obsessão de limitar a progressão na carreira aos professores e educadores.

Numa fuga para a frente, perante um isolamento crescente e o aumento da contestação, o Governo recorre a todos os instrumentos que tem ao seu alcance, como são os analistas políticos ao seu serviço que ainda no último fim de semana saíram em socorro do chefe e que, sem um mínimo de decoro, recorrem à mentira, à calúnia, ao ataque pessoal, procurando fazer passar a tese de que aqueles 120 mil que estiveram na rua estão a ser manipulados.Esta é uma mentira cuja autoria é precisamente daqueles que defendem um sistema educativo com redução dos espaços de autonomia e uma maior governamentalização como acontece com o novo modelo de gestão, com docentes acríticos e dóceis na aceitação das alterações mesmo que sejam injustas. O que eles ambicionam é transformar os docentes em instrumentos de formatação das consciências juvenis num processo de reprodução das assimetrias sociais que ajudem a manter o sistema vigente.

Neste quadro não haverá outra solução que não seja o Governo suspender o Modelo de Avaliação de Desempenho e voltar à mesa das negociações, não com um qualquer conselho de “sábios”, mas com os sindicatos que representam aqueles que sabem o que é melhor para as escolas e para o efectivo sucesso escolar dos jovens portugueses.Ao contrário do que a Ministra diz, vergonha é manter um processo que estando objectivamente a prejudicar os docentes afecta em primeiro lugar as crianças e os jovens que frequentam o ensino público e suas famílias e o desenvolvimento do País. Com o sentido de responsabilidade que guia a nossa acção e com a convicção de que o melhor para o País é suspender este modelo de Avaliação de Desempenho e não encontrar formas simplificadas que não alteram a verdadeira natureza do modelo, o PCP entregou na Assembleia da República um projecto de Resolução que recomenda ao Governo a imediata suspensão do regime de Avaliação de Desempenho, sem prejuízos para os professores e que antecipe o processo de negociação com as estruturas sindicais dos professores, salvaguardando a estabilidade do ambiente escolar, a qualidade do ensino e os direitos dos professores e educadores.

A não ser assim responsabilizamos desde já o Governo e particularmente o Primeiro Ministro pelas consequências de tão irresponsável atitude. Está o Conselho de Ministros reunido extraordinariamente para discutir a questão. Veremos se depois das entradas de leão não haverá saídas de sendeiro. Errar não é crime, grave seria persistir no erro.

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