19/04/2009

Sem-Terra fazem "Abril Vermelho"

Com ocupações de fazendas e prédios estatais, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra começou o chamado "Abril Vermelho" reclamando maior rapidez na reforma agrária em curso, e em comemoração ao massacre de Eldorado dos Carajás.
-
Por Fabiana Frayssinet, do Rio de Janeiro, para a IPS.
-
A mobilização começou em Pernambuco com a ocupação, na segunda-feira, por cerca de 200 famílias de um engenho de cana-de-açúcar em São Lourenço da Mata, a 31 quilómetros de Recife. "Agora estamos acampando, mas depois vamos discutir a substituição dos canaviais por nossos cultivos", disse o coordenador do acampamento do MST, Cícero Oliveira. Segundo o MST, o engenho é parte de um complexo açucareiro da Usina Tiuma, do grupo empresarial Votorantim, cujas instalações estão desactivadas desde a década de 90 e foram sucessivamente ocupadas pelos camponeses.
Em Salvador (Bahia), mil manifestantes ocuparam a sede da Secretária da Agricultura, no que a direcção do movimento na região chamou de "Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária". Estes tradicionais protestos anuais por parte do MST, que este ano foram até ao dia 17, são chamados de "Abril Vermelho" em alusão ao mês em que ocorrem e à cor dos distintivos do movimento. Segundo Marina dos Santos, da Coordenação Nacional do MST, a mobilização busca chamar a atenção sobre a questão da reforma agrária, concentração de terras e para a política agrícola implementada pelo governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Uma política, segundo disse à IPS a líder camponesa, que "prioriza a agricultura intensiva para exportação em detrimento da produção de alimentos, do mercado interno, do desenvolvimento rural de forma sustentável para o meio ambiente e para a população do campo". Segundo o MST, a reforma agrária geraria, além de soluções especificas para o campo, benefícios em nível nacional para combater a crise económica mundial de forma "popular". Estima que criaria 10 vezes mais empregos do que o agronegócio, e com menos investimento por parte do governo.
Esses mesmo cálculos estabelecem que cada família assentada em terras antes improdutivas gerará três empregos directos a um custo inferior a 15 mil dólares. "A criação de fontes de trabalho é mais barata do que na indústria, que custa cerca de 40 mil dólares, e no comércio, em torno dos US$ 30 mil", afirma Marina dos Santos. "Isto significa investimento mais barato para gerar emprego, além de postos para terceiros e nas pequenas agroindústrias", acrescentou.
Em conferência de imprensa em São Paulo a correspondentes estrangeiros, o integrante da direcção nacional do MST João Pedro Stédile fez um balanço do processo de expropriação e entrega de terras por parte do governo. Recordou que, segundo o Plano Nacional de Reforma Agrária lançado em 2003 pelo Presidente Lula, a previsão era assentar em terras produtivas 550 mil famílias até 2007. Mas, um estudo da Universidade Estadual Paulista mostra que apenas 163 mil famílias foram assentadas, sendo cumprido, portanto, apenas 29,6% da meta. Quanto à regularização das fazendas, o objectivo era resolver a situação de 500 mil famílias ocupantes, mas apenas 113 mil receberam o título, isto é 22,6%, disse Stédile.
Além destes descumprimentos, o MST denuncia que continuam a violência e a impunidade no campo. Dados parciais da Pastoral da Terra registam 23 assassinatos em 2008, e 1.117 conflitos agrários entre 1985 e 2007, com a morte de 1.493 trabalhadores. Desse total de conflito, a Pastoral indica que apenas 85 foram julgados, com 71 condenados por assassinato. Dezenove de 49 autores intelectuais desses crimes foram sentenciados, mas nenhum está atrás das grades. O caso mais emblemático é o do massacre policial de Eldorado de Carajás, ocorrido em 17 de Abril de 1996 nessa localidade do Pará contra 19 camponeses que marchavam pacificamente por uma estrada.
Em 2002, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) estabeleceu essa data como Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, mas, passados 13 anos, conforme destacou o MST, ainda estão livres os 155 policiais envolvidos no caso. Entre os 144 incriminados, apenas dois foram condenados após três julgamentos, o coronel Mário Collares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira. Ambos esperam em liberdade o resultado do recurso de sentença pelo Superior Tribunal de Justiça.
"Após 13 anos de um massacre com repercussão internacional, o País ainda não resolveu os problemas dos pobres do campo, que continuam sendo alvo de violência por parte dos latifundiários e da impunidade", disse Marina dos Santos. Esta semana, o MST anunciou além de marchas e debates, dois acampamentos no Pará para exigir a condenação dos responsáveis pelo massacre, e apoio às famílias sobreviventes. "Estamos mobilizados para denunciar que após tanto tempo ninguém foi preso e as famílias não foram indemnizadas", explicou Ulisses Manacás, integrante da coordenação do MST, que pede novo julgamento.
Além disso, o MST exige uma reforma agrária "que acabe com a violência contra os trabalhadores rurais. Passaremos o ano mobilizando o quanto for necessário, disse Marina. Actualmente, há mais de cem mil famílias acampadas e 370 mil assentadas do MST, em 23 Estados e no Distrito Federal. Mas, segundo a organização, a concentração de terras aumentou. Em 1992, havia 19.077 latifúndios com mais de dois mil hectares, segundo o MST, que somavam 121 milhões de hectares. Em 2003, a quantidade dessas propriedades aumentou para 32 mil e a área total chega a 132 milhões de hectares.
O MST exige terras para cem mil famílias acampadas e investimentos públicos nos assentamentos como crédito para produção, habitação rural, educação e saúde. "Temos famílias acampadas há mais de cinco anos vivendo em situação bastante difícil à margem das estradas e em terras ocupadas, que são vítimas da violência do latifúndio e do agronegócio", disse Marina. Nesse sentido, as ocupações do MST buscam denunciar a existência de latifúndios que não cumprem a função social prevista no artigo 184 da Constituição, que "deveriam ser usadas para a reforma agrária". Mas os dados oficiais contrastam com os do MST. O Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) afirma que desde 2003 foram entregues terras a 520 mil famílias, o que representa 43 milhões de hectares no total.
-
Fonte: Esquerda.net

Nenhum comentário:

Postar um comentário