25/09/2010

Da Revista Resistência: À comunidade nacional e internacional, com motivo dos acontecimentos nas selvas do sul da Colômbia

O povo colombiano e o mundo observam o triunfalismo macabro e a euforia guerrerista da classe governante colombiana, feito perfeitamente refletido na imprensa amarelista do regime, que acusiosa tem desplegado edições especiais, não para lamentar a violência nem para clamar pela paz, como demandam os colombianos, mas para cantar uma falsa e vitoriosa aniquilação da Insurgência.

Porta-vezes do governo e analistas de bolso nutrem a pretensão que por meio século tem amamantado a classe latifundiária e corrompida que governa: extermirnar pela via militar a rebelião insurgente.

Longe demais, estão da realidade que representam as FARC-EP na Colômbia e, seu símbolo revolucionário de resistência, guias que hoje se manifestam mais lá da América Latina.

Sabemos que os executores da guerra do regime, nem por um minuto pensam que sua bombas de racimo podem alcançar seus soldados e policias que permanecem como nossos prisioneiros de guerra na selva. Nada lhes impede lançar seus bombardeios ferozes, incluso assassinar seus próprios homens que dignamente têm defendido suas políticas.

Essa é a personalidade violenta e excludente do regime que enfrentamos e, que pese às dificuldades que oferece a confrontação, seguiremos enfrentando, enquanto tenhamos, como até hoje, o respaldo popular do povo humilde e preterido que engrandece a resistência guerrilheira. Esse é o secreto que nos projeta rumo ao futuro, tanto nas selvas quanto nas cidades da Colômbia

Enquanto haja injustiça, deslocados pela violência do regime, concentração da terra e da riqueza em poucas mãos, bandos de narcotraficantes e paramilitares co-governando, impunidade, corrupção, pobreza extrema, ausência de garantias para participar politicamente pela via pacífica e democrática e, enquanto haja perda de soberania e saqueio de nossos recursos naturais, aí seguirão aparecendo sem cessar os viveiros genuinos para a existência das FARC-EP.

Porém, continuamos reclamando uma oportunidade para a paz, não para a rendição como obstinada e estupidamente o pensa o regime. Aquilo que reclamamos já foi comunicado com absoluta clareza pelo nosso Comandante Alfonso Cano: O único caminho é a solução política e pacífica para o conflito social e armado interno e, nela somos e seremos fator determinante, as demais estrategias só contribuem a prolongar o espiral da guerra.

Por fim, queremos reafirmar que não nos alegra a morte de nosso adversário. Jamais a nossa Revista nem a emissora Resistência, órgãos informativos das FARC-EP têm comemorado morte alguma.

Pelo contrario, assumimos com disciplina o pensamento fariano e, os linhamentos do Estado Maior e de seu Secretariado, que claramente y desde sempre têm lamentado a violência e, defendido e proposto o diálogo e a paz. Por acaso não foi essa a aspiração da exterminada União Patriótica? E não são os mesmo linhamentos democráticos, pluralistas e pacifistas do Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia?

Convocamos tanto a comunidade nacional quanto a internacional, a que não se deixem enganar pelos cantos de sereia que têm proclamado o presidente J.M. Santos desde Nova Iork e seus esbirros desde os periódicos e microfones da Colômbia.

Não é pela via do extermínio do contrário que Colômbia encontrará a paz e a reconciliação. Em seu momento o Secretariado comunicará a realidade do acontecido nas selvas do sul da Colômbia. Por isso, nada acrescentamos sobre esses acontecimentos, neste momento. Entretanto, nos cobre a honra e a glória de seguir lutando e resistindo até alcançar uma Nova Colômbia, em paz com justiça social e democracia.

Revista Resistência, edição nacional, setembro 24 de 2010

24/09/2010

¿Qué pasa en Cuba?

Por Elaine Tavares - Florianopolis, jornalista da UFSC
22 de setembro de 2020

Cuba é mesmo uma gigantesca pedra no sapato do sistema capitalista. Tanto que qualquer coisa que por lá acontece, vira logo manchete da CNN, braço propagandístico do governo estadunidense. Agora, a bola da vez são as demissões que foram anunciadas por Raul Castro. Histericamente, as jornalistas bem apessoadas da Venus de Atlanta, falam em derrocada do sistema cubano. É o fim do socialismo, guincham, aliviadas. É, porque o tal do regime cubano é uma excrescência que sobrevive há mais de 50 anos a todos os ataques do sistema capitalista e do governo mais armado do mundo. Não é sem razão que os suspiros aliviados sejam uma constante na mídia mundial, que reproduz acriticamente as histerias “ceeneanas”. Mas, para quem consegue enxergar além da ideologia, a questão cubana pode ser explicada de forma menos simplista.
Em primeiro lugar, como bem lembra o professor Nildo Ouriques, do IELA, em entrevista à CNN, Cuba nunca foi um país congelado. A cada aperto da conjuntura o país se analisa e inventa saídas econômicas e políticas para suas crises. Foi assim quando ruiu o sistema soviético. Todo mundo capitalista apostava na derrocada das conquistas da revolução. Não haveria saída para Cuba. Mas, num esforço descomunal a ilha se refez e seguiu em frente. Naqueles dias, a abertura para o turismo acabou sendo uma resposta eficaz para garantir ingressos ao país. Muitas foram as críticas e boa parte do mundo apostava que esta abertura iria levar o país para a órbita do sistema capitalista. É certo que vieram muitos problemas com esta medida, mas as conquistas básicas da revolução seguiram existindo. Saúde, educação, cultura, moradia, comida e, fundamentalmente, soberania nacional. Depois, com a doença de Fidel, nova gritaria geral. “Agora acabou”, vaticinavam as harpias (aves de rapina das mais ferozes).
Hoje Cuba enfrenta novos problemas conjunturais. Há uma grande parcela da população que não viveu a revolução e que, de certa forma, vive apática diante das conquistas. Isso é um problema e tanto para o governo. Há que imprimir horizontes na rota da juventude. Além disso, há um crescimento e congelamento da burocracia estatal, o que dá mais imobilidade o sistema. Um pouco é isso que Raul Castro quer desfazer com essa proposta de demissão de 12% dos funcionários públicos. Segundo o presidente cubano, essas demissões não afetarão os serviços estratégicos que se configuram as conquistas da revolução. Existem critérios muito claros para as demissões e elas serão feitas em setores onde a máquina está definitivamente inchada e inerte.
A proposta do governo é permitir e incentivar que os trabalhadores cubanos possam investir em outros tipos de negócios que vão desde propostas de trabalho privado a cooperativas. No geral, os cubanos estão gostando desta iniciativa, uma vez que sempre houve reclamações com relação aos salários, considerados baixos, apesar de todos terem garantidos os serviços de educação, saúde e moradia. “Eu estive em Cuba há pouco tempo e pude ver e ouvir das pessoas o apoio a estas medidas. Há uma discussão pesada sobre a questão moral que é central neste momento: há gente roubando do estado e isso não pode acontecer. Porque roubar o estado é roubar toda a gente. E também há um desejo das pessoas por mudanças na economia. A maioria apóia essa proposta de se criar pequenos negócios”, diz Nildo Ouriques, professor e economista.
Agora, o governo quer descongelar a máquina estatal e isso também é saudado por uma parcela do povo que sempre se ressentiu dos burocratas encravados na máquina governamental. Os trabalhadores, há tempos, buscavam abertura no governo para trabalharem fora do Estado e isso aparece agora como uma boa oportunidade. E, na verdade, já se formava em Cuba uma espécie de mundo paralelo, no qual os trabalhadores usavam seu tempo vago para arranjar alguma coisa “por fora”. E esse “por fora”, além de envolver trabalho privado, também funcionava como um mercado igualmente paralelo, formado por coisas roubadas do estado, como já relatou e analisou em seus textos semanais o próprio Fidel Castro. Esse trabalho ilegal agora não mais o será. Assim como tende a desaparecer o mercado paralelo. Pelo menos é o que pretende o governo com essas medidas.
Por outro lado, na camada de trabalhadores que sempre esteve nos quadros do Estado, há um grande medo com relação ao futuro. Muitos deles não saberiam o que fazer longe da máquina estatal. Mas, o próprio governo cubano já deixou claro que vai ajudar aos trabalhadores a encontrarem um caminho nesta nova conjuntura, inclusive garantindo o crédito. A maioria, que segue acreditando no processo revolucionário, sabe que muito do que hoje têm de conquistas devem à revolução e estes seguirão fazendo aquilo que é melhor para Cuba. Raul Castro tem dito que o regime cubano haverá de encontrar os caminhos para resolver seus problemas como sempre fez. Mais de 100 novas atividades, antes só permitidas no âmbito estatal, poderão ser realizadas por pessoas fora da máquina. Será necessário criar toda uma nova infraestrutura para esta gente, mas o grupo governante acredita que, coletivamente, o povo cubano pode encontrar as respostas.
A Central de Trabalhadores Cubanos fez um pronunciamento a todos os cubanos onde conclama para a unidade e para manter em marcha os ideais da revolução: “A unidade dos trabalhadores cubanos e de nosso povo tem sido chave para materializar a gigantesca obra edificada pela Revolução e, nas transformações que agora empreendemos, ela continuará sendo nossa mais importante arma estratégica”. Segundo a CTC, o Estado não pode mais continuar com o mesmo modelo de empresas ineficazes, com quadros inflados. Assim, respalda a proposta governamental de ampliar e diversificar as opções que resultam em novas formas de relação trabalhista. A Central acredita que tudo isso vai ser bom para Cuba e para os cubanos.
Fidel Castro sempre disse e continua afirmando isso: as saídas encontradas por Cuba ao longo destes anos todos são as saídas cubanas. Não adianta a esquerda mundial se escabelar querendo que a ilha permaneça imutável diante das mudanças do mundo. São os cubanos que sabem de seus problemas e são eles os que encontrarão as formas de superá-los. Como lembra Raul, Cuba está frequentemente mudando para tentar seguir sempre a mesma: aquela que garante ao seu povo as conquistas da revolução.
Analistas do mau agouro insistem em dizer que o regime faliu, que está se entregando ao capitalismo, que o povo cubano não quer mais viver à margem do sistema capitalista, que as gentes querem poder comprar coisas bonitas e viverem em liberdade. Mas, para os dirigentes cubanos há uma grande distância entre o sistema privado capitalista (no qual um empresário é dono da força de trabalho e da mais-valia de milhares) e o chamado “trabalho por conta própria”, o que está sendo agora incentivado. Este é o pequeno negócio, em nada parecido ao sistema de exploração capitalista. Nos seus discursos e nas conversas com a população Raul Castro tem dito que o estado cubano precisa melhorar sua produtividade, inclusive, para seguir garantindo os serviços públicos de qualidade ao povo. Nas vozes que se podem escutar em outras fontes que não as da CNN há uma boa expectativa. Os trabalhadores sabem que o número soa alto demais quando se fala em 500 mil despedidos, mas por outro lado, dizem que boa parte destes trabalhadores já tinha trabalhos paralelos. O governo cubano vai amparar quem tiver dificuldade. Assim diz Raul, em diversos comunicados divulgados pela televisão, pelos jornais e pelo rádio.
As mudanças em Cuba apontam para cenários múltiplos, é certo. Pode acabar o socialismo, pode crescer a iniciativa privada, pode mudar a mentalidade do povo, pode crescer a idéia do consumo, podem ruir as conquistas da revolução, pode fortalecer ainda mais o sistema, pode avançar no socialismo. Sim, tudo está aberto. Na verdade, sempre foi assim. O horizonte, desde a heróica conquista em janeiro de 1959, tem se apresentado como um quadro a ser pintado, permanentemente, porque a revolução não é uma coisa cristalizada. Ela é um processo. Para os velhos militantes, a esperança é que estes 50 anos de educação, cultura e luta pela soberania nacional façam valer o que já foi conquistado. Eles fazem questão de lembrar que nestes mais de 50 anos houve um bloqueio feroz e, por vezes, desumano, contra o país e contra o povo cubano. E Cuba sempre conseguiu se reinventar. Agora, a ilha passa por nova onda de mudanças. Haverá de encontrar seus caminhos. A diferença, crêem, é que o governo e o povo fazem isso juntos e de forma soberana.
Enfim, Cuba segue seu caminho, com todas as suas limitações, seus erros, mas também seus acertos. O povo cubano responderá à história.

23/09/2010

O Legado que mantém Florestan Fernandes vivo

Há quinze anos, a morte tirou Florestan do nosso convívio. Já faz tanto tempo, e Florestan continua fazendo tanta falta, com sua lucidez, sua coragem, sua inteligência e sua integridade, buscando sempre encontrar a raiz dos grandes problemas postos no seu tempo, tentando problematizá-los de maneira mais consistente tanto teórica quanto politicamente, apontando assim novos caminhos para enfrentá-los, tendo sempre como norte as possibilidades da construção de uma sociedade nova, socialista. Florestan fala de “utopias igualitárias e libertárias, de fraternidade e felicidade entre os seres humanos”.
Guardamos dele sua lembrança e seu exemplo. Acima de tudo, porém, podemos mantê-lo presente (a nós e, principalmente, às nossas lutas) por meio do legado que nos deixou com os seus escritos. Aí suas idéias, suas formulações e seus embates – teóricos e políticos – continuam vivos, atuais, presentes, motivadores. Aí podemos continuar a falar de Florestan no tempo presente, e assim recolher seu ensinamento para enriquecer o pensamento e para clarificar o encaminhamento das lutas que o presente requer.
Florestan Fernandes construiu uma obra que o transcende como pessoa e que contém contribuições teóricas e metodológicas de grande relevância para as Ciências Sociais. Sua obra não faz dele apenas um grande sociólogo no Brasil, mas o inscreve entre os grandes sociólogos das Ciências Sociais em nível internacional.
Transformou em profundidade o padrão do trabalho científico da Sociologia no Brasil, configurando o que para ele constituía a Sociologia crítica. De acordo com Florestan, a produção desta Sociologia resulta da conjugação de dois esforços simultâneos. Por um lado, requer trabalho rigoroso e metódico de pesquisa balizada por padrões propriamente científicos. Por outro lado, ciente de que a neutralidade científica é um mito, requer que o próprio trabalho científico assuma compromisso ético e político com a transformação social em favor dos oprimidos e humilhados. Assim, para Florestan Fernandes, a Sociologia crítica é ciência que, no movimento mesmo de fazer-se como ciência, é engajada.
A obra de Florestan Fernandes é vasta e complexa. Há, porém, uma linha de investigação, que atravessa toda a sua produção madura, que confere conteúdo histórico, sociológico e político à ótica dos dominados e à perspectiva de transformação social, das quais Florestan jamais se afastou. É a investigação que o leva à formulação do seu conceito de capitalismo dependente como uma forma específica do desenvolvimento capitalista. Este conceito e sua teorização constituem uma contribuição teórica e metodológica importantíssima de Florestan Fernandes para a teoria do desenvolvimento capitalista. E abriga conseqüências políticas da maior relevância. Levá-las em consideração pode afetar significativamente o posicionamento quanto a políticas voltadas para a transformação social mais efetiva e mais profunda. Trata-se, portanto, de questões que permanecem importantes no cenário político.
O grande problema posto era o chamado “desenvolvimento”. Era apresentado como um problema econômico a demandar equacionamento político. Tal como estava posto, esse problema continha também um quadro supostamente teórico, a oferecer sentido às políticas supostamente necessárias para “resolver” o problema que desse modo era proposto: as chamadas “teorias” da modernização ou do desenvolvimento.
À época, essas “teorias” eram bastante discutidas e criticadas no âmbito acadêmico, mas Florestan foi dos primeiros a questioná-las mais a fundo, em pesquisa que o levou a teorizar o capitalismo dependente. Ao tempo em que Florestan finalizava a sua concepção do capitalismo dependente como um conceito, e logo depois que ele tornou pública a sua formulação, a chamada “escola da dependência” ensaiava seus primeiros passos, mas estancava a meio caminho entre as “teorias” do desenvolvimento/ modernização e a teorização de Florestan sobre o capitalismo dependente. Na verdade, os dependentistas se aproximavam de uma parte das descobertas/construções teóricas e metodológicas de Florestan, mas as despiam de alguns de seus atributos essenciais, exatamente aqueles que colocavam em questão o desenvolvimento desigual e combinado da expansão do capitalismo naquele momento.
Para teorizar o capitalismo dependente, Florestan se opõe às noções de desenvolvimento e de subdesenvolvimento oriundas das concepções evolucionistas e deterministas das chamadas “teorias” da modernização. Nega essas duas noções e, para analisar, compreender e ser capaz de explicar a condição da nossa sociedade (e das sociedades que Florestan identificava na sua teorização como sendo do mesmo tipo que a nossa), recorre às formulações sobre o imperialismo.
Ao entender o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo da perspectiva dos povos e das regiões que a expansão capitalista mundial incorpora, Florestan consegue dar conta de que esse processo mesmo de incorporação implica necessariamente submeter esses povos e essas regiões, sob formas historicamente diferenciadas, aos desígnios e aos interesses maiores do capital que deste modo se realiza e se amplia.
A compreensão do capitalismo dependente como especificidade da expansão do capitalismo em sua fase monopolista permite entender que o “desenvolvimento” que essa expansão propõe para as regiões para as quais se dirige é desenvolvimento desse capitalismo monopolista e que significa incorporar essas regiões submetendo-as. Esta concepção do capitalismo dependente em Florestan Fernandes contém ainda dois desdobramentos muito importantes. Primeiro, que os setores dominantes locais das regiões tornadas capitalistas dependentes têm participação ativa e decisiva para a concretização da política que visa aquele “desenvolvimento”. Para Florestan, eles são parceiros, menores e subordinados, mas parceiros, do grande capital em expansão pelo mundo. São intermediários, mas enquanto intermediários são imprescindíveis, e contam com um retorno para si dos ganhos desse modo obtidos pelo capital em expansão. Esta lógica implica uma super-exploração dos trabalhadores e da massa da população das regiões capitalistas dependentes.
Segundo, que a democracia possível sob o capitalismo dependente é sempre uma democracia restrita, a tal ponto que é mais correto designá-la como uma autocracia, na qual a grande maioria do povo fica excluída dos direitos, direitos que supostamente uma democracia deveria estender a todos os cidadãos. Desse modo, a super-exploração implica também como conseqüência uma super-dominação do conjunto dos setores subalternizados da população nessas regiões.
Algumas vezes se tenta separar o Florestan Fernandes cientista e o Florestan Fernandes político. É preciso considerar, porém, que a descoberta da verdade da dominação, da submissão, da subalternização ou da exploração, é, como tal, profundamente questionadora da realidade social estruturada sobre esses processos de dominação, de submissão, de subalternização ou de exploração. De tal modo que a exposição desses processos é em si mesma profundamente política, e tanto mais eficaz na crítica que contém quanto mais clara e sistematicamente fundamentada.
Estas são análises estruturais, nas quais, no entanto, é possível encontrar a profundidade das raízes das tendências e dos comportamentos políticos das classes dominantes das regiões capitalistas dependentes. Florestan, no entanto, está sempre atento também às conjunturas e sabe perfeitamente que para ser concreta uma análise precisa conjugar os determinantes estruturais com os condicionantes conjunturais. Era desse modo que ele procurava trabalhar.
Esse tipo de pesquisa científica, abrangente e crítica, bem como o magistério que o acompanhava de perto, onde mais poderiam ser realizados a não ser na universidade pública? Em 25 de abril de 1969, com base no Ato Institucional nº 5, a ditadura imposta no Brasil pelo golpe civil-militar de 1964 excluiu Florestan Fernandes do serviço público em todo o território nacional. Cortava assim irremediavelmente a continuidade de pesquisa científica importante, conduzida por ele e por seus assistentes e colaboradores mais próximos, pesquisa que era resultado de trabalho longamente acumulado em instituição acadêmica superior que, enquanto instituição pública de ensino superior, se supunha resguardada em sua autonomia pedagógica, didática e de pesquisa. Mas tal suposição o arbítrio da ditadura revelou ser equivocada.
Com essa exclusão, Florestan perdeu o locus próprio para exercer o seu ofício como cientista. Precisou redimensionar suas atividades. Continuou suas pesquisas, mas desde então sem a interlocução permanente e sistemática de seus colegas e colaboradores e de seus estudantes, e sem apoio institucional, portanto de forma mais dispersa e descontinuada. Mesmo assim, retomou o seu trabalho individualmente, seguiu pesquisando e publicando os resultados de seus estudos, produzindo análises sempre lúcidas, perspicazes e iluminadoras.
Um dos traços marcantes da vida e da trajetória de Florestan foi sempre a defesa da educação pública, gratuita, laica, de qualidade, para todos. Na primeira Campanha em Defesa da Escola Pública, Florestan foi muito atuante e combativo e sua liderança foi reconhecida como fator importante da ampliação e da consistência da Campanha. Mas não apenas em momentos de grande mobilização como aquele, Florestan Fernandes esteve sempre presente com seu apoio claro, público e firme a todas as reivindicações e lutas dos movimentos dos professores, dos educadores e dos estudantes, de todos os níveis, em defesa da educação pública e gratuita, da elevação da sua qualidade e da sua democratização.
Como Deputado Federal Constituinte, Florestan foi o interlocutor privilegiado que o Forum Nacional em Defesa do Ensino Público e Gratuito na Constituinte teve na Subcomissão e na Comissão de Educação do Congresso Constituinte. Sua atuação para a melhor acolhida às propostas do Fórum foi importantíssima. Mas Florestan dialogava diretamente com o Forum e com os movimentos que o constituíam e chegava mesmo a ajudar, com sua análise sempre atenta e perspicaz, a nossa gestão das dificuldades criadas pelos inevitáveis atritos iniciais e conflitos eventuais entre os encaminhamentos de tantos movimentos de setores diferenciados no interior do Forum. Sem o Deputado Federal Constituinte Florestan Fernandes as lutas pela defesa da educação pública na Constituinte certamente teriam sido ainda muito mais difíceis do que foram.
A educação foi sempre um tema muito caro a Florestan, tema sobre o qual ele elaborou uma extensa e fecunda produção. Se há um fundo comum a essa produção, ele se forma em torno da educação pública gratuita de alta qualidade e altamente democratizada. Afinal, a escola pública e as bibliotecas públicas foram fundamentais para a vida de Florestan, aquele jovem de origem lumpen que se viu obrigado pelas necessidades de sobrevivência a trabalhar desde os seis anos de idade e que vislumbrou na educação a perspectiva de, por meio de seu próprio esforço, determinação e disciplina, poder transformar a sua condição social para, como ele dizia, “tornar-se gente” e ser reconhecido “como gente”. Leitor voraz, com sua inteligência e sua aplicação permanente à busca de saber, Florestan perseguiu, com determinação obstinada os seus objetivos através da educação e a partir do campo da educação tornou-se Florestan Fernandes, reconhecido nacional e internacionalmente como grande cientista, como grande professor e como destacado intelectual defensor das grandes causas dos dominados e subalternizados, dos oprimidos e humilhados.
* Miriam Limoeiro Cardoso é professora aposentada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

22/09/2010

Os novos rumos da Revolução Cubana

Professor de comunicação cubano José Ramón Vidal analisa as mudanças econômicas que o governo planeja

As medidas econômicas anunciadas recentemente em Cuba não significarão o fim do socialismo, garante, em entrevista por correio eletrônico, o cubano José Ramón Vidal, professor de comunicação e coordenador do Programa de Comunicação Popular do Centro Martin Luther King (CMLK), em Havana, capital do país.

No dia 13, um comunicado da Central de Trabalhadores de Cuba (CTC) revelou que o governo cubano planeja demitir, até o primeiro trimestre de 2011, meio milhão de trabalhadores estatais e incentivar as pequenas iniciativas privadas, como trabalhos autônomos, empresas familiares e cooperativas. O objetivo seria a melhoria da eficiência da economia cubana, que vem se deteriorando fortemente nos últimos anos, depois de uma franca recuperação pós-Período Especial, como é chamada a época que se seguiu à queda da União Soviética.

Boa parte da imprensa internacional, assim como brasileira, anunciou, como consequência de tais medidas, o início do fim do socialismo na ilha caribenha, mas, para Vidal, elas “não apenas são compatíveis com um projeto socialista como também são indispensáveis para se alcançar sua sustentabilidade nas atuais circunstâncias”, pois o Estado, segundo ele, manterá a propriedade sobre os meios de produção e distribuição fundamentais.

Vidal alerta, no entanto, que tais transformações só fortalecerão o socialismo na ilha se forem aplicadas por meio do protagonismo popular. “Se as fizerem [as mudanças econômicas] a partir de posições tecnocráticas, sem um consenso real que leve em conta, o máximo possível, os interesses legítimos dos diversos atores sociais, podem ser letais para o projeto socialista”, afirma.

Brasil de Fato – O que o governo cubano busca com as medidas econômicas anunciadas recentemente?

José Ramón Vidal – As modificações do modelo econômico centram-se, até o momento, na redução ou eliminação de gratuidades e subsídios, redução de pessoal (planeja-se que, para o primeiro trimestre de 2011, se conclua uma primeira fase desse processo, com uma diminuição de meio milhão de vagas de trabalho), ampliação do mercado interno (ofertas turísticas nacionais, venda de eletrodomésticos e serviços de telefonia celular etc.), ampliação do trabalho autônomo e o arrendamento de terras e de pequenos estabelecimentos a seus trabalhadores, tais como barbearias e cabeleireiros, serviços de táxi, entre outros. Tudo dirigido a tornar a economia mais eficiente e a resgatar a necessidade do trabalho como meio de vida, assuntos vitais para a sustentabilidade do país. Essas medidas, além disso, liberam o Estado da administração de pequenos negócios, algo que, desde há muito tempo, havia se identificado como uma hipertrofia do modelo socialista.

As mudanças do modelo econômico se dão em meio a uma situação muito complexa, na qual combinam-se a deterioração consolidada dos indicadores de eficiência econômica, que repercute em menor produção e produtividade, tanto na indústria como na agricultura, e expressões muito extensas de corrupção e ilegalidades. Somam-se ainda, a esses elementos, os impactos externos (queda dos preços do níquel e dos ingressos provenientes do turismo, principalmente) – que repercutem em uma diminuição sensível do crescimento do PIB (até 1,4% em 2009 e estimados 1,9% para 2010, segundo cálculos oficiais) – e a emergência de uma crise financeira do sistema bancário nacional. Não podem ficar fora dessa análise os impactos negativos que o bloqueio dos EUA e os efeitos devastadores dos furacões de 2008 provocam sobre toda a atividade econômica e financeira. Em outras palavras, as medidas em curso ou anunciadas tendem a enfrentar essas complexa situação.

Pode-se dizer que essa é a mudança econômica mais radical em Cuba desde a implementação do socialismo no país? Implementa-se, de fato, um novo modelo econômico?

Na minha opinião, são mudanças importantes com repercussões econômicas e sociais, mas não devem ser magnificadas. O Estado manterá a propriedade sobre os meios de produção e distribuição fundamentais. Haverá novos e renovados atores econômicos (mais cooperativas, mais trabalhadores autônomos e pequenos negócios familiares, arrendamentos de estabelecimentos pequenos ao coletivo de trabalhadores), uma utilização muito mais protagônica do sistema tributário, da política monetária, e um maior apego ao realismo de que ninguém, nem pessoa, família ou país, pode gastar mais do que produz. Mas acredito que tudo isso não apenas é compatível com um projeto socialista como também é indispensável para se alcançar sua sustentabilidade nas atuais circunstâncias.

O tema medular radica em como serão aplicadas essas transformações. Se as fizerem a partir de posições tecnocráticas, sem um consenso real que leve em conta, o máximo possível, os interesses legítimos dos diversos atores sociais, podem ser letais para o projeto socialista. Mas, se forem orientadas para favorecer a uma maior socialização do poder, uma maior participação real dos trabalhadores na condução de seus empreendimentos e centros trabalhistas e, em geral, se fortalecerem os mecanismos de poder popular e não deixarem abandonados à sorte nenhuma família que, justificadamente, não puder garantir seu sustento por meio do trabalho, como se proclamou, então, o projeto socialista se fortalecerá e se fará realmente sustentável.

Sabe-se que a economia cubana sempre dependeu muito da contribuição de outros países. Com a adoção das novas medidas, você acredita que se abre a perspectiva para uma base produtiva mais forte e dinâmica, que diminua essa dependência da ajuda econômica externa?

Claro que uma melhora da produtividade do trabalho, e, em geral, dos indicadores de eficiência econômica, torna o país muito mais forte e o põe em melhores condições para participar dos processos integradores em curso em nossa região. Cuba tem um potencial enorme em seus recursos humanos altamente qualificados. Sua utilização de maneira mais eficiente beneficiará não apenas nosso povo como também aqueles que têm recebido nosso apoio.

Como o povo cubano vem reagindo ao anúncio de mudanças? Como foi o processo de elaboração e discussão delas? Houve um processo de consultas aos trabalhadores?
Obviamente, muitas pessoas se preocupam com seu futuro imediato. Elas se perguntam: “Estarei entre esse meio milhão de pessoas que será demitido?” É um processo difícil que, de imediato, trará a muitas famílias tensões que não podem ser minimizadas. Atualmente, discute-se nos centros de trabalho um comunicado da Central de Trabalhadores de Cuba que anuncia e explica a medida de redução de vagas que está para começar. Reitera-se que será um processo transparente com a plena participação do sindicato e que os critérios de idoneidade serão os que guiarão as decisões. Esta é a medida mais complexa de se aplicar. Um assunto que gera preocupação é se, durante o ano de 2011, poderão ser criados empregos suficientes para compensar significativamente os cortes que serão feitos no primeiro trimestre. Espera-se que uma parte dos demitidos se auto-empreguem, pela via do trabalho autônomo, e que alguns setores econômicos com déficits de trabalhadores – como a agricultura e a construção – sejam também um alívio à situação de desemprego criada. As transformações restantes encontrarão menos dificuldade para alcançar consenso e, mais ainda, despertar esperanças de melhora da vida cotidiana.

As mudanças anunciadas preveem a autorização para que os microempresários ou trabalhadores autônomos contratem força de trabalho. Como garantir que não ocorra exploração e que não se aumente a desigualdade social?

Em todo esse período que chamamos “especial”, desencadeado pelo colapso da União Soviética e do socialismo europeu, os índices de desigualdade em Cuba cresceram. O fato de que muitas pessoas tenham, legal ou ilegalmente, ingressos não provenientes do trabalho provoca essas desigualdades. A nós, em Cuba, isso, com toda razão, é indesejável, mas tais índices estão muito longe dos níveis de desigualdade do resto do continente americano. As novas medidas tendem a regularizar fatos que já ocorrem na prática e, nesse sentido, a própria legalização é uma medida de proteção. O empregador terá que pagar um imposto para a seguridade social de seu empregado. Será preciso, além disso, imaginar outras formas de proteção, para que os direitos desses trabalhadores sejam respeitados. Pessoalmente, penso que os sindicatos poderiam desempenhar um papel nisso.


Entrevista divulgada pelo jornal Brasil de Fato

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21/09/2010

Polícia Civil do Rio invade campus da UFRJ

Moção de Repúdio aprovada pela Congregação da ESS/UFRJ
A Congregação da Escola de Serviço Social da UFRJ, instância máxima de deliberação da Unidade, vem a público manifestar seu mais profundo repúdio à inaceitável invasão da Policia Civil ocorrida no último dia 13 de Setembro nas dependências da ESS. Nesse dia, a ESS foi invadida por cerca de sete policiais civis armados em três viaturas, acompanhados da Delegada Chefe da 155º. DP sob a alegação de crime contra os direitos autorais. A batida policial fora motivada por uma denúncia do chamado Disque-denúncia e não havia nenhum procedimento que justificasse tal investida: não havia intimação em nome de qualquer pessoa e nem tampouco se tratava de mandado policial. Entretanto, a Delegada se reportou à Direção da ESS ameaçando arrombar a porta da Xerox e prender o operador das máquinas copiadoras. Ademais, insultaram e provocaram funcionários da ESS, alunos e professores. Não fosse a atuação da Direção e dos docentes presentes o desfecho poderia ser pior, uma vez que conseguimos com muito custo convencer a Delegada da gravidade e das consequencias que decorreriam da prisão do operador da Xerox, trabalhador de mais de uma década na ESS, muito querido por todos e recentemente homenageado pelos estudantes numa cerimônia de formatura.
Se tal prisão foi evitada, não conseguimos evitar outro fato grave: a apreensão de TODO o material (pastas, textos, documentos acadêmicos da unidade, livros) dos docentes organizados na sala da Xerox. O resultado foi o seguinte: a ESS foi invadida por policiais que não portavam, além das armas e da truculência, nenhum procedimento formal que caracterizasse busca e apreensão, configurando-se numa operação completamente irregular; os docentes, discentes e funcionários foram ameaçados por diversas vezes; todo o material didático foi apreendido; e o trabalhador da Xerox foi levado para delegacia, interrogado e indiciado.
De uma só vez foram violadas duas clausulas pétreas consagradas na Constituição Federal brasileira: a Autonomia Universitária, garantida no artigo 207 que assegura a universidade a independência da criação e difusão do conhecimento científico face a eventuais ingerências estatais e interesses do mercado; e, sobretudo, a educação (o conhecimento e a cultura) como um direito, normatizado pelo artigo 206 que afiança um ensino ministrado com base na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
Em nome de uma lei que supostamente defende os direitos autorais interdita-se o essencial: o amplo acesso ao conhecimento e o próprio direito à educação como bem público e inalienável, dever do Estado.
É público e notório o fato de que o acesso ao ensino superior não é universal e alcança uma parcela ínfima da juventude brasileira que potencialmente deveria ter seu ingresso assegurado nas instituições públicas do sistema federal de ensino superior. Neste sistema mesmo, apenas, cerca de 4% consegue ultrapassar o filtro dos processos seletivos, comumente denominados de vestibular. No entanto, mesmo entre aqueles que passam pelo funil meritocrático do vestibular, uma parcela significativa dos estudantes, evidentemente que aqueles oriundos das camadas mais populares da população trabalhadora, vivencia enormes dificuldades de custear sua própria permanência na universidade, o que envolve alimentação, transporte, moradia e material didático.
No âmbito da universidade brasileira, e isso envolve tanto as instituições públicas quanto as privadas, é comum e corriqueiro a utilização de máquinas copiadoras para garantir o acesso dos estudantes e professores à leitura. Sem entrar no mérito da lei (Lei no. 9610 de 19/02/1998), que, aliás, é evasiva quando diz que apenas “pequenos trechos” podem ser reproduzidos (o que no mínimo levanta a indagação do que se pode considerar por “pequenos trechos”). Praticamente todas as instituições de ensino superior conseguem garantir sua atividade fim – o ensino – por meio da disponibilização de materiais didáticos a permissionários que utilizam-se do espaço da universidade para reproduzirem justamente os textos providenciados pelos docentes. Mais ainda: praticamente todas as unidades acadêmicas das instituições de ensino superior estabelecem esse procedimento como forma de viabilizar o essencial: o acesso à leitura de estudantes e professores, o que torna a prática um costume que atende a interesses coletivos que conflitam com a referida lei dos direitos autorais.
A bem dizer, a defesa dos direitos autorais é de interesse de todos nós, uma vez que somos – como integrantes da universidade pública brasileira – aqueles que mais produzimos ciência, pesquisa e conhecimento no Brasil, compondo um percentual que gira em torno de 90% de toda a produção nacional. No entanto, quem está a frente da defesa legalista dos direitos autorais não são efetivamente os produtores do conhecimento (os autores) que, vale lembrar, percebem ganhos que oscilam em torno de 7% sobre os valores comerciais das obras estabelecidos pelas grandes editoras. E são elas que efetivamente atuam, com o braço das polícias, na defesa da lei. Em suma, a lei defende, prioritariamente os interesses das maiores editoras do país e, em face dos interesses coletivos maiores do acesso à cultura e ao conhecimento, demonstra seu caráter ilegítimo. Ou seja, é legal, mas não é legitimo. Conflita-se, nesse caso, o direito estabelecido e o que é justo. E, diante de tal contradição, que se defenda a justiça.
É importante destacar ainda que a política deliberada de batidas policiais e, portanto, de criminalização das atividades de xerox pelos campi de todo o país tem interesses mercantis vis. As próprias grandes editoras querem através da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), deter o monopólio da comercialização das reproduções fotocopiadas. Criaram para isso uma ferramenta na internet que permite as maiores editoras do país explorar uma grande demanda do mercado: a compra do livro fracionado, isto é, a compra apenas de capítulos de livros. O aluno, seleciona pelo site o texto das editoras cadastradas nos sistema e mediante pagamento o imprime nas lojas de xerox autorizadas pela ABDR. Tal estratégia que eleva em 20% o preço cobrado pelas copiadoras de xerox, já que inclui o repasse dos direitos autorais, é fonte de lucro certo para as grandes editoras e se põe como meio de reversão do prejuízo de milhões de reais estimados pela ABDR, num contexto de crescimento estupendo de matrículas no ensino superior brasileiro e de queda da venda de livros universitários.
Entendemos que a Universidade é o lugar do exercício pleno do pensamento. Por isso, deve ser o espaço no qual circulam idéias que quando são publicadas devem ser o mais amplamente acessadas, ou seja, democratizadas. Desse modo, a Universidade deve em primeiro lugar assegurar esse acesso a docentes e discentes. Deve também repudiar veementemente todo tipo de incursão policial, incluindo as que querem cercear a viabilização de sua atividade fim, o ensino, a pesquisa e a extensão, que passa pela leitura de textos publicados que são comercializados por preços impraticáveis para a maioria da comunidade acadêmica.
Assim, mais uma vez repudiamos o atentado à autonomia universitária consumado com a agressão que sofremos e exigimos das instâncias superiores da UFRJ as providencias cabíveis, quais sejam:
1. a garantia do acesso à leitura de textos publicados, seja por meio da ampliação do acervo de nossas bibliotecas, seja através de mecanismos que garantam à UFRJ meios de reprodução de textos que não infrinjam a referida lei, tal como fez a USP em resolução de 2005, na qual exerce sua autonomia e legisla em favor da comunidade acadêmica;
2. a garantia de que a UFRJ não se curvará à invasão arbitrária de polícias estaduais, sob qualquer pretexto;
3. a solicitação de todo o material didático apreendido irregularmente de nossos docentes, agora em poder da Polícia Civil do Rio de Janeiro;
4. a solidariedade e a defesa do trabalhador Henrique Alves Papa que operava as fotocópias para a ESS.
Rio de Janeiro, 16 de setembro de 2010
Congregação da ESS/UFRJ"

20/09/2010

Do Movimento Continental Bolivariano aos Povos da Venezuela e do mundo

“Quando a opressão não deixa
mais alternativa, a guerra de liberação,
constitui o legítimo recurso dos povos
para alcançar a liberdade”
S. Bolívar. 1812 Cartagena.


Concebemos o direito à rebelião dos povos como um direito universal inalienável.
Em determinados momentos ou períodos históricos os povos tem, não somente o direito como o dever de levantar-se contra a opressão e o terrorismo de Estado, utilizando todas as formas de luta que estejam em seu alcance, incluindo a luta armada. Assim aconteceu em nossa América frente a cruel conquista e colonização européia e frente às diversas formas de tirania e iniquidades, e assim vem sendo – e é – ao largo do combate da humanidade por suas liberdades e direitos.
Neste sentido, está claro que as causas que deram origem à confrontação armada na Colômbia não só não desapareceram como se aprofundaram e extendido, e que a pobreza, a iniquidade, a fraude eleitoral e a violação flagrante dos direitos fundamentais do ser humano seguem sendo constantemente agravada que marca a história recente deste país irmão, impedindo uma saída política não beligerante.
O governo dirigido por Juan Manuel Santos é somente uma nova expressão destes regimes oligárquicos, manejados e dirigidos pelo império norte-americano desde o auge do santanderismo.
A chamada “democracia colombiana” vem se convertendo numa obscura máquina de eleger carrascos, não existindo garantias, nem conições mínimas para o desenvolvimento de uma alternativa política eleitoral que mude o destino histórico deste país.
Essa ansiada possibilidade tem sido cerceada em reiteradas ocasiões. Basta recordar o assassinato de milhares de liberais desmobilizados em meados do século XX, o assassinato em plena via pública de Jorge Eliécer Gaitán no ano de 1948 e a matança que se seguiu e, mais recentemente (entre 1984 e 1990) o brutal extermínio de mais de 5000 candidatos, ativistas e políticos desarmados da União Patriótica junto aos assassinatos seletivos dos dirigentes guerrilheiros desmobilizados do M-19.
Entendemos a luta armada dos povos como uma epopéia pela libertação e isto, em absoluto, pode ser qualificado de terrorismo. Este termo, embalado, manipulado e explorado em maior escala pelos ianques e seus poderosos meios de desinformação depois dos sucessos do 11 de setembro, vem sendo usado junto às múltiplas artimanhas e mentiras como recurso para estigmatizar, desprestigiar e isolar os grupos insurgentes, procurando bloquear a solidariedade internacional em seu favor e criminalizar toda a tentativa de exercê-la.
Com esse mesmo propósito e igual sentido de adulteração da verdade e dos fatos, se insiste em vincular as guerrilhas colombianas com o narcotráfico, utilizando nessa direção o enorme poder comunicacional transnacional dos EUA e seus aliados para semear a falsa idèia de umas guerrilhas, que desviando-se de suas origens, se transformam em um cartel da droga.
Os vínculos com a narco-corrupção, sem dúvida, apontam em direção inversa, implicando profunda e inequivocadamente as altas esferas do governo, Estado e elites empresariais colombianas encabeçadas nos últimos anos pelo narco-paramilitar Uribe Vélez, pelo próprio Juan Manuel Santos e pelo inescrupuloso setor oligárquico que representa. Aqui é válido afirmar que o ladrão e o assassino julgam por sua condição.
Podemos entender que existem razões do Estado que gravitam neste momento para a retomada das relações entre Venezuela e Colômbia, porém os povos, o povo bolivariano, mariateguista, artiguista, sanmartiniano, rodriguista, sandinista, zapatista, camanhista, alfarista, tupacamarista, guevarista… - e muito especialmente os revolucionários de todas as tendências e formas de combate - devem entender, a partir da profundidade do internacionalismo e o latino-americanismo, que a solidariedade não admite silêncios cômodos nem omissões convenientes.
A luta de um povo por sua libertação é parte de nossa própria luta para nos livrarmos das cadeias. Embebidos do espírito bolivariano, assumimos a luta antiimperialista como luta continental contra o império opressor, sempre respeitando a independência, as identidades, as circunstâncias políticas e formas de ação de cada povo e cada setor. Negar tal independência implica adotar a faculdade de perceber e analisar a realidade diferenciada com lentes distantes, que só procuram ver o que favorece interesses egoístas ou manobras circunstanciais, deslegitimando a voz de seus atores reais e desconhecendo o direito e as justas causas e razões. Quem pode afirmar que uma guerrilha pode existir sem apoio popular e sem razões históricas ineludíveis por mais de 50 anos?
A guerra, sem dúvida, não pode seguir sendo o único trágico destino de nosso irmão povo colombiano, nem a rendição de suas heróicas forças insurgentes a saída equânime que dará término a mais de cinco décadas de sangue e morte. Isso seria aceitar que a injusta ordem imposta à ponta de fuzis e terror pelas oligarquias e o imperialismo é o único possível, aceitar o jugo e dar graças por ter vivido sem alcançar um acordo nacional que supere as causas do conflito e leve a Colômbia à uma paz com justiça social, sólida e duradoura.
Quem está fechando as portas ao diálogo que possibilitaria um acordo não é a insurgência armada. Não é casual que Santos, a poucos dias de selar o acordo com o presidente Chávez, mostrou sua verdadeira face, assinalando que não vai aceitar nenhum interlocutor nacional ou internacional que busque um processo de diálogo para a paz na Colômbia, negando-se a nomear um Comissionado de Paz e chamando o exército regular a fortalecer a ofensiva militar contra o povo em resistência, coroando-se como o “santo patrono” da Colômbia santanderista.
Frente ao conflito colombiano, somo solidários com os mais de sete mil presos políticos e prisioneiros de guerra, com os mais de quatro milhões de expulsos de suas terras, com os familiares dos milhares de desaparecidos, com os perseguidos políticos e refugiados colombianos espalhados por todo o mundo, em especial com os que se encontram na Venezuela e no Equador, com o movimento estudantil colombiano em pé de luta, com os dirigentes sindicais que dia a dia arriscam suas vidas para defender seus direitos, com o movimento indígena, com o povo consciente, pobre e perseguido da Colômbia que resiste nas montanhas, campos e cidades nas fileiras das FARC-EP e na ELN na Colômbia insurgente de Bolívar.
Somos partidários pelo reconhecimento dessas forças como FORÇAS BELIGERANTES, defensoras de uma proposta de paz com dignidade, portadoras de uma alternativa democrática destinada a contribuir junto a outros setores a criar uma nova Colômbia livre de bases militares norte-americanas, do terrorismo de Estado, de para-militarsmo genocida e de conflitos armados. Uma Colômbia em paz, autodeterminada e a caminho do reinado do desenvolvimento integral, inclusivo e de justiça social.
Acreditamos ser um dever das esquerdas e das forças democráticas e progressistas de nossa América e do mundo, estando ou não exercendo funções de governo, reconhecer o valor dessas forças alternativas (insurgentes ou não, armadas ou civis), apoiá-las em seu rol beligerante, isolar o regime narco-para-terrorista da Colômbia, exigir o desmantelamento das bases militares norte-americanas, bloquear seus propósitos agressivos contra a Venezuela e região, e rumar à saída política democrática do conflito armado.
É a hora das definições, de atuar em consequência e com coerência. A espada da batalha de Bolívar em nossas mãos não é um símbolo, é espírito de luta que percorre nossa America.
PELA PÁTRIA GRANDE E O SOCIALISMO:
VIVA A COLÔMBIA INSURGENTE DE BOLÍVAR!

Movimento Continental Bolivariano, 21 de Agosto de 2010.
Tradução: Maria Fernanda M. Scelza

19/09/2010

A Esquerda Brasileira como integrante de um Brasil Negado e o Complexo de Mameluco do PSOL

*Robson de Moraes

A sociedade brasileira em seus encontros e desencontros, é retratada em inúmeras obras de diversos autores da mais diferentes correntes teóricas. Em algumas destas leituras está exposto um Brasil profundo, invisível aos olhos de uma elite que se esforça em desenraizar-se e travestir-se de moderna e global (no duplo sentido do termo, ou seja, mundializado e midiático), preservando preconceitos e práticas excludentes de um período colonial escravocrata, que insiste em se manter no ser e fazer presente de nossos dirigentes políticos e empresariais. Ensaios como Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre), Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda), A Casa e a Rua (Roberto Da Matta), O Povo Brasileiro (Darcy Ribeiro), entre outros, revelam este Brasil negado pelos “Donos de Poder”, tal qual denominou Raymundo Faoro.

Em suas centenas de milhões de pessoas, o país é uma nação inacabada, efetivada por um Estado negador dos Diretos mais elementares e inalienáveis, produtora de uma absurda contradição: enquanto nos gabamos de ter alcançado a oitava economia do planeta (segundo o relatório do FMI para o ano de 2009), nos mantemos em septuagésimo quinto em qualidade de vida (levando em conta o IDH), atrás da Albânia e de Trinidad e Tobago. Temos Desenvolvimento Humano inferior a de países a pouco atolados em guerras civis como a Croácia e Montenegro. Na América do Sul estamos mais atrasados que o pequeno Uruguai, atrás da Argentina, do Chile e da contestada Cuba.

Já se tornou evidente que não há “Dois Brasis”, como nos apontou a clássica obra de Jacques Lambert e tão bem criticado por Chico de Oliveira em sua Crítica da Razão Dualista, mas uma perversa combinação que engloba realidades distintas em um mesmo Território, marcado pela heterogeneidade de Classes, Etnias, Culturas, Saberes e Economias.

O processo eleitoral de 2010 expressa todas estas contradições. Há um projeto dominante, fundamentado no aprofundamento da moderna economia (não tão) nacional em um mercado mundial cada vez tecnologicamente verticalizado e em profundo antagonismo com a horizontalidade da reprodução da vida cotidiana. Há uma intensa disputa sobre qual agrupamento do bloco dominante irá conduzir o Brasil ao nosso futuro imediato (Dilma ou Serra ?) de sociedade excludente com capacidade de produzir grandes corporações de origem local ou a sociedade excludente completamente subordinada aos interesses internacionais. É óbvio que não poderemos ser maniqueístas e não poderemos esquecer a alternativa de uma sociedade excludente com verniz ambiental

Neste pleito há ainda uma curiosidade eleitoral: a versão protagonizada pelo PSOL da “Dialética do Senhor e do Escravo” que poderíamos definir como uma espécie de Complexo de Mameluco. Tal qual no escrito de Hegel, a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio, faz um enorme esforço de fazer-se reconhecido como força política diante da mídia e do conjunto de seus adversários. Ao privilegiar a busca do reconhecimento no outro dominante, acaba por reconhecê-lo como definidor dos parâmetros e das normas a serem adotadas. O Escravo, ao procurar estabelecer as condições de sua identidade no Senhor, acaba legitimando o papel de Senhor e consagrando sua subalternidade.

Ao rejeitar a participação no debate, entre as candidaturas de esquerda à Presidência da República, promovida pelo jornal Brasil de Fato como forma amenizar o isolamento promovido pela mídia aos agrupamentos da Esquerda Revolucionária Brasileira e garantir a presença em evento do Instituto Ethos (Organização vinculado ao empresariado paulista), o PSOL age como o mameluco filho de pai português e mãe indígena ou como um mulato, filho do mesmo pai lusitano e de mãe africana, miscigenação esta amplamente divulgada e difundida no imaginário social de nosso povo. Diante de um pai ausente, que cedo abandonou, o filho faz de tudo para ter o reconhecimento do pai, negando sua condição materna e afastando-se de tudo que possa lembrá-la, desqualificando-a e desconstruindo quaisquer laços de aproximação da mãe negada, sonhando com uma relação impossível com um pai, que na prática não o quer.

É nesta conjuntura adversa e diante de precaríssimas bases é que se impõe a tarefa de construção de um pólo aglutinador das Esquerdas, comprometidas com um processo de transformação revolucionária, que dê expressão política a milhões de deserdados, embrião de um Estado Popular, que assista às verdadeiras demandas de nossa gente. Pólo aglutinador que possa definitivamente compreender, perceber e organizar o brasileiro, não como apenas uma identidade a ter sua estima valorizada, mas acima de tudo, como uma forma plural, criativa e inventiva de se colocar no mundo, arquiteto de um novo Projeto e de uma nova hegemonia, que subverta o atual estado de coisas, que elimine os antagonismos vigentes, capaz de viver e prosperar em uma unidade da diversidade, que não renegue a dialética a um mero transformismo adaptativo de camaleão, conciliador por natureza, impotente por vocação e subalterno por vontade e mediocridade.

*Robson de Moraes é Geógrafo (membro da Associação dos Geógrafos Brasileiros), Professor e militante do Partido Comunista Brasileiro